ABRUPTO

3.9.05


CIDADES MORTAS

Já há algum tempo que estou a ler o livro de Mike Davis, Dead Cities . É um conjunto de ensaios, pelo que umas vezes leio um, depois outro. Davis ficou célebre quando escreveu City of Quartz , um livro premonitório para compreender os tumultos de Los Angeles.
O tema do livro é a destruição apocalíptica das cidades, a “morte” das cidades, uma questão que me interessa e sobre a qual escrevi a propósito de uma introdução às Lamentações, tidas como sendo de Jeremias. A destruição de Jerusalém é o modelo dessas “mortes” reais e simbólicas, uma constante na nossa tradição ocidental. Vulcões, inundações, bombardeamentos aéreos, tumultos, saques onde não fica pedra sobre pedra, terra salgada (Cartago), explosões, hecatombes, ar envenenado, incêndios – são a matéria deste livro. O que se percebe muito bem é a adequação do nosso viver urbano à destruição apocalíptica, como se percebeu no 11 de Setembro. Torna-se fácil.

(Publicado no Abrupto em 2003)

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SECTARISMO 2



Voltando ao caso do noticiário da RTP de ontem que critiquei e de que mantenho a crítica, que não é genérica e abstracta, mas aponta para um exemplo concreto. É pena que o texto não esteja disponível para se analisar, porque se ganhava com isso em clareza na discussão.

Eu não acho que seja aceitável, em termos de bom jornalismo, que os EUA sejam sistematicamente referidos numa matéria noticiosa como “a “super potência”, “a maior potência do mundo”, classificações políticas que envenenam todo o texto. Um editorial pode fazê-lo, uma notícia não deve fazê-lo. Os EUA chamam-se EUA.

Do mesmo modo,nesse noticiário, sendo o número de mortos confirmados à data por volta de oitenta (um dia depois quando escrevo está em 147, a subir) prevendo-se no entanto muitos mais (milhares talvez), nada justifica substituir na narrativa os mortos confirmados pelos previstos. O texto da notícia da RTP falou várias vezes em milhares de mortos como se fosse um facto adquirido. Infelizmente pode vir a ser, mas não é aceitável como jornalismo o que se fez. A especulação com o número de mortos é uma tentação política como aconteceu com Timor, mas depois, depois do efeito adquirido,a rectificação de pouco serve.

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UMA "IGNIÇÃO" EM TEMPO REAL



Início do incêndio por volta das 14 horas. A "ignição" começou numa esquina entre duas estradas de terra batida. Ou é negligência ou é fogo-posto, pela localização. Dez minutos depois, pegou-se a um dos outros lados da estrada. Pinheiros, eucaliptos, mas matas intercaladas com campos sem grande vegetação e um terreno terraplanado. Ardem os restos da terraplanagem, raízes e ramas amontoados há vários meses, criando dois ou três focos distintos, mas isolados por terra. Ninguém sabe para que é a terraplanagem, feita numa área de reserva agrícola. Não há vento, estão cerca de 30º. Vinte minutos depois, chegada de um primeiro carro dos bombeiros para observação. Meia hora, chegada do primeiro carro com água, seguido de outros em intervalos de mais ou menos cinco, dez minutos. Bombeiros de três cidades. O incêndio sobe pela encosta. Começa a ficar vento, com as rajadas muito fortes canalizadas pela rede de vales e colinas. Percebe-se que se o vento tivesse chegado antes dos bombeiros ia ser mais complicado. Passa uma avioneta. Três quartos de hora depois, chega um helicóptero mas vazio. Faz um reconhecimento e volta dez minutos depois lançando água, embora o incêndio já estivesse controlado pelos bombeiros a pé. Não voltou mais. O fumo negro é substituído pelo fumo branco, deixou de se ouvir crepitar. Chega um outro carro de bombeiros, o primeiro que vem com as sirenes todas. Já não deve ser preciso.

Quando escrevo parece ter sido controlado. Está a ser feito o rescaldo. Hora e meia depois. Nunca foi um grande incêndio. Felizmente.

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EARLY MORNING BLOGS 593:
"CUANDO YO LO QUISIERE, MUY BIEN LO SABRÉ GANAR"

ENTREVISTA DE BERNARDO CON EL REY

Con cartas sus mensajeros el rey al Carpio envió:
Bernardo, como es discreto, de traición se receló:
las cartas echó en el suelo y al mensajero habló:
—Mensajero eres, amigo, no mereces culpa, no,
mas al rey que acá te envía dígasle tú esta razón:
que no le estimo yo a él ni aun a cuantos con él son;
mas por ver lo que me quiere todavía allá iré yo.
Y mandó juntar los suyos, de esta suerte les habló:
—Cuatrocientos sois, los míos, los que comedes mi pan:
los ciento irán al Carpio para el Carpio guardar,
los ciento por los caminos, que a nadie dejen pasar;
doscientos iréis conmigo para con el rey hablar;
si mala me la dijere, peor se la he de tornar.
Por sus jornadas contadas a la corte fue a llegar:
—Dios os mantenga, buen rey, y a cuantos con vos están.
—Mal vengades vos, Bernardo, traidor, hijo de mal padre,
dite yo el Carpio en tenencia, tú tómaslo en heredad.
—Mentides, el rey, mentides, que no dices la verdad,
que si yo fuese traidor, a vos os cabría en parte;
acordáseos debía de aquella del Encinal,
cuando gentes extranjeras allí os trataron tan mal,
que os mataron el caballo y aun a vos querían matar;
Bernardo, como traidor, de entre ellos os fue a sacar.
Allí me diste el Carpio de juro y de heredad,
prometísteme a mi padre, no me guardaste verdad.
—Prendedlo, mis caballeros, que igualado se me ha.
—Aquí, aquí los mis doscientos, los que comedes mi pan,
que hoy era venido el día que honra habemos de ganar.
El rey, de que aquesto viera, de esta suerte fue a hablar:
—¿Qué ha sido aquesto, Bernardo; que así enojado te has?
¿Lo que hombre dice de burla de veras vas a tomar?
Yo te dó el Carpio, Bernardo, de juro y de heredad.
—Aquestas burlas, el rey no son burlas de burlar;
llamásteme de traidor, traidor, hijo de mal padre:
el Carpio yo no lo quiero, bien lo podéis vos guardar,
que cuando yo lo quisiere, muy bien lo sabré ganar.


(Anónimo)

*

Bom dia!

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2.9.05


SECTARISMO



É difícíl imaginar noticiário mais sectário do que o que acabou de passar na RTP1 sobre o furacão Katrina. A lista dos adjectivos é um manual do que não se deve fazer em jornalismo e as frases valorativas, sem nada de noticioso, são repetidas ad nauseam. Tudo para transformar o que aconteceu em Nova Orleães num panfleto contra a guerra do Iraque. Não me lembro de um tratamento noticioso de uma catástrofe qualquer, ocorrida fora de Portugal , feito desta maneira puramente acusatória. Só puramente acusatória, para atacar Bush e a guerra.

É evidente que há responsabilidades quando alguma coisa corre mal – com os fogos cá não é suposto ser o mesmo? – mas, mesmo no tratamento dessas responsabilidades, o carácter jornalístico de um noticiário deve ser mantido. Este noticiário seria um interessante case study para as nossas escolas de comunicação social analisarem, mas infelizmente quando um dia se fizer um estudo sobre o equilíbrio noticioso desta matéria, o mal já está feito.

Fica aqui um apelo à Direcção de Informação da RTP para disponibilizar o texto integral do seu noticiário de hoje às 13 horas, incluindo perguntas e respostas dos convidados, para melhor análise e julgamento de todos. Não custa nada, permitia uma análise mais rigorosa e, se eu não tivesse razão, seria o melhor dos desmentidos. Quem não deve não teme. O Abrupto publicá-lo-á na íntegra.

*

Há uma incontida satisfação em todos os anti-americanos primários perante as cenas de caos e pilhagem que as televisões nos têm trazido de New Orleans. É música para os seus ouvidos frases como a que o correspondente da CBS/RTP dizia esta manhã - "...cenas como as que assistimos em Nova Orleães são as que se esperariam em países do terceiro mundo, como o Ruanda...". Estas cenas corroboram, aos seus olhos, o seu dogma de estimação de que é o modelo capitalista que provoca as assimetrias sociais que potenciam o conflito que explode em situações-limite entre quem está integrado na sociedade capitalista e quem fica na sua margem.

A dura realidade que se respira nas cidades da América, e todas as cidades importantes são invariavelmente assim, é a de um contraste tremendo entre os centros financeiros de cada downtown e os bairros residenciais dos arredores, onde mora a tal América integrada, essencialmente branca e rica ou remediada, nas suas vivendas com jardim e os seus SUV ou descapotáveis, e os bairros urbanos degradados, onde uma América negra e miserável vai sobrevivendo, alienada e frustrada, pois os pobres são mais frustrados à vista da riqueza.

A América integrada vive de costas voltadas para essa outra América, que Michael Moore caricaturiza nos seus livros e filmes. Que é real, não é ficcionada. Quem a quiser conhecer pode, por exemplo, apanhar uma Greyhound até Baltimore e abrir bem os olhos, ou, se tiver coragem, ir até South Central Los Angeles, que ficou célebre pela revolta que se seguiu ao assassinato de Rodney King, um negro, por polícias do LAPD. Ou ainda, contar os exércitos de sem-abrigo que, todas as noites, dormem nos vãos de escada dos centros financeiros de todas as suas cidades, antónimo dos yuppies de portátil a tiracolo e óculos Ray-Ban que as povoam de dia.

A América não é, de facto, o sal da terra. As imagens televisivas de New Orleans falam por si. Mas será que o seu crescimento económico, exponencial relativamente ao da nossa Europa, esclerosada e estagnada, não vai integrar progressivamente estes alienados. Lembremo-nos dos tempos de MLK e da luta pelos direitos civis, o ponto de partida, porque a história não começa e acaba hoje. Os founding fathers idealizaram uma sociedade apoiada na livre iniciativa e na responsabilidade individual. A Europa continua a acreditar no Estado-Providência como corrector das desigualdades sociais.

Por hoje, a América cresce, a Europa mingua.

Quem irá rir por último?...

(Carlos Costa)
*

A RTP disponibiliza, na sua secção multimédia os videos do Telejornal e Jornal da Tarde. Com um dia de atraso, é certo. Pelo que julgo que amanhã se poderá descarregar aquele a que faz referência. E se alguém tiver paciência, transcrever para texto a peça que refere.

(Gabriel Silva do Blasfémias)


*

Segundo o Público Online de hoje, o nosso PR exprimiu ao seu congénere Americano o seu profundo "assombro e choque" pela catástrofe resultante da passagem do furacão Katrina. A peculiar escolha de palavras do Dr. Sampaio fez-me parar para pensar. Tinha a certeza que já tinha lido esta expressão algures mas não me lembrava onde. Então lembrei-me que uma possível tradução destas palavras para inglês é "shock and awe" e que, curiosamente ou talvez não, foi o nome escolhido para a ofensiva americana no Iraque. Será que o Dr. Sampaio resolveu mandar uma graçola subliminar ao Sr. Bush ou sou eu que estou a ficar um pouco paranóico?

(Rui C., Olean, NY, USA)
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As declarações de Hugo Chavez são miseráveis e foram apresentadas numa peça da RTP esta manhã sob o título de "... mensagens de solideriedade" onde aparecia vários chefes de estado a apresentar a disponibilidade em ajudar - lamentável
Mario Rui de Cravalho, reporter de imagem da CBS, citado pela TSF, dizia com toda a "propriedade" que "Nunca se saberá quantos morreram em Nova Orleães" e diz mais etsa coisa extraordinária «Haverá muitos desaparecidos ... e nunca se saberá quantas pessoas morreram exactamente, mas eu posso garantir que foram milhares». Nada disto é jornalismo!

(Filipe Freitas)
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Pode ser sectarismo ou qualquer adjectivo terminado em "ismo", mas a verdade (e aqui refiro-me à imprensa americana, espanhola, francesa, inglesa, brasileira, qualquer uma e das que tive oportunidade de ler e ouvir) é que aquelas imagens de milhares de pessoas ( na sua grande maioria negros, talvez por isso a América rica, branca e religiosa não deu a devida importância ao Katrina) desesperadas por coisas tão básicas, como água para beber e comida, não me saí da cabeça! Como uma potência daquelas, que até previu o tipo de furacão que iria afectar aquela zona da América, que aconselhou os cidadãos a abandonar a cidade de Nova Orleães, não se preveniu para se abastecer de água potável e alimentos para o pós-furacão? Como um país daqueles se encontra agora nas "mãos" do acaso, dádivas e caridade de alguns? Em Portugal disse-se coisas impensáveis ( e o "Abrupto" disse-o!) sobre os incêndios e o nosso modo tão peculiar de tratar catástrofes, mas pergunto: e o que aconteceu com a América, o que dizer daquilo? O Sócrates levou porrada ( e o "Abrupto" calçou as luvas de boxe e bateu até onde quis!) porque estava de férias num Safari, em África, quando Portugal ardia e não se "dignou" a interromper as suas férias ! Mas... E o Bush não foi acusado pela imprensa mais independente ( toda ela) americana de ter reagido tarde e de ter menosprezado o furacão Katrina e de não ter interrompido as férias no seu rancho? Pois então, caros prós e contras americanos o que dizer desta catástrofe natural? E eu até gosto e admiro o engenho e a imaginação americana e estou solidário com eles nesta hora de sofrimento, mas não nos devemos silenciar quando vemos aquela pobre gente da Nova Orleães, descendentes dos escravos do Sul, sem qualquer amparo de um Estado que não olha a meios para gastar em armas e quejandos!

(José Armando Almeida)
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Tenho seguido com atenção os noticiários dos quatro canais televisivos, mas também da CNN, da Skynews e da BBWworld. Hoje mesmo, estive a ler os editoriais e textos relacionados com a tragédia americana no New York Times e, embora possa estar de acordo que determinadas "visões" não serão as mais objectivas, é verdade que tanto Bicudo (RTP), como Costa Ribas (SIC) ou Mário Carvalho (CBS) são unânimes na sua crítica à falta de coordenação e providência da Protecção Civil Americana. Os editoriais e textos dos principais articulistas do NYT são, igualmente, unânimes, na condenação da Protecção Civil (e por extensão do governo federal) dos EUA. De há muito que se sabe que a região da Louisiana é sujeita a furacões periódicos. Um dos articulistas do NYT, citando dados de 2001, escreve que, nesse ano, a Protecção Civil tinha projectado três possíveis grandes catástrofes contra as quais os EUA deviam estar preparados: um ataque terrorista a NY (já aconteceu); um terramoto de grau elevado em São Franscisco e um furacão em Nova Orleães. Destes três, o citado estudo, considerava o furacão de NO como o que traria mais devastação...
No mesmo artigo, podia ainda ler-se que os furacões vêm sempre em duas ondas: a primeira, de chuva e vento e a segunda de contestação social. A primeira já passou, a segunda vem aí. Ora o que as imagens de Nova Orleães nos mostram é a população mais pobre (negros, doentes e velhos) que ficaram na cidade por não terem meios para escapar. Será esta constatação uma forma de "anti-americanismo" primário? Não me parece...

(Rui Mota)
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Ainda sobre o Katrina, hoje de manhã, ao ouvir o noticiário da TSF, fiquei boquiaberto quando, com grande destaque, informaram de que soldados recém-chegados do Iraque tinham sido enviados para Nova Orleães, armados, e com ordens para atirar a matar!

Está tudo doido, pensei eu! O objectivo não deveria ser ajudar os sobreviventes? Será que querem abater os desgraçados que ainda estão vivos?

Mais à frente, quase envergonhadamente, lá disseram mais qualquer coisa: não se trata de abater as pessoas esfomeadas que invadem supermercados para se alimentarem, mas sim, os gangs e snipers que percorrem a cidade, a matar, roubar e violar "algumas jovens" (sic).

Quem só tivesse ouvido a primeira parte, o que não diria do Bush e da América?

(Ricardo Peres)


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Valorizo a manifesta apetência que demonstra em análises políticas ou culturais. Mas o mérito social ou jornalístico não lhe reconheço. Bacoca, nefasta e jurássica a sua interpretação do impacto mediático do Katrina...
Não encontro em si conhecimento vasto na Teoria da Noticia, na Produção Jornalística ou na Estratégia de Alinhamento. E se deixa contagiar o seu texto de um despeito despudorado por quem não lhe dá voz (Ja basta a SICNotícias), garanto que a RTP não se move por movimentos anti-Bush ou corridas miliaristas contra a Guerra do Iraque. De fino polimento ético, os jornalistas da RTP dão voz. A voz pertence a quem padeceu e sentiu, na pele, a fúria do Katrina. Se as vozes se questionam quanto à falta de imediatez na resposta do governo americano, são essas que se ouvem. Se as vozes se revoltam contra a placidez tonta de Bush, são essas que se ouvem.
O que o senhor deseja, vá, confesse!, é o politicamente correcto, a auto-censura, a castração moral. Tenha vergonha... a esquizofrenia política é dos sintomas mais preocupantes. Procure ajuda...

(leitor não identificado)

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UM KATRINA MUITO NOSSO



Está já nos blogues e nos jornais, os Mercúrios anunciadores. Chegará a todo o lado, aos táxis, às mesas dos cafés, às ruas. Estão no horizonte uns largos meses de radicalismo político, de subida de tom, de irritações mútuas, de aquecimento das palavras e dos gestos, o arsenal das duplicidades, os velhos argumentos de sempre, o meter tudo no mesmo saco, o “nós” e os “eles” quando os “eles” não somos “nós” e vice-versa, a incapacidade de ouvir os outros, a indiferença face às razões alheias a favor da posição em que se está, a a-história como método analítico, a manipulação da memória, o ressentimento e a arrogância.

Metade do país contra outra metade, com raiva, mas sem consequência, vão-se dedicar afincadamente a este desporto com a mesma vacuidade que dedicam às virtudes do seu clube e ao demérito do clube alheio. Vai ser um cansaço e nada mais trará do que susceptibilidades feridas, lastro de acusações e contra-acusações, ressentimentos e arrogâncias e o que ficará é o mesmo sólido terreno de resistência à mudança, o que se solidificará é a mesma partidarite interesseira, o mesmo Portugal que se diz não desejar mas que se ajuda a ficar tão sólido como betão.

A nossa incapacidade, herança péssima do salazarismo e do atraso, de pensar e de fazer política fora da imprecação e da acusação moral é reveladora da nossa condição terceiro-mundista. É o equivalente em política ao feio que alastra a partir da Estrada Nacional 1, tem as mesmas origens, a mesma mecânica.

Podia ser diferente? Claro que podia. Com esforço podia, mas duvido que o seja. A trituradora já está a funcionar com o seu habitual contingente de assessores, jornalistas, políticos, autores de blogues. O seu primeiro esforço vai ser a igualização moral (cívica, política): são todos iguais, ninguém é diferente, são todos tão maus como nós somos. Depois desta terraplanagem moral, então pode-se ir ao business as usual, como lhes convém.

Posso fazer diferente? Posso pelo menos esforçar-me para fazer diferente. Tomando posições, porque isso é normal em política numa democracia, mas não colocando entre parêntesis as causas a favor das posições. Vamos ver se consigo.

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A LER

Uma boa coisa que tem os blogues e que uma palavra inglesa dá melhor que tudo: snippets. Como esta Histórias de amor na Origem das Espécies.

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COISAS COMPLICADAS


Sally Mann, Untitled [Chancellorsville # 29]

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EARLY MORNING BLOGS 593:
"WHO ALTEREST ALL THINGS WITH THY PEERING EYES"


Sonnet - To Science


Science! true daughter of Old Time thou art!
Who alterest all things with thy peering eyes.
Why preyest thou thus upon the poet's heart,
Vulture, whose wings are dull realities?

How should he love thee? or how deem thee wise,
Who wouldst not leave him in his wandering
To seek for treasure in the jewelled skies,
Albeit he soared with an undaunted wing?

Hast thou not dragged Diana from her car?
And driven the Hamadryad from the wood
To seek a shelter in some happier star?

Hast thou not torn the Naiad from her flood,
The Elfin from the green grass, and from me
The summer dream beneath the tamarind tree?


(Edgar Allan Poe)

*

Bom dia!

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1.9.05


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: AR PURO


O "Espírito" descansa da negatividade e olha em volta. Hegel em Marte.

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MÁRIO SOARES, JESUS, FINANÇAS E BIBLIOTECAS



"A economia é extremamente importante, ninguém o ignora. É uma das chaves do nosso futuro colectivo. Mas a economia está ao serviço das pessoas e não as pessoas da economia. (...) Depois, como escreveu Fernando Pessoa: "Mais do que isto/é Jesus Cristo/que não sabia nada de finanças/nem consta que tivesse biblioteca""

Todo o discurso de apresentação da candidatura de Mário Soares é um exercício defensivo de denegação. Já vários o notaram, não vale a pena repeti-lo. Mas há uma frase muito significativa do dilema da sua candidatura, que pronuncia contra Cavaco, mas que revela o aspecto mais frágil da sua acção como governante, e do seu pensamento presidencial no que diz respeito à governação.

Mário Soares não é o Jesus de Pessoa – que Pessoa certamente não quereria como Presidente, e que “não sabe de finanças” e “não tem biblioteca”. Ora Soares “não sabe de finanças”, mas tem biblioteca, o que significa que a sua ignorância de economia e finanças, proclamada face ao seu adversário, tem outro sentido político: é que o problema não é Soares não ser professor de economia, mas não dar importância real à economia na crise. Na verdade nem sequer é à “economia” abstracta, porque a ela faz lip service habitual. É à economia real, ao capitalismo, ao mercado, tal como ele funciona, e à economia portuguesa tal como é. E aqui há ideologia, há socialismo, há estatismo, e há, acima de tudo, jacobinismo. E há um preço enorme que pagamos por estas ideias. Esse preço é a crise em que vivemos.

O discurso de Soares é retórico e jacobino, acredita no Estado e no exercício do poder político no estado, no governo e no partido – aliás é só por ver este poder ameaçado, ou limitado, que se candidata – e este sobrepõe-se, ou é ontologicamente indiferente à economia, que é vista como uma perturbação que interesses, em última instância egoístas, causam na governação iluminista e iluminada pela Razão.

É por pensar assim que muito do país que existe e do qual os portugueses retiram as razões para o seu pessimismo foi feito por ele e pelo PS. A sua candidatura é a promessa de que não aprendeu nada do desastre que foi em Portugal o jacobinismo do PS na manutenção do estado socialista híbrido gerado pelo PCP em 1975. Com a ajuda às vezes, só às vezes, do PSD e do PP.

O problema não é Soares não saber de economia, é que ao se vangloriar de não o saber, está a dizer-nos que a economia não é um factor ou um revelador fundamental na crise . Aliás não custa perceber que se Soares fosse PM não daria prioridade ao controlo do défice (sim Soares pronunciou-se sobre a governação e não vi ainda ninguém protestar sobre isso). Frases como esta – “a economia está ao serviço das pessoas e não as pessoas da economia” – em Portugal não significam outra coisa. Não será dele que virá qualquer apoio ao governo para reformas difíceis, bem pelo contrário. Às ideias jacobinas como as de Soares devemos muito da crise, não se espera que delas venha a solução.

*

Ignoro onde é que Mário Soares foi beber o dilema da economia. Se não se serviu desta fonte Autisme-Economie.org por lá andará. Concordo que sem economia laboriosa não é possível avanços audaciosos. Mas a verdade é que as "fábricas" produtoras e reprodutoras de economistas ainda não produziram o milagre "português". Daí a revolta dos estudantes franceses de economia pretenderem uma reforma do respectivo ensino e considerarem que há uma vivência de economia autista. Dito de outra forma, o ensino seria totalmente absurdo por não responder aos objectivos que o ramo se propõe realizar, e de que é paradigmático o exemplo português. Se se atribuir a culpa aos políticos por vetarem o trabalho dos economistas, então estamos em presença de uma servidão voluntária que alimenta o autismo economicista, em detrimento do papel que a estes competiria. Daí as permanentes saídas de ministros que não se sujeitam a nenhuma servidão, e os que se sujeitam falham o seu status, e comprometem o futuro deste país. Enfim, como refere Foucault: "Est-il pour autant que nous ne connaissiond d'autre usage de la parole que celui du commentaire? Ce dernier, , à vrai dire, interroge le discours sur ce qu'il dit et a voulu dire; il cherche à faire surgir ce douple fond de la parole, où elle se retrove en une identité à elle-même qu'on suppose de sa vérité; il s'agit, en énonçant ce qui a été dit, de redire ce qui n'a jamais été prononcé" (Naissance de la clinique, puf, Paris, 1963, p. XII).

(João Boaventura)
*

Confesso que não segui com muita atenção (e concentração) a sessão de apresentação da candidatura e o discurso oficial. Mas, pelo que vi nos resumos dos telejornais, tudo aquilo (discurso, ideias, sessão) me fez lembrar o que de pior existia nas sessões da velha oposição republicana nos anos 50 do século passado (mal sabia ler mas tive acesso mais tarde). E, meu caro JPP, o problema nem sequer se centra na Economia, como você, apoiante confesso do meu ex-prof. Cavaco Silva, diz. Não é esse o Key Issue. Peço-lhe desculpa mas, em certa medida, é passar ao lado do essencial, apesar de ela (Economia) ser demasiado desvalorizada no discurso de Soares com frases, mtº aplaudidas (claro!), como "a Economia não é uma ciência exacta".... "serve os homens" e outras vulgaridades semelhantes. O problema é político e centra-se numa frase de Soares ("unir todos os portugueses") que é a antítese se tudo aquilo que o país precisa, neste momento. Eu sei que a frase é retórica, mas é, também, reveladora de um programa político que revela um desfazamento total da realidade portuguesa, pois o que o país espera e precisa é exactamente do contrário: uma forte ruptura política (que só se pode fazer contra uma parte dos portugueses) que permita, então, a aplicação de um programa de modernização da sociedade a vários níveis, incluindo o económico. Isto é exactamente o contrário do que se passava em 1985, quando a questão era definir como se poderia caminhar para a democracia plena e para a integração europeia: através de uma ruptura "crispada" esquerda/direita ou unindo tudo aquio que se reconhecia nesse objectivo- ou não se reconhecendo (PCP) veria nesta estratégia um "mal menor". De que modo pode o Presidente patrocinar essa ruptura? - se é que pode no quadro constitucional actual. Essa é, quanto a mim, a questão essencial, e como não me parece que as actuais funções presidenciais lhe possam dar resposta (ou para isso contribuir decisivamente) penso que se está a valorizar demasiado essa eleição desviando as atenções daquilo que, isso sim, é essencial: o trabalho e actuação do governo.

(João Cília)

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AR PURO


Ansel Adams, Mount Williamson, Sierra Nevada, from Manzanar, CA, 1944

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INTENDÊNCIA

Actualizada a nota PERGUNTA sobre o Ciberdúvidas, com um comentário de José Mário Costa, o seu responsável.

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EARLY MORNING BLOGS 592

Onde porei meus oihos que não veja
A causa, donde nasce meu tormento?
A que parte irei co pensamento
Que pera descansar parte me seja?

já sei como s'engana quem deseja,
Em vão amor firme contentamento,
De que, nos gostos seus, que são de vento,
Sempre falta seu bem, seu mal sobeja.

Mas inda, sobre claro desengano,
Assim me traz est'alma sogigada,
Que dele está pendendo o meu desejo;

E vou de dia em dia, de ano em ano,
Após um não sei quê, após um nada,
Que, quanto mais me chego, menos vejo.


(Diogo Bernardes)

*

Bom dia!

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31.8.05


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
SOARES VISTO POR ALEGRE
IN ILLO TEMPORE




A propósito de candidaturas presidenciais, não deixa de ser interessante o retrato de Mário Soares por Manuel Alegre no livro Retrato, da Livraria Clássica Editora, 1990. Passo a citar os últimos três parágrafos do artigo com o título "RETRATO DE MÁRIO ENQUANTO MÁRIO":

" E talvez seja a grande revolução que ele fez num país cansado de crispação: trazer a afectividade para a política. É, a par da coragem, a sua arma mais eficaz. E por isso ele é de facto, irresistível. E também imprevisto. Com o Mário, o inesperado pode sempre acontecer. Desenganem-se os que o julgam sentado sobre uma por vezes aparente lassidão. De repente ele salta. Para sacudir o marasmo e de novo forçar o destino. Sempre que tal acontece, o telefone toca em casa de alguns amigos. Fica-se então a saber que há uma nova caravela e uma nova partida. Às vezes um combate. Às vezes um desígnio, um sonho, uma inquietação, o que é também uma forma de poesia."

(Pedro Souto)

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PAISAGEM ELECTRIFICADA



Num arco de visão de 60º, cobrindo um horizonte de cerca de vinte quilómetros, à vista, não contando o que está escondido pela ondulação dos montes: catorze candeeiros de iluminação pública, banhando parte de um aldeia com luz que dá para se ver em Marte; nove ou dez postes de retransmissores de telemóveis, colina sim, colina sim; centenas de postes para as linhas eléctricas e telefónicas; e, ao longe, quase cinquenta ventoinhas eólicas em fila.

Cada vez menos árvores, um ou dois campos de cultivo com tomate, a pouca terra agrícola abandonada às ervas, restos do que foram vinhas, e marcas de terrenos esventrados à espera não se sabe de quê, porque estão classificados como terrenos agrícolas, mas sou capaz de jurar que vão produzir casas e armazéns e não tomates, vinho ou frutas. Tudo isto, naquilo que um citadino chamaria “campo”.

*
É a voragem do "desenvolvimento" para as zonas rurais , desoladoramente um mundo que acaba.Um outro que começa selváticamente fundado na miséria, na destruição , e na ilusão das novas oportunidades de negócio... apenas para alguns...um País a saque , uma Alma que acaba.

Reduzidos a viver em T1`s,nas grandes cidades os portugueses tornaram-se escravos dos encargos dos seus empréstimos a 40 anos.Calmamente sem alaridos assistimos á destruição de um País profundo, pela ilusão das luzes da cidade.

(António Carrilho)
*
Só pode ser cinismo, ou se é brincadeira é de mau gosto. É daquele tipo de mau gosto que faz com que boas ideias como a que soube aqui há tempos de se aproveitar a lenha da limpeza das florestas para gerar energia através da biomassa e assim diminuir-se a factura energética e criar emprego, ou de por exemplo a de convencer os construtores por norma a colocar circuitos duplos de águas nos prédios para aproveitamento das águas de limpeza, que vão logo pelo cano abaixo no cinismo de quem, como você, pode determinar inicitivas e politicas. Então preferia que as aldeias não tivessem iluminação pública, telemóveis ou qualquer tipo de energia eléctrica? Deve estar a brincar. Só pode. Se não está agradecia que pelo menos, como seu leitor, que publicasse esta mensagem.

(António Fonseca)

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PERGUNTA



Eu tenho a maior das simpatias pelo projecto do Ciberdúvidas, seu mérito, seu interesse, seu valor. Mas escapa-me de todo por que razão é que tem que ser subsidiado pelo estado. Não há um grupo mínimo de voluntários que o possam fazer? Não há meios para particulares, que usam o serviço, ajudarem aos seus custos, mesmo que de uma forma quase simbólica? Não é possível contratar com jornais, rádios e televisões um pagamento que sustente o lugar? É assim tão caro?

*
Vê-se bem que não teve experiência de procurar vender serviços ou obter patrocínios privados para projectos online que não sejam encabeçados por figuras públicas ou por "boys" do poder na altura. O povo português é pobre e/ou invejoso e/ou desinteressado. Tudo o que seja pagar por serviços é considerado mau à partida, especialmente se "uns pagarem e outros não".

O 7arte.net, por exemplo, já teve online a programação actualizada diariamente de cerca de 500 salas de cinema em todo o país. Não conseguimos vender conteúdos a quem os comprava mais caros e de pior qualidade noutras fontes (ou os roubava do nosso site). Não conseguimos parcerias que evitavam duplicação de esforços mesmo quando os nossos interlocutores reconheciam que o nosso produto era melhor e lhes trazia poupanças. Não conseguimos que os utilizadores contribuissem em montantes minimamente significativos, mesmo sabendo que os visitantes regulares do site eram muitos milhares. Não conseguimos vender publicidade a quem sabemos que pagava muito mais caro em locais com menor visibilidade e muito menor prestígio. Como este caso há vários outros.

Porquê este insucesso? Não sei. Nunca cheguei a perceber. Acho que faltou subornar alguém ou encontrar algum gestor competente que decidisse sem ser em função das "conveniências" nublosas que só se verificam porque a nossa (micro-)economia é pouco saudável. E que decidisse em tempo útil: tivemos decisões (todas "não") que os nossos ex-potenciais parceiros demoraram vários anos a tomar, isto quando acabaram por decidir. Ainda há agora quem nos diga que "está a pensar"...

Subsídios ao Estado nunca pedimos. Nem vamos pedir.

(Tiago Azevedo Fernandes)
*

Desde que existe (vai fazer nove anos em Janeiro), nunca o Ciberdúvidas contou senão com apoios residuais do Estado. O último, se de apoio se tratou, foi (e graças à intervenção directa do então primeiro-ministro Durão Barroso) a habilitação ao POSI, durante um ano, que, ao abrigo do relançamento do Ciberdúvidas, depois do falecimento do saudoso João Carreira Bom, financiou em 80% parte das despesas, pagas sempre a más e tardias horas (a última "tranche", veja lá, há um a ano que estou à espera!..).Ou seja: o Ciberdúvidas existe, primeiro, por via da generosidade do João Carreira Bom (que tinha bolsa para isso) e, depois, por via do meu endividamento até ao limite do insustentável.
Refiro-lhe isto para dizer que um projecto da natureza do Ciberdúvidas – como não há outro no espaço da lusofonia, no seu âmbito e concepção, e que faz o que o Estado não faz nem nunca fará (o Estado nem nenhuma outra entidade de espécie nenhuma em Portugal, a começar pelas universidades, públicas ou privadas) – nunca viveu da subsidiodependência, para fazer o que faz. Com a qualidade, o prestígio e a notoriedade reconhecidos unanimemente (a começar no Brasil que, como sabe, olha-nos bem por cima, e com razão, em tudo que seja matéria de língua em geral, e de dicionários, gramáticas, glossários e livros de toda a ordem, em particular).
Como não vale a pena argumentar consigo sobre serviço público e os deveres correlativos do Estado para quem, na sociedade civil, o faz por ele – e muito menos contrapor-lhe o que aqui ao lado, em Espanha, se acaba de fazer com a criação da Fundação para o Espanhol Urgente, envolvendo entidades públicas (a Academia Real de Espanha, o Instituto Cervantes, a agência Efe, a rádio e televisão nacionais) e privadas (o BBVA, como patrocinador), qualquer delas entendendo a importância estratégica da sua língua oficial no mundo actual –, termino dando-lhe a lista de empresas e bancos de quem tenho levado sistematicamente com a porta na cara: Portugal Telecom, Galp Energia, CTT, Caixa Geral de Depósitos, Câmara Municipal de Lisboa (a quem em vão propus conteúdos de língua portuguesa nos seus painéis que passam coisas da noite e informações afins), "Jornal de Notícias" (não viu interesse numa coluna sobre língua portuguesa, olhe, como qualquer jornal brasileiro tem...), Readers Digest, Círculo de Leitores, Montepio Geral, Millenium, BPI, Banesto, etc., etc., etc. E escuso-me de lhe referir as várias propostas que tive para vender o Ciberdúvidas a interesses meramente comerciais – via verde, obviamente, para sua descaracterização.
Portanto, se lhe ocorrer uma qualquer outra entidade das que mencionou, que troque os milhares que dá pelo patrocínio do futebol ou de um concerto de "rock" pela insignificância que eu preciso para manter o Ciberdúvidas, fico-lhe imensamente grato. Ah!, a insignificância que o Ciberdúvidas precisa (os custos da manutenção são na ordem dos cinco mil euros mensais) viria sempre ao abrigo da lei do mecenato, com as inerentes facilidade fiscais e, já agora, a associação pública a um projecto, repito a imodéstia, como não há outro no espaço que fala a língua portuguesa.

(José Mário Costa)

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COISAS SIMPLES


Joahim Patinir, Paisagem com S. Jerónimo





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EARLY MORNING BLOGS 591:
" I WONDER HOW WE LOOK TO HIM"


THE HIPPOPOTAMUS

Behold the hippopotamus!
We laugh at how he looks to us,
And yet in moments dank and grim,
I wonder how we look to him.
Peace, peace, thou hippopotamus!
We really look all right to us,
As you no doubt delight the eye
Of other hippopotami.

(Ogden Nash)

*

Bom dia!

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30.8.05


QUANDO NÓS FAZEMOS DE CHINESES PARA OS OPERÁRIOS ALEMÃES



De uma notícia da Lusa:

A comissão de estratégia de produto da alemã Volkswagen recomendou que o novo modelo da gama Golf seja produzido na fábrica de Palmela, em Portugal, a partir de 2007, anunciou hoje a marca. Em comunicado, o construtor germânico diz que a comissão estima que, nas actuais condições, a empresa poderá poupar mais de mil euros por veículo se produzir o automóvel em Portugal comparado com a produção em Wolfsburg.

Por que razão é mais barato? Salários mais baixos. Será interessante ouvir a nossa "esquerda" anti-globalizadora sobre esta deslocalização. E os operários de Wolfsburg.

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COISAS COMPLICADAS / FICÇÃO CIENTÍFICA


Sylvie Fleury, Nail Note

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EARLY MORNING BLOGS 590:
"MAS NISTO, COMO EM MUITAS OUTRAS COISAS, ME ENGANEI EU."


Menina e moça me levaram de casa de meu pai para longes terras; qual fosse então a causa daquela minha levada, era pequena, não na soube. Agora não lhe ponha outra, senão que já então parece havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui eu naquela terra; mas coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que longo tempo buscou e para longo tempo buscava. Grande desaventura foi a que me fez ser triste, ou que pela ventura me fez ser leda. Mas depois que eu vi tantas cousas trocadas per outros e o prazer feito mágoa maior, a tanta paixão vim, que mais me pesava do bem que tive que do mal que tinha.

Escolhi para meu contentamento (se entre tristezas e saudades há algum) vir-me viver a esta monte, onde a lugar e míngua da conversação da gente fosse como para meu cuidado cumpria – porque grande erro fora depois de tantos nojos, quantos eu com estes meus olhos vi, venturar-me ainda esperarar do mundo o descanso, que ele nunca deu a ninguém – estando eu aqui só, tão longe de toda a outra gente, e de mim ainda mais longe, donde não vejo senão serras de um cabo, que se não mudam nunca, e de outro águas do mar, que nunca estão quedas, onde cuidava eu já que esquecia à desaventura, porque ela e depois eu, a todo poder que ambas pudemos, não leixamos em mim nada em que pudesse nova mágoa ter lugar.

*Antes havia muito tempo que é povoado de tristezas, e com razão. Mas parece que em desaventuras há mudanças para outras desaventuras, porque do bem não na havia para outra bem. E foi assim que, por caso estranho, fui levada em parte onde me foram ante os meus olhos apresentadas em cousas alheias todas mes angústias; e o meu sentido de ouvir não ficou sem sua parte de dor. Ali vi então na piedade que houve doutrem, tamanha a devera ter de mim, se não fora tão demasiadamente mais amiga de minha dor do que parece que foi de mim quem me é causa dela; mas tamanha é a razão porque sou triste, que nunca me veio mal nenhum, que eu não andasse em busca dele. Daqui me vem a mim a paracer que esta mudança, em que eu vi, já então começava a buscar, quando me este terra, onde me ela aconteceu, aprouve mais que outra nenhuma para vir aqui acabar os poucos dias de vida que eu cuidei me sobejavam,

Mas nisto, como em outras cousas muitos, me enganei eu. "

(Bernardim Ribeiro)

*

Bom dia!

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29.8.05


SERÁ QUE VAMOS DEIXAR DE TER HORIZONTES QUE NÃO SEJAM ARTIFICIAIS?



Este documento, a EUROPA NOSTRA DECLARATION ON THE IMPACT OF WIND POWER ON THE COUNTRYSIDE é de leitura obrigatória para quem assiste à proliferação rápida, rapidíssima, e bastante indiscriminada de eólicas por tudo quanto é monte, serra , cumeada. É ainda de leitura mais obrigatória porque muitos ecologistas estão hoje no negócio das eólicas e fazem pressão para que não se cumpram as determinações ambientais. Nada tenho contra as eólicas, tenho até quase tudo a favor, só que vejo todos os dias o que se está passar nos restos de paisagem que ainda havia. Não me custa também perceber que se passou de colocar todos os entraves, para abrir todas as facilidades. Sei também que muita gente, no poder local, nos grupos ecologistas, nas grandes empresas, percebeu que as eólicas são hoje um dos grandes negócios em curso em Portugal e isso é uma combinação explosiva.

Por isso vale a pena ler (cito em inglês, mas o texto existe em português na revista Pedra e Cal nº 26, 2005) :

7. Whilst the Council fully supported the drive for renewables, including wind-power, it considered that wind-turbines must be sited in appropriate places.

8. The Council also considered that many countries have so far tended to focus too heavily on wind-power, whether on or off shore. They have provided heavy incentives for its development, relaxed planning legislation, and failed to make a balanced assessment of its merits and demerits, with the consequence that vast areas of beautiful landscape throughout Europe are now dominated by groups of ever larger wind-turbines - every one of which constitutes a small power station - and are thus being effectively industrialised, with consequent serious damage to the natural heritage.

9. The Council held that, in many European countries, a situation is being created in which social, economic, tourism, historical, cultural, wildlife and landscape impacts are being insufficiently addressed in the decision making process relating to wind-power.


Mais:

c) The degree of visual intrusion, relating this to the character and quality of the surroundings, bearing in mind that modern wind-turbines are eye-catching because they are very large (over 100 metres high and growing), usually prominently placed.

d) The supplementary damage to the landscape, sensitive habitats, water courses, and other aspects of the environment, caused by the construction process, including the provision of access roads, additions to electricity networks, pylons, and buildings necessary for electricity generation and transmission.

e) The degree to which restoration of the site to its original condition at the end of the working life of the wind-turbines can be guaranteed.

f) The impact on, and proximity to, sites designated internationally, nationally, regionally or locally as protected areas.

g) The impact, on communities in the vicinity of wind-turbines, of noise and infra-sound nuisance, light interception, and/or reduction of property values.


E se evitássemos, desde o início, pelo menos uma vez, fazer uma coisa mal, por ganância e desleixo?

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A LER

João de Almeida Santos, A política ‘online’, no Diário Económico.

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AR PURO / COISAS SIMPLES


Alfred Stieglitz, Icy Night

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EARLY MORNING BLOGS 589: VOICI LE TEMPS DES ASSASSINS

Matinée d'ivresse


Ô mon Bien ! ô mon Beau ! Fanfare atroce où je ne trébuche point ! Chevalet féerique ! Hourra pour l'oeuvre inouïe et pour Ie corps merveilleux, pour la première fois ! Cela commença sous les rires des enfants, cela finira par eux. Ce poison va rester dans toutes nos veines même quand, la fanfare tournant, nous serons rendus à l'ancienne inharmonie. ô maintenant nous si digne de ces tortures ! rassemblons fervemment cette promesse surhumaine faite à notre corps et à notre âme créés: cette promesse, cette démence ! L'élégance, la science, la violence ! On nous a promis d'enterrer dans l'ombre l'arbre du bien et du mal, de déporter les honnêtetés tyranniques, afin que nous amenions notre très pur amour. Cela commença par quelques dégoûts et cela finit, - ne pouvant nous saisir sur-le-champ de cette éternité, - cela finit par une débandade de parfums. Rire des enfants, discrétion des esclaves, austérité des vierges, horreur des figures et des objets d'ici, sacrés soyez-vous par le souvenir de cette veille. Cela commençait par toute la rustrerie, voici que cela finit par des anges de flamme et de glace. Petite veille d'ivresse, sainte ! quand ce ne serait que pour le masque dont tu as gratifié. Nous t'affirmons, méthode ! Nous n'oublions pas que tu as glorifié hier chacun de nos âges. Nous avons foi au poison. Nous savons donner notre vie tout entière tous les jours. Voici le temps des Assassins.

Arthur Rimbaud

*

Bom dia!

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28.8.05


NUM CEMITÉRIO ALENTEJANO AO CAIR DA TARDE

Um primeiro vento fresco anuncia levemente o Outono. Só um pouco fresco, tornando o ar tépido, ligeiro. O cemitério é muito pequeno, à volta de uma capela com portas de madeira carcomidas, a pintura já se foi há muito. O muro de trás foi derrubado para ampliar o cemitério para o dobro. Quantas campas? Cinquenta, oitenta? Não mais.

Silêncio. O vento. Os muros caiados com aquele branco obsessivo do Alentejo, parecem ter sido feitos uma mão abaixo dos campos em volta, uma planície ondulada, castanha, com as árvores solitárias aqui e ali. Junto às campas o muro não deixa ver mais do que o traço castanho, o verde-escuro das copas. Os mortos não podem ver nada, deitados. Devem ter desejado ser assim, descansarem da terra que os roeu em vida e comeu em mortos. Não querem ver nada. Ficam com o Sol de dia e com aquelas estrelas que brilham com cores nos céus intactos de luz.

Nos cemitérios pensam-se coisas estranhas. Nos cemitérios, nos quartos de hotel. Pensamentos de planície, neste caso, diferentes dos pensamentos de montanha, mais agressivos. Pensei: estão aqui enterrados aqueles sobre os quais tanto escrevi. Estavam, com nomes que não enganam ninguém: Cardador, Pisco, Bicho, Salsinha, Piteira, Ganhão. Trabalhadores. Trabalhadores rurais. Trabalhadores rurais alentejanos. Gente dura, fechada, teimosa, perigosa. Bons soldados na guerra colonial, corajosos e cruéis. Gente de quem os patrões desconfia. Gente de navalha. Poucas falas, canto em coro. Compactos pela fome ancestral e pelo trabalho pouco e duro. Gente que anda a pé, pensa poemas, que dita aos outros para escrever. Coisas simples.

Pensei: estão aqui enterrados aqueles sobre os quais tanto escrevi. Será que os mereço?

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O ESTADO ORDENADOR DO MUNDO:
CÃES E GATOS CLASSIFICADOS EM FUNÇÃO DAS TAXAS, IMPOSTOS E LICENÇAS




De uma TABELA DE TAXAS PARA ANO 2004 duma autarquia, igual a tantas outras:

Designação Valor

1 Registo e licenciamento de Cães e Gatos
1.1 Registo 2,50€
1.2 Licenças
1.2.1 A – Cão de Companhia 5,00€
1.2.2 B – Cão com fins económicos 7,00€
1.2.3 C – Cão para fins militares, policiais e de segurança pública Isentos
1.2.4 D – Cão para investigação científica Isentos
1.2.5 E – Cão de Caça 7,00€
1.2.6 F – Cão-guia Isento
1.2.7 G – Cão potencialmente perigoso 11,00€
1.2.8 H – Cão perigoso 11,00€
1.2.9 I - Gato Isento

1.3 Imposto de selo

1.3.1 A – Cão de Companhia 1,00€
1.3.2 B – Cão com fins económicos 1,40€
1.3.3 E – Cão de Caça 1,40€
1.3.4 G – Cão potencialmente perigoso 2,20€
1.3.5 H – Cão perigoso 2,20€

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
INCÊNDIO / FLORESTAÇÃO / INCÊNDIO




Lembram-se dos fogos que em 2003 devastaram o concelho de Vila de Rei deixando- o coberto de negro? Lembram-se dos discursos sofridos de autarcas locais e governantes cheios de urgências interventivas e condenações consensuais à praga da eucalipização? Se não se lembram, não faz mal, eram iguaizinhos aos que se ouvem agora. Mas, hoje, já viram Vila de Rei? Está de matos renascidos, e até já tem áreas reflorestadas: De eucaliptos, pois então. Com um bocado de sorte, só arderão daqui a cinco ou seis anos.

(Alice Fernandes)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
PROPRIEDADE




"Eu faço parte do vasto grupo de pequenos proprietários florestais que jamais irá limpar as suas propriedades, mesmo com leis sobre limpeza coerciva. Vivo a muitos quilómetros de distância de nem-sei-quantas pequenas propriedades que herdei. Possuo 1 não-sei-quantos-avos dessas propriedades das quais não retiro qualquer benefício económico." Cito um post de um outro leitor aqui no Abrupto.

E muitos perguntarão: Sendo assim, porque não vende, ou dá, enfim se desfaz do que não lhe interessa ter e conservar? Não está explícita no post, mas a resposta é simples: Porque não consegue. Pode aparecer-lhe um promitente interessado em lá se instalar e adquirir courelas adjacentes a outros fragmentados proprietários, de modo a obter uma área mínima viável em termos de saúde florestal. Mas então uma fiada de óbices, desacertos de registos e matrizes, requisitos notariais, bitolas de conservadores e ajudantes, enquadramentos legais contraditórios se juntarão ás dificuldades de entendimento dos detentores dos avos, herdeiros e procuradores... quando se encontram. Nem com recurso a tribunal, pois a coisa prescreve sem grande espaço para reclamações: Ao fim ao cabo, se processos por crimes de sangue prescrevem, que lata tem um cidadão para se queixar de ser proprietário à força?

(Mário J. Heleno)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
LISBOA EM CAMISA




Lisboa, Sábado, Agosto, final da manhã. Saio de uma loja e decido descer a Avenida da Liberdade, que se apresenta calma e prazenteira, a pé. (...) A avenida até é bem bonita apesar de haver ali um cidadão a aliviar-se junto de uma árvore. E pode-se dar um salto à Loja dos Museus no Palácio Foz a ver se se arranja um presente (...) . Descendo, chega-se ao Palácio Foz, aquele que tem várias montras, viradas para uma das principais praças de Lisboa, onde passeiam os turistas, sabes? Em Agosto, ao Sábado, em Lisboa? Pois bem, nessas “janelas/montras” poderás observar o mais fino pó lisboeta em quantidades admiráveis, inúmeros insectos mortos e os efeitos do sol no papel que forra as paredes. Tudo vazio. Mas estou a ser injusta: uma das montras não está vazia, tem uma fotografia encarquilhada de um dos salões do Palácio. Não me interessa, quero é a Loja. Que, por acaso, Estimado Cliente, lamentamos o incómodo, mas hoje Sábado, mês de Agosto, Lisboa cheia de turistas, excepcionalmente, estamos fechados entre as 12 e as 14. Por outro lado, se olhar para as nossas montras, Estimado Cliente, rapidamente perceberá que não estamos interessados em lhe vender nada. Vire-se e olhe antes para a Praça dos Restauradores, uma das maiores e mais importantes de Lisboa, e aprecie os prédios em decomposição.

Ou desça mais um pouco e aprecie o Éden que, na sua forma original não tinha as portas todas fechadas e os degraus imundos que hoje apresenta. Não, não parecia uma lixeira, que aliás se estende ao chão do restaurante contíguo e às portas fechadas da Estação do Rossio.

Recomecemos, nada de irritações, vamos até ao Chiado. O Rossio até nem está nada mal. Já no meio da Rua do Carmo um estaleiro de obras (já nem me lembro da Rua do Carmo sem estaleiro de obras...) e lojas fechadas. Um homem sem metade da pernas deitado no chão pede esmola.

Páro a ver a montra de uma livraria, a única que tem apenas obras de autores portugueses (Eça, Pessoa, Cesário) e vejo um livro que me faz sorrir: de Gervásio Lobato, Lisboa em Camisa.

São sempre os livros que nos salvam.

(RM)

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INTENDÊNCIA

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: FALTA DE RESPEITO PELO TRABALHO DOS OUTROS.

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© José Pacheco Pereira
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