ABRUPTO

6.9.05


A CHUVA

cai na janela, ainda tímida, mas chuva. Não são aguaceiros, é chuva. Chove lá fora, aqui á minha frente, chove neste blogue, com contentamento. O Abrupto é um blogue outonal e invernal. Vem aí o bom tempo. Aquele que Zéfiro não traz.

(url)


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: PERGUNTA



Se os média não reverenciassem Soares, ou se Soares não dominasse a generalidade dos jornalistas, haveria quem lhe perguntasse: Como é que a candidatura é de união e para todos os portugueses, e tem como objectivo nº 1 "derrotar a direita"?

(Fernando Gomes da Costa)

(url)


LENDO OS JORNAIS. SERÁ A MÃO DE DEUS?



Os incêndios este ano. Números deste ano, sem os mortos:

"Os fogos florestais destruíram este ano pelo menos 151 primeiras e segundas habitações e danificaram outras 224. Há 39 instalações comerciais ou industriais afectadas pelas chamas, 19 das quais praticamente destruídas. Na agricultura a situação não é melhor: além dos perto de 900 anexos tocados pelo fogo, perderam-se 1000 hectares de olival, quase 450 de pomares e 125 de vinha. Arderam ainda 2500 colmeias e milhares de hectares de floresta. Nos equipamentos de combate aos incêndios também se contabilizam danos: 16 viaturas ficaram destruídas e quatro meios aéreos acidentados.
Quase ninguém avança com estimativas dos prejuízos, mas todos têm uma certeza: os números vão continuar a subir. Muitos dos elementos disponíveis reportam-se a meados de Agosto e ainda há muitos levantamentos por concluir. Apenas o Ministério da Agricultura (MA) arrisca uma avaliação de 300 milhões de euros de perdas no sector agrícola e florestal.
" (no Público)

Sobre as matas do Estado que não são propriedade privada:

"Cerca de 52 mil hectares de matos e florestas públicas já foram consumidos pelo fogo este ano, representando 22 por cento de toda a área ardida no país até 28 de Agosto. Esta é a pior marca dos últimos cinco anos, segundo dados ainda provisórios da Direcção-Geral de Recursos Florestais. Nem mesmo em 2003, quando os incêndios carbonizaram 425 mil hectares de área verde, o saldo nas florestas sob gestão total ou parcial do Estado foi tão negativo." (no Público)

Sobre a mão de Deus que esmaga a América para revelar os seus pecados de orgulho (como em Sodoma e Gomorra, lembram-se?):

"Não é preciso ser um religioso fundamentalista nem sequer ver no furacão Katrina a mão de Deus para constatar que ele constituiu para os Estados Unidos uma lição de humildade.
Uma lição de humildade perante a força dos elementos, que tornam evidente que mesmo para a nação mais poderosa da Terra não é sensato prescindir da ajuda internacional, mas também uma lição de humildade perante as violentas lacunas da organização social americana e perante a miséria preexistente que o desastre tornou dolorosamente visível.
" (José Vitor Malheiros no Público)

(url)


COISAS COMPLICADAS


Albrecht Dürer, Lot fugindo com as filhas de Sodoma



(url)


EARLY MORNING BLOGS 596:
"SERÁ BRANDO O RIGOR
"

Será brando o rigor, firme a mudança,
Humilde a presunção, vária a firmeza,
Fraco o valor, cobarde a fortaleza,
Triste o prazer, discreta a confiança;

Terá a ingratidão firme lembrança,
Será rude o saber, sábia a rudeza,
Lhana a ficção, sofística a lhaneza,
Áspero o a mor, benigna a esquivança;

Será merecimento a indignidade,
Defeito a perfeição, culpa a defensa,
Intrépito o temor, dura a piedade,

Delito a obrigação, favor a ofensa,
Verdadeira a traição, falsa a verdade,
Antes que vosso amor meu peito vença.

(Soror Violante do Céu)

*

Bom dia!

(url)

5.9.05


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
SOBRE O KATRINA

O que acho estranho é que em todas as análises se fala como se nós, seres humanos, pudéssemos moldar e controlar a natureza; quer através da prevenção, quer através da reacção. Tenho visto pouco, ou mesmo nada, que se possa avizinhar com uma atitude de real humildade nossa face ao poder da natureza e à fragilidade humana e da sociedade que nós construímos, face a ela. Como diriam os antigos (...) a natureza ainda é das poucas coisas que, de facto, nos surpreende.

(J.)

*

Temo que o furacão KATRINA seja acompanhado na Europa por uma não confessada auto-congratulação perante o flagelo dos outros. Ou seja, mais uma vez vamos escolher o caminho sobranceiro e professoral (aprendam umas lições...), olhando complacentemente para nós próprios e recusando-nos, mais uma vez, a aprender o que temos de aprender...Com "eles", apesar de tudo. Veja-se apenas o ranking internacional das Universidades hoje divulgado no Público (só 8 Universidades americanas nas 10 primeiras). É aspecto agora menor, certamente. Mas condena-nos a um medíocre e continuado sofrimento, a uma "apagada e vil tristeza", bem mais difícil de ultrapassar do que o momento catártico que agora se atravessa do outro lado do Atlântico. Quanto às lições que aí se terão de extrair, estou certo que "eles" as saberão extrair (basta ler os jornais "deles" e ver como, tão certeiramente, colocam o dedo nas feridas) e o facto de as seguirem ou não, verdadeiramente, não é problema nosso.

(Luís Coutinho)

(url)


COISAS COMPLICADAS


Nicolas Poussin, Inverno. Dilúvio

(url)


EARLY MORNING BLOGS 595:
"JÁ ME NAM DÁ DE COMER / SENAM MINHA FAZENDINHA"


De Joam Roiz de Castel-Branco, contador da Guarda, a António Pacheco, veador da moeda de Lisboa, em resposta dúa carta que lhe mandou, em que motejava dele.


Já me nam dá de comer
senam minha fazendinha;
rei nem roque nem rainha
nam queria nunca ver.

O pagar das moradias
é o que mais contenta,
o despachar da ementa,
as madrugadas tam frias;
trabalhar noites e dias
por ser na corte cabidos,
e, os tempos despendidos,
ficar com as mãos vazias.

Armadas idas d'além
já sabeis como se fazem:
quantos cativos lá jazem,
quantos lá vão que nam vêm!
E quantos esse mar tem
somidos que não parecem,
e quam cedo cá esquecem,
sem lembrarem a ninguém!

E alguns que sam tornados,
livres destas borriscadas,
se os is ver às pousadas,
achai-los esfarrapados,
pobres e necessitados
por mui diversas maneiras
por casas das regateiras
os vestidos apenhados.

Por isto, senhor Mafoma,
tresmontei cá nesta Beira,
por tomar a derradeira
vida, que todo o homem toma;
porque há lá tanta soma
de males e de paixam
que, por não ser cortesão,
fugirei daqui té Roma.

Fim

Agora julgai vós lá
se fiz mal nisto que faço:
em me tirar desse Paço
e mudar-me para cá;
pois é certo que, se dá
algum pouco galardam,
lança mais em perdiçam
do que nunca ganhará.


(João Roiz de Castel-Branco)

*

Bom dia!

(url)


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
UMA RESPOSTA À PERGUNTA SOBRE O CIBERDÚVIDAS


Acho que a questão à volta do Ciberdúvidas não passou de um equívoco. Pelo lado da Portugal Telecom sempre houve e sempre haverá a intenção de apoiar a sua existência. Nunca houve a intenção de deixar morrer este projecto, actualmente já apoiado por nós, assim os seus responsáveis o queiram e possam manter. É nesse sentido que já estamos a trabalhar com o seu principal mentor.

(José Carlos Baldino, Administrador PT.Com)

*

Como não fica claro (pelo menos para mim) a que equívoco se refere o dr. José Carlos Baldino sobre «a questão à volta do Ciberdúvidas» – e sob pena de a sua presente situação não ter passado de um logro (obviamente da minha responsabilidade) –, lamento ser obrigado a pôr os seguintes pontos nos ii, até pela consideração e estima que tenho pelo director do SAPO, a quem devo o alojamento do Ciberdúvidas no portal da PT, depois de ter ficado com a sua inteira responsabilidade, após o falecimento do seu “mecenas”, o meu saudoso amigo João Carreira Bom:

1- O Ciberdúvidas está suspenso desde Junho e desde Junho que é do domínio público o seu não regresso, caso eu e a Sociedade da Língua Portuguesa não conseguíssemos obviar parte do seu financiamento, por via do fim da habilitação POSI (graças, volto a repetir, ao empenho pessoal do então primeiro-ministro Durão Barroso);

2- Das muitas entidades, públicas e privadas, contactadas e que recusaram liminarmente qualquer apoio ou sequer se dignaram a uma resposta civilizada, a Portugal Telecom foi uma delas. Tão chocante quanto a sua natureza e os conhecidos apoios ao futebol profissional.

3- No caso da Portugal Telecom deu-se até o caso de a sua administradora Isabel Corte-Real ter recusado a proposta do Instituto Camões, cuja presidente, dr.ª Simoneta da Luz Afonso, tem tentado, por todas as formas, um apoio ao Ciberdúvidas, sob a alegação de a PT «já estar a fazer um grande favor» (sic) ao Ciberdúvidas, com o alojamento no SAPO.

4- Com o SAPO, com cujos responsáveis, incluindo o dr. José Carlos Baldino, cheguei a abordar o problema da publicidade que passa no Ciberdúvidas sem qualquer benefício seu (ao contrário do que estava previsto no acordo estabelecido há dois anos), nunca houve a mínima sensibilização para qualquer apoio suplementar que não o alojamento e apenas o alojamento.

5- Só na última sexta-feira, dia 2 de Setembro – portanto, três meses após encerramento do Ciberdúvidas e mais de 15 dias depois de estar a correr, já, a petição subscrita pelo australiano Chrys Chrystello (foi preciso ser uma australiano, não é mesmo espantoso?) –, recebi o telefonema de um colaborador do dr. José Carlos Baldino, dando-me conhecimento da abertura de o SAPO em auxiliar uma parte das despesas do Ciberdúvidas, enquanto serviço público, sem fins lucrativos ou comerciais, e com o papel que desempenha em todo o espaço lusófono.

Esta é a verdade dos factos, e só tenho a agradecer ao dr. Pacheco Pereira e ao seu excelente Abrupto a preciosa ajuda para este debate e do que ele produziu: o Ciberdúvidas vai mesmo continuar, graças a duas entidades privadas que a seu tempo se dará conhecimento. Só espero que o Estado português não se demita de um projecto que, até pela irrelevância das verbas em causa, deve estar obrigatoriamente associado.

(José Mário Costa)
*

Se dúvidas restassem estão esclarecidas, o problema do Ciberdúvidas afinal está resolvido. E isso era o mais importante. Não vou por isso contestar publicamente as afirmações do José Mario Costa por respeito ao próprio, ao projecto e aos nomes citados. Obviamente que não aceitamos a maior parte delas. O Ciberdúvidas sempre foi recebido de braços abertos no SAPO, tendo apoiado o projecto nos seus momentos mais dificeis e dando-lhe a visibilidade que merece. Parece-nos óbvio que isso não foi suficiente do ponto de vista do Ciberdúvidas. Não se pode agradar sempre. O importante é que o motivo que nos levou a apoiar tão importante projecto, a sua sobrevivência, está hoje resolvido. Desejamos por isso as maiores felicidades ao José Mario Costa e ao Ciberdúvidas.

(José Carlos Baldino, Administrador PT.Com)

FIM

(url)


POR FALAR EM PENSAMENTO ÚNICO



Fora dos blogues não conheço um único órgão de comunicação social, televisões e jornais, que não tenha a mesma linha discursiva sobre o que aconteceu em Nova Orleães. Não me refiro aos factos, aos factos não adjectivados, que isso escasseia na nossa informação e esses são iguais para todos. E de passagem acrescento que atrasos, incúrias e erros na ajuda à população, são matéria factual, quando são tratados como tal, o que não é o caso. O que é preocupante é que uma comunicação impregnada de política anti-Bush, seja a única a que os portugueses têm acesso. O pensamento único é isto.

(url)

4.9.05


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
DEMOCRACIA E CATÁSTROFES

A catástrofe que se abateu sobre Nova Orleães tem-me feito reflectir sobre a Democracia. Aparentemente, já há vários anos que diversos peritos faziam notar a necessidade de se reforçarem os diques, mas pouco se fez. Creio que isso se deve em grande parte ao facto de se tratar de um grande investimento com poucas contrapartidas políticas. Os políticos que implementassem tais medidas teriam bastante menos probabilidades de serem reeleitos do que no caso de terem investido as mesmas quantias em grandes infra-estruturas mediáticas ou até (por se tratar dos Estados Unidos) num reforço do orçamento militar.

(José Carlos Santos)

E UM BREVE COMENTÁRIO

É verdade o que diz José Carlos Santos, mas não é um dilema fácil de resolver nem pelos políticos, nem pelos cidadãos. Vejamos um caso concreto, o de Lisboa. Todos os estudos, do mesmo tipo dos que existiam para os diques de Nova Orleães, dizem que Lisboa corre um grande risco de sofrer um terramoto que provocará muitos mortos e destruições. Lisboa está numa zona sísmica, Nova Orleães na passagem de furacões. Não sei se a probabilidade de um terramoto em Lisboa é muito menor do que levar em cima com uma tempestade do grau 5.

Caso haja esse terramoto em Lisboa, ouvir-se-á certamente o mesmo tipo de comentários que hoje se ouvem sobre o furacão: sabia-se que era preciso fazer muita coisa e não se fez. Os políticos serão crucificados por terem gasto o dinheiro de outra maneira, seja qual for a razão, ou irrazão porque o fizeram (é por isso que me parece frágil dizer-se que não houve dinheiro para os diques porque se investiu na prevenção do terrorismo. Não sei sequer se é verdade. E se tivesse havido um atentado terrorista, o que é que se diria? Em Londres o governo foi acusado de não ter cuidado da segurança dos transportes públicos.)

O problema é: quem é que pode ganhar eleições propondo-se gastar a enorme quantidade de dinheiro que é necessária para minimizar os riscos, com o sacrifício drástico de todos os outros investimentos, como inevitavelmente será preciso para se defrontar o problema a sério, num país com poucos recursos como Portugal? Ninguém, porque os lisboetas não estão dispostos a fazer esse investimento, nem na cidade, nem a nível nacional. Considerarão um extravagante lunático e perigoso, nas margens do sistema, quem tiver esse programa. Claro que se houver um terramoto, mesmo que seja só um grande susto, as coisas podem mudar, mas antes do susto duvido. Não duvido, tenho a certeza.

*
O seu comentário à posição do leitor José Carlos Santos suscita-me alguns comentários. Em primeiro lugar a probabilidade de ocorrer um sismo em Lisboa ou um furacão em Nova Orleães é muito diferente. Se pensarmos em situações extremas – caso de 1775 em Lisboa ou o Katrina em Nova Orleães – a minha convicção é a de que a probabilidade de ocorrer um sismo como o 1775 é substancialmente menor. Seria interessante saber se já ocorreram furacões semelhantes em intensidade ao Katrina na América. Julgo que sim mas com consequências menos devastadoras.

Quanto aos estudos relativos aos diques de Nova Orleães eles apontavam a necessidade de realização de obras de manutenção e reforço, cuja realização era justificada pelo envelhecimento dos existentes e por características específicas do local, em particular o tipo de solo de fundação. A principal medida de prevenção no caso americano teria sido o reforço dos diques. Tratava-se de um elemento fulcral na estrutura de protecção da cidade. A sua rotura, ainda que parcial, acarretava custos em vidas e bens intoleráveis. O seu reforço era/é exclusivamente uma responsabilidade pública.

No caso do potencial sismo em Lisboa a principal e mais eficaz intervenção a fazer no sentido da prevenção é a de garantir que as construções cumprem os regulamentos existentes de forma que o seu comportamento, caso se verifique um sismo de grande intensidade, seja o esperado. A intervenção pública faz-se sobretudo na fiscalização das novas construções, na reabilitação do parque público, feita ao longo dos anos, e no apoio à recuperação do parque privado quando as condições financeiras dos proprietários justifiquem esse apoio. Não custa muito dinheiro mas implica uma atitude diferente da que tem sido adoptada pelos diferentes poderes. Implica que o Estado seja eficaz a fazer respeitar a lei e não transija nessa defesa hipotecando a segurança das populações face a interesses corporativos de curto prazo. (Constrói-se hoje, em Portugal, pior do que há décadas atrás e não é por falta de conhecimento técnico. Existe uma confusão entre melhoria da qualidade arquitectónica das construções e melhoria da qualidade construtiva.)

A crítica que se deve fazer à incúria das autoridades americanas não é por terem gasto o dinheiro de outra maneira, mas por não terem gasto nestas obras o dinheiro que elas exigiam. Nas obras e na criação e manutenção de uma rede de serviços públicos capazes de uma resposta mais eficaz em caso de catástrofe.
Por último esta questão pode ser uma oportunidade para discutir o papel do Estado nas nossas sociedades. Reflectir se um modelo semelhante ao Americano com o esvaziamento das funções do Estado e com o desinvestimento em serviços públicos essenciais é desejável.

(José Carlos Guinote)
*

Eu fui um dos que foi apanhado pela surpresa da dimensão das consequências do furacão Katrina. No meu caso concreto esta surpresa teve consequências concretas e nefastas para mim já que a minha actividade profissional esta ligada ao investimento em mercados financeiros e as ondas de choque do furacão, obviamente, também ai se fizeram sentir. Em termos económicos e financeiros debate-se já a importância que o furacão adquiriu como símbolo do momento de viragem na economia americana e na orientação da sua politica financeira. Mas este simbolismo faz-me reflectir sobre duas questões importantes.

A primeira questão que me é evidenciada é a surpresa geral que foram as consequências deste furacão. Os mercados financeiros são talvez o ambiente mais exigente e competitivo no uso da informação, inclusive mais do que o mundo da espionagem que actualmente se cruza frequentemente com o mundo financeiro. Todas as informações disponíveis são consumidas de forma voraz e escrutinadas exaustivamente nas suas variadas implicações e consequências. Assim desde os relatórios de contas de empresas, a anúncios de avanços científicos, a boletins meteorológicos, tudo que implicar alterações na vida dos mercados, ou seja das pessoas, é analisado e imediatamente repercutido nas avaliações dos activos. Portanto é para mim impressionante perceber que os agentes de mercado falharam por completo a análise e previsão do que seriam as implicações deste acontecimento. Isto demonstra que, independentemente das falhas na preparação e prevenção de um acontecimento desta magnitude, a esmagadora maioria das pessoas mais bem informadas do mundo não esperava o que aconteceu! Dai que este sentimento generalizado de critica face ao governo dos EUA de falta de previsão do que seriam as consequências, e portanto na ausência de preparativos adequados … parece-me hipócrita.

A segunda questão está relacionada com as falhas apresentadas nos sistemas de prevenção e auxilio à catástrofe. Sim, existem muitas falhas, e desgraçadamente muitos sofrem e morrem antes do tão necessitado auxílio. A palavra auxílio, vem de ajudar quem precisa, o que significa que é impossível retirar da vida das pessoas um acontecimento como este, apenas auxiliar e minorar os seus efeitos. E é por isso que eu me impressiono com as capacidades daquele país, com os seus organismos estatais, com as suas estruturas civis, com o seu exército, com os seus média e com a sua capacidade de critica e reacção. Mas impressiono-me sobretudo com o seu pragmatismo e com o espírito daquele povo. Eu não estou a olhar para as falhas, eu estou a olhar para a reacção ás falhas!

Face aquele espírito, não me resta nenhuma dúvida que daqui a um ano, quando as cicatrizes e marcas do furacão ainda forem visíveis e outros furacões se aproximarem, nada será o mesmo no que se refere à preparação deste tipo de catástrofes. Toda este acontecimento vai ser visto e revisto, pensado e analisado para que em caso de um novo e ainda maior cataclismo aconteça todas as falhas sejam equacionadas e corrigidas, todos os recursos necessários numa próxima vez sejam alocados e activados a tempo, todos os acontecimentos sociais desta catástrofe sejam prevenidos, e todos os responsáveis técnicos e políticos sofram as devidas consequências… E é isto que lhes invejo.

(André Almeida Santos)

(url)


A LER

todo o Portugal dos Pequeninos e o BLOGUITICA recentes. No Acidental, América + Europa: um jardim regado com bílis (lá está "regago", uma gralha) de Henrique Raposo.

(url)


COISAS COMPLICADAS


Daumier

(url)


EARLY MORNING BLOGS 594:
"I STUDIED MERELY MAPS"

The Traveller


They pointed me out on the highway, and they said
'That man has a curious way of holding his head.'

They pointed me out on the beach; they said 'That man
Will never become as we are, try as he can.'

They pointed me out at the station, and the guard
Looked at me twice, thrice, thoughtfully & hard.

I took the same train that the others took,
To the same place. Were it not for that look
And those words, we were all of us the same.
I studied merely maps. I tried to name
The effects of motion on the travellers,
I watched the couple I could see, the curse
And blessings of that couple, their destination,
The deception practised on them at the station,
Their courage. When the train stopped and they knew
The end of their journey, I descended too.


(John Berryman)

*

Bom dia!

(url)


LER OS JORNAIS



Este artigo do Diário de Notícias, retomando um artigo do Expresso, sobre a compra da TVI pela Prisa e as eventuais cumplicidades PS-PSOE usando os respectivos governos, deve vir na secção de Media ou na secção de Política? Ao colocá-lo na primeira desvaloriza-se o significado da sua inserção na segunda, ou seja minimiza-se o significado político da operação, caso tenha existido. E caso tenha existido, é bem grave. ( Este artigo é um primeiro elemento para responder a uma pergunta já antiga, salvo erro, do Jornalismo e Comunicação,)

Eu não digo que a opção seja fácil. Ela implica uma avaliação da gravidade e um juízo de valor que pode sempre ser intencional no plano político. Mas que vale a pena discutir muito a sério o que lá se diz, isso vale.

*

Ninguém se preocupa no jornal com a sucessão de notícias falsas na primeira página do Expresso ou já é um estilo?

(url)

3.9.05


CIDADES MORTAS

Já há algum tempo que estou a ler o livro de Mike Davis, Dead Cities . É um conjunto de ensaios, pelo que umas vezes leio um, depois outro. Davis ficou célebre quando escreveu City of Quartz , um livro premonitório para compreender os tumultos de Los Angeles.
O tema do livro é a destruição apocalíptica das cidades, a “morte” das cidades, uma questão que me interessa e sobre a qual escrevi a propósito de uma introdução às Lamentações, tidas como sendo de Jeremias. A destruição de Jerusalém é o modelo dessas “mortes” reais e simbólicas, uma constante na nossa tradição ocidental. Vulcões, inundações, bombardeamentos aéreos, tumultos, saques onde não fica pedra sobre pedra, terra salgada (Cartago), explosões, hecatombes, ar envenenado, incêndios – são a matéria deste livro. O que se percebe muito bem é a adequação do nosso viver urbano à destruição apocalíptica, como se percebeu no 11 de Setembro. Torna-se fácil.

(Publicado no Abrupto em 2003)

(url)


SECTARISMO 2



Voltando ao caso do noticiário da RTP de ontem que critiquei e de que mantenho a crítica, que não é genérica e abstracta, mas aponta para um exemplo concreto. É pena que o texto não esteja disponível para se analisar, porque se ganhava com isso em clareza na discussão.

Eu não acho que seja aceitável, em termos de bom jornalismo, que os EUA sejam sistematicamente referidos numa matéria noticiosa como “a “super potência”, “a maior potência do mundo”, classificações políticas que envenenam todo o texto. Um editorial pode fazê-lo, uma notícia não deve fazê-lo. Os EUA chamam-se EUA.

Do mesmo modo,nesse noticiário, sendo o número de mortos confirmados à data por volta de oitenta (um dia depois quando escrevo está em 147, a subir) prevendo-se no entanto muitos mais (milhares talvez), nada justifica substituir na narrativa os mortos confirmados pelos previstos. O texto da notícia da RTP falou várias vezes em milhares de mortos como se fosse um facto adquirido. Infelizmente pode vir a ser, mas não é aceitável como jornalismo o que se fez. A especulação com o número de mortos é uma tentação política como aconteceu com Timor, mas depois, depois do efeito adquirido,a rectificação de pouco serve.

(url)


UMA "IGNIÇÃO" EM TEMPO REAL



Início do incêndio por volta das 14 horas. A "ignição" começou numa esquina entre duas estradas de terra batida. Ou é negligência ou é fogo-posto, pela localização. Dez minutos depois, pegou-se a um dos outros lados da estrada. Pinheiros, eucaliptos, mas matas intercaladas com campos sem grande vegetação e um terreno terraplanado. Ardem os restos da terraplanagem, raízes e ramas amontoados há vários meses, criando dois ou três focos distintos, mas isolados por terra. Ninguém sabe para que é a terraplanagem, feita numa área de reserva agrícola. Não há vento, estão cerca de 30º. Vinte minutos depois, chegada de um primeiro carro dos bombeiros para observação. Meia hora, chegada do primeiro carro com água, seguido de outros em intervalos de mais ou menos cinco, dez minutos. Bombeiros de três cidades. O incêndio sobe pela encosta. Começa a ficar vento, com as rajadas muito fortes canalizadas pela rede de vales e colinas. Percebe-se que se o vento tivesse chegado antes dos bombeiros ia ser mais complicado. Passa uma avioneta. Três quartos de hora depois, chega um helicóptero mas vazio. Faz um reconhecimento e volta dez minutos depois lançando água, embora o incêndio já estivesse controlado pelos bombeiros a pé. Não voltou mais. O fumo negro é substituído pelo fumo branco, deixou de se ouvir crepitar. Chega um outro carro de bombeiros, o primeiro que vem com as sirenes todas. Já não deve ser preciso.

Quando escrevo parece ter sido controlado. Está a ser feito o rescaldo. Hora e meia depois. Nunca foi um grande incêndio. Felizmente.

(url)


EARLY MORNING BLOGS 593:
"CUANDO YO LO QUISIERE, MUY BIEN LO SABRÉ GANAR"

ENTREVISTA DE BERNARDO CON EL REY

Con cartas sus mensajeros el rey al Carpio envió:
Bernardo, como es discreto, de traición se receló:
las cartas echó en el suelo y al mensajero habló:
—Mensajero eres, amigo, no mereces culpa, no,
mas al rey que acá te envía dígasle tú esta razón:
que no le estimo yo a él ni aun a cuantos con él son;
mas por ver lo que me quiere todavía allá iré yo.
Y mandó juntar los suyos, de esta suerte les habló:
—Cuatrocientos sois, los míos, los que comedes mi pan:
los ciento irán al Carpio para el Carpio guardar,
los ciento por los caminos, que a nadie dejen pasar;
doscientos iréis conmigo para con el rey hablar;
si mala me la dijere, peor se la he de tornar.
Por sus jornadas contadas a la corte fue a llegar:
—Dios os mantenga, buen rey, y a cuantos con vos están.
—Mal vengades vos, Bernardo, traidor, hijo de mal padre,
dite yo el Carpio en tenencia, tú tómaslo en heredad.
—Mentides, el rey, mentides, que no dices la verdad,
que si yo fuese traidor, a vos os cabría en parte;
acordáseos debía de aquella del Encinal,
cuando gentes extranjeras allí os trataron tan mal,
que os mataron el caballo y aun a vos querían matar;
Bernardo, como traidor, de entre ellos os fue a sacar.
Allí me diste el Carpio de juro y de heredad,
prometísteme a mi padre, no me guardaste verdad.
—Prendedlo, mis caballeros, que igualado se me ha.
—Aquí, aquí los mis doscientos, los que comedes mi pan,
que hoy era venido el día que honra habemos de ganar.
El rey, de que aquesto viera, de esta suerte fue a hablar:
—¿Qué ha sido aquesto, Bernardo; que así enojado te has?
¿Lo que hombre dice de burla de veras vas a tomar?
Yo te dó el Carpio, Bernardo, de juro y de heredad.
—Aquestas burlas, el rey no son burlas de burlar;
llamásteme de traidor, traidor, hijo de mal padre:
el Carpio yo no lo quiero, bien lo podéis vos guardar,
que cuando yo lo quisiere, muy bien lo sabré ganar.


(Anónimo)

*

Bom dia!

(url)

2.9.05


SECTARISMO



É difícíl imaginar noticiário mais sectário do que o que acabou de passar na RTP1 sobre o furacão Katrina. A lista dos adjectivos é um manual do que não se deve fazer em jornalismo e as frases valorativas, sem nada de noticioso, são repetidas ad nauseam. Tudo para transformar o que aconteceu em Nova Orleães num panfleto contra a guerra do Iraque. Não me lembro de um tratamento noticioso de uma catástrofe qualquer, ocorrida fora de Portugal , feito desta maneira puramente acusatória. Só puramente acusatória, para atacar Bush e a guerra.

É evidente que há responsabilidades quando alguma coisa corre mal – com os fogos cá não é suposto ser o mesmo? – mas, mesmo no tratamento dessas responsabilidades, o carácter jornalístico de um noticiário deve ser mantido. Este noticiário seria um interessante case study para as nossas escolas de comunicação social analisarem, mas infelizmente quando um dia se fizer um estudo sobre o equilíbrio noticioso desta matéria, o mal já está feito.

Fica aqui um apelo à Direcção de Informação da RTP para disponibilizar o texto integral do seu noticiário de hoje às 13 horas, incluindo perguntas e respostas dos convidados, para melhor análise e julgamento de todos. Não custa nada, permitia uma análise mais rigorosa e, se eu não tivesse razão, seria o melhor dos desmentidos. Quem não deve não teme. O Abrupto publicá-lo-á na íntegra.

*

Há uma incontida satisfação em todos os anti-americanos primários perante as cenas de caos e pilhagem que as televisões nos têm trazido de New Orleans. É música para os seus ouvidos frases como a que o correspondente da CBS/RTP dizia esta manhã - "...cenas como as que assistimos em Nova Orleães são as que se esperariam em países do terceiro mundo, como o Ruanda...". Estas cenas corroboram, aos seus olhos, o seu dogma de estimação de que é o modelo capitalista que provoca as assimetrias sociais que potenciam o conflito que explode em situações-limite entre quem está integrado na sociedade capitalista e quem fica na sua margem.

A dura realidade que se respira nas cidades da América, e todas as cidades importantes são invariavelmente assim, é a de um contraste tremendo entre os centros financeiros de cada downtown e os bairros residenciais dos arredores, onde mora a tal América integrada, essencialmente branca e rica ou remediada, nas suas vivendas com jardim e os seus SUV ou descapotáveis, e os bairros urbanos degradados, onde uma América negra e miserável vai sobrevivendo, alienada e frustrada, pois os pobres são mais frustrados à vista da riqueza.

A América integrada vive de costas voltadas para essa outra América, que Michael Moore caricaturiza nos seus livros e filmes. Que é real, não é ficcionada. Quem a quiser conhecer pode, por exemplo, apanhar uma Greyhound até Baltimore e abrir bem os olhos, ou, se tiver coragem, ir até South Central Los Angeles, que ficou célebre pela revolta que se seguiu ao assassinato de Rodney King, um negro, por polícias do LAPD. Ou ainda, contar os exércitos de sem-abrigo que, todas as noites, dormem nos vãos de escada dos centros financeiros de todas as suas cidades, antónimo dos yuppies de portátil a tiracolo e óculos Ray-Ban que as povoam de dia.

A América não é, de facto, o sal da terra. As imagens televisivas de New Orleans falam por si. Mas será que o seu crescimento económico, exponencial relativamente ao da nossa Europa, esclerosada e estagnada, não vai integrar progressivamente estes alienados. Lembremo-nos dos tempos de MLK e da luta pelos direitos civis, o ponto de partida, porque a história não começa e acaba hoje. Os founding fathers idealizaram uma sociedade apoiada na livre iniciativa e na responsabilidade individual. A Europa continua a acreditar no Estado-Providência como corrector das desigualdades sociais.

Por hoje, a América cresce, a Europa mingua.

Quem irá rir por último?...

(Carlos Costa)
*

A RTP disponibiliza, na sua secção multimédia os videos do Telejornal e Jornal da Tarde. Com um dia de atraso, é certo. Pelo que julgo que amanhã se poderá descarregar aquele a que faz referência. E se alguém tiver paciência, transcrever para texto a peça que refere.

(Gabriel Silva do Blasfémias)


*

Segundo o Público Online de hoje, o nosso PR exprimiu ao seu congénere Americano o seu profundo "assombro e choque" pela catástrofe resultante da passagem do furacão Katrina. A peculiar escolha de palavras do Dr. Sampaio fez-me parar para pensar. Tinha a certeza que já tinha lido esta expressão algures mas não me lembrava onde. Então lembrei-me que uma possível tradução destas palavras para inglês é "shock and awe" e que, curiosamente ou talvez não, foi o nome escolhido para a ofensiva americana no Iraque. Será que o Dr. Sampaio resolveu mandar uma graçola subliminar ao Sr. Bush ou sou eu que estou a ficar um pouco paranóico?

(Rui C., Olean, NY, USA)
*

As declarações de Hugo Chavez são miseráveis e foram apresentadas numa peça da RTP esta manhã sob o título de "... mensagens de solideriedade" onde aparecia vários chefes de estado a apresentar a disponibilidade em ajudar - lamentável
Mario Rui de Cravalho, reporter de imagem da CBS, citado pela TSF, dizia com toda a "propriedade" que "Nunca se saberá quantos morreram em Nova Orleães" e diz mais etsa coisa extraordinária «Haverá muitos desaparecidos ... e nunca se saberá quantas pessoas morreram exactamente, mas eu posso garantir que foram milhares». Nada disto é jornalismo!

(Filipe Freitas)
*

Pode ser sectarismo ou qualquer adjectivo terminado em "ismo", mas a verdade (e aqui refiro-me à imprensa americana, espanhola, francesa, inglesa, brasileira, qualquer uma e das que tive oportunidade de ler e ouvir) é que aquelas imagens de milhares de pessoas ( na sua grande maioria negros, talvez por isso a América rica, branca e religiosa não deu a devida importância ao Katrina) desesperadas por coisas tão básicas, como água para beber e comida, não me saí da cabeça! Como uma potência daquelas, que até previu o tipo de furacão que iria afectar aquela zona da América, que aconselhou os cidadãos a abandonar a cidade de Nova Orleães, não se preveniu para se abastecer de água potável e alimentos para o pós-furacão? Como um país daqueles se encontra agora nas "mãos" do acaso, dádivas e caridade de alguns? Em Portugal disse-se coisas impensáveis ( e o "Abrupto" disse-o!) sobre os incêndios e o nosso modo tão peculiar de tratar catástrofes, mas pergunto: e o que aconteceu com a América, o que dizer daquilo? O Sócrates levou porrada ( e o "Abrupto" calçou as luvas de boxe e bateu até onde quis!) porque estava de férias num Safari, em África, quando Portugal ardia e não se "dignou" a interromper as suas férias ! Mas... E o Bush não foi acusado pela imprensa mais independente ( toda ela) americana de ter reagido tarde e de ter menosprezado o furacão Katrina e de não ter interrompido as férias no seu rancho? Pois então, caros prós e contras americanos o que dizer desta catástrofe natural? E eu até gosto e admiro o engenho e a imaginação americana e estou solidário com eles nesta hora de sofrimento, mas não nos devemos silenciar quando vemos aquela pobre gente da Nova Orleães, descendentes dos escravos do Sul, sem qualquer amparo de um Estado que não olha a meios para gastar em armas e quejandos!

(José Armando Almeida)
*

Tenho seguido com atenção os noticiários dos quatro canais televisivos, mas também da CNN, da Skynews e da BBWworld. Hoje mesmo, estive a ler os editoriais e textos relacionados com a tragédia americana no New York Times e, embora possa estar de acordo que determinadas "visões" não serão as mais objectivas, é verdade que tanto Bicudo (RTP), como Costa Ribas (SIC) ou Mário Carvalho (CBS) são unânimes na sua crítica à falta de coordenação e providência da Protecção Civil Americana. Os editoriais e textos dos principais articulistas do NYT são, igualmente, unânimes, na condenação da Protecção Civil (e por extensão do governo federal) dos EUA. De há muito que se sabe que a região da Louisiana é sujeita a furacões periódicos. Um dos articulistas do NYT, citando dados de 2001, escreve que, nesse ano, a Protecção Civil tinha projectado três possíveis grandes catástrofes contra as quais os EUA deviam estar preparados: um ataque terrorista a NY (já aconteceu); um terramoto de grau elevado em São Franscisco e um furacão em Nova Orleães. Destes três, o citado estudo, considerava o furacão de NO como o que traria mais devastação...
No mesmo artigo, podia ainda ler-se que os furacões vêm sempre em duas ondas: a primeira, de chuva e vento e a segunda de contestação social. A primeira já passou, a segunda vem aí. Ora o que as imagens de Nova Orleães nos mostram é a população mais pobre (negros, doentes e velhos) que ficaram na cidade por não terem meios para escapar. Será esta constatação uma forma de "anti-americanismo" primário? Não me parece...

(Rui Mota)
*
Ainda sobre o Katrina, hoje de manhã, ao ouvir o noticiário da TSF, fiquei boquiaberto quando, com grande destaque, informaram de que soldados recém-chegados do Iraque tinham sido enviados para Nova Orleães, armados, e com ordens para atirar a matar!

Está tudo doido, pensei eu! O objectivo não deveria ser ajudar os sobreviventes? Será que querem abater os desgraçados que ainda estão vivos?

Mais à frente, quase envergonhadamente, lá disseram mais qualquer coisa: não se trata de abater as pessoas esfomeadas que invadem supermercados para se alimentarem, mas sim, os gangs e snipers que percorrem a cidade, a matar, roubar e violar "algumas jovens" (sic).

Quem só tivesse ouvido a primeira parte, o que não diria do Bush e da América?

(Ricardo Peres)


*

Valorizo a manifesta apetência que demonstra em análises políticas ou culturais. Mas o mérito social ou jornalístico não lhe reconheço. Bacoca, nefasta e jurássica a sua interpretação do impacto mediático do Katrina...
Não encontro em si conhecimento vasto na Teoria da Noticia, na Produção Jornalística ou na Estratégia de Alinhamento. E se deixa contagiar o seu texto de um despeito despudorado por quem não lhe dá voz (Ja basta a SICNotícias), garanto que a RTP não se move por movimentos anti-Bush ou corridas miliaristas contra a Guerra do Iraque. De fino polimento ético, os jornalistas da RTP dão voz. A voz pertence a quem padeceu e sentiu, na pele, a fúria do Katrina. Se as vozes se questionam quanto à falta de imediatez na resposta do governo americano, são essas que se ouvem. Se as vozes se revoltam contra a placidez tonta de Bush, são essas que se ouvem.
O que o senhor deseja, vá, confesse!, é o politicamente correcto, a auto-censura, a castração moral. Tenha vergonha... a esquizofrenia política é dos sintomas mais preocupantes. Procure ajuda...

(leitor não identificado)

(url)


UM KATRINA MUITO NOSSO



Está já nos blogues e nos jornais, os Mercúrios anunciadores. Chegará a todo o lado, aos táxis, às mesas dos cafés, às ruas. Estão no horizonte uns largos meses de radicalismo político, de subida de tom, de irritações mútuas, de aquecimento das palavras e dos gestos, o arsenal das duplicidades, os velhos argumentos de sempre, o meter tudo no mesmo saco, o “nós” e os “eles” quando os “eles” não somos “nós” e vice-versa, a incapacidade de ouvir os outros, a indiferença face às razões alheias a favor da posição em que se está, a a-história como método analítico, a manipulação da memória, o ressentimento e a arrogância.

Metade do país contra outra metade, com raiva, mas sem consequência, vão-se dedicar afincadamente a este desporto com a mesma vacuidade que dedicam às virtudes do seu clube e ao demérito do clube alheio. Vai ser um cansaço e nada mais trará do que susceptibilidades feridas, lastro de acusações e contra-acusações, ressentimentos e arrogâncias e o que ficará é o mesmo sólido terreno de resistência à mudança, o que se solidificará é a mesma partidarite interesseira, o mesmo Portugal que se diz não desejar mas que se ajuda a ficar tão sólido como betão.

A nossa incapacidade, herança péssima do salazarismo e do atraso, de pensar e de fazer política fora da imprecação e da acusação moral é reveladora da nossa condição terceiro-mundista. É o equivalente em política ao feio que alastra a partir da Estrada Nacional 1, tem as mesmas origens, a mesma mecânica.

Podia ser diferente? Claro que podia. Com esforço podia, mas duvido que o seja. A trituradora já está a funcionar com o seu habitual contingente de assessores, jornalistas, políticos, autores de blogues. O seu primeiro esforço vai ser a igualização moral (cívica, política): são todos iguais, ninguém é diferente, são todos tão maus como nós somos. Depois desta terraplanagem moral, então pode-se ir ao business as usual, como lhes convém.

Posso fazer diferente? Posso pelo menos esforçar-me para fazer diferente. Tomando posições, porque isso é normal em política numa democracia, mas não colocando entre parêntesis as causas a favor das posições. Vamos ver se consigo.

(url)


A LER

Uma boa coisa que tem os blogues e que uma palavra inglesa dá melhor que tudo: snippets. Como esta Histórias de amor na Origem das Espécies.

(url)


COISAS COMPLICADAS


Sally Mann, Untitled [Chancellorsville # 29]

(url)


EARLY MORNING BLOGS 593:
"WHO ALTEREST ALL THINGS WITH THY PEERING EYES"


Sonnet - To Science


Science! true daughter of Old Time thou art!
Who alterest all things with thy peering eyes.
Why preyest thou thus upon the poet's heart,
Vulture, whose wings are dull realities?

How should he love thee? or how deem thee wise,
Who wouldst not leave him in his wandering
To seek for treasure in the jewelled skies,
Albeit he soared with an undaunted wing?

Hast thou not dragged Diana from her car?
And driven the Hamadryad from the wood
To seek a shelter in some happier star?

Hast thou not torn the Naiad from her flood,
The Elfin from the green grass, and from me
The summer dream beneath the tamarind tree?


(Edgar Allan Poe)

*

Bom dia!

(url)

1.9.05


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: AR PURO


O "Espírito" descansa da negatividade e olha em volta. Hegel em Marte.

(url)


MÁRIO SOARES, JESUS, FINANÇAS E BIBLIOTECAS



"A economia é extremamente importante, ninguém o ignora. É uma das chaves do nosso futuro colectivo. Mas a economia está ao serviço das pessoas e não as pessoas da economia. (...) Depois, como escreveu Fernando Pessoa: "Mais do que isto/é Jesus Cristo/que não sabia nada de finanças/nem consta que tivesse biblioteca""

Todo o discurso de apresentação da candidatura de Mário Soares é um exercício defensivo de denegação. Já vários o notaram, não vale a pena repeti-lo. Mas há uma frase muito significativa do dilema da sua candidatura, que pronuncia contra Cavaco, mas que revela o aspecto mais frágil da sua acção como governante, e do seu pensamento presidencial no que diz respeito à governação.

Mário Soares não é o Jesus de Pessoa – que Pessoa certamente não quereria como Presidente, e que “não sabe de finanças” e “não tem biblioteca”. Ora Soares “não sabe de finanças”, mas tem biblioteca, o que significa que a sua ignorância de economia e finanças, proclamada face ao seu adversário, tem outro sentido político: é que o problema não é Soares não ser professor de economia, mas não dar importância real à economia na crise. Na verdade nem sequer é à “economia” abstracta, porque a ela faz lip service habitual. É à economia real, ao capitalismo, ao mercado, tal como ele funciona, e à economia portuguesa tal como é. E aqui há ideologia, há socialismo, há estatismo, e há, acima de tudo, jacobinismo. E há um preço enorme que pagamos por estas ideias. Esse preço é a crise em que vivemos.

O discurso de Soares é retórico e jacobino, acredita no Estado e no exercício do poder político no estado, no governo e no partido – aliás é só por ver este poder ameaçado, ou limitado, que se candidata – e este sobrepõe-se, ou é ontologicamente indiferente à economia, que é vista como uma perturbação que interesses, em última instância egoístas, causam na governação iluminista e iluminada pela Razão.

É por pensar assim que muito do país que existe e do qual os portugueses retiram as razões para o seu pessimismo foi feito por ele e pelo PS. A sua candidatura é a promessa de que não aprendeu nada do desastre que foi em Portugal o jacobinismo do PS na manutenção do estado socialista híbrido gerado pelo PCP em 1975. Com a ajuda às vezes, só às vezes, do PSD e do PP.

O problema não é Soares não saber de economia, é que ao se vangloriar de não o saber, está a dizer-nos que a economia não é um factor ou um revelador fundamental na crise . Aliás não custa perceber que se Soares fosse PM não daria prioridade ao controlo do défice (sim Soares pronunciou-se sobre a governação e não vi ainda ninguém protestar sobre isso). Frases como esta – “a economia está ao serviço das pessoas e não as pessoas da economia” – em Portugal não significam outra coisa. Não será dele que virá qualquer apoio ao governo para reformas difíceis, bem pelo contrário. Às ideias jacobinas como as de Soares devemos muito da crise, não se espera que delas venha a solução.

*

Ignoro onde é que Mário Soares foi beber o dilema da economia. Se não se serviu desta fonte Autisme-Economie.org por lá andará. Concordo que sem economia laboriosa não é possível avanços audaciosos. Mas a verdade é que as "fábricas" produtoras e reprodutoras de economistas ainda não produziram o milagre "português". Daí a revolta dos estudantes franceses de economia pretenderem uma reforma do respectivo ensino e considerarem que há uma vivência de economia autista. Dito de outra forma, o ensino seria totalmente absurdo por não responder aos objectivos que o ramo se propõe realizar, e de que é paradigmático o exemplo português. Se se atribuir a culpa aos políticos por vetarem o trabalho dos economistas, então estamos em presença de uma servidão voluntária que alimenta o autismo economicista, em detrimento do papel que a estes competiria. Daí as permanentes saídas de ministros que não se sujeitam a nenhuma servidão, e os que se sujeitam falham o seu status, e comprometem o futuro deste país. Enfim, como refere Foucault: "Est-il pour autant que nous ne connaissiond d'autre usage de la parole que celui du commentaire? Ce dernier, , à vrai dire, interroge le discours sur ce qu'il dit et a voulu dire; il cherche à faire surgir ce douple fond de la parole, où elle se retrove en une identité à elle-même qu'on suppose de sa vérité; il s'agit, en énonçant ce qui a été dit, de redire ce qui n'a jamais été prononcé" (Naissance de la clinique, puf, Paris, 1963, p. XII).

(João Boaventura)
*

Confesso que não segui com muita atenção (e concentração) a sessão de apresentação da candidatura e o discurso oficial. Mas, pelo que vi nos resumos dos telejornais, tudo aquilo (discurso, ideias, sessão) me fez lembrar o que de pior existia nas sessões da velha oposição republicana nos anos 50 do século passado (mal sabia ler mas tive acesso mais tarde). E, meu caro JPP, o problema nem sequer se centra na Economia, como você, apoiante confesso do meu ex-prof. Cavaco Silva, diz. Não é esse o Key Issue. Peço-lhe desculpa mas, em certa medida, é passar ao lado do essencial, apesar de ela (Economia) ser demasiado desvalorizada no discurso de Soares com frases, mtº aplaudidas (claro!), como "a Economia não é uma ciência exacta".... "serve os homens" e outras vulgaridades semelhantes. O problema é político e centra-se numa frase de Soares ("unir todos os portugueses") que é a antítese se tudo aquilo que o país precisa, neste momento. Eu sei que a frase é retórica, mas é, também, reveladora de um programa político que revela um desfazamento total da realidade portuguesa, pois o que o país espera e precisa é exactamente do contrário: uma forte ruptura política (que só se pode fazer contra uma parte dos portugueses) que permita, então, a aplicação de um programa de modernização da sociedade a vários níveis, incluindo o económico. Isto é exactamente o contrário do que se passava em 1985, quando a questão era definir como se poderia caminhar para a democracia plena e para a integração europeia: através de uma ruptura "crispada" esquerda/direita ou unindo tudo aquio que se reconhecia nesse objectivo- ou não se reconhecendo (PCP) veria nesta estratégia um "mal menor". De que modo pode o Presidente patrocinar essa ruptura? - se é que pode no quadro constitucional actual. Essa é, quanto a mim, a questão essencial, e como não me parece que as actuais funções presidenciais lhe possam dar resposta (ou para isso contribuir decisivamente) penso que se está a valorizar demasiado essa eleição desviando as atenções daquilo que, isso sim, é essencial: o trabalho e actuação do governo.

(João Cília)

(url)


AR PURO


Ansel Adams, Mount Williamson, Sierra Nevada, from Manzanar, CA, 1944

(url)


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota PERGUNTA sobre o Ciberdúvidas, com um comentário de José Mário Costa, o seu responsável.

(url)


EARLY MORNING BLOGS 592

Onde porei meus oihos que não veja
A causa, donde nasce meu tormento?
A que parte irei co pensamento
Que pera descansar parte me seja?

já sei como s'engana quem deseja,
Em vão amor firme contentamento,
De que, nos gostos seus, que são de vento,
Sempre falta seu bem, seu mal sobeja.

Mas inda, sobre claro desengano,
Assim me traz est'alma sogigada,
Que dele está pendendo o meu desejo;

E vou de dia em dia, de ano em ano,
Após um não sei quê, após um nada,
Que, quanto mais me chego, menos vejo.


(Diogo Bernardes)

*

Bom dia!

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]