ABRUPTO

12.7.03


EDITORIAL MÍNIMO

O Abrupto foi pensado, é escrito e é publicado a pensar naqueles que o lêem e não em primeiro lugar no circuito da blogosfera. Por muita gente que “entre” nos blogues cada semana, está mais gente lá fora que não quer saber dos meios, só lhe interessa o que eles transmitem. Num certo sentido, como diriam as más-línguas, tem uma lógica de audiência. Só que é uma lógica de uma voz só. E uma lógica da liberdade.

CORREIO EM DIA

O Abrupto é para durar, por isso uma certa ordem interior e algumas regras acabam por emergir. A duração implica uma arquitectura, não é compatível com mudar as paredes da casa todas as semanas, nem com arroubos quotidianos. Se essas regras ajudam a lê-lo – séries numeradas, actualizações em anexo às notas e ligações a outros blogues que comentaram a mesma matéria, etc. – são bem-vindas.

As cartas dos leitores são uma forma qualificada de comentário. O blogue não tem comentários livres pelas razões já explicadas, mas quem tem alguma coisa para dizer usa o e-mail e tem sempre voz. Aqui coloco as críticas, em privado agradeço os elogios. Quando nas cartas – tenho neste momento cerca de 100 atrasadas e outras 100 ficaram perdidas no Hotmail – há alguma coisa que interesse a um público mais geral e os seus autores não pediram reserva, estas depois de “moderadas” do seu conteúdo pessoal, e organizadas por tema, terão aqui o mesmo lugar da fala do autor do blogue. Nalguns casos são integradas no texto das notas, noutros terão leitura à parte.

Eis algum do correio recente e atrasado.


Leonardo Ribeiro, a propósito do Liceu Alexandre Herculano, lembra que não há uma verdadeira edição de Alexandre Herculano disponível fora das edições escolares “com letra muito pequenina, sem a dignidade merecida pelo autor”.


Luísa Soares de Oliveira, a propósito do busto de Vespasiano, fala da “ perplexidade dos primeiros homens medievais perante um realismo romano, já para eles ultrapassado, que não compreendiam nem queriam imitar.”


Rui Oliveira comenta a nota sobre os noticiários televisivos

Dá a impressão (mas se calhar é mesmo assim) que o alinhamento das notícias é feito na hora e é alterado de acordo com a notícia que está a ser apresentada na concorrência. Se estão a apresentar o crime de faca e alguidar de Cebolais de Cima, então é essa notícia que passa logo a seguir para os outros perderem o efeito da novidade (também deve ser por isso que estão a passar constantemente as notícias em roda-pé). Já estou a imaginar um técnico da regie cuja única função é controlar os noticiários da concorrência e a quem o realizador recorre para decidir qual vai ser a próxima notícia a alinhar no teleponto. Só escapa o Jornal 2. Se calhar é por não haver nenhum outro noticiário a essa hora…”

Não imagine um “técnico da régie” , é uma equipa, com o realizador, de olho na “concorrência” , para introduzir o caos nas notícias.

Várias cartas (Sofia, Rui Silva, etc.) retratam a mesma impressão sentimental e “íntima” da leitura do Adriano de Yourcenar. Nem todos os livros deixam este rastro. Rui Silva lembra-se também dos

temas em que Adriano reflectia e que continuam actuais séculos depois. Como o facto de se andar mais depressa a pé do que no meio do caos de carroças existente nas ruas de Roma.”

Josef Malot pergunta-me se ponho a “hipótese do seu blog vir a ser editado, e vendido nas grandes superfícies ? “ Qual é o problema ? Do meu ponto de vista nenhum.

Rui Viana Jorge manda-me a história de “Zé” e do “Fritz”, uma fábula sobre a condição do trabalho e a deslocalização. É certamente uma história que merece “perder 10 minutos com ela”, bastantes mais minutos aliás, e é por isso que registo a recepção e adio a publicação da história e o comentário. Um dos aspectos da composição social da blogosfera revela-se na quase total ausência (salvo uma ou outra excepção de blogues de “desempregados”) de textos sobre aquele que é certamente o principal problema social de muitos portugueses – o desemprego.


Para terminar por hoje com uma carta de Luís Vieira a apelar à reedição dos Cadernos de Camus e “a transcrever de "O primeiro homem" a curta carta que Camus escreveu após ter sido galardoado com o Nobel em 1957:

19 de Novembro de 1957

Caro Monsieur Germain:

Deixei extinguir-se um pouco o ruído que me rodeou todos estes dias antes de lhe vir falar com todo o coração. Acabam de me conceder uma honra excessiva, que não procurei nem solicitei. Mas quando me inteirei da notícia, o meu primeiro pensamento, depois de minha mãe, foi para o senhor. Sem si, sem a mão afectuosa que estendeu ao garoto pobre que eu era, sem os seus ensinamentos e exemplo, nada de tudo isso teria acontecido. Não imagino um mundo com essa espécie de honra. No entanto, constitui uma oportunidade para lhe dizer o que foi, e ainda é para mim, e assegurar-lhe que os seus esforços, o seu trabalho e o coração generoso que sempre empregava ainda se encontram vivos num dos seus pequenos alunos que, apesar da idade, não deixou de ser o seu grato estudante. Abraço-o com todas as minhas forças.

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© José Pacheco Pereira
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