ABRUPTO |
![]() semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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2.11.07
![]() COISAS DA SÁBADO: CARACTERES OU ESTEREÓTIPOS? ![]() Confrontando-se directamente com os originais qualquer versão dos Caracteres tem dois problemas: um, manter a ligeireza da forma, concisa, saltando do geral para o particular, exemplar e irónica; outro, construir “caracteres” efectivos, observáveis e reais, na sua “física” e no seu comportamento, que “actualize” o que é de sempre. Resumindo, o mundo está sempre a dar-nos variações dos mesmos tipos de Teofrasto, mas a frescura da descrição é cada vez mais difícil. E este livro não consegue cumprir o desafio. Nenhum “carácter” tem humor, nem sequer representa bem um “tipo”. É demasiado estereotipado, previsível e superficial. Os tipos são quase todos urbanos e socialmente limitados entre a classe média baixa que vive em Telheiras e a classe média alta que vive na Linha. Até os cães, que tem direito a “carácter”, fazem parte da mesma estirpe social, não são rafeiros. Antes de lermos cada “carácter” já sabemos como é que eles vão ser: o “padre de esquerda”, a “directora de museu”, “o romancista consensual”, os vários poetas, os vários monárquicos e o “marquês de Lovelhe”, são estereótipos, não são “caracteres”. Os tipos que não fazem parte desta roda são ainda mais rudimentares: o “burgesso” e o “latifundiário alentejano”, por exemplo, são tão desinteressantes que se percebe de imediato que o autor não os frequenta, muito menos os conhece. Duvido que o “latifundiário alentejano” seja “um português heterossexual que no seu íntimo não vê grande diferença entre uma mulher e uma galinha”, porque me parece que em todos os sentidos, as galinhas não são para aqui chamadas. Porcos, bezerros, cabras e ovelhas, vá que não vá, mas a centralidade das capoeiras nos montes está longe de ser provada. Depois os tipos misturam-se, o que é normal na vida, mas anormal nos Caracteres, onde isso “descaracteriza”. O “médico filósofo” trata a mulher como “filha”, o mesmo que arrepia Lourenço no “burgesso”, e temos que convir que deve haver umas diferenças nestas “filhas”. Aliás o retrato do “burgesso” é um dos mais rudimentares, iria dizer “burgesso”, do livro. Para analisar “caracteres”, os nosso bons humoristas como Herman (o Esteves, o engenheiro do Norte) e os Gatos Fedorentos (aqueles jovens representados pelo RAP que falam horas sem dizer nada) são mais certeiros e, qualquer versão moderna de Teofrasto, é com este tipo de “tipos” que se mede. A de Lourenço mede e perde. No ofício de fixar “caracteres” com perspicácia eles fazem melhor dentro do genuíno espírito de Teofrates, como faziam os Monthy Python ou, em Portugal, alguns textos da antiga revista Almanaque e da menos antiga “Mosca” do Diário de Lisboa, com a vantagem de não terem a pretensão de originarem no modelo clássico. Etiquetas: Frederico Lourenço (url)
© José Pacheco Pereira
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