ABRUPTO

12.7.03


CONTRA O EFÉMERO

Lá atrás está, esquecida da página visível, uma bela pintura.

O efémero é da natureza do meio, mas pode ser combatido. Pode-se sempre puxar a imagem para a frente, para que não entre aqui a maldição dos “quinze minutos “ da fama.


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LUGARES DA DECADÊNCIA

Casino em Baku ( ou foi em Ashkabad ?)

Não é uma cave, mas parece uma cave. Neons a brilhar na rua escura : Casino Las Vegas ou semelhante. Las Vegas em Baku, a descer para o porto, cheirando a petróleo, passando pelos palácios escalavrados dos magnates do início do século, estuque a cair, passando pela ópera, uma torre otomana, no meio do lixo e dos retratos do presidente Aliev.

É uma sala pequena, poucos metros, quatro ou cinco mesas de roleta, um bar da Moviflor, em bom rigor é tudo da Moviflor, de alguma Moviflor turca. Predomina a napa preta e vermelha. Vidros, espelhos, reflexos. Junto às mesas da roleta a napa está brilhante. Mesas de plástico para pousar os copos. Muitos cinzeiros que isto é terra do Marlbourough man, para onde se retiraram as firmas de tabaco .

Mais silêncio do que seria de esperar em terras onde está sempre a tocar qualquer coisa. A televisão turca. A lambada. Outras lambadas de que já ninguém se lembra, mas sobrevivem aqui uma vida post-mortem. Silêncio, ocasionalmente algum universal “oh!” dos que ganham ou perdem. O barulho de uma slot-machine, o rolar da bola na roleta, “rien ne va plus” em azeri, em inglês.

Nunca está muita gente, mas está sempre gente. A gente da casa: os homens em fato preto gasto, as armas bem visíveis por baixo da roupa. As mulheres, nas mesas da roleta, ou servindo, ou estando em grupos silenciosos numa mesa do canto, russas, ucranianas, uma ou outra azeri, turcas, vestidas de erótica de motel dos anos cinquenta.

Bebidas ocidentais escuras numa terra dominada ainda pelas bebidas brancas, aguardentes e vodkas. Whisky, cocktails coloridos para as senhoras, Cuba livre, misturas. Baku é uma terra de misturas.

A moeda que entra e aquela em que se joga é o dólar, a moeda em que se recebe às vezes não é o dólar, qualquer cupão fotocopiado local que passa por moeda e que se recebe em sacos, liras turcas, rublos, etc.

Os jogadores não são muitos. Trabalhadores ocidentais das companhias de petróleo, muita coisa vista, muita coisa vivida, rugas, pele dura, corpos enormes que manobrar um poço de petróleo não é brinquedo. Orientais, porque há sempre um chinês, um coreano, um japonês, junto de uma mesa de roleta. Pequenos, intensos, parecendo ter decorado as últimas cem jogadas da mesa, colocam as fichas de súbito, sem dúvidas. Depois a fauna local , masculina, de bigode otomano, fato completo, brutalidade à flor da pele, mãos grossas empunhando um rolo de notas de dólar, centenas, milhares de dólares . São os que fazem mais barulho e movimentam-se em grupo

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EDITORIAL MÍNIMO

O Abrupto foi pensado, é escrito e é publicado a pensar naqueles que o lêem e não em primeiro lugar no circuito da blogosfera. Por muita gente que “entre” nos blogues cada semana, está mais gente lá fora que não quer saber dos meios, só lhe interessa o que eles transmitem. Num certo sentido, como diriam as más-línguas, tem uma lógica de audiência. Só que é uma lógica de uma voz só. E uma lógica da liberdade.

CORREIO EM DIA

O Abrupto é para durar, por isso uma certa ordem interior e algumas regras acabam por emergir. A duração implica uma arquitectura, não é compatível com mudar as paredes da casa todas as semanas, nem com arroubos quotidianos. Se essas regras ajudam a lê-lo – séries numeradas, actualizações em anexo às notas e ligações a outros blogues que comentaram a mesma matéria, etc. – são bem-vindas.

As cartas dos leitores são uma forma qualificada de comentário. O blogue não tem comentários livres pelas razões já explicadas, mas quem tem alguma coisa para dizer usa o e-mail e tem sempre voz. Aqui coloco as críticas, em privado agradeço os elogios. Quando nas cartas – tenho neste momento cerca de 100 atrasadas e outras 100 ficaram perdidas no Hotmail – há alguma coisa que interesse a um público mais geral e os seus autores não pediram reserva, estas depois de “moderadas” do seu conteúdo pessoal, e organizadas por tema, terão aqui o mesmo lugar da fala do autor do blogue. Nalguns casos são integradas no texto das notas, noutros terão leitura à parte.

Eis algum do correio recente e atrasado.


Leonardo Ribeiro, a propósito do Liceu Alexandre Herculano, lembra que não há uma verdadeira edição de Alexandre Herculano disponível fora das edições escolares “com letra muito pequenina, sem a dignidade merecida pelo autor”.


Luísa Soares de Oliveira, a propósito do busto de Vespasiano, fala da “ perplexidade dos primeiros homens medievais perante um realismo romano, já para eles ultrapassado, que não compreendiam nem queriam imitar.”


Rui Oliveira comenta a nota sobre os noticiários televisivos

Dá a impressão (mas se calhar é mesmo assim) que o alinhamento das notícias é feito na hora e é alterado de acordo com a notícia que está a ser apresentada na concorrência. Se estão a apresentar o crime de faca e alguidar de Cebolais de Cima, então é essa notícia que passa logo a seguir para os outros perderem o efeito da novidade (também deve ser por isso que estão a passar constantemente as notícias em roda-pé). Já estou a imaginar um técnico da regie cuja única função é controlar os noticiários da concorrência e a quem o realizador recorre para decidir qual vai ser a próxima notícia a alinhar no teleponto. Só escapa o Jornal 2. Se calhar é por não haver nenhum outro noticiário a essa hora…”

Não imagine um “técnico da régie” , é uma equipa, com o realizador, de olho na “concorrência” , para introduzir o caos nas notícias.

Várias cartas (Sofia, Rui Silva, etc.) retratam a mesma impressão sentimental e “íntima” da leitura do Adriano de Yourcenar. Nem todos os livros deixam este rastro. Rui Silva lembra-se também dos

temas em que Adriano reflectia e que continuam actuais séculos depois. Como o facto de se andar mais depressa a pé do que no meio do caos de carroças existente nas ruas de Roma.”

Josef Malot pergunta-me se ponho a “hipótese do seu blog vir a ser editado, e vendido nas grandes superfícies ? “ Qual é o problema ? Do meu ponto de vista nenhum.

Rui Viana Jorge manda-me a história de “Zé” e do “Fritz”, uma fábula sobre a condição do trabalho e a deslocalização. É certamente uma história que merece “perder 10 minutos com ela”, bastantes mais minutos aliás, e é por isso que registo a recepção e adio a publicação da história e o comentário. Um dos aspectos da composição social da blogosfera revela-se na quase total ausência (salvo uma ou outra excepção de blogues de “desempregados”) de textos sobre aquele que é certamente o principal problema social de muitos portugueses – o desemprego.


Para terminar por hoje com uma carta de Luís Vieira a apelar à reedição dos Cadernos de Camus e “a transcrever de "O primeiro homem" a curta carta que Camus escreveu após ter sido galardoado com o Nobel em 1957:

19 de Novembro de 1957

Caro Monsieur Germain:

Deixei extinguir-se um pouco o ruído que me rodeou todos estes dias antes de lhe vir falar com todo o coração. Acabam de me conceder uma honra excessiva, que não procurei nem solicitei. Mas quando me inteirei da notícia, o meu primeiro pensamento, depois de minha mãe, foi para o senhor. Sem si, sem a mão afectuosa que estendeu ao garoto pobre que eu era, sem os seus ensinamentos e exemplo, nada de tudo isso teria acontecido. Não imagino um mundo com essa espécie de honra. No entanto, constitui uma oportunidade para lhe dizer o que foi, e ainda é para mim, e assegurar-lhe que os seus esforços, o seu trabalho e o coração generoso que sempre empregava ainda se encontram vivos num dos seus pequenos alunos que, apesar da idade, não deixou de ser o seu grato estudante. Abraço-o com todas as minhas forças.

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EARLY MORNING BLOGS 7

O Comprometido Espectador propõe substituir a série dos objectos em extinção pela dos “Objectos que (felizmente) não se extinguiram” e dá como exemplo os “chocolates Jubileu” que teriam vindo a acabar com o reino malévolo dos Regina. Depois fala sobre os ditos chocolates com a mesma mistura de memória e nostalgia – o “espectador” já não comia os “Jubileu” há algum tempo – como se fossem um objecto em extinção. Não há de facto muita diferença entre os que estão em extinção e aqueles que nós não queremos que se extingam. No fundo, são só chocolates. No fundo somos só nós.

Visitem a formiga de langton para terem a apaixonante ideia de como tudo é complexo, tão simplesmente complexo.

Nos escritos do dia, lá longe na pátria, continua uma adulação beata de Lula. Tantas palavras que vão ter que ser engolidas! Só a ignorância das coisas terrestres, da vulgar história, da comezinha política, da gigantesca “luta de classes”, do Brasil, da América Latina, é que pode justificar esta reverência. Parece que o país todo resolveu ir ao Fórum Social Português e olhar para a política latino-americana, no seu melhor estilo populista e demagógico, como se fosse um modelo. A gente distrai-se e lá volta tudo ao “terceiro-mundismo”.

É uma pena deixar para trás o quadro que fica atrás.

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11.7.03


DE LONGE PARA LONGE



Pormenor de um quadro de Kitty Kieland (1880) de uma colecção privada em Oslo.

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PARA A FRENTE, PARA TRÁS, PARA LADO NENHUM

vão os noticiários de televisão. Todos, mas com destaque para a RTP e TVI. Começam com um tema, interrompem, arrancam com outro, interrompem, regressam no fim, agora é o “crime do dia”, depois desporto, depois política, depois sociedade, depois a “doença ou o doentinho(a) do dia”, depois a queixa dos moradores, depois volta o desporto, a hora do Guiness, outra vez política, outra vez o directo, etc. , etc. Uma hora disto e não há paciência.

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EARLY MORNING BLOGS 6

Continua a manter-se uma acentuada diminuição dos blogues nictalopes.

O Dicionário do Diabo voltou à produção nocturna naquele tom em que Mexia é melhor quando , numa mesma frase, faz um upgrade ( de um facto ou mérito alheio) e um downgrade (na apropriação própria do facto ou observação). Exemplos recentes a dois tempos:

Upgrade : HOMENAGEM A JVP: Gosto muito do José Vaz Pereira, cinéfilo e bibliófilo de extremo bom gosto e boa educação. Mas ontem a minha admiração pelo José aumentou: encontro-o numa livraria e reparo que os funcionários ao passar dizem: «bom dia, sr. Vaz Pereira».

Downgrade : Não me importava de ter uma lápide no meu túmulo que rezasse assim: P.M. Nas Livrarias Conheciam-no Pelo Nome.

Upgrade: FASHION: As últimas três raparigas realmente bonitas que avistei traziam todas roupa da Mango.

Downgrade: Como não percebo nada do fenómeno, peço às leitoras versadas em roupinhas um comentário: será isto por acaso?

Resulta porque produz fragilidade e um vácuo e a natureza tem horror ao vácuo.


O Monologo é um dos raros diários genuínos em blogue, em que o que aconteceu, o trivial, o aborrecido, o quotidiano fatigante, rompe à força pelo meio do que se quer dizer, quando nem sempre se quer dizer o que aconteceu.


NO TEMPO EM QUE O PENSAMENTO ERA TODO INCORRECTO

Saíram uns livrinhos (o diminutivo, uma praga portuguesa, aqui justifica-se porque são pequenos) muito bem feitos, traduzidos, anotados, escolhidos, exemplo como deve ser uma colecção, editada por Elementos Sudoeste. Nunca os tinha visto no caos actual da distribuição livreira. que obriga a visitar várias livrarias muito diferentes para ter uma vaga ideia do que está a sair e mesmo assim, de vez em quando, encontra-se alguma coisa de obrigatório que já saiu há um ano e não apareceu em lado nenhum.

Comprei as edições de Max Scheler, A Concepção Filosófica do Mundo , Pascal, Do Espírito Geométrico e da Arte de Persuadir, e Maquiavel, A Vida de Castruccio Castracani da Lucca.

Este último, organizado e traduzido por Carlos Eduardo Soveral, colecciona alguns pequenos textos de Maquiavel sobre o poder como praxis e não theoria , ou seja pela astúcia, pela intriga, pela espada, pelo veneno, pela força, uma lembrança preciosa da origem do poder, do poder político. A biografia de Castruccio tem aquela virtude dos textos clássicos que é o de nos poder dizer com a clareza inicial, coisas que repetimos depois sempre muito pior.

Veja-se, como lição preciosa para os nossos snobes que andavam embevecidos com as virtudes do “velho dinheiro” e gostavam de apoucar os “de baixo”, como Maquiavel lembra que

todos ou a maior parte dos que neste mundo levaram a cabo grandíssimos feitos e , entre os demais do seu estado se tornaram excelentes , tenham tido principio e nascimento baixos e obscuros, ou fora de todo o favor da fortuna ; porque todos ou foram expostos às feras ou tiveram pai tão vil que, na vergonha disso, se fizeram filhos de Jove ou de qualquer outro deus

Castruccio dizia que se pudesse “vencer por fraude”, o preferia a “vencer por força” , “porque dizia que é a vitória, não o modo dela, o que traz a glória”. Quanto ao politicamente incorrecto aqui vai um exemplo referido ao próprio Castruccio :

Nenhum foi mais audaz a entrar nos perigos, nem mais cauto a sair deles: e costumava dizer que devem os homens tentar todas as coisas e com nenhuma se atemorizar, e que Deus é amador dos homens fortes, porque se vê que sempre castiga os impotentes com os potentes.”

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10.7.03


DE NOVO DE VOLTA A CAMUS (Actualizado)

Contrariamente àqueles que pensam que me distraio muito com os blogues, que “perco tempo” , ou até que não cumprirei as minhas obrigações por causa dos blogues, nada disso acontece. Escrever (e ler) é uma parte tão constante do que faço que não me custa nada manter o Abrupto. O único preço que “pago” é o tempo que ganho por não achar muito interessante a vida social, nem o exercício da má língua colectiva, actividades que passam por “diversão” nos nossos dias . Eles não sabem, nem sonham como me divirto.

Mas hoje distrai-me. Não fiz o que queria e a culpa é do blogue, do blogue de Camus. Peguei nos Cadernos, que tinha lido, segundo uma nota a lápis que lá estava num deles, bem dentro do século passado , em Fevereiro de 1968 em Braga, e não os consegui largar. Não há página que não seja fascinante, que não tenha mil ideias para andar para a frente, umas que Camus desenvolveu, por exemplo no Mito de Sísifo e no Estrangeiro , outras que ficaram pelo caminho como seu projecto de escrever um D. Juan . A minha tentação era criar um novo blogue e pôr os Cadernos em linha.

Depois lembrei-me de melhor. Que eu saiba, os Cadernos estão esgotados há muitos anos e não há versão portuguesa acessível. Não sei como é com os direitos de autor. Não quererá o nosso editor fazer uma nova edição com os textos integrais ou uma antologia, ou excertos seguidos de comentários por gente dos blogues literários, filosóficos, religiosos, políticos , que poderiam escolher determinadas partes e fazer uma espécie de hiper texto? O tipo de escrita de Camus e dos blogues é comunicante. Dava um grande livro e até podia ser feito em linha, com um responsável, ou uma equipa e um blogue dedicado e moderado e depois ser publicado em papel.Penso que seria uma experiência inédita.

*

Nelson de Matos já respondeu nos Textos de Contracapa.
Jose Carlos Santos que me descobre as gralhas ( e os erros) todas, verificou que faltava um ponto de interrogação (já lá está) e lembrou um texto de Woody Allen chamado «Reminiscences: Places and People» que termina com esta passagem:

"Maugham then offers the greatest advice anyone could give to a young author: "At the end of an interrogatory sentence, place a question mark. You'd be surprised how effective it can be."

Obrigado.


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HÁ SEMPRE UM BLOGUE DESCONHECIDO

Leia-se este magnifico blogue :

Eisenstein e as Festas da Morte no México . As mascaras macabras para divertir as crianças, as cabeças de mortos em açúcar que eles terrincam com delicia. As crianças riem com a morte, acham-na divertida, acham-na doce e açucarada. Assim os pequenos mortos. Tudo termina em “Nossa amiga a Morte.”

*

A mulher do andar de cima suicidou-se atirando-se do pátio do hotel. Tinha 31 anos, diz um locatário, é suficiente para viver e, se ela viveu um pouco, podia morrer. No hotel, a sombra do drama continua ainda a pairar. Ela descia às vezes e pedia a dona da casa para a deixar ficar para jantar. Beijava-a bruscamente - por necessidade de uma presença e de um carinho. Aquilo acabou com uma ferida de seis centímetros na testa. Antes de morrer, ela disse: “Enfim!”

*

Paris. As árvores negras no céu cinzento e os pombos cor do céu. As estátuas na relva e aquela elegância melancólica.. O voo dos pombos corno um bater de roupa que se desdobra. Os arrulhos entre a relva verde.

*

Halles - Paris. Os pequenos cafés as cinco horas da manhã - o nevoeiro nas vidraças - o café a escaldar …”



Foi escrito por Camus e são os seus Cadernos (cito da edição em que os li na Colecção Miniatura dos Livros do Brasil). São três volumes sempre assim , sempre em tom de blogue. Alguém , de que não me recordo, citava Camus como desejando escrever um blogue, mas a verdade é que ele escreveu um. Se o pudéssemos ler hoje, ninguém notaria a diferença para além da qualidade.
Talvez isto contribua para responder à pergunta de Manuel Alberto Valente - "não será que todo este mundo das novas tecnologias nos rouba tempo para outras coisas que, apesar de tudo, continuam a ser mais importantes?".

É como em tudo, mais o conteúdo do que a tecnologia. Ou há alguma coisa para dizer ou então é o "o não-ter-nada-para-dizerismo e o ter-que-dizer-qualquer-coisismo e o julgar-que-o-que-dizemos-tem-algum-interessismo" . como diz o opiniondesmaker..

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LER DUAS VEZES 5

Não é bem ler duas vezes, é olhar para o mesmo livro a partir de uma enorme distância. O livro é o Adriano de Marguerite Yourcenar, antes de ser o Adriano da Yourcenar.
Durante muitos anos um dos livros que oferecia aos mais intímos , como uma oferta especial porque reveladora, era o Adriano. Era barato, estava numa edição esquecida da Ulisseia que se encontrava nos monos da Feira do Livro do Porto. Tinha uma capa castanha de Sebastião Rodrigues, fora publicado numa colecção que se chamava “Vidas Apaixonantes” e o livro tinha o título A Vida Apaixonante de Adriano. Reparo agora, com alguma surpresa, que a tradução era de Maria Lamas.
Era um livro em que ninguém reparava, os leitores comuns da época, que seriam hoje leitores incomuns, desconheciam completamente a senhora e o livro. Por isso oferecê-lo era oferecer muito. Lendo-o o meu entusiasmo não é novidade para os dias de hoje e, movido por esse entusiasmo, escrevi a Yourcenar. O Eugénio de Andrade tinha-se correspondido com a Yourcenar e ofereceu-me um envelope manuscrito com o mítico endereço. Yourcenar respondeu-me com bastante afabilidade e paciência.
Alguém imagina Yourcenar no limbo dos livros?

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SOBRE PEDREIRAS (Actualizado)
Descontando um vício que ocasionalmente tenho verificado na blogosfera, a tendência para tomar tudo à letra e responder a coisas absurdas que ninguém disse, a minha nota sobre o abuso das pedreiras motivou alguma discussão. Na verdade, não me passa pela cabeça “acabar com as pedreiras” (embora tivesse falado de “movimento contra as pedreiras” o que não deveria ter feito), mas chamar a atenção para alguma coisa de selvagem e irrecuperável que destrói um pouco de Portugal todos os dias. Se a maioria dos blogues não fossem lisboetas, estou convencido que a discussão seria maior.


Repito. As pedreiras quando vistas por cima de avião são impressionantes. O topo dos montes entre Leiria e Lisboa, onde não há uma aldeia e às vezes mesmo quando há, à sua volta, tem um buraco amarelo que se estende como um tumor. Um leitor do Abrupto, João Miguel Amaro Correia, identifica o mesmo problema e no mesmo local :

há um troço, na nacional 1, que me incomoda mais que todo o resto da estrada por ser aquele que acho paradigmático da forma como olhamos para o território (todos: cidadãos, autarquias e governo centra): nem mais nem menos que o percurso entre a Batalha e Rio Maior. Este troço coincide com o maciço calcário das serras de Aires e Candeeiros. Donde, na lógica do "aproveitamento dos recursos naturais" se foram escavando buracos de pedreiras ao longo de décadas. Sem o menor controlo, umas activadas outras desactivas, e estas a deixarem a paisagem como se nada fosse. Não sei se será uma questão de respeito ou sequer de se lembrarem que o buraco que lhes deu riqueza pertence a um recurso que se esgota, do qual é preciso cuidar... é de facto exasperante a imagem que lemos da nossa paisagem.

De avião podem-se ver as pedreiras em actividade e as que estão abandonadas. Há várias que se percebe estarem abandonadas e nenhuma está recuperada. Pode ser que haja, não se vê nenhuma. Fica o buraco, as perigosas lagoas de aguas pluviais, a fealdade à volta.

Do ponto de vista da paisagem, já destruída por mil e uma aberrações e continuando a ser destruída todos os dias, o que acontece é irrecuperável. Dou um exemplo que conheço bem de uma série de colinas para lá de Rio Maior que se vêem de uma grande distância e que são parte da paisagem de muitos milhares de pessoas à volta. Funcionam como o horizonte visível, pela sua elevação. De repente, o topo do monte, mudou de cor, ficou amarelo e castanho em vez de verde e rapidamente alastra como uma ferida pelo monte a baixo, ramificando-se como uma metástese. Todos os dias aumenta e milhares de pessoas, umas indiferentes outras desgostosas, passam a ter uma ferida à vista. Contrariamente ao que alguém disse num blogue, as pedreiras não estão em sítios escondidos, estão muitas delas à vista de toda a gente.


Parece que, numa das suas viagens de avião, o eng. Guterres teve a mesma impressão de devastação ao ver a paisagem e incentivou legislação regulamentadora da “extracção de inertes" que hoje estaria a ser considerada demasiado severa e não estaria a ser aplicada. (esta e outras informações estavam numa carta que se perdeu e a que gostaria de ter respondido). Que o que devia ser aplicado, esteja ou não esteja na lei, não está a ser aplicado entra pelos olhos dentro,

Nós não somos tão grandes assim, tão ricos assim, que nos demos ao luxo de nos empobrecer, segundo a segundo, apenas porque é mais fácil e mais barato ir tirar pedras naquele sítio ou noutros semelhantes. O valor do monte para as actividades económicas da região é muito maior sem a pedreira do que com ela. Adam Smith falou da “mão invisível” e não da garra visível.

*

Sobre esta nota ver comentários de A Causa Liberal .


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EARLY MORNING BLOGS 5

Continua a diminuição sazonal dos blogues nictalopes.

Um deles, precioso , voltou. O Almocreve das Petas fala de livros e de livros sobre livros, noticiando a saída do Boletim Bibliográfico do Livreiro-Antiquário Luís Burnay . Para quem gosta dos ditos é uma festa.


O opiniondesmaker , mas que nome mais complicado ! , tem a frase mais certeira de ontem na blogosfera :

"Pior que o umbiguismo e o Pipismo, são o não-ter-nada-para-dizerismo e o ter-que-dizer-qualquer-coisismo e o julgar-que-o-que-dizemos-tem-algum-interessismo."

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9.7.03


VESPASIANO



Nas estátuas os romanos olhavam para os homens, os gregos para os deuses. .Este busto é uma das minhas estátuas romanas preferidas. Retrata o imperador Vespasiano, um bom imperador.

Se olharmos para o mármore está lá o homem todo, o soldado, o administrador, uma face forte mas plebeia. Vespasiano tinha origens mais humildes do que os outros imperadores. Não só nunca o escondeu, como o apresentava com orgulho. Suetónio conta que mantinha intacta a casa de sua família, com os objectos todos no mesmo sítio, para não se esquecer da sua infância. Não tinha prosápias e era de uma seriedade sem extravagâncias. O homem é forte que nem um touro, mas desprovido de ambição e de crueldade.


Vespasiano pôs em ordem os conflitos militares e civis, restaurou as instituições e era bom nas finanças, tendo mesmo fama de avarento. Também era supersticioso. Mas a sua face apesar de marcada pelo tempo, continua aberta, serena, pacífica, quase bondosa. Suetónio dizia que andava sempre com ar de preocupado, mas neste retrato há um vago rictus que pode também ser um sorriso.
Na sua morte, ironizou: “devo estar a tornar-me um deus” … Estava.

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OBJECTOS EM EXTINÇÃO 12

Mais contribuições dos leitores do Abrupto para a lista dos objectos, hábitos, experiências em extinção, que são elas próprias retratos da nossa memória. Infelizmente algumas perderam-se com o desastre da caixa do correio do meu endereço em extinção no Hotmail.


1) “O chocolate "Coma com pão", em cuja embalagem se via um tablete metida dentro de uma carcaça. Sempre achei inusitada a sugestão de comer uma sandes de chocolate. Com ou sem pão sabia-me muito bem.” (Mário Filipe Pires)


2) Régua de cálculo:

Este maravilhoso e extinto? equipamento de cálculo, composto por duas réguas fixas e uma deslizante entre elas, antecessor próximo das vulgares máquinas de calcular ( que todas pessoas usam sem saber como se desenvolvem os cálculos para os resultados apresentados), permitiam elaborar projectos de engenharia disponibilizando “ábacos” para as quatro operações aritméticas, cálculos de tangentes, senos e cossenos relativamente a ângulos e, tantos outros. Era, porque creio caiu em desuso, aquela “máquina”. (Rui Silva)


3) Vários objectos da memória de José Paulo Andrade


Os marcos quilométricos das estradas de Portugal (eram muito mais informativos que os actuais; ainda se podem ver bastantes nas estradas menos percorridas).

Associados a estes, os marcos dos 100 metros. Em criança divertia-me nas viagens de Guimarães para o Porto, via Santo Tirso a contar estes pequenos marcos e confirmar o quilómetro nos grandes marcos.

As barreiras de pedra nas estradas, fazendo a vez dos actuais "rails" metálicos.

As casas dos cantoneiros da estrada. Na estrada Braga-Arcos de valdevez existe uma curva particularmente perigosa que toda a gente conhece como "curva do cantoneiro". Já não passo por lá desde que abriu a auto-estrada até Ponte de Lima...

Os sinaleiros com a sua farda característica. Lembro-me deles no cruzamento da Areosa, à entrada do Porto...

Os pneus dos carros que estavam sempre a furar!

Os motores simples dos carros que toda a gente sabia mexer e consertar (ou não!).

O gesto de "fechar"(ou "abrir") o ar no manípulo respectivo, quando se ligava o carro, até ao motor "aquecer".

O comboio a vapor que ainda vi a passar no ramal Fafe-Gumarães (já inactivado há muitos anos). Lembro-me de uma vez um turista, algures nos anos de 1973-74 numa paragem de passagem de nível, a sair apressadamente do carro para fotografar um destes exemplares. A referência do ano decorre da crise petrolífera que levava a minha mãe a tentar meter gasolina nas estações de serviço nas redondezas de Guimarães.

Os sinais de trânsito em que os peões são representados por um "senhor" com chapéu com um design arcaico
!”


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POR ONDE COMEÇAR … (Actualizado)

Pelo Companhia de Moçambique outro blogue que tem o mérito de não falar sempre das mesmas coisas.

Pelo mérito do Picuinhices que faz um trabalho precioso de liberal contradição com os lugares comuns e mentiras circulantes.

É por tudo isto que concordo com o Blog de Esquerda, a blogosfera está a melhorar :

"É um sentimento estranho. Volto a casa, após duas semanas noutra cidade (com um acesso mais limitado à internet), e parece que não reconheço a minha própria casa. Leia-se: a blogosfera. Alguém mudou os móveis de sítio, deitou fora a pilha de jornais que estava ali no canto e trocou a ordem dos talheres nas gavetas da cozinha. O corpo da casa é o mesmo, claro, mas está diferente. Foi ampliado. Tem mais caves, mais sótãos, inúmeros acrescentos, projecções, anexos no quintal. Alguém deitou paredes abaixo, construiu novos corredores e mobilou quartos vazios que nunca tinha visto antes. Há muito mais portas que apetece abrir todos os dias, essa é que é essa. E eu vou precisar de um porta-chaves maior. Além de uma bússula."

Pela crise do primeiro mês: vários blogues têm uma crise do primeiro mês. Começam com grande entusiasmo e, ao fim de um mês, interrogam-se. É natural que uns acabem e outros mudem. Mas é interessante saber se os blogues mais antigos também tinham essa crise ao fim de um mês ou se era mais tarde. Ou se não tinham. Saber se a data em que se entra para a blogosfera conta para a duração do blogue ou para a sua "crise existêncial".

O que é que aconteceu à Piolheira ? Pelos escassos dias em que existiu percebia-se que sabia o que estava a fazer.

Pela censura. Um aspecto interessante de algumas reacções ao que escrevi sobre os incidentes com Berlusconi é a clara, evidente, quase explicita, sugerida vontade de censura. Aquilo que escrevi irritou muita gente que preferia que o incidente Berlusconi não fosse conhecido no contexto, mesmo quando eu nunca o justifiquei pelo contexto. Que bom que seria, que cómodo, se eu não tivesse escrito o que escrevi, ainda por cima citado pelo Público.

Há um aspecto sinistro de algum debate em Portugal que é a vontade de censura do outro. Não se trata de critica-lo, de discordar, de até irritar-se com o que ele diz, trata-se de ter uma vontade indisfarçável de que ele não fale, de que ele não possa falar. Há gente que muito mais do que irritar-se com o que eu digo, irrita-se por eu o poder dizer. Há muita gente, demasiada gente, que não gosta mesmo da liberdade, que se dá mal com a liberdade.


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JE REVIENS

como no perfume.
Essa excelente máquina para mostrar o sentido do tempo: abre-se o frasco e as moléculas saem alegremente, nem a energia de um tornado as faria voltar taciturnas ao frasco. Entropia.

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7.7.03


ATENÇÃO AO CORREIO - MUDANÇA DE ENDEREÇO

Durante uns dias esta nota encabeçará o Abrupto, as novidades vêm a seguir.

Existe um problema com o meu endereço do Hotmail. Pedia a todos que me escreveram nos últimos dias que enviem de novo a correspondência para este endereço : jppereir@mail.telepac.pt e cancelassem o endereço do Hotmail.

É provável que tenha também perdido a correspondência não respondida para o Abrupto. Quem tiver paciência para me enviar de novo as cartas mesmo mais antigas, agradeço. (Entretanto já recebi algumas, mas poucas).

Perderam-se contribuições para os "Objectos em extinção", para o debate sobre pedreiras e estradas, e muito mais - cerca de 150 cartas. Fica-me de lição sobre a segurança do Hotmail.




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TEXTOS PRÉ-BLOGUE

Ter um blogue, já o disse, era uma coisa que eu queria ter no meu liceu. A expressão “no meu liceu” mostra já como é história antiga e o Liceu foi o Alexandre Herculano no Porto. No meu liceu havia um jornal , que formalmente pertencia à Mocidade Portuguesa (não podia haver quaisquer publicações que não fossem da Mocidade) e que tinha pretensões literárias, o Prelúdio. Régio tinha escrito um elogio do jornal e um dos seus directores antes de mim fora o Manuel Alberto Valente que agora também tem um blogue. .

Quando eu fui director do Prelúdio aconteceram as mais bizarras conversas de censura feitas pelo reitor. O reitor era um professor de alemão que estudara na Alemanha nazi, e digo isto sem estar a sugerir que era pior ou melhor do que qualquer reitor de um liceu importante da época - o Alexandre Herculano era um liceu importante. Vistas bem as coisas, tendo em conta o que pude fazer, o homem até devia ser muito liberal. Na altura não achava nada disso, a personagem era tenebrosa e quando me “chamava” à reitoria e tinha que atravessar os corredores onde era proibido um aluno passar, para entrar para a sala por baixo das instalações onde ele vivia – o reitor vivia no Liceu com a família - não achava graça nenhuma.

Esses incidentes com a censura do reitor são hoje inimagináveis para qualquer pessoa nascida depois da década de setenta. Recordo-me de três.

O primeiro era habitual e comum: publicara no Prelúdio uma “Homenagem a Lopes Graça” e o reitor protestou porque Lopes Graça era comunista e não se lhe podiam fazer “homenagens”.

A segunda já era mais interessante e reveladora. Publicara uma reprodução de um quadro do período azul de Picasso que tem um rapaz nu e um cavalo. O reitor explicou-me que isso era inadmíssivel porque o jornal também era lido pelas meninas do Liceu Rainha Santa, que era ao lado, e isso era “indecente”. Eu fiz que não percebia e perguntei-lhe se era porque o cavalo estava nu. Pôs-me na rua com ameaça de uma suspensão, que felizmente não se concretizou.

A terceira é ainda mais interessante porque tinha a ver com a experiência alemã do reitor e na altura não a percebi. Tinha publicado uma página um pouco pedante com “prosopoemas” , alguns dos quais só em minúsculas , à e. e. cummings , percebem ? O reitor disse-me que isso também não era possível porque “desrespeitar as regras que obrigam às maiúsculas era uma manobra dos comunistas” . Eu sabia que os “comunistas” faziam coisas inomináveis, como comer criancinhas, mas comer maiúsculas desconhecia.
Só muitos anos depois vim a perceber o que ele estava a dizer. O reitor estivera na Alemanha na altura do ataque nazi contra a “cultura degenerada” e um dos alvos foi a Bauhaus. Um dos aspectos do grafismo da Bauhaus, repetido em muitas revistas literárias e mesmo políticas da época, era o uso de minúsculas. O bom povo alemão que estima os seus nomes próprios e que escreve alto os seus substantivos estava a ser atacado pelos “degenerados” das minúsculas.

Era por estas e por outras que eu gostava de ter tido um blogue, preparei-me toda a vida para ter um blogue, mesmo quando eles não existiam e trago essa ancestral vontade intacta, sem um desvio de um milímetro. Por isso vão saber o que significa persistência, teimosia, purpose. Quem quer lê, quem não quer não lê. É a beleza da coisa.

(Este texto introduz uma selecção esporádica de textos que publicarei no Abrupto e que foram escritos para um blogue imaginário, alguns já publicados, outros não. Como este monstro está sempre com fome, alguns alimentarão a fome quando o autor estiver na vagabundagem por cima das nuvens. )


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EARLY MORNING BLOGS 4

Mas que surpresa! Um pouco mais de Sul é escrito por JCB , um homem de Boticas, que me escreve sobre o “destino dos meus alunos”:

Eu não fui seu aluno (a minha irmã foi, e fala às vezes disso). Mas, para este efeito, é como se fosse. E por isso aqui estou a dizer-lhe que vivo no Algarve. Imaginava isso dos seus alunos de Boticas? Que pudessem um dia viver no Algarve? Pois é assim. Mas essencialmente escrevo-lhe para lhe dizer que, a oitocentos quilómetros de distância, não posso deixar de ir a Boticas de tempos a tempos, em intervalos curtos, como quem precisa de regressar a casa para não morrer com falta de ar. Não sentia isso - que os seus alunos eram dali, e não poderiam já ser de mais lado nenhum?
(…) O jogo é este: os textos assinados jcb têm qualquer coisa ainda de quem é de Boticas? Ou já não? Às vezes temo que já não...
"

Os alemães tem uma palavra para isto: heimatlos.


Mas o JCB diz uma coisa perigosíssima no blogue:

PRIMEIRO DOMINGO DE JULHO Se não fosse o Algarve, o que seria desta gente? E cabiam aonde?”

Donde cabem não sei, mas por favor não lhes diga onde é Boticas, arranja-se aí um bocado mais de espaço, uma plataforma no mar como os japoneses fazem , ou uma coisa assim do género para os manter no Algarve.


A descrição do jantar da União dos Blogues Livres em vários blogues foi feita ao modelo de uma coluna social, ao estilo do 24 Horas e da Caras (espero que sejam os exemplos certos). Ninguém obriga ninguém a ter jantares sérios e aborrecidos e com conversas profundas, bem pelo contrário, mesmo no âmbito da luta contra os “comunas” e pela “liberdade”. Mas também tanto Carlos Castro não favorece lá muito a causa.

Vá, não se zanguem. Faz parte do nosso bom liberalismo que quem anda à chuva molha-se. É uma coisa de que eu tenho muito treino. Da chuva.


Acabou o fim de semana, aumentaram os blogues nictalopes.

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ENGANO



Este é um quadro antigo e não moderno . Foi pintado no século XVII por Cornelius Norbertus Gijsbrechts , especialista em trompe d’oeil, ou naquilo que se chamava “betriegertje “, os pequenos truques para o olho. O quadro não foi feito para estar dependurado numa parede, mas sim deixado ao acaso num mesmo sítio onde um quadro de costas poderia ser deixado. O quadro apela a uma função – enganar. A pintura “realiza-se” quando alguém a vira por engano e descobre que a verdadeiro reverso está do outro lado.

Como se vê nos dias de hoje, o olhar é o sentido em que mais confiamos. Acreditamos no que vemos, como S. Tomé, e é por isso que a televisão nos engana tão facilmente. É também por isso que um mundo assente na imagem, na imagem a três dimensões movimentando-se na quarta, dentro do nosso cérebro ou nas paredes da nossa casa, produzida por devices cada vez mais próximos da nossa biologia, põe seriamente em risco a individualidade, a possibilidade da individualidade. Este mundo, num futuro muito próximo, estará na nossa casa, no nosso corpo quando as televisões forem as paredes da casa, os telemóveis estiverem no nosso ouvido ou colados aos nossos olhos, ou recebamos imagens directamente no cérebro. Tudo tecnologias actuais, só ainda não comercializadas.

O nosso olhar é construído pelo que vemos, pelo que sabemos e pelo que desejamos ter. O nosso olhar depende vitalmente da nossa experiência e das nossas literacias. Quando olhamos para o quadro de Gijsbrechts e o vemos como moderno, nesse olhar está, por exemplo, Magritte, os hiper-realistas, uma parte da história da pintura dos nossos dias que lhe dá “modernidade”. Para o seu autor podia ser uma brincadeira, um virtuosismo elegante e engraçado, para nós é uma metáfora sobre a realidade, é mais sério. Provavelmente para Gijsbrechts também o era, dado que ele, como os seus contemporâneos, usava as naturezas mortas para prefigurar a ilusão do mundo e da vida. Um tema recorrente era o da Vanitas, o da decadência de todas as coisas por detrás do engano da eternidade. No meio das mais opulentas imagens de frutas, cálices de cristal, caça, pão, colocavam, meia escondida, uma mosca. Para compreendermos.

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6.7.03


MESTRE HEGEL SOBRE A QUANTIDADE E A QUALIDADE

Mais importante que o número de blogues “de direita” ou “de esquerda”, são melhores discussões. Por isso sejam bem vindos os que vem da esquerda, da direita, de todo o sítio, do céu ou do inferno, à trituradora de palavras.

Esfrego as mãos e mantenho a pólvora seca à espera da Causa Nossa, o blogue da Cosa Nostra Neo Socialista Independente e Intelectual. São normalmente aqueles em que dá mais gosto bater (metaforicamente claro), Nem sabem no que se vão meter. Crestas !

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PROBLEMAS TÉCNICOS

fizeram com que os "early morning blogs" e o resto ficassem dependurados no vazio até agora.

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JORGE LUIS BORGES

devia gostar de blogues.


Parece um haikai. Ou o principio de um limerick.

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EARLY MORNING BLOGS 3


No Terras do Nunca , como é que eu podia não ser quem sou ?
É um bocado a história do nómeno e do fenómeno.

Como o Conta Corrente

"Preocupa-me a ausência do Vasco Pulido Valente, no DN. “Por motivos pessoais, Vasco Pulido Valente não escreverá a sua crónica habitual nas próximas semanas”. É o que se lê, há semanas. Temo que seja a puta da saúde (para não falar na puta da idade). Esperemos que não. Volta Vasco. Fazes muita falta."

A Carta Roubada mudou de cor , está mais alegre. Ainda bem. Fala da fala/dança. Mas quando não se dança como é que se fala?

A Montanha Mágica, a quem ainda devo parte de uma conversa, é para mim o protótipo do blogue calmo. Fala das coisas da cultura de forma calma, contrastando com os blogues culturais excitados que são a regra. E com a mesma placidez anuncia que o Diário de Notícias vai publicar esta semana por 4,25 euros, o primeiro livro da tetralogia que Thomas Mann escreveu sobre José filho de Jacob, José e Seus Irmãos.

As férias começam a fazer os seus estragos. Regista-se uma diminuição acentuada dos blogues nictalopes.


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© José Pacheco Pereira
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