Os blogues, a blogosfera, são um facto cultural novo nos últimos cinco anos. Não abunda assim tanto a novidade no domínio lato da cultura, para que possa passar despercebida, ou melhor, notada mas não percebida, ou erradamente percebida. Muita coisa nos blogues vem em continuidade do passado, existia noutros meios e sob outras formas, mas mesmo a que apenas fez a transmutação dos media clássicos para os blogues como media mudou também com o meio. Mudou e continua a mudar.
Existe por isso uma nova "cultura de blogue", com traços comuns com idênticas culturas da Rede urbi et orbi, mas também com traços nacionais próprios. Não é por se usar a mesma ferramenta de software que os americanos, brasileiros, japoneses e chineses que deixamos de ser portugueses, de levar para lá o nosso mundo exterior. Não somos ricos na Rede se somos pobres cá fora, não somos sofisticados em linha, se somos trogloditas cá fora, não sabemos mais e pensamos melhor nas páginas do Blogger do que pensamos cá fora, nos cafés de província, ou no Bairro Alto ou no Lux ou nas páginas dos jornais, não se é cosmopolita lá dentro se se é provinciano cá fora, não se é subserviente cá fora e independente no ecrã diante do computador, não se é burro cá fora e inteligente lá dentro.
O que se passa é que esse verdadeiro mostruário em linha, feito de mil egos à solta, revela mesmo a nossa pobreza, a nossa rudeza, a falta de independência face aos poderosos, grandes, pequenos e médios, os péssimos hábitos de pensar a falta de estudos e trabalho, de leitura e de "mundo", que caracterizam o nosso "Portugalinho". Nem podia ser de outra maneira. Com a diferença que nos blogues o retrato é mais brutal porque mais arrogante e mais solto, ou pelo anonimato, ou pela completa falta de noção de si próprio de quem, por poder escrever sem edição para os milhões de leitores potenciais da Rede, acha que é crítico de cinema instantâneo, engraçadista brilhante, analista político, escritor genial de aforismos, herói único da denúncia dos males do mundo, e portador de todas as soluções que só não são aplicadas porque os outros, a começar pelo blogue do lado e a acabar no fim do mundo, são todos corruptos, vendidos e tristes. Como os blogues são viveiros de elogios mútuos e de complacência, estes traços alastram como um vírus e tornam-se comunitários, definidores do meio. Mas, até porque nos dá um retrato único da mesquinhez da vida intelectual e cultural nacional, o lado do não dito, do não enunciado no Jornal de Letras, no Ipsilon, nas notícias culturais do Diário de Notícias e no contínuo que vai das novas colunas sociais disfarçadas de sociologia do presente e no jornalismo light até às revistas do jetset, a blogosfera é interessante e única.
Eça, se fosse hoje, poderia escrever sobre os blogues o que escreveu sobre os jornais:
"A tua ideia de fundar um jornal é daninha e execrável. (...) tu vais concorrer para que no teu tempo e na tua terra se aligeirem mais os juízos ligeiros, se exacerbe mais a vaidade, e se endureça mais a intolerância. Juízos ligeiros, vaidade, intolerância - eis três negros pecados sociais que, moralmente, matam uma sociedade!(...) Foi incontestavelmente a Imprensa que, com a sua maneira superficial, leviana e atabalhoada de tudo afirmar, de tudo julgar, mais enraizou no nosso tempo o funesto hábito dos juízos ligeiros.(...) É com impressões fluidas que formamos as nossas maciças conclusões. Para julgar em política o facto mais complexo, largamente nos contentamos com um boato, mal escutado a uma esquina, numa manhã de vento. Para apreciar em literatura o livro mais profundo, (...) apenas nos basta folhear aqui e além uma página (...) . Principalmente para condenar, a nossa ligeireza é fulminante. Com que soberana facilidade declaramos "Este é uma besta! Aquele é um maroto!" Para proclamar "É um génio!" ou "É um santo!" oferecemos uma resistência mais considerada (...) Assim passamos o nosso bendito dia a estampar rótulos definitivos no dorso dos homens e das coisas. Não há acção individual ou colectiva, personalidade ou obra humana, sobre que não estejamos prontos a promulgar rotundamente uma opinião bojuda."
Tudo isto é certeiro, mas, se ficássemos por aqui, não percebíamos a novidade, a mesma, aliás, que Eça defrontava com o papel crescente da imprensa. Mesmo assim, e até por isso, os blogues são coisa nova, são um fenómeno de per si. Trazem a quantidade, a lei dos grandes números, trazem as "massas". É verdade que apenas uma escassíssima minoria escreve blogues que caibam nesta categoria para além do puro confessional, e que apenas uma minoria os lê, mas nunca na história tanta gente se revela assim no espaço público, acompanhando mutações de geração e de hábitos culturais que vai no mesmo sentido de, por exemplo, a desvalorização da privacidade, do tempo lento, do silêncio, da palavra escrita em relação às imagens em movimento. E isso é uma novidade que está para ficar e evoluir. Evoluirá a partir daqui, desta logomaquia, mas evoluirá acrescentando uma nova dimensão ao retrato das diferentes sociedades e mentalidades, incluindo Portugal.
Um dos rodriguinhos da escrita em Portugal é ter que sempre enunciar que há excepções. Há excepções? Claro que há, mas são mesmo excepções e não alteram a regra. A regra é esta. Eu estou a falar da regra.
É ainda cedo para medir o papel dos blogues em Portugal enquanto consumo cultural e mediático, como fonte quase única de conhecimentos "dinâmicos", envolventes, para as gerações que se estão a "educar" mais fora da escola do que dentro dela. Mas há indícios, principalmente nos mais jovens, do aparecimento de uma "cultura de blogue", de uma aproximação cultural ao mundo feita de pouco mais do que a leitura de blogues e de outras páginas da Rede, que têm mecanismos de social networking como as variantes nacionais do Facebook, ou o Hi5, o Second Life, e o mecanismo de trocas de "favoritos" que vai dar ao YouTube. Em Portugal, a absorção do mundo - política nacional, internacional, produtos culturais da moda, discursos e julgamentos, escolhas de podium e de agenda - pelos blogues difere da que se poderia obter através dos media tradicionais.
Para uma geração de jovens que só lê escassamente os jornais, para além dos desportivos e dos gratuitos, a "cultura de blogue" começa a deixar os seus traços próprios: redução da temática considerada "importante" ao que é discutido nos blogues, valorização do posicionamento comprometido, de "prós e contras", maior radicalismo político e opinativo, mecanismos de identidade grupais ou tribais, para além da absorção generalizada dos males que o Eça atribuía aos jornais: "juízos ligeiros, vaidade, intolerância", "impressões fluidas" e "maciças conclusões". Está longe de ser uma boa escola, mas é a escola, mais intolerante, mais a preto e branco, mais agressiva nas opiniões e menos ponderada, mas também mais democrática, no sentido em que envolve muito mais gente do que a que em qualquer altura teve sequer a veleidade de ter uma opinião, muito menos dá-la. Não é um fenómeno "mau" por si só, tem também aspectos "bons", na proporção desigual que é habitual para Portugal nestas coisas, mas caminha para ser um instrumento suplementar que reforça as duas tendências em curso nos nossos dias: a da substituição da democracia pela demagogia e a espectacularização da sociedade.
A blogosfera é tão avessa à crítica como os media tradicionais, com a agravante de que o envolvimento narcísico é tão forte que, mesmo dentro de blogues colectivos, a mais pequena fractura se torna explosiva. Os blogues não gostam de ser objecto de críticas e, como é obvio, tem uma alta noção de si próprios e estão tão cheios de autocomplacência e de elogios mútuos que consideram um anátema qualquer discurso que lhes pareça exterior e que os ponha em causa, a eles e às regras do jogo que estabeleceram. Desde o início da popularização da blogosfera o chamado "metabloguismo" era considerado um desvio da genuinidade do discurso em linha, mas, sem reflexão crítica sobre o próprio meio, sobre o meio em Portugal, que introduza critérios de qualidade e exigência que os blogues são lestos a exigir a outros mas não a aplicar a si próprios, os blogues serão apenas mais uma câmara de ressonância da pobreza da nossa vida cívica.
Como também tenho um blogue, deixo aos leitores o julgamento do que se me aplica do que aqui digo.
A maior atenção e destaque às necrologias e biografias. No Diário de Notícias algumas biografias nacionais acrescentam ao que se conhece e cumprem a função das necrologias, outras são cópias da imprensa internacional e aparecem muitas vezes como bizarras nos seus critérios de escolha. No Expresso escreve o melhor"necrologista" português sobre figuras internacionais, José Cutileiro. O Público é o único jornal que ocasionalmente publica artigos de fundo nos seus suplementos sobre figuras esquecidas do antes-25 de Abril (Julieta Gandra, Ferreira Soares, autores de banda desenhada, etc.).
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COISAS MÁS
- A preponderância da "pró-anómica" televisão sobre os restantes OCS, sempre que se fala sobre este tema. Apesar do seu peso mediático e da frequente encenação do espectáculo noticioso, não deixa de ser verdade que as televisões são quase sempre os últimos OCS a darem as notícias e os que mais se alimentam do trabalho dos outros, incluindo dos bloggers.
- O uso da língua portuguesa cada vez mais de rastos, em todos os OCS. Mais grave do que as deficiências de sintaxe é este sentimento geral de que o Português é uma língua de segunda, de pobres e de saloios. Logo, incompatível com a inexorável marcha do progresso que consagra o Inglês como língua franca. Não tardará que as novas gerações de portugueses tenham mais competências linguísticas no Inglês do que na sua língua pátria. Ainda não se inventou disco rígido com capacidade para armazenar os atropelos públicos à língua portuguesa feitos pela Comunicação Social e até por muitos reposnsáveis políticos, mas uma visita ao Pelourinho das Ciberdúvidas pode dar uma ideia do massacre.
- O mimetismo entre os OCS. Há muito que a investigação deixou de ser praticada na maioria dos OCS. O mais parecido com isso é a obsessão com as grandes "cachas" de escândalos, quase sempre reveladas através de episódios de "zangas de comadres" e denúncias subsequentes. As notícias são copiadas de uns OCS para outros, que assim impõem a ditadura informativa sempre em torno dos mesmos temas. Os jornalistas deixam de escrever a pensar no leitor mas apenas pensando no seu concorrente, numa espécie de competição intestina onde todos ficam a perder, em especial os leitores. O fastígio deste mecanismo de circuito fechado sucede quando nos apercebemos que seria possível juntar à volta da mesma mesa de consoada quase todos os jornalistas, comentadores e articulistas dos OCS portugueses. Eles são realmente poucos, mas convidam-se uns aos outros para assumirem lugares em simultâneo - hoje tu comentas no meu jornal, amanhã eu vou ao teu programa de TV, etc. numa espécie de solipsismo metodológico aterrador.
- As Redacções deixaram de ser oficinas de notícias para passarem a ser lojas (hipermercados) de notícias. Os fornecedores da mercadoria preferidos são os que já apresentam o produto "pronto a consumir", com o tempero adequado: 90% de Pathos, 9% de Ethos e 1% de Logos. A mercadorização chegou às notícias, que agora se chamam “conteúdos”, e os OCS funcionam como entrepostos comerciais desses produtos ao serviço de interesses particulares.
- A institucionalização da comunicação social como palco de propaganda governamental e dos grandes financiadores do partido do poder. É preocupante quando não vemos diferenças entre os discursos do poder político estabelecido, do poder económico e da Imprensa.
- A informação desportiva (quase exclusivamente futebolística) na emissora estatal e taxada Antena 1, que ocupa ocupa mais do dobro do tempo de emissão das restantes notícias.
- A obsessão de, por tudo e por nada, ilustrar as notícias com a "opinião dos portugueses", que não são mais do que 3 ou 4 passantes, arrebanhados à porta da redacção.
- Cada vez mais o escopo da informação é o jornalista e não a notícia. Até para o assunto mais absurdo tem de vir um "apontamento de reportagem" onde 99% do tempo é dedicado a ver e/ou ouvir o jornalista-estrela, sem qualquer justificação.
- O Canal Parlamento, que poderia ter um papel determinante na elevação da consideração por aquela instituição tão depreciada pelos portugueses, confirma-se a mais completa desilusão. De entre todas os órgãos de soberania, o Parlamento deveria ser o mais acarinhado pela sociedade democrática, mas dir-se-ia que são os próprios parlamentares os menos preocupados com o prestígio daquela nobilíssima instituição. De que têm medo os nossos deputados?
COISAS BOAS
- O incremento do uso da Internet como fonte de informação noticiosa e como sério concorrente à passividade frente à televisão. (Onde estão os estudos de audiências em que também surja a Internet?)
- As dezenas de blogs regionalistas e de pequenos projectos de ciberjornalismo regional que conseguem romper com a versão institucional, partidarizada e subserviente da Imprensa local (jornais e rádios).
- O Abrupto, o Do Portugal Profundo e um pequeno punhado de blogs que ainda provocam turbulência mesmo entre aqueles que se esforçam por demonstrar que a blogosfera (e a Internet) é um meio de comunicação desprezível. Será medo da liberdade e da democracia? Ou saudade das ditaduras?
- As crónicas de António Barreto, no Público. Fazem-me lembrar uma afirmação célebre do dramaturgo Friedrich Dürrenmatt: "Mas que tempo este em que é preciso lutar pelo que é evidente!"
- O crescimento e a emergência de jornais de distribuição gratuita, num país avesso à leitura e onde o preço de um jornal já pesa no orçamento de muitas famílias. E ainda porque estes jornais, cujo conteúdo não é muito mais do que um repositório de "telex" de agências, revelaram a mesma displicência profissional que se instituiu nos "órgãos de referência". Para quê ler o DN, o JN, o Público, etc. se as mesmas notícias, redigidas praticamente da mesma forma, estão ali à mão, num dos gratuitos?
COISA EXCEPCIONAL (no sentido de excepção; de circunstância notável a que se deve dar especial atenção; de fenómeno kantiano, suspenso nas teias da percepção contemporânea)
- O Blog de Pedro Santana Lopes: uma espécie de imperativo categórico dos tempos que correm, em que se revela como a forma, mais do que se impor à substância, configura-se, ela mesmo, como a verdadeira e única substância – esta é a "maravilha fatal da nossa idade". Aqueles textos, aquelas imagens, aqueles comentários, tudo aquilo são documentos históricos que consubstanciam a realidade antroposociológica portuguesa actual com uma densidade ímpar. Uma preciosa epítome que deve ser preservada para memória futura e júbilo dos historiadores vindouros.
LENDO VENDO OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 30 de Dezembro de 2007
O dedo do Governo na comunicação social, hoje no Correio da Manhã:
Por duas vezes desde o início de Novembro passado os Falcon que transportavam o primeiro-ministro e outros membros do Governo foram obrigados a aterrar, pouco tempo após terem levantado voo, por motivos de segurança. Mesmo assim, José Sócrates já deixou claro a vários membros do Executivo que “enquanto houver garantia de segurança não haverá compra de nenhum avião”, nas palavras de fonte conhecedora do processo. (...) A substituição dos três Falcon, adquiridos nos anos 70, tem sido um assunto corrente nos últimos anos. Por forma a incluírem estes aviões como troca num futuro negócio, os governos dos últimos anos apuraram que uma nave com capacidade para 20 pessoas custa quase 20 milhões de euros. Como “neste momento há contenção orçamental, está fora de hipótese comprar outros aviões na actual legislatura”, afirma a mesma fonte."
Mensagem que se pretende passar: o Primeiro-ministro prefere por em causa a sua segurança pessoal a gastar dinheiro numa compra que parece aos portugueses um luxo. Um herói do orçamento, um exemplo de contenção e moderação. Bem pensada para o Correio da Manhã e o seu público.
Mensagem passada, premeie-se o assessor ou a agência.
Go home and write a page tonight. And let that page come out of you-- Then, it will be true.
I wonder if it's that simple? I am twenty-two, colored, born in Winston-Salem. I went to school there, then Durham, then here to this college on the hill above Harlem. I am the only colored student in my class. The steps from the hill lead down into Harlem, through a park, then I cross St. Nicholas, Eighth Avenue, Seventh, and I come to the Y, the Harlem Branch Y, where I take the elevator up to my room, sit down, and write this page:
It's not easy to know what is true for you or me at twenty-two, my age. But I guess I'm what I feel and see and hear, Harlem, I hear you: hear you, hear me--we two--you, me, talk on this page. (I hear New York, too.) Me--who? Well, I like to eat, sleep, drink, and be in love. I like to work, read, learn, and understand life. I like a pipe for a Christmas present, or records--Bessie, bop, or Bach. I guess being colored doesn't make me not like the same things other folks like who are other races. So will my page be colored that I write?
Being me, it will not be white. But it will be a part of you, instructor. You are white-- yet a part of me, as I am a part of you. That's American. Sometimes perhaps you don't want to be a part of me. Nor do I often want to be a part of you. But we are, that's true! As I learn from you, I guess you learn from me-- although you're older--and white-- and somewhat more free.
COISAS DA SÁBADO: NÃO HÁ MAL QUE SEMPRE DURE, NEM BEM QUE NUNCA ACABE
1. Acabou para Sócrates o alibi dos governos anteriores. Com excepcionais condições de governação, com maioria absoluta, com o show europeu para dar dimensão internacional, sem “forças de bloqueio” na Presidência, com uma oposição nos dois primeiros anos muito mais responsável do que alguma vez o PS foi, gozando de muitas simpatias e ainda de mais cumplicidades, mas agora são os resultados que se esperam.
Os primeiros resultados que se conhecem são todos maus com excepção do controlo do défice e mesmo aí parece (ao Tribunal de Contas) que as coisas também não são tão boas como se pensava. O empobrecimento dos portugueses continua e é um empobrecimento sem esperança. Como se todos fossem, a seu modo, um desempregado com quarenta anos.
2. A propaganda governamental está a esgotar-se. PowerPoint, simulações de computador, assistências reverendas ou de casting, já só sobrevivem na RTP e nos “momentos-Chávez” do Primeiro-ministro. Os especialistas, as agências, os assessores, bem podem estudar novas fórmulas para “comunicar”, que a teimosia dos factos erodiu as técnicas de propaganda que o governo e o Primeiro-ministro tem usado até à exaustâo.
3. As reformas estilo Sócrates não passaram na maioria dos casos de medidas de contenção orçamental e, só em raros casos, foram medidas de verdadeira reforma. Mas quer as verdadeiras quer as falsas reformas foram sempre acompanhadas de um discurso de agressividade populista contra as classes e grupos profissionais destinatários – funcionários públicos, professores, agentes da justiça, jornalistas – que motivaram respostas corporativas. Este estilo agressivo colocou os grupos profissionais inteiros contra o governo em vez de os dividir entre sectores conservadores e “modernizadores”, o que retirou eficácia às poucas reformas genuínas que se esboçaram.
4. Três programas emblemáticos caracterizaram este governo: o Plano Tecnológico, o Simplex e as “Novas Oportunidades”. O que de melhor o governo Sócrates fez, passou por aqui. Talvez, de todos, o Simplex tenha sido o que melhores resultados trouxe. Ainda é cedo para se fazer uma avaliação global, mas a simplificação burocrática conheceu um impulso sério.
5. O Plano Tecnológico traduz muito do deslumbramento de Sócrates e da sua geração pelo poder das tecnologias, e pela crença que as tecnologias tem efeitos sociais de per si. Não tem. São instrumentos que só actuam em contextos sociais próprios e muitos milhares de euros de material avariado, computadores, gadgets, estão por essas escolas e instituições públicas onde depois das belas sessões públicas de ofertas e inaugurações não se cuidou, por exemplo, da manutenção. Para além disso, ter banda larga em Ferreira do Alentejo é excelente se ela servir para alguma coisa, se as literacias para a usar existirem para além da ida à Internet para ver os sítios de futebol, pornografia e as fotografias da turma no Hi5.
Terá ainda que se esperar para ver outros resultados do Plano Tecnológico, mas este perdeu dinâmica no último ano.
6. Quanto às “Novas Oportunidades” foram no seu início um sucesso naquilo que era mais difícil: revalorizar o papel do ensino, da educação, da aprendizagem, do saber, em sectores da população que na sua vida tinham voltado as costas a esses valores, ou por necessidade, ou por facilidade. Porém o programa entra agora numa fase crucial: após os momentos de arranque incial, é suposto que se começe agora a aprender e a ser avaliado. Esta é a parte difícil, mas a que justifica o projecto. E aqui as intenções iniciais começam a esmorecer, os atrasos a somarem-se, a perplexidade dos formadores a aumentar e o anúncio regular pelo governo da outorga de mais uns milhares de diplomas faz suspeitar de facilitismo. Vamos ver.
7. No PSD deu-se mais um passo para a irrelevância, ou ainda pior, para tornar o partido um mero gestor alternativo das políticas do PS. Ora, para fazer a mesma política, os eleitores preferem o PS como mais eficaz e mais credível.
Com Marques Mendes, o PSD esboçou um ruptura com o período negro anterior, mas como quando se fazem “revoluções pela metade cava-se o seu próprio túmulo” (dizia Saint Just), perdeu-se o pouco que se tinha adquirido voltando o partido ao dia anterior da derrota de 2005 . Mendes não conseguiu impor-se, mas os seus esforços foram no sentido certo. Menezes também não está a conseguir impor-se, mas todos os seus esforços vão no sentido errado. O governo está verdadeiramente à solta, a oposição numa crise maior do que alguma vez esteve desde 2005.
8. O PP já atingiu o equilibrio dos pequenos partidos, que atingem uma “stasis” interna onde que tudo o que acontece, não acontece. E no entanto, a retirada do PSD da oposição poderia ser uma oportunidade e o PP tem aproveitado os vazios para ocupar o terreno de algumas questões importantes como a dos direitos dos contribuintes e a omnipotência do fisco. Mas não chega. Portas reduziu o partido a si próprio, e dar atenção ao PP é dar atenção a Portas e cada vez menos pessoas o fazem.
9. O PCP teve um bom ano, o problema do PCP é que ninguém dá por ela disso. O PCP é o único partido cuja força é “civil”, mesmo que se tenha em conta o processo de estatização dos sindicatos, maior na UGT do que na CGTP. Conseguiu com autonomia uma capacidade de mobilização que já tinha perdido e pôs na rua muitas dezenas, senão centenas de milhares de pessoas. O problema do PCP é que passou de moda mediática, a sua contestação parece um arcaísmo social e por isso parece ser inútil.
10. O BE está em crise. Deixou-se enredar com o PS em Lisboa, o pior sítio para alguém se enredar com o PS. Deixou-se reduzir a Louçã e Louçã fixou-se num discurso cujo esgotamento irrita mais do que cansa. Para a contestação social o PCP é mais eficaz, e as causas "fracturantes" são na maioria dos casos ou inócuas, ou tão vanguardistas que ficam na marginalidade e no radical chic.
As bibliografias estão a ser actualizadas não só para muitos títulos de 2007, como também para novas entradas anteriores que não estavam referenciadas. Cada vez mais o âmbito se alarga para cobrir todas as actividades da oposição, incluindo os anarquistas, os republicanos e os socialistas. Cerca de 100 novas entradas já foram integradas, algumas das quais de textos que se encontram em linha e de artigos em publicações locais ou estrangeiras. O processo continuará nos próximos dias. Foi igualmente alterada a estrutura das bibliografias para evitar a divisão das entradas por páginas diferentes, situação facilitada por um novo arranjo gráfico das páginas permanentes. No seu conjunto, as bibliografias são as mais completas existentes, em papel ou em linha, para o assunto e período de 1926-1974. Depois será actualizada a lista de biografias e o próprio conteúdo do blogue.
The carnival is over. The high tents, the palaces of light, are folded flat and trucked away. A three-time loser yanks the Wheel of Fortune off the wall. Mice pick through the garbage by the popcorn stand. A drunken giant falls asleep beside the juggler, and the Dog-Faced Boy sneaks off to join the Serpent Lady for the night. Wind sweeps ticket stubs along the walk. The Dead Man loads his coffin on a truck. Off in a trailer by the parking lot the radio predicts tomorrow's weather while a clown stares in a dressing mirror, takes out a box, and peels away his face.
Sempre um ar diferente de tudo o resto. Húmido, de uma humidade certa para o tempo, o rio, as casas, as ruas. Uma névoa pela manhã que se levanta do sítio certo, do rio, do mar, que se espalha junto com as gaivotas, cada vez mais para terra. Ruas desertas como se fossem puro exterior e toda a intimidade tenha sido contida por detrás das paredes de granito. Silêncio, poucas luzes.
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Urbi et orbi. O Papa olha por detrás dos paramentos dourados. Está a pensar. Parece estar sempre a pensar, nunca a rezar, apenas a ver e a pensar. Em que pensa, o velho universitário bávaro, habitante de bibliotecas, gabinetes, papéis, lidando com burocratas toda a vida, agora ali, com um acólito arranjando-lhe as vestes do ofício de S. Pedro? No Sol de inverno que também ilumina a Praça imperial? Nos negócios do mundo? Ajusta os óculos, o microfone, os sinais da imperfeição e numa voz débil fala do "giorno santo". Urbi et orbi.
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Poucas missas de Natal têm a dignidade severa da que ocorre em Bagdad. Ali é fé mesmo.
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Desde que a CNN roubou à BBC Richard Quest que este faz o papel do inglês excêntrico no canal americano. Na BBC fazia apenas o papel do inglês, ou seja, mais um na casa, onde de repente se vê a jornalista habitual do noticiário, que todos imaginamos na sua confortável casa londrina, a fazer uma reportagem na Índia e a pegar num jornal em gujarate e a começar a lê-lo e a comentá-lo como se fosse a coisa mais natural do mundo. Malhas que o império tece.
Quest, sempre nomeado como o jornalista mais divertido do mundo, passeia a sua estudada inadequação funcional pelos "festivais da luzes", Natal cristão e Diwali indiano, para que a "cadeia global" não perca a sua marca de politicamente correcto. Depois vai visitar a senhora Bush, uma americana sólida, competente, e que sabe cumprir o seu papel muitas vezes melhor do que o marido. Mostra-lhe a árvore de Natal da Casa Branca, fala do "tema" escolhido para este ano, os parques nacionais, o mesmo do filme com os cãezinhos em que entra Blair, e dá-lhe a comer um boneco de pão.Junto de tanta eficácia e competência, Quest fica um velho colonial, um anacronismo e os "patriotas" ganham mais uma vez aos redcoats.
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS ELEITORES: PLANO TECNOLÓGICO
Um exemplo de /qual é a verdadeira questão/ na educação. Se somos os mais atrasados em tudo porque deveriamos ser melhores na educação? Sem mais comentários.
(Carlos HP Ribeiro)
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Passagem superior para peões com dificuldades de locomoção, em Entrecampos, Lisboa. Um cartão, que ninguém sabe onde se adquire, dá direito ao uso de uma maquineta que ninguém sabe se alguma vez funcionou.
(C. Medina Ribeiro)
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Telheiras, 27 de Dezembro de 2007, 08h30 - lixo do primeiro mundo num país do terceiro... e eu, como muito boa gente, ainda tenho o lixo reciclável do Natal em casa, à espera.