ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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31.12.11
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BE
O BE partilha com o PS os maiores estragos de 2011, quando tudo, ao contrário do que acontecia com o PS, apontava pelo menos para uma manutenção dos avanços de 2009.
Não atribuo muito valor às cisões internas, cuja dimensão foi claramente exagerado pela comunicação social e pelos blogues, que aceitam pacificamente os números que uma das partes lhe deu do número de militantes saídos com a Ruptura / FER. Tendo enveredado por uma senda daquilo a que Lenine chamava “cretinice parlamentar”, são os votos que contam, porque a estrutura apesar de tudo cresceu bastante em 2009.
O esgotamento político dos temas tradicionais do BE foi ultrapassado por movimentos inorgânicos em que o BE está muito presente, mas cujo discurso público não mobiliza para o BE mas sim para mais movimentos inorgânicos. Um partido de raiz marxista, versão moralista, e leninista, com poucos leninistas com excepção dos que vêem da UDP e que ainda mantem a casa a funcionar fora da intelectualidade, tem dificuldade em integrar “indignados” anti-partido, que se misturam muito à vontade com radicais populistas de direita. Por isso, 2012, com a sua promessa quase certeza de conflitualidade social, verá de um lado o exército organizado do PCP e do outro a turba “indignada”, a impedi-lo de crescer.
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PCP
O PCP continua a mandar nas ruas e nos locais de trabalho dos transportes, metalurgia, estiva, reformados, empregados dos serviços públicos, trabalhadores municipais, alguns sectores dos professores e das forças de segurança, e, por todo o país, núcleos pequenos mas muito activos, que umas vezes são “utentes da saúde”, outras combatentes contra as SCUTs, outras membros do movimentos a favor das freguesias, etc., etc. Por muito que já haja no PCP bastante aparelho, que actua da mesma forma oligárquica com que se manifesta no PSD e no CDS, o partido ainda é muito diferente dos outros, pela história, pela tradição, pela cultura e acima de tudo pela composição social. O que conta muito nos tempos actuais.
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PS
O PS está numa situação calamitosa, cativo da troika e cativo do governo, o que não é a mesma coisa, nem tem as mesmas consequências. Mas é dos dois que está cativo. Parte desse cativeiro é desejado por uma liderança fraca no país, mas forte no interior do partido, porque ele é feita à imagem e semelhança do aparelho socialista. A direita, que se lamenta de que Seguro não “controla” o PS, pode ficar descansada. Ele terá muita turbulência – Seguro não tem os meios de Sócrates, nem a sua determinação – e fará alguma mais por sua iniciativa ou inabilidade, mas, no essencial, o seu passaporte para o poder está na aliança que têm com os seus companheiros de carreira nas “jotas” Passos Coelho e Relvas. A sua sobrevivência no PS vem do seu acesso ao poder actual, que ninguém como Seguro garante, e do apaziguamento do aparelho que o fez e que ele mima todos os fins-de-semana, como bom conhecedor da coisa.
O resto é a mesma devastação que o PSD conhece, que já vinha de Guterres e Sócrates e que agora ali está como afronta viva e merecida da arrogância com que os intelectuais do PS sempre tiveram com o PSD. Agora têm o Seguro como líder, porque a história às vezes, só às vezes, vinga-se.
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CDS
O CDS é particularmente hábil pela sua capacidade, signé Portas, de passar pelo meio dos pingos da chuva. Mas essa capacidade não ilude o problema de sempre do CDS: enquanto não se medir em votos com o PSD e no limite ultrapassá-lo, será sempre o parceiro menor de tudo o que seja política em Portugal. E ser número dois cansa muito no CDS.
Se se vier a confirmar o cenário de sucessão pactuada que Portas deseja, o CDS ainda ficará mais refém de um dilema que corrói: ou ficar calado para manobrar entre os pingos da chuva, – o melhor exemplo desse silêncio de oportunidade é a questão da soberania e a política europeia -, ou tentar crescer com uma linguagem que tenderá a radicalizar-se à direita, agressiva e classista, que também transporta um problema essencial: para ter sucesso tem que confrontar o governo, ou cairá pela base.
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COISAS DA SÁBADO: O ESTADO DAS ARTES
PSD
O PSD estando no governo está bem e recomenda-se, quase no inverso de como está mal na oposição. Na oposição, prima a intriga pelos bens escassos e o “protagonismo” pelo poder de os distribuir, no governo, a obediência e a gestão cuidada de tudo, palavras, gestos, falas e silêncios é a regra de sobrevivência.
O seu conteúdo genético e programático está em extinção, não tanto por causa do apregoado liberalismo dos seus dirigentes actuais, mas pelo mesmo que já vem a miná-lo há muitos anos, o oportunismo político, a adaptabilidade primeira à lógica do poder e, só em décimo lugar, às ideias políticas, materializado numas centenas de pessoas que do Norte ao Sul do país fazem do PSD a sua profissão de sucesso. A transformação de Sá Carneiro num ícone empalhado, que não é lido, nem conhecido, nem estudado, a que se fazem umas comemorações rituais destinadas sempre a legitimar o poder, é o melhor exemplo dessa devastação ideológica e política em curso.
O aparelho detém todo o poder e quase não há respiração fora dele. No governo, mais do que o Primeiro-ministro, funciona o ministro do aparelho em tudo o que é sensível, movimenta interesses e lugares, “posiciona” para o futuro. Muita gente pensa sempre com aquela complacência de achar que há quem faça e há quem seja enganado, ou não saiba, ou não conheça. No caso vertente, a formação do Primeiro-ministro, e do seu principal executor é exactamente a mesma. Podem ter a certeza absoluta que ambos, ambos, ambos, sabem de tudo. Fizeram-se lá e sabem muito bem como se fizeram.
No PSD e no PS, a realidade aparelhística faz com que o partido quase não tenha espaço para mais nada que não sejam as carreiras internas, as oportunidades e interesses internos, as colocações de lugares no estado e no privado por via do poder partidário, cujo já está numa fase quase dinástica. Toda a gente que conhece o interior do partido sabe disto, e fala disto, sem qualquer hesitação mas, para sobreviver, não o diz.
(Continua.)
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2130 - A Song for New Year's Eve
Stay yet, my friends, a moment stay—
Stay till the good old year,
So long companion of our way,
Shakes hands, and leaves us here.
Oh stay, oh stay,
One little hour, and then away.
The year, whose hopes were high and strong,
Has now no hopes to wake;
Yet one hour more of jest and song
For his familiar sake.
Oh stay, oh stay,
One mirthful hour, and then away.
The kindly year, his liberal hands
Have lavished all his store.
And shall we turn from where he stands,
Because he gives no more?
Oh stay, oh stay,
One grateful hour, and then away.
Days brightly came and calmly went,
While yet he was our guest;
How cheerfully the week was spent!
How sweet the seventh day's rest!
Oh stay, oh stay,
One golden hour, and then away.
Dear friends were with us, some who sleep
Beneath the coffin-lid:
What pleasant memories we keep
Of all they said and did!
Oh stay, oh stay,
One tender hour, and then away.
Even while we sing, he smiles his last,
And leaves our sphere behind.
The good old year is with the past;
Oh be the new as kind!
Oh stay, oh stay,
One parting strain, and then away.
(William Cullen Bryant)
(url) 28.12.11
(url) 27.12.11
(url) UM NATAL TRISTEQuem tiver a paciência para ler estas palavras está a passar o seu dia do Natal e sabe de mais sobre a nossa colectiva desgraça. O Natal é, no conjunto do ano, um momento único que nenhuma outra festa ou feriado reproduz nem de perto nem de longe. Costuma dizer-se que é uma festa da família, mas é muito mais do que isso. É um momento em que, numa sociedade egoísta e fechada sobre si própria, há um simulacro de alguma sociabilidade mais colectiva. Eu disse simulacro, porque é cada vez mais simulacro, convenção, hábito sem sentido, mas, mesmo simulacro, ainda tem um vago traço de um momento em que há amigos, vizinhos, parentes que não se vêem há algum tempo, unidos pela "estação". A tradição já não é o que era, mas ainda é tradição.Os votos de bom Natal, e, por junto, de ano novo, circulam cada vez mais às centenas entre pessoas e aos milhões em email e SMS, e cada vez menos em papel. Também aqui a preguiça induzida pelas novas tecnologias ajuda à erosão das relações sociais, mantendo-as e até ampliando-as na quantidade, mas diminuindo-as em valor. Os votos de boas festas por email ou SMS são feitos a listas e não a pessoas, listas aliás nem sempre bem mantidas, com endereços repetidos e antigos, mandados como se fosse um robot a mandar, sem qualquer pessoalidade. É como os "amigos" do Facebook, listas e enumerações sem significado afectivo, apenas com valor social, mostrando como o "eu" electrónico que os manda é tão popular que colecciona centenas e mesmo milhares de relações. As famílias também não são a coisa idílica que o "espírito de Natal" enaltece, e têm inscrita não só solidariedade e protecção, como um "ninho", mas também muita violência às claras e muito particularmente às escuras. Violência entre homens e mulheres, pais e filhos, parentes amados e odiados, questões e questiúnculas, transmitidas com segredo e raiva os restantes dias do ano. Por isso, o Natal não só fornece o conforto e a intimidade de um "lar" comum e um destino partilhado, coisas que não são de pequena monta, mas exacerba muitos comportamentos de depressão e animosidade, que não tem muita imprensa e apenas alguma literatura, mas que todos sabem que existe. Digo isto para referir que o Natal potencia tudo, muita coisa boa e muita coisa má. Por isso, o pano de fundo do Natal é contraditório como todas as coisas são na vida, e quando a vida se encarrega lá fora de piorar, entra cá dentro puxando pelo pior e pelo melhor de nós. Digo este truísmo porque temos tendência para apenas ver o melhor, nas sucessivas reportagens de solidariedade natalícia, em que a sociedade parece responder às dores dos que mais necessidade e menos protecção têm. E é verdade que isso acontece, mas daí a dizer que os portugueses são um povo especialmente solidário não corresponde à verdade. Não somos, nem fomos, nem provavelmente vamos ser. Este Natal será triste. Não sei que melhor qualificativo haverá para este momento da nossa vida colectiva. Não digo indignado, embora muita gente esteja indignada. Não digo desesperado, embora muita gente esteja desesperada. Não digo apático, embora muita gente esteja apática. Não digo deprimido, embora muita gente esteja deprimida. Não digo zangado, embora muita gente esteja zangada. Digo triste, porque mais ou menos, vaga ou profunda tristeza, todos sabem que a vida vai piorar, e que não existe esperança no futuro próximo, que é o que temos possibilidade de vir a viver. A tristeza não é fruto de momentâneas dificuldades, mas da suspeita de que essa dificuldade não tem fim à vista. Quando saímos disto? A melhor resposta é mesmo "não se sabe". Não será certamente nem 2012, nem 2013, nem 2014, nem 2015, datas anunciadas em diversos momentos e em diversas circunstâncias por governantes, economistas, e políticos em geral. O que significa que as pessoas, que têm uma intuição aguçada para estas coisas, olhando para a frente vêem que não há frente. Mesmo que dure apenas cinco anos, o que duvido, para muita gente significa que o fim da sua vida, a reforma, a doença, o declínio físico, vão ser muito piores, a solidão e a dependência ainda maiores. Para quem é mais novo, um mundo com emprego e com a possibilidade de "construir" o seu espaço próprio não existe. Podem emigrar, bem sei, mas também sei quão traumática é essa decisão, que não é mais fácil do que viver cá na precariedade. No "meio do caminho da nossa vida", cada vez mais pessoas sentem-se a perder a escassa qualidade de vida que tinham conseguido, por mérito, ou por dívida, e que agora sabem que não vão conseguir pagar. Tudo é mau, para milhões de portugueses, operários, trabalhadores, empregados, funcionários, pequenos empresários, mesmo uma pequena e média burguesia frágil e recente vai empobrecer. Entre o Natal e o ano novo muitas decisões vão ser tomadas por pessoas e famílias. Não são decisões daquelas a que associamos o ano novo: ano novo, vida nova. É mesmo vida nova, mas não é uma vida escolhida, é uma vida nova forçada. Tirar o filho do infantário. Dizer à filha que já não vai poder ir para a universidade ou o politécnico, porque não há dinheiro para a manter em Santarém, Covilhã ou Aveiro. Aguentar mais um ano com o mesmo carro a cair, por muito que custe perder a oportunidade de comprar outro antes dos impostos aumentarem. Despedir um velho empregado, fechar a mercearia que já era do pai, e entregar tudo ao fisco que já de há muito tem uma execução em curso. Entregar a casa ao banco e vê-la numa lista de leilões do fisco no Correio da Manhã por menos dinheiro do que o valor do empréstimo. Voltar para casa dos pais. Penhorar a jóia que era da avó ou vender a volta da filha numa loja que compra ouro. Aceitar o mesmo trabalho com metade do salário. Dizer que sim aos expedientes do patrão que despede e depois reemprega de seis em seis meses para não pagar obrigações de segurança social. Engolir a consciência sindical, e portar-se bem no emprego, não vá o chefe notar. Deixar de ter ajuda no trabalho doméstico. Fazer qualquer coisa, colares, artesanato, compotas, para ir vender na feira que agora a autarquia organiza na rua uma vez por semana. Desistir de fazer qualquer coisa, colares, artesanato, compotas, porque não se vende nada e fica caro comprar os materiais e as compotas estragam-se. Ver que remédio se pode cortar para diminuir a conta da farmácia. Deixar de pagar a renda, deixar de pagar a electricidade, o gás, a creche. Deixar de pagar aos fornecedores. Deixar de pagar o condomínio, que deixou de ter dinheiro para pagar a manutenção dos elevadores. Subir três, quatro, cinco, seis andares da escada com as compras porque o elevador está avariado. Deixar ficar o vidro partido na janela. Matar-se. Emigrar. Desistir. Resistir. São estas as decisões deste Natal, de um Natal triste. Há uns imbecis nos blogues que acham que falar dos problemas concretos das pessoas que não são fils a papa, publicitários, gente de glamour, neoliteratos, assessores de várias eminências, yuppies sem mercados, consultores, advogados de sucesso, é neo-realismo. A única coisa que se lhes pode perdoar é não saberem o que a palavra significa, mas tudo o resto não e perdoável nem mesmo com muito "espírito de Natal". É particularmente irritante, e socialmente perigoso, que acrescentem à miséria uma lição moral do género "têm o que merecem porque viviam acima das suas posses", todos contentes com a purga moral do país pelo empobrecimento. O empobrecimento pode ser inevitável, mas deixem de lhe atribuir qualquer valor catártico e vender como nova propaganda que, no dia em que estivermos mesmo muito pobres, vai começar a nova aurora económica, a ascensão de uma economia de sucesso, livre do Estado, competitiva e dirigida por uma "nova geração" liberal e desempoeirada. Sim, sim, tretas. Sem mão-de-obra qualificada, com mercado interno deprimido ao limite, sem classe média, sem capacidade de poupar e com o país cheio de tretas. Sim, sim, tretas. (Versão do Público de 24 de Dezembro de 2011.) (url)
2128 -Branch Library
I wish I could find that skinny, long-beaked boy
who perched in the branches of the old branch library.
He spent the Sabbath flying between the wobbly stacks
and the flimsy wooden tables on the second floor,
pecking at nuts, nesting in broken spines, scratching
notes under his own corner patch of sky.
I'd give anything to find that birdy boy again
bursting out into the dusky blue afternoon
with his satchel of scrawls and scribbles,
radiating heat, singing with joy.
(Edward Hirsch)
(url) 26.12.11
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DEZ DESGRAÇAS (8)
Oitavo: há quem do lado do poder entenda que a austeridade é uma virtude moralizadora e ascética. Do “emagrecimento” que ela provoca só resultam benefícios. Isso era se a austeridade fosse pensada, preparada e conforme com outros objectivos de deslocação de recursos de uma parte da sociedade improdutiva e gastadora, para outra mais capaz e produtiva. Ora não é isso que se passa. O que se passa é o retrocesso em todos os azimutes, como uma retirada do campo de batalha sem ordem. É verdade que é possível que assim se salvem mais pessoas individuais, mas fica-se sem exército para a batalha seguinte.
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HOJE DE NOVO
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DEZ DESGRAÇAS (6)
Sexto: a corrupção é estrutural, e como as estruturas não mudaram, continua tudo na mesma. O preço dos corruptos baixou de um modo geral, após um período de glória dos “negócios”, reflectindo a crise da economia. Mas a corrupção da alta esfera continua cara e impune e a escola dos anos noventa do século XX continua com praticantes dedicados. Eu costumava dizer que mais cedo ou mais tarde, a coisa dava para o torto, tanta era a ganância. E para algumas personagens principais deu mesmo para o torto. Mas nem para todos, nem para muitos dos seus dedicados colaboradores e encobridores, que esses andam por aí como homens de muito sucesso empresarial. Bem vistas as coisas, não sei se, no essencial, vai mesmo dar para o torto.
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2127 - A Christmas Carol
In the bleak mid-winter
Frosty wind made moan,
Earth stood hard as iron,
Water like a stone;
Snow had fallen, snow on snow,
Snow on snow,
In the bleak mid-winter
Long ago.
Our God, Heaven cannot hold Him
Nor earth sustain;
Heaven and earth shall flee away
When He comes to reign:
In the bleak midwinter
A stable-place sufficed
The Lord God Almighty
Jesus Christ.
Enough for Him, whom cherubim
Worship night and day,
A breastful of milk
And a mangerful of hay;
Enough for Him, whom angels
Fall down before,
The ox and ass and camel
Which adore.
Angels and archangels
May have gathered there,
Cherubim and seraphim
Thronged the air;
But only His mother
In her maiden bliss
Worshipped the Beloved
With a kiss.
What can I give Him,
Poor as I am?
If I were a shepherd
I would bring a lamb,
If I were a Wise Man
I would do my part,—
Yet what I can I give Him,
Give my heart.
(Christina Rossetti)
(url) 23.12.11
DEZ DESGRAÇAS (5)
Quinto: Salazar dizia que aquilo que parece é. Sócrates também, e deixou o país pintado daquilo que “parecia” e não daquilo que era. Mas o reino das aparências continua pujante. Por exemplo, os partidos políticos continuam a ser o mecanismo mais seguro de empregabilidade para jovens, adultos e seniores em Portugal. Nenhum outro funciona tão bem em termos de ausência de qualificações profissionais, oportunidades de emprego e carreira. O partido hoje no poder fez mais uma vez o mesmo que fez o que estava antes. Durante meio ano endromina, é a palavra correcta, a opinião pública com decisões de transparência, novas leis, exigência de concursos, imparcialidade politica na escolha das “competências”, e, depois desta imagem estar estabelecida, faz o mesmo que todos fizeram antes. Já passaram seis meses, o escrutínio é menor, a imagem está feita, tudo pode continuar como habitual. Nos assessores, nas escolas, nas artes e cultura, nos hospitais, nos escritórios de consultores ou de advogados, etc., etc. Quem é que disse que a tradição já não é o que era?
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DEZ DESGRAÇAS (4)
Quarto: quem tem vícios deve ser exterminado para se poder instituir o princípio de “quem não tem dinheiro não tem vícios”. Esta frase é o voo ideológico mais complexo a que chega a nossa vida pública situacionista, enquanto a oposicionista também não voa mais alto do que o “não pagamos”. Os maiores “viciosos” são, o Estado, as empresas públicas, os “socratistas”, os ricos, os políticos, os maquinistas da CP, os pilotos da TAP, os magistrados, os reformados com “reformas de luxo”, os ciganos, e os portugueses em geral. Cada grupo tem um outro grupo “vicioso” como alvo, mas os portugueses em geral acabam sempre por entrar, ou de frente ou pelas traseiras, na lista dos culpados. Uma sociedade a empobrecer soçobra habitualmente numa cultura de culpa e os culpados são sempre os outros.
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DEZ DESGRAÇAS (3)
Terceiro: a nossa visão oficial do mundo é bipolar. Separa hoje duas categorias: a daqueles que têm dinheiro para nos emprestar, e a daqueles que estão como nós e por isso “não são como nós”, por definição. Como na frase: “nós não somos a Grécia”, ou como para os espanhóis “nós não somos Portugal”, etc., etc. Isto significa que deixou de haver política externa, relações internacionais, seja lá o que for que usasse este nome. A verdade é que um país que não é soberano não tem “funções de soberania”. Podíamos encerrar as embaixadas, fechar o Ministério e acabar com as forças armadas. O ministro das Finanças agradeceria e muito. O Primeiro-ministro também.
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ÍNDICE DO SITUACIONISMO (141):
LOUVAMINHICE
A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.
Por que é que os malvados dos cínicos têm a suspeita que se fossem os alemães a ganhar a EDP toda a gente estaria agora a louvar a excelência do "produto" alemão, a exorcizar os "perigos " dos chineses, e os malefícios do controlo da nossa economia pelos comunistas e a louvar o governo por não ter escolhido apenas pelo vil metal? Por que é que os malvados dos cínicos têm a suspeita que se fossem os brasileiros a ganhar a EDP estaríamos agora a falar em parcerias estratégicas, no luso-tropicalismo, na irmandade dos que falam português, na porta aberta aos portugueses no Brasil e a dizer o mesmo que agora se diz dos chineses sobre a viragem diversificadora da Europa em crise para o resto do mundo em pujança?
A discussão daqui a uns meses, quando se conhecer melhor o que se passou (agora conhece-se bastante mal), e se começar a perceber as consequências, inclusive no conjunto das privatizações, será muito diferente. Pode confirmar a razão da escolha do governo ou mostrar os seus riscos ou os seus erros. Mas a louvaminhice de hoje não é nem informada, nem sábia, nem prudente, é apenas e só louvaminhice.
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DEZ DESGRAÇAS (2)
Segundo: a Europa que nós conhecemos acabou. Na verdade, já acabou há algum tempo, muita gente não deu por ela, mas é só uma questão de tempo para dar. A Europa que vai suceder à que acabou é uma confederação dos aflitos liderados, a toque de caixa, pelos fortes. Os mais fortes também já não são o que eram e os aflitos não contam para nada, servem de pano de fundo aos fortes.
(Continua.)
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COISAS DA SÁBADO: DEZ DESGRAÇAS (1)
Primeiro: acabou o tempo, a distância, a velocidade.
Acabou o fim do túnel onde devia haver luz, ou seja a distância é infinita, não adianta medi-la. Como já escrevi, não é túnel, mas poço sem fundo. Acabaram os prazos de austeridade, já não foi em 2010, já não é em 2011, já não será em 2012, nem em 2013, nem em 2014 e, milagre, em 2015 diminuem os impostos. Como a diminuição dos impostos em Portugal é da ordem do sobrenatural, milagre nunca acontecido nem em Fátima, resta-nos ou ter muita fé, ou para os incréus, passar para 2016 e 2017 e ao “médio prazo” que é, como sabem os cientistas sociais, quando já estamos todos mortos. Acabou a velocidade. Não adianta pensar que o PEC1 resolvia qualquer problema, nem o PEC2, nem o PEC3. O PEC4 ficou defunto antes de existir, por isso não saímos do sítio. Pensamos que aceleramos com mais um PEC e logo os efeitos perversos do mesmo PEC na economia retiram valor ao que se poupou na austeridade. Aceleramos mas não ganhamos velocidade e não saímos do sítio.
(Continua.)
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2126 - Now Winter Nights Enlarge
Now winter nights enlarge This number of their hours; And clouds their storms discharge Upon the airy towers. Let now the chimneys blaze And cups o'erflow with wine, Let well-tuned words amaze With harmony divine. Now yellow waxen lights Shall wait on honey love While youthful revels, masques, and courtly sights Sleep's leaden spells remove. This time doth well dispense With lovers' long discourse; Much speech hath some defense, Though beauty no remorse. All do not all things well: Some measures comely tread, Some knotted riddles tell, Some poems smoothly read. The summer hath his joys, And winter his delights; Though love and all his pleasures are but toys They shorten tedious nights.
(Thomas Campion)
(url) (url) 22.12.11
EARLY MORNING BLOGS
2125 - Resolution And Independence
He told me that he to this pond had comeTo gather Leeches, being old and poor: Employment hazardous and wearisome! And he had many hardships to endure: From Pond to Pond he roam'd, from moor to moor, Housing, with God's good help, by choice or chance And in this way he gain'd an honest maintenance. The Old Man still stood talking by my side; But now his voice to me was like a stream Scarce heard; nor word from word could I divide; And the whole Body of the man did seem Like one whom I had met with in a dream; Or like a Man from some far region sent; To give me human strength, and strong admonishment. My former thoughts return'd: the fear that kills; The hope that is unwilling to be fed; Cold, pain, and labour, and all fleshly ills; And mighty Poets in their misery dead. And now, not knowing what the Old Man had said, My question eagerly did I renew, "How is it that you live, and what is it you do?" He with a smile did then his words repeat; And said, that, gathering Leeches, far and wide He travelled; stirring thus about his feet The waters of the Ponds where they abide. "Once I could meet with them on every side; But they have dwindled long by slow decay; Yet still I persevere, and find them where I may." While he was talking thus, the lonely place, The Old Man's shape, and speech, all troubled me: In my mind's eye I seem'd to see him pace About the weary moors continually, Wandering about alone and silently. While I these thoughts within myself pursued, He, having made a pause, the same discourse renewed. And soon with this he other matter blended, Chearfully uttered, with demeanour kind, But stately in the main, and, when he ended, I could have laugh'd myself to scorn, to find In that decrepit Man so firm a mind. "God," said I, "be my help and stay secure; I'll think of the Leech-gatherer on the lonely moor."
(William Wordsworth)
(url) 19.12.11
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SARILHOS GRANDES
Uma semana depois da Cimeira da “última oportunidade” já se percebeu que não foi a última, nem teve nada a ver com qualquer “oportunidade”, nem sequer foi Cimeira, se se entender que, numa cimeira se voa alto no poder e na qualidade de decidir. Foi mais um desastre, na linha de uma década de sucessivos desastres, em que os principais dirigentes da União Europeia se entregaram a um exercício de bater repetidamente com a cabeça na parede. Na cimeira seguinte, lá caminharão para o mesmo lugar, onde já está a marca da sua cabeça na parede, e começarão de novo a bater. O problema é que não é só a cabeça deles que bate na parede, mas a de milhões de europeus, o destino de povos e nações e , last but not the least, o destino do projecto europeu.
Fazem-no com todas as responsabilidades do mundo, e essa responsabilização terá que ser pedida sem ambiguidades. O caminho de erros sobre erros que estão a trilhar há já demasiados anos, apoiados pela intelligentsia extrema-europeísta, os interesses e a burocracia a ela associados, tem sido denunciado com muita clareza. Infelizmente este é um dos casos em que a realidade todos os dias dá aos críticos das últimas décadas do processo europeu, isolados e silenciados pela ortodoxia do “pensamento único” europeu, toda a razão.
Nem sequer me refiro aos eurocépticos mais radicais, mas a gente que é moderada, sensata, e acredita no projecto europeu, o que não acredita é nesta correria desenfreada para “resolver” problemas reais com sempre as mesmas propostas de engenharia política virtual, que, fora destes círculos, ninguém compreende, ninguém apoia, e acima de tudo ninguém deseja. Há quem deseje e bem uma política europeia concertada, assente nos interesses comuns da Europa, prudente e de “pequenos passos”, sempre em consonância com a vontade de povos e nações, mas não há ninguém, fora destes extremistas cegos, que tenha desejado uma Constituição europeia, e os sucessivos tratados posteriores, que abriram caminho à situação actual e são tão inúteis como uma chávena sem fundo.
E para falar nna última cimeira, não há ninguém de bom senso que entenda que a melhor maneira de começar a tratar do problema das dividas soberanas e da violação dos tectos do défice, seja acrescentar aos tratados e acordos existentes, que já sancionam todas estes comportamentos, um novo tratado assente em cláusulas sancionatórias automáticas, em mudanças constitucionais problemáticas, em reforços dos poderes de Bruxelas sobre os parlamentos e os estados soberanos. Nada disto resolve coisa nenhuma, como se vê.
A Alemanha seguiu este caminho com a França, a Alemanha muito a sério, a França como buffonerie. Merkel sabe o que quer, mas isso não chega. Sarkozy anda a ver se encontra um teatro qualquer que lhe permita ganhar as eleições. Mas, nenhum deles teria podido percorrer o caminho para este desastre se todos os outros países tivessem sido aquilo que se espera de cada um na UE: países de parte inteira, com políticas externas e europeias, defendendo os seus interesses (não há nenhum mal nisso), mas que não aceitassem fazer o papel de paisagem para o tandem Merkel- Sarkozy. Num certo sentido, mais do que o tandem, foram eles que levaram a Europa a este impasse, porque estando a ser ultrapassados na praça pública pelas sucessivas cimeiras franco-alemãs não disseram “ó meus amigos, vamos lá a ter sensatez e começar a conversar entre todos um pouco mais”. E não o fizeram exactamente porque a sua relação com o processo europeu é cada vez mais frágil e porque sabem que os sucessivos actos de decisão, como o Tratado de Lisboa, foram tomados com dolo para não haver referendos, tornarando cada vez mais difícil fazerem alguma coisa pela Europa, dentro dos seus países e fora deles. Castraram-se na sua voz própria e agora cantam como tenorinos num coro dominado pela voz máscula de Merkel e pela pícara personagem de Sarkozy. Quante buffonerie!
Há pecados mortais em política que expulsam os que os cometem do paraíso. Uma das coisas que impede hoje muitos dirigentes europeus de serem mais “europeus” em política interna foi o facto de terem aceite, salvo honrosas excepções, cobrir as manobras francesas de disfarçar a Constituição no tratado de Lisboa, e de garantir que este “passaria” sem consultas que o legitimassem num momento em que já se percebia com clareza o crescente divórcio entre a UE e as opiniões públicas dos estados europeus. No centro da actual crise não estão as dívidas soberanas, nem as violações dos limites do défice, mas sim a cobardia institucionalizada dos líderes europeus que andam há demasiado tempo a fugir de dar ao projecto europeu a legitimidade que actualmente lhes falta. Por isso, actuam todos com má-fé e permitiram ao tandem Merkel-Sarkozy de, diante dos olhos de todos, usurparem a condução colectiva da UE.
Haverá consequências da cimeira de há uma semana? O problema é que haverá demasiadas consequências e são todas más. A um problema sério, que é a incapacidade de defrontarem os problemas de credibilidade financeira na UE, acrescentaram uma enorme trapalhada institucional, mais um pesadelo jurídico, e o início de um processo nunca visto de empurrar um país fundamental para haver Europa, o Reino Unido, para as trevas exteriores. Pior de tudo, nada disto, que era tão evidente como haver sol na terra e chuva em Bruxelas, foi antecipado, nem sequer desejado nem no mais maquiavélico dos planos. O magistral “ruído” da realidade entrou pelas portas da cimeira e continua a troar como as mil trombetas do Apocalipse. O desastre, se não for atalhado o mais depressa possível, e não se vê como, é mesmo de bíblicas proporções, porque é o som do fim da UE. E a Europa precisava mesmo de uma UE.
Voltemos à Cimeira. Se bem que Cameron não tivesse conduzido muito bem sua participação na cimeira, com um discurso inicial de reivindicações da City que dava a entender que se elas fossem atendidas também assinaria um Tratado que retirava poderes para o Parlamento inglês, veio mais tarde a corrigir o discurso. Porém, o que conta, mais do que o discurso, foi a atitude e essa era inevitável face a uma condução autoritária do tandem Merkel-Sarkozy de um processo que ia à revelia de um país, onde o Parlamento já executou um rei para ser respeitado, e onde a identidade nacional não se compara à Bélgica. Sarkozy fez tudo para humilhar os ingleses e os ingleses bateram-lhe com a porta. Numa deriva perigosa, temos hoje a França a sugerir às agências de notação o abaixamento do rating do Reino Unido, o que diz bem de como estão as relações entre os dois países.
Cameron não é isento de culpas na deriva do processo europeu. Também ele se opôs a um referendo ao Tratado de Lisboa, para que igualmente havia compromissos dos conservadores. Mas o Reino Unido tem sido um precioso factor de equilíbrio, neste caso como travão, para o caminho federal e dos “Estados Unidos da Europa” que os extremistas europeístas por eles já tinham feito com Constituição, bandeira e hino incluído. Sem o Reino Unido, ou com um Reino unido hostil (Cameron já avisou que as instalações e recursos da UE não podem ser utilizados pelos signatários de uma “pacto orçamental” à margem dos tratados), a UE ficará nas mãos da Alemanha e da França, e muitos outros países que agora ficaram à deriva começaram a juntar-se ao Reino Unido.
A Cimeira abriu por isso a porta a gigantescos sarilhos. Não se sabe como compatibilizar o “pacto”, mesmo a 26, com os tratados a 27, não se sabe como, em muitos países, vão “passar” as medidas do “pacto” que são ou inconstitucionais, ou necessitam de revisões constitucionais. A começar na Alemanha, a continuar na Irlanda onde deverá haver referendo, e a acabar em Portugal, onde Passos Coelho assumiu compromissos constitucionais sem ter autoridade para isso e sem o apoio do PS. Na Polónia, há um forte movimento de repúdio do “pacto”, e em França o líder do PS que poderá ganhar as eleições a Sarkozy já disse que o iria rever.
Nem sequer é preciso ser muito clarividente para perceber que, cada dia que passa só trará novos problemas e dificuldades para o “pacto”, e não o caminho róseo que os dirigentes que o aceitaram na Cimeira, pensavam que iria ter, com a inconsciência que o Diabo lhes deu de presente. E o mesmo Diabo também lhes deu outra coisa, os mercados. Esses viram a cimeira com um cruel realismo, como o desastre que foi. E não é que têm razão?
(Versão do Público de 17 de Dezembro de 2011.)
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© José Pacheco Pereira
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