ABRUPTO

2.9.05


UM KATRINA MUITO NOSSO



Está já nos blogues e nos jornais, os Mercúrios anunciadores. Chegará a todo o lado, aos táxis, às mesas dos cafés, às ruas. Estão no horizonte uns largos meses de radicalismo político, de subida de tom, de irritações mútuas, de aquecimento das palavras e dos gestos, o arsenal das duplicidades, os velhos argumentos de sempre, o meter tudo no mesmo saco, o “nós” e os “eles” quando os “eles” não somos “nós” e vice-versa, a incapacidade de ouvir os outros, a indiferença face às razões alheias a favor da posição em que se está, a a-história como método analítico, a manipulação da memória, o ressentimento e a arrogância.

Metade do país contra outra metade, com raiva, mas sem consequência, vão-se dedicar afincadamente a este desporto com a mesma vacuidade que dedicam às virtudes do seu clube e ao demérito do clube alheio. Vai ser um cansaço e nada mais trará do que susceptibilidades feridas, lastro de acusações e contra-acusações, ressentimentos e arrogâncias e o que ficará é o mesmo sólido terreno de resistência à mudança, o que se solidificará é a mesma partidarite interesseira, o mesmo Portugal que se diz não desejar mas que se ajuda a ficar tão sólido como betão.

A nossa incapacidade, herança péssima do salazarismo e do atraso, de pensar e de fazer política fora da imprecação e da acusação moral é reveladora da nossa condição terceiro-mundista. É o equivalente em política ao feio que alastra a partir da Estrada Nacional 1, tem as mesmas origens, a mesma mecânica.

Podia ser diferente? Claro que podia. Com esforço podia, mas duvido que o seja. A trituradora já está a funcionar com o seu habitual contingente de assessores, jornalistas, políticos, autores de blogues. O seu primeiro esforço vai ser a igualização moral (cívica, política): são todos iguais, ninguém é diferente, são todos tão maus como nós somos. Depois desta terraplanagem moral, então pode-se ir ao business as usual, como lhes convém.

Posso fazer diferente? Posso pelo menos esforçar-me para fazer diferente. Tomando posições, porque isso é normal em política numa democracia, mas não colocando entre parêntesis as causas a favor das posições. Vamos ver se consigo.

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© José Pacheco Pereira
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