É bem provável que o CD de música seja um objeto em vias de extinção. Poderíamos discutir se isso é bom ou mau, considerando que a qualidade sonora de um iPod é inferior, sobretudo à de um SACD, ou que a relação táctil com o objeto, à semelhança do livro, fica prejudicada. Para quem gosta de música clássica, é particularmente irritante procurar músicas num iPod com 500 CD’s. Nunca sei se devo procurar Haydn ou Franz J Haydn ou até o nome do intérprete, que por vezes aparece na secção “artista”. Sei que tudo isto vai melhorar e que a substituição do CD é inevitável. Afinal, este tipo de opção industrial sempre foi guiada pela praticidade. O LP de 33 rotações substituiu o de 78 porque era mais prático, apesar de oferecer qualidade inferior. O CD também substituiu o LP pela praticidade, mais do que pela qualidade sonora. Só que nestes casos não mudou a forma de gravar e divulgar música. A indústria evoluiu, mas sem mudar muito. Agora, o modelo iTunes/iPod não representa apenas uma nova forma de comprar e ouvir música. É antes a face visível da emergência de uma nova “indústria” musical, mais livre, mais diversa, mas também menos perene e mais ajustada ao produto descartável. Boa parte das pessoas instruídas que têm hoje mais de 40 anos guardam bibliotecas de música, em muitos casos em LP e CD. Não foi sempre assim. Como será daqui a 20 anos? A análise econômica e as tendências deste novo mundo merecem reflexão. Vale a pena ler o blog de 20 de Setembro “What’s the Future of the Music Industry? A Freakonomics Quorum; By Stephen J. Dubner” .
Quanto ao DVD me parece inevitável a extinção, apesar do formato de alta definição. A qualidade do arquivo tipo iTunes vai melhorar e não muda nada na indústria. É só esperar pela integração plena do computador com a TV digital, o que não deve demorar muito para acontecer em grande escala.
(Vitor Salvador Picão Gonçalves)
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Apenas um comentário relativamente ao que diz dos CD’s. Tenho um enorme fascínio por livros e por CD’s. Bastante menos por DVD’s. Tal como a si, aconteceu-me nos últimos anos deixar de comprar CD’s em decorrência directa da obtenção de um iPod, tendo começado a comprar música na Internet, nomeadamente através do iTunes (tanto álbuns inteiros como músicas avulso, que, de resto, constitui uma das grandes vantagens deste tipo de compra). Não é, no entanto, sem algum desgosto que me vejo nesta situação, empurrado que fui (como tantos e tantos milhões de pessoas) por uma indústria musical que na verdade nunca compreendeu que vender CD’s a € 20,00 em média é atentatório da inteligência dos consumidores, especialmente quando os mesmos podem canalizar as suas preferências da forma que se vê. Por isso – e perante a incapacidade dessa indústria musical em adaptar-se (a agonia na venda de CD’s é evidente) – considero, apesar de tudo, que existirão nichos de mercado em relação aos quais não haverá perdas. É o caso da música clássica, jazz, alguma étnica, e pouco mais. Quanto ao resto, ao mainstream mais ou menos comercial, estou de acordo consigo: acabará em devido tempo. Mas é pena. Até porque o iPod e outras formas de “mp3” não estão ainda, em termos de qualidade sonora, ao nível do digital mais perfeito, o que coloca questões muitas vezes complicadas a quem gosta de ouvir música e vai – hélas! – seguindo as tendências (veja-se a este propósito que o iTunes comercializa música com qualidade superior mais cara que os habituais € 0,99 a peça). Mas mais: ninguém nem iTunes nenhum vão conseguir destruir o prazer que a materialidade dos CD’s tem, um pouco, de resto, à semelhança do que sucede nos livros.
(Rui Esperança)
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O seu texto sobre o CD como objecto em extinção levanta uma questão que, não sendo nova, é talvez mais pertinente nos dias de hoje, em que o valor da tecnologia se exprime tão facilmente em números: até que ponto se dispõem os utilizadores a trocar qualidade por conveniência de utilização? A resposta parece-me ser, "sem hesitar". É engraçado notar como o típico utilizador transporta música no seu leitor portátil em formato MP3 com qualidade de 128Mbps, sobretudo por isso permitir armazenar cada álbum inteiro nuns meros 50MB de memória permanente (este valor naturalmente muito aproximado, como outros adiante). Porém, por exemplo num iPod, é perfeitamente possível utilizar um formato comprimido sem perdas, que permite em média armazenar cada álbum nuns 300MB com toda a qualidade do CD. Ou seja, o típico utilizador prefere a conveniência de ter 6 vezes mais música disponível no seu leitor (mesmo que com uma qualidade pouco superior à duma emissão de rádio) à possibilidade de usufruir da qualidade sonora com que a música foi efectivamente editada. Esta preferência é confirmada pelo modo como se vende música por descarga através da Internet: a maioria dos sítios de venda disponibiliza apenas o formato de 128Kbps, dado ser esse o que satisfaz a grande maioria da procura. Dir-se-á que esta questão é um preciosismo, mas um teste com uma dúzia de faixas bem editadas e um bom par de auscultadores rapidamente evidencia a diferença em termos de prazer de audição entre os ubíquos 128Mbps e uma reprodução cristalina, sem perdas. Torna-se então interessante notar como um álbum adquirido por descarga na Internet custa tipicamente uma fracção muito significativa (metade ou mais) do preço do CD equivalente (que normalmente inclui ainda algum material impresso). Presumo que a preferência dos utilizadores só mudará quando a capacidade de armazenamento dos leitores e a velocidade de descarga forem tais que se torne irrelevante o tamanho dos ficheiros envolvidos. Até lá, seria bom que o CD em vias de extinção permanecesse uma espécie protegida...