ABRUPTO

6.11.07


MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



Esta noite na Figueira da Foz. (José Manuel)



Linha férrea no Alentejo. (Telmo Martins)

MOMENTOS EM TEMPO REAL: INTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



Parede de um restaurante na Serra de Monchique. (Ochoa)

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 6 de Novembro de 2007


O país político está muito estranho, ou então está como sempre esteve, nós é que desejaríamos que fosse diferente. No telejornal das 13 horas, a RTP resumiu o Prós e Contras à intervenção do Ministro das Finanças, traduzindo a realidade de um programa que não teve Contras. Ou melhor teve, mas foi deixada aos sindicatos e ao PCP essa função. Oposição do PSD ou do PP não existiu, e Mira Amaral no fundamental esteve lá para concordar com o Ministro. Bizarro um programa destes em que está o governo e não há oposição. Não é só não estar a oposição do centro e da direita, é não haver oposição. Deixar a oposição aos sindicatos é o mais cómodo que há para o governo. Mas, na verdade, o Prós e Contras revela involuntariamente uma verdade maior: há hoje menos oposição em Portugal do que há uns meses, no que verdadeiramente conta, no que dói ao PS e ao governo.

Distraídos com a coreografia do debate desta tarde, excelente pasto comunicacional pelo seu aspecto de duelo ao sol, esquecemo-nos de que os problemas políticos estão longe de se reduzirem ao espectáculo teatral da Assembleia. O que Menezes disse na conferência de imprensa de ontem é muito mais importante e explica o Prós e Contras e os múltiplos silêncios do PSD dos dias de hoje. Ele anunciou a vontade de "entendimentos alargados" com o PS, numa série de sectores fundamentais da vida pública, indo mais longe do que Marques Mendes alguma vez foi com o seu modesto Pacto de Justiça.

Pode ser um exercício comunicacional proposto pela sua agência para "lavar" a imagem populista e dar ar de responsável? Duvido que resulte, porque Menezes anunciou uma dupla política: por um lado, colaboração com o PS em todas as áreas fundamentais da vida pública; por outro. oposição casuística tipificada na "Educação, os episódios de criminalidade no grande Porto, a crise no Hospital de Faro". Esta redução da oposição à casuística comunicacional (uma das coisas que criticava em Mendes) reduz o PSD a um papel tribunício, e minimiza-o como partido de alternativa de governo.

Repito: pode ser um exercício comunicacional proposto pela sua agência para "lavar" a imagem populista e dar ar de responsável? Pode, tudo é possível. Mas há razões para se tomar a sério a sua proposta porque ela acrescenta um "entendimento alargado" sobre as Obras Públicas e isto percebe-se que é a valer. Ora esta é a única proposta que o PSD não pode de todo fazer num país como Portugal, onde esse é o terreno do verdadeiro "bloco central de interesses" que mina o estado, corrompe os partidos e a política, e que exige o maior escrutínio de uma oposição que se toma a sério. Esta é a mais preocupante proposta do PSD, numa área em que nada justifica "consensos", por muito que estes sejam pedidos pelos empreiteiros por razões que se percebem muito bem. As grandes obras públicas são política pura, nenhum partido que tenha um projecto para Portugal alternativo ao dos socialistas pode achar que esta é uma zona de "consenso", nem deixar de perceber a perigosidade da proposta.

*

As palavras "realistas" de Silva Lopes foram o momento mais interessante do Prós e Contras e um verdadeiro retrato do que não é dito na política socialista, mas está lá. Silva Lopes disse, preto no branco, duas coisas: uma, que os orçamentos do PS não diminuem as disparidades sociais que se agravam em Portugal; outra, que é a classe média que deve pagar a crise, são os seus rendimentos que devem ser diminuídos para garantir maior equilíbrio social. Ou seja, traduzido em não-socialistês, o estado deve agravar a política de agressividade fiscal sobre a "classe média", os "remediados", para redistribuir aos "verdadeiramente pobres". Nesta equação, que corresponde ao modo como o PS pretende salvar o "modelo social", embora dito com mais crueza, não há qualquer consideração para o papel que a "classe média" possa ter na criação de riqueza, ou dito de outro modo, qualquer papel para o crescimento económico que, com uma "classe média" a caminhar para o remediamento mais absoluto, será impossível. É um programa de empobrecimento colectivo, lento mas seguro.

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SOBRE OS OBJECTOS EM EXTINÇÃO: CDs

Sobre esta nota do Abrupto.

É bem provável que o CD de música seja um objeto em vias de extinção. Poderíamos discutir se isso é bom ou mau, considerando que a qualidade sonora de um iPod é inferior, sobretudo à de um SACD, ou que a relação táctil com o objeto, à semelhança do livro, fica prejudicada. Para quem gosta de música clássica, é particularmente irritante procurar músicas num iPod com 500 CD’s. Nunca sei se devo procurar Haydn ou Franz J Haydn ou até o nome do intérprete, que por vezes aparece na secção “artista”. Sei que tudo isto vai melhorar e que a substituição do CD é inevitável. Afinal, este tipo de opção industrial sempre foi guiada pela praticidade. O LP de 33 rotações substituiu o de 78 porque era mais prático, apesar de oferecer qualidade inferior. O CD também substituiu o LP pela praticidade, mais do que pela qualidade sonora. Só que nestes casos não mudou a forma de gravar e divulgar música. A indústria evoluiu, mas sem mudar muito. Agora, o modelo iTunes/iPod não representa apenas uma nova forma de comprar e ouvir música. É antes a face visível da emergência de uma nova “indústria” musical, mais livre, mais diversa, mas também menos perene e mais ajustada ao produto descartável. Boa parte das pessoas instruídas que têm hoje mais de 40 anos guardam bibliotecas de música, em muitos casos em LP e CD. Não foi sempre assim. Como será daqui a 20 anos? A análise econômica e as tendências deste novo mundo merecem reflexão. Vale a pena ler o blog de 20 de Setembro “What’s the Future of the Music Industry? A Freakonomics Quorum; By Stephen J. Dubner” .

Quanto ao DVD me parece inevitável a extinção, apesar do formato de alta definição. A qualidade do arquivo tipo iTunes vai melhorar e não muda nada na indústria. É só esperar pela integração plena do computador com a TV digital, o que não deve demorar muito para acontecer em grande escala.

(Vitor Salvador Picão Gonçalves)

*

Apenas um comentário relativamente ao que diz dos CD’s. Tenho um enorme fascínio por livros e por CD’s. Bastante menos por DVD’s. Tal como a si, aconteceu-me nos últimos anos deixar de comprar CD’s em decorrência directa da obtenção de um iPod, tendo começado a comprar música na Internet, nomeadamente através do iTunes (tanto álbuns inteiros como músicas avulso, que, de resto, constitui uma das grandes vantagens deste tipo de compra).
Não é, no entanto, sem algum desgosto que me vejo nesta situação, empurrado que fui (como tantos e tantos milhões de pessoas) por uma indústria musical que na verdade nunca compreendeu que vender CD’s a € 20,00 em média é atentatório da inteligência dos consumidores, especialmente quando os mesmos podem canalizar as suas preferências da forma que se vê. Por isso – e perante a incapacidade dessa indústria musical em adaptar-se (a agonia na venda de CD’s é evidente) – considero, apesar de tudo, que existirão nichos de mercado em relação aos quais não haverá perdas. É o caso da música clássica, jazz, alguma étnica, e pouco mais. Quanto ao resto, ao mainstream mais ou menos comercial, estou de acordo consigo: acabará em devido tempo. Mas é pena. Até porque o iPod e outras formas de “mp3” não estão ainda, em termos de qualidade sonora, ao nível do digital mais perfeito, o que coloca questões muitas vezes complicadas a quem gosta de ouvir música e vai – hélas! – seguindo as tendências (veja-se a este propósito que o iTunes comercializa música com qualidade superior mais cara que os habituais € 0,99 a peça). Mas mais: ninguém nem iTunes nenhum vão conseguir destruir o prazer que a materialidade dos CD’s tem, um pouco, de resto, à semelhança do que sucede nos livros.

(Rui Esperança)

*

O seu texto sobre o CD como objecto em extinção levanta uma questão que, não sendo nova, é talvez mais pertinente nos dias de hoje, em que o valor da tecnologia se exprime tão facilmente em números: até que ponto se dispõem os utilizadores a trocar qualidade por conveniência
de utilização? A resposta parece-me ser, "sem hesitar". É engraçado notar como o típico utilizador transporta música no seu leitor portátil em formato MP3 com qualidade de 128Mbps, sobretudo por isso permitir armazenar cada álbum inteiro nuns meros 50MB de memória
permanente (este valor naturalmente muito aproximado, como outros adiante). Porém, por exemplo num iPod, é perfeitamente possível utilizar um formato comprimido sem perdas, que permite em média armazenar cada álbum nuns 300MB com toda a qualidade do CD. Ou seja, o
típico utilizador prefere a conveniência de ter 6 vezes mais música disponível no seu leitor (mesmo que com uma qualidade pouco superior à duma emissão de rádio) à possibilidade de usufruir da qualidade sonora com que a música foi efectivamente editada. Esta preferência é
confirmada pelo modo como se vende música por descarga através da Internet: a maioria dos sítios de venda disponibiliza apenas o formato de 128Kbps, dado ser esse o que satisfaz a grande maioria da procura. Dir-se-á que esta questão é um preciosismo, mas um teste com uma dúzia
de faixas bem editadas e um bom par de auscultadores rapidamente evidencia a diferença em termos de prazer de audição entre os ubíquos 128Mbps e uma reprodução cristalina, sem perdas. Torna-se então interessante notar como um álbum adquirido por descarga na Internet
custa tipicamente uma fracção muito significativa (metade ou mais) do preço do CD equivalente (que normalmente inclui ainda algum material impresso). Presumo que a preferência dos utilizadores só mudará quando a capacidade de armazenamento dos leitores e a velocidade de descarga forem tais que se torne irrelevante o tamanho dos ficheiros envolvidos. Até lá, seria bom que o CD em vias de extinção permanecesse uma espécie protegida...

(Pedro Gomes)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: OPOSIÇÕES VÁRIAS

Poucos minutos antes do primeiro intervalo do Prós&Contras a apresentadora entendeu que era necessário o Ministro das Finanças falar sobre a concessão das estradas por quase um século a troco de mais um aumento do ISP que não é pequeno, segundo consta. Não é um assunto qualquer. O Ministro ripostou que queria falar, mas não por essa ordem. A apresentadora insistiu muito para que explicasse aquilo de imediato, antes do intervalo, e o resto depois. O Ministro simplesmente insistiu novamente, calando-a, e ela remeteu-se a um silêncio absoluto e submisso, tomando ele conta das rédeas do programa e do seu alinhamento, deixando esse ponto para depois, nas suas palavras. Depois foi nunca, seguindo as técnicas de condensação e evaporação usadas pelo chefe supremo, conforme as notícias sejam boas ou más. Acresce que seria uma resposta a uma questão colocada por outro convidado. Chegados do intervalo, o programa já era outro. E pago eu este “serviço” público, esta vergonha e a falta dela, este lixo.

(Paulo Loureiro)

*

A senhora Ministra da Educação quando em 2005 justificou a necessidade de aulas de substituição, fê-lo alegando e cito de cor,que:"a Escola deve ocupar sempre os alunos do básico e do secundário para que não vão para o café,para o tabaco e pior".Ora acontece que agora em 2007, ao pretender justificar um novo Estatuto do Aluno em que se acaba com a distinção entre faltas justificadas e injustificadas , afirmou em entrevista televisiva e volto a citar de cor:"o que é relevante não são as faltas,mas sim se o aluno sabe ou não sabe".
Desta feita parece ter deixado de se preocupar se o aluno que falta vai "para o café, para o tabaco ou pior". Então em que ficamos?!

(António José Ferreira)

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EARLY MORNING BLOGS
1150 - Romance de Fernán d'Arias

Por aquel postigo viejo que nunca fuera cerrado,
vi venir pendón bermejo con trescientos de caballo;
en medio de los trescientos viene un monumento armado,
y dentro del monumento viene un ataúd de palo,
y dentro del ataúd venía un cuerpo finado.
Fernán d'Arias ha por nombre, hijo de Arias Gonzalo.
Llorábanle cien doncellas, todas ciento hijasdalgo;
todas eran sus parientas en tercero y cuarto grado;
las unas le dicen primo, otras lo llaman hermano,
las otras decían tío, otras lo llaman cuñado.
Sobre todas lo lloraba aquesa Urraca Hernando,
¡y cuán bien que la consuela ese viejo Arias Gonzalo!
-¿Por qué lloráis, mis doncellas? ¿por qué hacéis tan grande llanto?
No lloréis así, señoras, que no es para llorarlo,
que si un hijo me han muerto, ahí me quedaban cuatro.
No murió por las tabernas, ni a las tablas jugando,
mas murió sobre Zamora, vuestra honra resguardando;
murió como un caballero con sus armas peleando.

(Anónimo)

*

Bom dia!

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5.11.07


MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



Sol poente no Alentejo. (Telmo Martins)





Henry Dunant e o texto precursor da Convenção de Genebra - Museu da Cruz Vermelha, Genebra. (MJ)





Nova igreja de Fátima. (Ochoa)

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 5 de Novembro de 2007


Se ler alguns destes romances de sucesso, aplicar-lhes-ei as oito regras de Kurt Vonnegut que me parecem adequadas a este tipo de ficção:

"1. Use the time of a total stranger in such a way that he or she will not feel the time was wasted.

2. Give the reader at least one character he or she can root for.

3. Every character should want something, even if it is only a glass of water.

4. Every sentence must do one of two things -- reveal character or advance the action.

5. Start as close to the end as possible.

6. Be a sadist. No matter how sweet and innocent your leading characters, make awful things happen to them -- in order that the reader may see what they are made of.

7. Write to please just one person. If you open a window and make love to the world, so to speak, your story will get pneumonia.

8. Give your readers as much information as possible as soon as possible. To heck with suspense. Readers should have such complete understanding of what is going on, where and why, that they could finish the story themselves, should cockroaches eat the last few pages."
A regra em que serei mais intransigente é a quarta.

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EARLY MORNING BLOGS
1149 - Anything Goes

In olden days a glimpse of stocking
Was looked on as something shocking
Now heaven knows, anything goes

Good authors too who once knew better words
Now only use four letter words writing prose
Anything goes

The world has gone mad today
And good’s bad today
And black’s white today
And day’s night today
When most guys today that women prize today
Are just silly gigolos

So though I’m not a great romancer
I know that you’re bound to answer
When I propose, anything goes

(Letra e música de Cole Porte cantada, entre outros, por Frank Sinatra)

*

Bom dia!

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4.11.07


NUM BLOGUE PERTO DE SI, NUMA GALÁXIA MUITO LONGE




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MOMENTOS EM TEMPO REAL: INTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



Nemesio na televisão. (RM)



Computador com fotografia. (Ochoa)


MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



Ponte Dona Maria no dia dos seus 130 anos. (Tiago Azevedo Fernandes)



Oliveiras perto de Santo António na Serra Aire. (E. Diniz)








Feira de S. Martinho na Golegã. (RM)





Árvores e campos da Golegã. (RM)

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A PRIVACIDADE E O USO DOS SENTIMENTOS NA PROPAGANDA POLÍTICA



A rápida erosão da privacidade é uma das consequências mais evidentes do ascenso da demagogia, da massificação das sociedades contemporâneas no consumo de bens culturais, da utilização perversa de novas tecnologias para disseminar boatos e calúnias, controlar, espiar e "revelar", culminando tudo isto numa vida pública dominada pelo espectáculo e pelo sentimento, corroendo a democracia por dentro.

É verdade que, nesta matéria, como em muitas outras, há uma história social que nem sempre vemos com clareza. De facto, os mais pobres nunca valorizaram a privacidade porque nunca a tiveram. Vivendo em condições de promiscuidade num mundo da "aldeia", ou atirados para as "ilhas", para as "vilas" e depois para as várias versões dos HLM franceses, dos bairros sociais, dos subúrbios, a parte de "baixo" da sociedade não tinha "espaço" para essas delícias da riqueza que era ter quartos individuais. O luxo e o dinheiro protegiam, como ainda protegem, a privacidade limitando o "acesso", mas nem por isso se pode considerar a privacidade como um privilégio dos de "cima". A privacidade é, no seu melhor sentido, um dos adquiridos do mundo burguês, da casa, do espaço familiar ou reservado, da liberdade de mostrar ou esconder o que nos parece ser a última propriedade: o mundo próprio do ser. Nasceu, como muito do que consideramos adquirido nos nossos direitos, liberdades e garantias, do mundo dos quadros de Vermeer, da revolução vinda do capitalismo mercantil da Holanda da Idade do Ouro. Como não estou disposto a abdicar desse espírito humanista no melhor sentido da palavra, não abdico do ter nem do ser privado, em favor de uma nova forma demagógica do colectivismo voyeurista das multidões.

Não é fácil, pelo modo como as coisas caminham em Portugal, seguindo, aliás, as passadas de outros países, a que se soma a habitual mediocridade do nosso meio. Hoje temos uma vida pública que se alimenta a si própria com uma "comida" sentimental e emotiva banalizada, com um discurso superficial sobre tudo, com um ataque à razão a favor da pieguice televisiva, excitada em telejornais de crimes, doenças, acidentes e "casos", caso da "pequena Maddie", caso Esmeralda, caso Casa Pia, casos de pedofilia, importantes e irrelevantes, misturados num mesmo tipo de narrativa excitada nos directos. Neste mundo, o mais pequeno pretexto serve para deixar de haver esfera íntima e privada, seja para um antigo inspector da PJ vir falar da vida sexual dos McCann, seja para uma multidão dos novos interpretadores dos sentimentos, psiquiatras, psicólogos, pedopsiquiatras e pedopsicólogos, a nova fauna comunicacional, nos explicarem as almas perdidas nos seus estados perturbados, seja do "pai do coração" versus o "pai biológico", seja na mãe matadora de um qualquer "bebé", arrastada para gaúdio de outras mulheres ululantes a gritar "assassina!", nuns pobres jeans coçados e numas algemas, seja na súbita aparição pública do novo fantasma do susto colectivo, o pedófilo que, vindo da Rede negra e obscura dos chats ou da escola e da sacristia, se prepara para assaltar o único símbolo que resta da inocência do mundo, as crianças.

Este caminho é cada vez mais trilhado, está-se a tornar normal este assalto à intimidade e à privacidade. Já disse isto várias vezes, repito-me certamente, convicto de que é um protesto ineficaz nos seus resultados. E o pior ainda está para vir, porque, no plano mais vasto da educação cívica, estamos a gerar uma juventude que cada vez menos preza a privacidade e a intimidade. Os milhares de jovens que se expõem na Rede, nos blogues, nos sítios "sociais", que usam o telemóvel como instrumento de controlo, que aceitam com absoluta normalidade que este tenha uma câmara de vídeo, ou um localizador de GPS que permita a outrem saber sempre onde se está, crescem sem prezar o seu espaço íntimo e privado. O mundo em que vão viver é povoado por câmaras de vigilância, escutas, controlos electrónicos de identidade, redes de informação que vão do cartão de crédito à Via Verde, e isso parece-lhes absolutamente normal. Juntam-se assim ao povo que espreita a saída dos presos nos tribunais e que acha que só se preocupa com a privacidade quem tem coisas para esconder.

A ideologia deste voyeurismo tem nas revistas cor-de-rosa a sua melhor expressão, embora na Rede também já haja sinais muito preocupantes das mesmas tendências. "Assumir" é uma das palavras-chave da nova promiscuidade pública. Nos seus raros textos editoriais, as revistas cor-de-rosa e os seus cronistas apelam a "assumir" namoros, traições, noivados, fugas, gravidezes, apetites, orientações sexuais, parceiros e outras "assunções" que servem de alimento a essas publicações. Verdade seja dita que, mais do que a "assunção" pública de qualquer destas coisas, com a consequente perda de mistério e segredo, logo de valor cor-de-rosa, o que essas revistas desejam é "assumir" o papel castigador de serem elas, em fotos indiscretas tiradas às escondidas ou em colunas "sociais" escritas numa linguagem só aparentemente críptica, a "revelar" aquilo que ou não se revela porque se deseja privado, ou porque não se deseja público. A privacidade e a sua defesa tornam-se assim uma fraqueza moral, um vício secreto que se esconde, que não se "assume".

Cada vez mais essas revistas, alguns programas televisivos e locais na Rede começam a receber uma atenção já mais profissionalizada, que usa o voyeurismo público e a erosão da privacidade para intervir no mercado demagógico dos sentimentos, com objectivos quer de manipulação da opinião pública, quer de promoção social e política de personalidades, de contenção de danos, ou, menos visivelmente, para conduzir campanhas hostis contra adversários. Uma das características deste novo espaço demagógico e sentimental é a sua fácil utilização e manipulação por profissionais que o conhecem bem, com as suas regras e tendências, como é o caso da nova geração de agências de comunicação.

Onde antes havia uma "assunção" pública forçada ou meio forçada pelos paparazzi que habitam o aeroporto de Lisboa ou o espaço entre o Camões e a Rua do Carmo, ou alguns locais mais in da cidade, agora existe uma "assunção" desejada, estimulada e controlada por agências de comunicação. O caso mais recente é a utilização da vida privada por Luís Filipe Menezes, de que resultou capas em todas as revistas do "coração", entrevistas, declarações e fotos, não só consentidas como encenadas, com a curiosidade de se perceber a mão da agência de comunicação, aliás admitida publicamente, na similitude da encenação e das "mensagens" do produto final. Já não é a exposição pública desejada e consentida por quem gosta de viver no mundo cor-de-rosa da Caras, da Nova Gente, da Flash, etc., etc., e a quem essa exposição é agradável e socialmente desejada, mas de quem hoje utiliza a vida privada como instrumento de acção política, como mecanismo de envio de mensagens e imagens que se destinam a obter dividendos políticos no crucial mercado do sentimento demagógico. É sempre um caminho arriscado a prazo, como Santana Lopes ou Manuel Maria Carrilho perceberam à sua custa, porque costuma dar para o torto, pela própria natureza da exposição pública e da sua procura de transgressão como valorizador da notícia. Mas, entretanto, vai dando frutos.

Existe outro problema, que transcende a vontade de cada um jogar este jogo arriscado, e que é que, por cada político ou "figura pública" que se expõe, diminui o espaço de privacidade dos que não o desejam fazer, abrindo-se caminho para a impunidade voyeurista cor-de-rosa. A erosão da esfera íntima que deveria ser intocável mesmo nas chamadas "figuras públicas", e da esfera privada, mesmo com alguma perda de "espaço" nas "figuras públicas", é um mau caminho para uma sociedade que preze liberdades e direitos.

(No Público de 3 de Novembro de 2007)

*

Acabei de ler no seu blog "A PRIVACIDADE E O USO DOS SENTIMENTOS NA PROPAGANDA POLÍTICA", concordo totalmente com o que escreveu.

Também eu me questiono e me perturbo com o que se passa com a privacidade, ou melhor, com a ausência dela um pouco por todo o lado. O que mais me perturba e me deixa realmente preocupado são as pessoas e especialmente os mais jovens, não se preocuparem minimamente com a sua privacidade.

Existem duas formas de pensamento que se distinguem até pela idade das pessoas a quem se lhes pede que dêem opinião sobre este assunto.

A primeira, é o argumento de que "quem não deve não teme", esta forma de pensar encontro-a geralmente associada a pessoas com mais de 35 anos.
Como é óbvio este argumento não colhe, se assim fosse porquê por exemplo enviar uma carta e não um postal pelos correios, se nada tenho a temer porque não enviar postais sobre qualquer assunto que tenha a tratar, se assim fosse não haveria necessidade de haver leis sobre a inviolabilidade da correspondência.

A segunda forma de pensamento que associo na maioria dos casos a jovens, é algo ainda pior, é o total desconhecimento da sua privacidade estar em causa ou algo que considero ainda mais grave, a total aceitação da perda dessa privacidade.

Os ditadores deste mundo, os potenciais "big brothers" Orwellianos devem estar a aplaudir e até a fomentar esta cada vez maior perda de privacidade, que no limite acabará por ter graves implicações nas sociedades que se querem democráticas e livres.

Para mim é extremamente difícil por vezes explicar que não me inscrevo em determinados sites como hi5's, que uso encriptação nos meus mails etc etc. e depois tentar mostrar o porquê dessa situação, infelizmente geralmente as pessoas a quem explico estas coisas básicas ou dizem que sou maluquinho ou acham que não há problema nenhum em destruirem a sua privacidade/liberdade.

(RJNunes)

*

Ainda a propósito do post que colocou sobre privacidade, encontrei esta notícia sobre os EUA e o que pretendem fazer com o mail.

é por estas e por outras que mesmo não tendo nada a temer o meu mail usualmente vai encripatado. : No email privacy rights under Constitution, US gov claims.

(RJNunes)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: WIKIPEDIAS

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/6/63/Wikipedia-logo.png/600px-Wikipedia-logo.png

Faz hoje um ano que publicou no Abrupto o texto «O PROBLEMA DA WIKIPEDIA: OS ERROS DO ARTIGO “PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS”». Passado um ano, aquele artigo está na mesma. Nenhuma daquelas passagens a que fez referência foi alterada, nem mesmo o erro objectivo, grosseiro e facílimo de corrigir relativo ao local onde decorreu o quinto congresso. Visto que quando ataca a Wikipedia eu tenho por hábito defendê-la, pode parecer estranho que eu faça notar isto. Mas faço-o por constatar (e lastimar) uma cada vez maior diferença de qualidade entre a Wikipedia em inglês e a Wikipedia em português. Pode-se facilmente ver em quase qualquer artigo para o qual haja uma versão em ambas que a qualidade deste em inglês é claramente superior à sua qualidade em português e isto não só vendo a qualidade do texto em si mas também a qualidade e a quantidade das referências bibliográficas e links externos. Há uma diferença cultural entre os utilizadores das duas versões que é bastante patente.

(José Carlos Santos)

*
Agora que penso nisso, julgo que 100% dos links que coloquei para a Wikipedia no Sargaçal, e foram bastantes, foi para o inglês. Nem sequer foi em consciência, mas está em linha com o que diz o leitor José Carlos Santos. Por coincidência, ontem procurava informações sobre o Liquidambar (estive a plantar dois) e na Wikipedia em português, há o título, o chamado
"esboço" que não é sequer esboço nenhum e é assim que vive esta versão portuguesa da Wikipedia -- de títulos para parecer que os artigos são muitos. Pode-se comparar com a versão em inglês

(http://en.wikipedia.org/wiki/Liquidambar), francesa
(http://fr.wikipedia.org/wiki/Liquidambar), espanhola
(http://es.wikipedia.org/wiki/Liquidambar), alemã
(http://de.wikipedia.org/wiki/Liquidambar)...

Há um ano, assinalou erros no artigo sobre o comunismo. Como grande especialista, foi lá corrigir? Não foi. Passaram por aqui muitas dezenas de milhares de pessoas diferentes, alguma foi lá corrigir? Não foi. Eu fui lá corrigir? Não fui, também não percebo nada do assunto.
Do que percebo já escrevi ou corrigi alguma coisa? Nunca escrevi, nunca corrigi. Acho que não está no DNA dos portugueses colaborar neste tipo de projectos para o bem comum. Não nos está no sangue. Já nos podemos dar por felizes pelo conteúdo que lá existe e sobre o que falta ou está
errado, podemos queixarmo-nos apenas de nós mesmos.

(José Rui Fernandes)

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MOMENTOS EM TEMPO REAL: INTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



Mola de bambu. (susana reis)

MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Entre a noite de ontem e o dia de hoje. Usando o Abrupto como janela.









Paisagem dos Alpes do Sul, a 50 kms de Nice, vista a caminho e, do planalto de La Madone de Utelle, no val de la Vésubie.

(josé rego)

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EARLY MORNING BLOGS
1148 - Poem 42

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(e. e. cummings)

*

Bom dia!

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3.11.07


MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Entre a noite de ontem e o dia de hoje, em Portugal, Rússia, Austria e Brasil..
Usando o Abrupto como janela.



MacDonalds em S. Petersburgo. (João Tiago Samtos)



São Francisco do Sul, Estado de Santa Catarina, Brasil Os sinais dos Açores. (Ovídio Linhas)




Hoje de manhã. Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)







Noite de sexta-feira em Viena. (MC)

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EARLY MORNING BLOGS
1147 - Leaves Compared With Flowers

A tree's leaves may be ever so good,
So may its bar, so may its wood;
But unless you put the right thing to its root
It never will show much flower or fruit.

But I may be one who does not care
Ever to have tree bloom or bear.
Leaves for smooth and bark for rough,
Leaves and bark may be tree enough.

Some giant trees have bloom so small
They might as well have none at all.
Late in life I have come on fern.
Now lichens are due to have their turn.

I bade men tell me which in brief,
Which is fairer, flower or leaf.
They did not have the wit to say,
Leaves by night and flowers by day.

Leaves and bar, leaves and bark,
To lean against and hear in the dark.
Petals I may have once pursued.
Leaves are all my darker mood.

(Robert Frost)

*

Bom dia!

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2.11.07


MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



Praça Jamaa El Fna, em Marrakech. (Eliana Cruz)

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COISAS DA SÁBADO: CARACTERES OU ESTEREÓTIPOS?

O último livro de Frederico Lourenço, Caracteres, é um exemplo de como nem sempre um longo convívio com os clássicos faz bem aos livros que se escrevem. Os clássicos tentam demais e tentaram um seu notável tradutor e conhecedor a fazer um livro pobre e pouco interessante. A mim sempre me pareceu que os livros de “imitação”, no bom sentido dos clássicos que se “imitavam” como cânone, são os mais difíceis de fazer nos dias de hoje, em que o género está em desuso. O livro de Lourenço é uma imitação dos clássicos Caracteres de Teofrasto, um texto que suscitou sempre muitas imitações, a mais célebre das quais é a de La Bruyère que foi a primeira que li.

Confrontando-se directamente com os originais qualquer versão dos Caracteres tem dois problemas: um, manter a ligeireza da forma, concisa, saltando do geral para o particular, exemplar e irónica; outro, construir “caracteres” efectivos, observáveis e reais, na sua “física” e no seu comportamento, que “actualize” o que é de sempre. Resumindo, o mundo está sempre a dar-nos variações dos mesmos tipos de Teofrasto, mas a frescura da descrição é cada vez mais difícil. E este livro não consegue cumprir o desafio.

Nenhum “carácter” tem humor, nem sequer representa bem um “tipo”. É demasiado estereotipado, previsível e superficial. Os tipos são quase todos urbanos e socialmente limitados entre a classe média baixa que vive em Telheiras e a classe média alta que vive na Linha. Até os cães, que tem direito a “carácter”, fazem parte da mesma estirpe social, não são rafeiros. Antes de lermos cada “carácter” já sabemos como é que eles vão ser: o “padre de esquerda”, a “directora de museu”, “o romancista consensual”, os vários poetas, os vários monárquicos e o “marquês de Lovelhe”, são estereótipos, não são “caracteres”. Os tipos que não fazem parte desta roda são ainda mais rudimentares: o “burgesso” e o “latifundiário alentejano”, por exemplo, são tão desinteressantes que se percebe de imediato que o autor não os frequenta, muito menos os conhece. Duvido que o “latifundiário alentejano” seja “um português heterossexual que no seu íntimo não vê grande diferença entre uma mulher e uma galinha”, porque me parece que em todos os sentidos, as galinhas não são para aqui chamadas. Porcos, bezerros, cabras e ovelhas, vá que não vá, mas a centralidade das capoeiras nos montes está longe de ser provada.

Depois os tipos misturam-se, o que é normal na vida, mas anormal nos Caracteres, onde isso “descaracteriza”. O “médico filósofo” trata a mulher como “filha”, o mesmo que arrepia Lourenço no “burgesso”, e temos que convir que deve haver umas diferenças nestas “filhas”. Aliás o retrato do “burgesso” é um dos mais rudimentares, iria dizer “burgesso”, do livro.
Para analisar “caracteres”, os nosso bons humoristas como Herman (o Esteves, o engenheiro do Norte) e os Gatos Fedorentos (aqueles jovens representados pelo RAP que falam horas sem dizer nada) são mais certeiros e, qualquer versão moderna de Teofrasto, é com este tipo de “tipos” que se mede. A de Lourenço mede e perde. No ofício de fixar “caracteres” com perspicácia eles fazem melhor dentro do genuíno espírito de Teofrates, como faziam os Monthy Python ou, em Portugal, alguns textos da antiga revista Almanaque e da menos antiga “Mosca” do Diário de Lisboa, com a vantagem de não terem a pretensão de originarem no modelo clássico.

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