ABRUPTO

10.7.03


SOBRE PEDREIRAS (Actualizado)
Descontando um vício que ocasionalmente tenho verificado na blogosfera, a tendência para tomar tudo à letra e responder a coisas absurdas que ninguém disse, a minha nota sobre o abuso das pedreiras motivou alguma discussão. Na verdade, não me passa pela cabeça “acabar com as pedreiras” (embora tivesse falado de “movimento contra as pedreiras” o que não deveria ter feito), mas chamar a atenção para alguma coisa de selvagem e irrecuperável que destrói um pouco de Portugal todos os dias. Se a maioria dos blogues não fossem lisboetas, estou convencido que a discussão seria maior.


Repito. As pedreiras quando vistas por cima de avião são impressionantes. O topo dos montes entre Leiria e Lisboa, onde não há uma aldeia e às vezes mesmo quando há, à sua volta, tem um buraco amarelo que se estende como um tumor. Um leitor do Abrupto, João Miguel Amaro Correia, identifica o mesmo problema e no mesmo local :

há um troço, na nacional 1, que me incomoda mais que todo o resto da estrada por ser aquele que acho paradigmático da forma como olhamos para o território (todos: cidadãos, autarquias e governo centra): nem mais nem menos que o percurso entre a Batalha e Rio Maior. Este troço coincide com o maciço calcário das serras de Aires e Candeeiros. Donde, na lógica do "aproveitamento dos recursos naturais" se foram escavando buracos de pedreiras ao longo de décadas. Sem o menor controlo, umas activadas outras desactivas, e estas a deixarem a paisagem como se nada fosse. Não sei se será uma questão de respeito ou sequer de se lembrarem que o buraco que lhes deu riqueza pertence a um recurso que se esgota, do qual é preciso cuidar... é de facto exasperante a imagem que lemos da nossa paisagem.

De avião podem-se ver as pedreiras em actividade e as que estão abandonadas. Há várias que se percebe estarem abandonadas e nenhuma está recuperada. Pode ser que haja, não se vê nenhuma. Fica o buraco, as perigosas lagoas de aguas pluviais, a fealdade à volta.

Do ponto de vista da paisagem, já destruída por mil e uma aberrações e continuando a ser destruída todos os dias, o que acontece é irrecuperável. Dou um exemplo que conheço bem de uma série de colinas para lá de Rio Maior que se vêem de uma grande distância e que são parte da paisagem de muitos milhares de pessoas à volta. Funcionam como o horizonte visível, pela sua elevação. De repente, o topo do monte, mudou de cor, ficou amarelo e castanho em vez de verde e rapidamente alastra como uma ferida pelo monte a baixo, ramificando-se como uma metástese. Todos os dias aumenta e milhares de pessoas, umas indiferentes outras desgostosas, passam a ter uma ferida à vista. Contrariamente ao que alguém disse num blogue, as pedreiras não estão em sítios escondidos, estão muitas delas à vista de toda a gente.


Parece que, numa das suas viagens de avião, o eng. Guterres teve a mesma impressão de devastação ao ver a paisagem e incentivou legislação regulamentadora da “extracção de inertes" que hoje estaria a ser considerada demasiado severa e não estaria a ser aplicada. (esta e outras informações estavam numa carta que se perdeu e a que gostaria de ter respondido). Que o que devia ser aplicado, esteja ou não esteja na lei, não está a ser aplicado entra pelos olhos dentro,

Nós não somos tão grandes assim, tão ricos assim, que nos demos ao luxo de nos empobrecer, segundo a segundo, apenas porque é mais fácil e mais barato ir tirar pedras naquele sítio ou noutros semelhantes. O valor do monte para as actividades económicas da região é muito maior sem a pedreira do que com ela. Adam Smith falou da “mão invisível” e não da garra visível.

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Sobre esta nota ver comentários de A Causa Liberal .


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© José Pacheco Pereira
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