ABRUPTO

29.12.07


MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



(Susan Sontag, On Photography)



O Sol poente para os lados de Torres Novas. (Ochoa)

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COISAS DA SÁBADO:
NÃO HÁ MAL QUE SEMPRE DURE, NEM BEM QUE NUNCA ACABE




1. Acabou para Sócrates o alibi dos governos anteriores. Com excepcionais condições de governação, com maioria absoluta, com o show europeu para dar dimensão internacional, sem “forças de bloqueio” na Presidência, com uma oposição nos dois primeiros anos muito mais responsável do que alguma vez o PS foi, gozando de muitas simpatias e ainda de mais cumplicidades, mas agora são os resultados que se esperam.

Os primeiros resultados que se conhecem são todos maus com excepção do controlo do défice e mesmo aí parece (ao Tribunal de Contas) que as coisas também não são tão boas como se pensava. O empobrecimento dos portugueses continua e é um empobrecimento sem esperança. Como se todos fossem, a seu modo, um desempregado com quarenta anos.

2. A propaganda governamental está a esgotar-se. PowerPoint, simulações de computador, assistências reverendas ou de casting, já só sobrevivem na RTP e nos “momentos-Chávez” do Primeiro-ministro. Os especialistas, as agências, os assessores, bem podem estudar novas fórmulas para “comunicar”, que a teimosia dos factos erodiu as técnicas de propaganda que o governo e o Primeiro-ministro tem usado até à exaustâo.

3. As reformas estilo Sócrates não passaram na maioria dos casos de medidas de contenção orçamental e, só em raros casos, foram medidas de verdadeira reforma. Mas quer as verdadeiras quer as falsas reformas foram sempre acompanhadas de um discurso de agressividade populista contra as classes e grupos profissionais destinatários – funcionários públicos, professores, agentes da justiça, jornalistas – que motivaram respostas corporativas. Este estilo agressivo colocou os grupos profissionais inteiros contra o governo em vez de os dividir entre sectores conservadores e “modernizadores”, o que retirou eficácia às poucas reformas genuínas que se esboçaram.

4. Três programas emblemáticos caracterizaram este governo: o Plano Tecnológico, o Simplex e as “Novas Oportunidades”. O que de melhor o governo Sócrates fez, passou por aqui. Talvez, de todos, o Simplex tenha sido o que melhores resultados trouxe. Ainda é cedo para se fazer uma avaliação global, mas a simplificação burocrática conheceu um impulso sério.

5. O Plano Tecnológico traduz muito do deslumbramento de Sócrates e da sua geração pelo poder das tecnologias, e pela crença que as tecnologias tem efeitos sociais de per si. Não tem. São instrumentos que só actuam em contextos sociais próprios e muitos milhares de euros de material avariado, computadores, gadgets, estão por essas escolas e instituições públicas onde depois das belas sessões públicas de ofertas e inaugurações não se cuidou, por exemplo, da manutenção. Para além disso, ter banda larga em Ferreira do Alentejo é excelente se ela servir para alguma coisa, se as literacias para a usar existirem para além da ida à Internet para ver os sítios de futebol, pornografia e as fotografias da turma no Hi5.

Terá ainda que se esperar para ver outros resultados do Plano Tecnológico, mas este perdeu dinâmica no último ano.

6. Quanto às “Novas Oportunidades” foram no seu início um sucesso naquilo que era mais difícil: revalorizar o papel do ensino, da educação, da aprendizagem, do saber, em sectores da população que na sua vida tinham voltado as costas a esses valores, ou por necessidade, ou por facilidade. Porém o programa entra agora numa fase crucial: após os momentos de arranque incial, é suposto que se começe agora a aprender e a ser avaliado. Esta é a parte difícil, mas a que justifica o projecto. E aqui as intenções iniciais começam a esmorecer, os atrasos a somarem-se, a perplexidade dos formadores a aumentar e o anúncio regular pelo governo da outorga de mais uns milhares de diplomas faz suspeitar de facilitismo. Vamos ver.

7. No PSD deu-se mais um passo para a irrelevância, ou ainda pior, para tornar o partido um mero gestor alternativo das políticas do PS. Ora, para fazer a mesma política, os eleitores preferem o PS como mais eficaz e mais credível.

Com Marques Mendes, o PSD esboçou um ruptura com o período negro anterior, mas como quando se fazem “revoluções pela metade cava-se o seu próprio túmulo” (dizia Saint Just), perdeu-se o pouco que se tinha adquirido voltando o partido ao dia anterior da derrota de 2005 . Mendes não conseguiu impor-se, mas os seus esforços foram no sentido certo. Menezes também não está a conseguir impor-se, mas todos os seus esforços vão no sentido errado. O governo está verdadeiramente à solta, a oposição numa crise maior do que alguma vez esteve desde 2005.

8. O PP já atingiu o equilibrio dos pequenos partidos, que atingem uma “stasis” interna onde que tudo o que acontece, não acontece. E no entanto, a retirada do PSD da oposição poderia ser uma oportunidade e o PP tem aproveitado os vazios para ocupar o terreno de algumas questões importantes como a dos direitos dos contribuintes e a omnipotência do fisco. Mas não chega. Portas reduziu o partido a si próprio, e dar atenção ao PP é dar atenção a Portas e cada vez menos pessoas o fazem.

9. O PCP teve um bom ano, o problema do PCP é que ninguém dá por ela disso. O PCP é o único partido cuja força é “civil”, mesmo que se tenha em conta o processo de estatização dos sindicatos, maior na UGT do que na CGTP. Conseguiu com autonomia uma capacidade de mobilização que já tinha perdido e pôs na rua muitas dezenas, senão centenas de milhares de pessoas. O problema do PCP é que passou de moda mediática, a sua contestação parece um arcaísmo social e por isso parece ser inútil.

10. O BE está em crise. Deixou-se enredar com o PS em Lisboa, o pior sítio para alguém se enredar com o PS. Deixou-se reduzir a Louçã e Louçã fixou-se num discurso cujo esgotamento irrita mais do que cansa. Para a contestação social o PCP é mais eficaz, e as causas "fracturantes" são na maioria dos casos ou inócuas, ou tão vanguardistas que ficam na marginalidade e no radical chic.

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MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



(Susan Sontag, On Photography)





Saída para o mar na Póvoa de Varzim. (Mário de Sá Peliteiro)





Feira da Ladra, hoje.



Nevoeiro matinal em Lisboa.



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)





Nascer do Sol perto de Tomar. (Ochoa)



Chiado à meia-noite. (RM)

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JARDINS DE INVERNO



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28.12.07


INTENDÊNCIA



Os Estudos sobre o Comunismo que estavam inactivos já há uns meses estão a voltar à vida.

As bibliografias estão a ser actualizadas não só para muitos títulos de 2007, como também para novas entradas anteriores que não estavam referenciadas. Cada vez mais o âmbito se alarga para cobrir todas as actividades da oposição, incluindo os anarquistas, os republicanos e os socialistas. Cerca de 100 novas entradas já foram integradas, algumas das quais de textos que se encontram em linha e de artigos em publicações locais ou estrangeiras. O processo continuará nos próximos dias. Foi igualmente alterada a estrutura das bibliografias para evitar a divisão das entradas por páginas diferentes, situação facilitada por um novo arranjo gráfico das páginas permanentes. No seu conjunto, as bibliografias são as mais completas existentes, em papel ou em linha, para o assunto e período de 1926-1974. Depois será actualizada a lista de biografias e o próprio conteúdo do blogue.


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JARDINS DE INVERNO



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MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Hoje. Usando o Abrupto como janela.



(Susan Sontag, On Photography)



Geada matinal nos campos do Ribatejo. (Ochoa)

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EARLY MORNING BLOGS


1187 - Sunday Night in Santa Rosa

The carnival is over. The high tents,
the palaces of light, are folded flat
and trucked away. A three-time loser yanks
the Wheel of Fortune off the wall. Mice
pick through the garbage by the popcorn stand.
A drunken giant falls asleep beside
the juggler, and the Dog-Faced Boy sneaks off
to join the Serpent Lady for the night.
Wind sweeps ticket stubs along the walk.
The Dead Man loads his coffin on a truck.
Off in a trailer by the parking lot
the radio predicts tomorrow's weather
while a clown stares in a dressing mirror,
takes out a box, and peels away his face.

(Dana Gioia)

*

Bom dia!

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27.12.07


JARDINS DE INVERNO



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PELO MEU PORTO



Sempre um ar diferente de tudo o resto. Húmido, de uma humidade certa para o tempo, o rio, as casas, as ruas. Uma névoa pela manhã que se levanta do sítio certo, do rio, do mar, que se espalha junto com as gaivotas, cada vez mais para terra. Ruas desertas como se fossem puro exterior e toda a intimidade tenha sido contida por detrás das paredes de granito. Silêncio, poucas luzes.

*

Urbi et orbi. O Papa olha por detrás dos paramentos dourados. Está a pensar. Parece estar sempre a pensar, nunca a rezar, apenas a ver e a pensar. Em que pensa, o velho universitário bávaro, habitante de bibliotecas, gabinetes, papéis, lidando com burocratas toda a vida, agora ali, com um acólito arranjando-lhe as vestes do ofício de S. Pedro? No Sol de inverno que também ilumina a Praça imperial? Nos negócios do mundo? Ajusta os óculos, o microfone, os sinais da imperfeição e numa voz débil fala do "giorno santo". Urbi et orbi.


*

Poucas missas de Natal têm a dignidade severa da que ocorre em Bagdad. Ali é fé mesmo.

*

Desde que a CNN roubou à BBC Richard Quest que este faz o papel do inglês excêntrico no canal americano. Na BBC fazia apenas o papel do inglês, ou seja, mais um na casa, onde de repente se vê a jornalista habitual do noticiário, que todos imaginamos na sua confortável casa londrina, a fazer uma reportagem na Índia e a pegar num jornal em gujarate e a começar a lê-lo e a comentá-lo como se fosse a coisa mais natural do mundo. Malhas que o império tece.

Quest, sempre nomeado como o jornalista mais divertido do mundo, passeia a sua estudada inadequação funcional pelos "festivais da luzes", Natal cristão e Diwali indiano, para que a "cadeia global" não perca a sua marca de politicamente correcto. Depois vai visitar a senhora Bush, uma americana sólida, competente, e que sabe cumprir o seu papel muitas vezes melhor do que o marido. Mostra-lhe a árvore de Natal da Casa Branca, fala do "tema" escolhido para este ano, os parques nacionais, o mesmo do filme com os cãezinhos em que entra Blair, e dá-lhe a comer um boneco de pão.Junto de tanta eficácia e competência, Quest fica um velho colonial, um anacronismo e os "patriotas" ganham mais uma vez aos redcoats.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS ELEITORES: PLANO TECNOLÓGICO






















Um exemplo de /qual é a verdadeira questão/ na educação. Se somos os mais atrasados em tudo porque deveriamos ser melhores na educação? Sem mais comentários.


(Carlos HP Ribeiro)


*




















Passagem superior para peões com dificuldades de locomoção, em Entrecampos, Lisboa. Um cartão, que ninguém sabe onde se adquire, dá direito ao uso de uma maquineta que ninguém sabe se alguma vez funcionou.


(C. Medina Ribeiro)



*












Telheiras, 27 de Dezembro de 2007, 08h30 - lixo do primeiro mundo num país do terceiro... e eu, como muito boa gente, ainda tenho o lixo reciclável do Natal em casa, à espera.

(Fernando Correia de Oliveira)

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EARLY MORNING BLOGS


1186 - Das circunstâncias

Hase también de tener en cuenta en [e]sta consideración y memoria para tener arrepentimiento y hazer deuida confessión, no solo con la substancia destos peccados desnudamente sino también con las circunstancias que los han acompañado, especialmente, con las que agrauan de manera que mudan la especie y naturaleza del peccado o la alteran notablemente, assí como cometer el hombre algo contra sus padres o prelados o peccar en lugar sagrado.

Las circunstancias communes son siete:

1. Quién.

2. Quál.

3. Quánto.

4. Porqué.

5. En qué lugar.

6. En qué tiempo.

7. Quántas vezes, pocas más o menos.

¶ Quién, es a saber, qué perdona, qué officio tiene y en qué vocación está puesto el penitente sino fuere notorio el confessor.

¶ Quál, es a saber, la persona con quien o contra quien se pecca. Y guárdese mucho de explicar ni declarar en particular la persona con quien ha peccado sino declare su confessión de manera que nadie se infame porque aunque se pueda dar algún caso en que se pueda o deua hazer esto, pero en lo ordinario no es lícito hazerse, antes es perjudicial a la fama del tercero y al exercicio y prática deste sancto sacramento y de que pueden nascer muchos males y atemorizarse los penitentes para venir a este sacramento de la confessión.

¶ Quánto, es a saber, la quantidad del peccado o del daño o del menosprecio que enel peccado se haze y del detenimiento en él.

¶ Porqué, el fin o intención con que se pecca.

¶ En qué lugar, es a saber, si es público o secreto, profano o sagrado o lugar de oración.

¶ En qué tiempo, si es día de fiesta o de ayuno o de pública oración.

¶ Quántas vezes, circunstancia es que está de sí clara.

¶ Y no piense el christiano que esta meditación de su vida se ha de hazer ansí seca y fríamente sino con recogida y atenta consideración de sus peccados y arrepentimiento efficaz y verdadero dellos con esperança y fiuzia de su misericordia, estribada en la sangre y mérito de Iesú Christo, nuestro señor, y con verdadero propósito de la enmienda porque poco aprouecharía hauerse traýdo a la memoria su mala vida passada sino procurasse, con el ayuda de Dios, arrepentirse y tener contrición verdadera de sus peccados, lo qual podrá hazer de la manera que se sigue.

(Martín de Ayala, Compendio para bien examinar la consciencia en el juizio de la confessión)

*

Bom dia!

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26.12.07


MOMENTOS EM TEMPO REAL: EXTERIORES

Estes dias de Natal. Usando o Abrupto como janela.



(Susan Sontag, On Photography)



A lua esta noite, do Porto (Av. Marechal Gomes da Costa) . (Nuno Ortigão)





Noite de Natal em Amarante. (Helder Barros)



Praia Formosa - Funchal. (Carlos Oliveira)







Dia de Natal, às 7 da manhã, amanhecer com neve, uma perfeita "white Christmas" nas longinquas terras do Colorado. (Manuela Mage)



O cais da doca de Setúbal na tarde calma de hoje. (Ochoa )



Foz do Arelho.



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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24.12.07




(Frederick McCubbin)

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EARLY MORNING BLOGS


1185

A Musa

Quando tarde na noite te esperei,
Com toda a vida presa por um fio.
Oferecendo a minha juventude, liberdade, glória,
À minha convidada de flauta na mão.
Então chegas.
Pousas o casaco,
E olhas para mim com firmeza.
Perguntei-te: "Ditaste a Dante
As páginas do Inferno?"
Respondes: "Sim, fui eu. "

(Anna Akhmatova)


Муза


Когда я ночью жду ее прихода,
Жизнь, кажется, висит на волоске.
Что почести, что юность, что свобода
Пред милой гостьей с дудочкой в руке.
И вот вошла. Откинув покрывало,
Внимательно взглянула на меня.
Ей говорю: "Ты ль Данту диктовала
Страницы Ада?" Отвечает: "Я".

1924

*

Bom dia!

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ONDE ESTÁ O PSD?



É só uma questão de tempo até os jornais começarem a perguntar onde está o PSD, onde está Menezes, onde está a oposição vinda do partido que é suposto "liderá-la", que não se vê em parte nenhuma. O PP, o PCP e o BE, nalguns casos mesmo alguns raros dissidentes do PS socrático, têm criticado o Governo, enquanto o PSD passa entre as sombras, ou ficando pura e simplesmente silencioso, ou murmurando umas críticas de circunstância que ninguém ouve, ou, em muitos casos, concordando com o Governo e o PS. O único "não" sonoro que se ouviu foi a recusa do empréstimo à Câmara de Lisboa, acompanhado por uma condução política que primou pela completa inépcia. Esse é daqueles que mais valia não se ter ouvido, sem com isso dizer que Costa tinha razão, que não a tinha.

A pergunta do "onde está" é tradicional na comunicação social e nalguns casos foi feita com estragos consideráveis, como aconteceu com Vítor Constâncio à frente do PS. A pergunta em si é pouco relevante, porque o que a comunicação social quer é festa e, quando acha que não a tem, clama por actores no palco. Admito que os tempos agora não estarão como estavam no tempo de Constâncio, nem a dedicação carinhosa da comunicação social ao PSD é idêntica à que na época prodigalizava ao PS, cujo estado a preocupava. Mas, quando vier a pergunta, será mais para a coreografia do que para a substância, porque esta está há muito respondida: de há uns tempos a esta parte, o PSD está onde está o PS.

A razão pela qual o PSD se ausentou para parte incerta foi explicada na pouco noticiada conferência de imprensa "oferecedora de pactos", antecedendo o debate parlamentar de "primeira oportunidade" entre Sócrates e Santana Lopes. Desde aí que se conhecem as razões de substância para este já longo silêncio: o PSD aproximou-se politicamente do PS como nunca esteve antes, ao ponto de se oferecer para co-governar em praticamente todas as áreas. Na conferência e em declarações avulsas - da política externa à política europeia, passando pela defesa, segurança interna e legislação eleitoral, e acabando no célebre "pacto das obras públicas", a que se soma o "pacto da justiça" vindo do tempo de Marques Mendes -, o PSD faz uma abdicação da diferença, da alteridade, da oposição.

O que nos é dito é que em Janeiro tudo vai mudar, aparecerão propostas e tomadas de posição, vai começar a oposição "a sério", quando estiverem gabinetes e assessores a funcionar. É um pouco bizarro que se anuncie um tempo de adiamento da oposição, uma paragem para uma retoma anunciada, quando antes tudo era tempo urgente. Menezes criticava Marques Mendes por não fazer oposição dia a dia, minuto a minuto, fogosa, ardente, caso a caso, para o que, dizia, não faltavam temas nem razões e que "com ele" isso iria mudar radicalmente. Já não me refiro às idas às fábricas que encerraram - entretanto já encerraram várias -, mas a um estilo prometido de pathos oposicionista, comunhão com o povo e de entusiasmo militante, que, de todo, não se vê. Não é que o estilo prometido fosse bom, mas foi o que foi prometido, antes deste enorme esforço de respeitabilidade fabricado por agências de comunicação. Estas flutuações matam o flutuante, mas, infelizmente, são o que é normal, quando se actua para uma sociedade do espectáculo.

Permitam-me por isso que duvide da ofensiva putativa de Janeiro, porque a diferença não se faz com mais ou menos "estudos", "porta-vozes" ou "governos-sombra". Faz-se em primeiro lugar com políticas e não faltaram ocasiões nos últimos meses para se ser firme e duro com a política de um governo que está a empobrecer-nos a todos em nome de um modelo "social" que não tem futuro. Isto, na hipótese de o PSD ter um modelo diferente, que só pode ser mais liberal, mesmo que só moderadamente liberal, o que já não era mau.

Quando dois partidos se colam tanto que pouco se diferenciam, o que sobra para a luta política tende a ser incidental, conjuntural: esta nomeação, aquela opção por Ferreira de Cima em vez de ser por Ferreira de Baixo e várias variantes de questões "fracturantes", que em muitos casos são distracções dos problemas centrais de poder político e remetem para agendas em que nem sequer é líquido que o Estado e o poder político devam entrar.

Este "bloco central" político esteve sempre dentro do PSD, como esteve e está no PS e é uma sobrevivência de laços de interesses profundos representados nos dois partidos e que, depois, encontra expressão no rastro salazarista antidemocrático dos consensos. Nos primeiros anos da democracia, este "bloco central" concentrava-se em exercer o poder através da economia nacionalizada pós-1975, daí poder ser representado simbolicamente na cena real de responsáveis dos dois partidos reunidos a distribuir os lugares de gestores públicos nas empresas: estes dois são para mim, este fica para ti, este vai para a TAP e dou-te dois na CP, mas este da EDP não pode ser comparado como este na Imprensa Nacional, etc., etc. Este tipo de partilhas que durou até há muito pouco tempo e em muitas áreas, a começar nas autarquias e nas empresas municipalizadas, ainda está longe de ter acabado.

Mas o "bloco central de interesses" evoluiu com a economia, e adaptou-se às privatizações, deslocou-se para fora do Estado e foi para os grupos económicos, para os bancos, as seguradoras, as empresas de construção civil, etc., etc. Quase que se pode formular uma regra simples: quanto mais depender um grupo económico de decisões do governo para conduzir a sua actividade empresarial, tanto maior é a presença deste "bloco central de interesses" no seu seio. A deslocação do Estado para o privado significa que os mecanismos de influência tendem a deslocar-se de fora para dentro, a centrar-se na mediação de negócios, assentes em empresas de consultadoria e em grandes escritórios de advogados, que todos sabem serem as portas certas para chegar ao governo, este e os anteriores. Quando um partido político, ainda por cima na oposição, se demarca deste jogo de interesses instalado, as suas lideranças são sujeitas a um processo que começa pela descredibilização e acaba na tentativa de expulsar os incontroláveis. Marcelo Rebelo de Sousa, num momento da sua liderança, quando contestou alguns grandes negócios, foi sujeito a essa campanha.

É verdade que no PSD há a presença deste "bloco central", mas há também uma tradição de ruptura que, no passado, tornou o partido na principal força reformista em Portugal. O PS foi crucial na defesa da democracia política em 1975, o PSD foi crucial na normalização democrática. Sem o PSD, na fórmula da AD de Sá Carneiro, não se iria tão longe e tão cedo no fim da presença militar na tutela da democracia. Sem Cavaco Silva não haveria uma cultura de "bom governo", o fim da Constituição socializante na economia, o retorno à economia de mercado, o boom de infra-estruturas, a democratização do ensino, uma modernização imperfeita mas real do país. Ambos associaram um programa de reformas à alteração das condições políticas dominantes em momentos desejados e sentidos como de ruptura: Sá Carneiro e Freitas do Amaral mostraram que outros partidos podiam governar Portugal que não apenas o PS, e Cavaco abriu caminho para as maiorias absolutas como condição de governabilidade.

Se estamos no caminho do bonnet blanc, blanc bonnet, como dizem os franceses, esta é a melhor receita para matar o lado reformista do PSD, o de Sá Carneiro e Cavaco Silva. Sem esse lado reformista, o PSD ficará tão próximo do Governo e do PS que, à luz de um, não se vê a sombra do outro. E nem de holofote a laser, banhado no mais forte néon, Diógenes encontrará qualquer homem na cidade.

(No Público de 22 de Dezembro de 2007)

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23.12.07


EARLY MORNING BLOGS


1184 - On s'en fiche!

De traverse en traverse,
tout va dans l' univers
de travers.
Toute femme est perverse,
tout traiteur exigeant
pour l' argent.
à tout jeu le sort nous triche ;
mais enfin est-on gris,
biribi,
on s' en fiche !

Désespoir d' un ivrogne,
vient un marchand maudit
qui vous dit
qu' en Champagne, en Bourgogne,
les coteaux sont grêlés
et gelés.
à tout jeu le sort nous triche ;
mais enfin est-on gris,
biribi,
on s' en fiche !

Oubliez une dette,
chez vous entre un huissier
bien grossier
qui vend table et couchette,
et trouve encor de quoi
pour le roi.
à tout jeu le sort nous triche ;
mais enfin est-on gris,
biribi,
on s' en fiche !

Aucun plaisir n' est stable :
pour boire est-on assis
cinq ou six,
avant vous sous la table
tombent deux, trois amis
endormis.
à tout jeu le sort nous triche ;
mais enfin est-on gris,
biribi,
on s' en fiche !

C' est trop d' une maîtresse :
que je fus malheureux
avec deux !
Que j' eus peu de sagesse
d' en avoir jusqu' à trois
à-la-fois !
à tout jeu le sort nous triche ;
mais enfin est-on gris,
biribi,
on s' en fiche !

De ma misanthropie
pardonnez les accès
et l' excès ;
car je crains la pépie,
et je ne vois qu' abus
et vins bus.
à tout jeu le sort nous triche ;
mais enfin est-on gris,
biribi,
on s' en fiche !

(P.-J. de Béranger )

*

Bom dia!

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© José Pacheco Pereira
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