ABRUPTO

4.9.05


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
DEMOCRACIA E CATÁSTROFES

A catástrofe que se abateu sobre Nova Orleães tem-me feito reflectir sobre a Democracia. Aparentemente, já há vários anos que diversos peritos faziam notar a necessidade de se reforçarem os diques, mas pouco se fez. Creio que isso se deve em grande parte ao facto de se tratar de um grande investimento com poucas contrapartidas políticas. Os políticos que implementassem tais medidas teriam bastante menos probabilidades de serem reeleitos do que no caso de terem investido as mesmas quantias em grandes infra-estruturas mediáticas ou até (por se tratar dos Estados Unidos) num reforço do orçamento militar.

(José Carlos Santos)

E UM BREVE COMENTÁRIO

É verdade o que diz José Carlos Santos, mas não é um dilema fácil de resolver nem pelos políticos, nem pelos cidadãos. Vejamos um caso concreto, o de Lisboa. Todos os estudos, do mesmo tipo dos que existiam para os diques de Nova Orleães, dizem que Lisboa corre um grande risco de sofrer um terramoto que provocará muitos mortos e destruições. Lisboa está numa zona sísmica, Nova Orleães na passagem de furacões. Não sei se a probabilidade de um terramoto em Lisboa é muito menor do que levar em cima com uma tempestade do grau 5.

Caso haja esse terramoto em Lisboa, ouvir-se-á certamente o mesmo tipo de comentários que hoje se ouvem sobre o furacão: sabia-se que era preciso fazer muita coisa e não se fez. Os políticos serão crucificados por terem gasto o dinheiro de outra maneira, seja qual for a razão, ou irrazão porque o fizeram (é por isso que me parece frágil dizer-se que não houve dinheiro para os diques porque se investiu na prevenção do terrorismo. Não sei sequer se é verdade. E se tivesse havido um atentado terrorista, o que é que se diria? Em Londres o governo foi acusado de não ter cuidado da segurança dos transportes públicos.)

O problema é: quem é que pode ganhar eleições propondo-se gastar a enorme quantidade de dinheiro que é necessária para minimizar os riscos, com o sacrifício drástico de todos os outros investimentos, como inevitavelmente será preciso para se defrontar o problema a sério, num país com poucos recursos como Portugal? Ninguém, porque os lisboetas não estão dispostos a fazer esse investimento, nem na cidade, nem a nível nacional. Considerarão um extravagante lunático e perigoso, nas margens do sistema, quem tiver esse programa. Claro que se houver um terramoto, mesmo que seja só um grande susto, as coisas podem mudar, mas antes do susto duvido. Não duvido, tenho a certeza.

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O seu comentário à posição do leitor José Carlos Santos suscita-me alguns comentários. Em primeiro lugar a probabilidade de ocorrer um sismo em Lisboa ou um furacão em Nova Orleães é muito diferente. Se pensarmos em situações extremas – caso de 1775 em Lisboa ou o Katrina em Nova Orleães – a minha convicção é a de que a probabilidade de ocorrer um sismo como o 1775 é substancialmente menor. Seria interessante saber se já ocorreram furacões semelhantes em intensidade ao Katrina na América. Julgo que sim mas com consequências menos devastadoras.

Quanto aos estudos relativos aos diques de Nova Orleães eles apontavam a necessidade de realização de obras de manutenção e reforço, cuja realização era justificada pelo envelhecimento dos existentes e por características específicas do local, em particular o tipo de solo de fundação. A principal medida de prevenção no caso americano teria sido o reforço dos diques. Tratava-se de um elemento fulcral na estrutura de protecção da cidade. A sua rotura, ainda que parcial, acarretava custos em vidas e bens intoleráveis. O seu reforço era/é exclusivamente uma responsabilidade pública.

No caso do potencial sismo em Lisboa a principal e mais eficaz intervenção a fazer no sentido da prevenção é a de garantir que as construções cumprem os regulamentos existentes de forma que o seu comportamento, caso se verifique um sismo de grande intensidade, seja o esperado. A intervenção pública faz-se sobretudo na fiscalização das novas construções, na reabilitação do parque público, feita ao longo dos anos, e no apoio à recuperação do parque privado quando as condições financeiras dos proprietários justifiquem esse apoio. Não custa muito dinheiro mas implica uma atitude diferente da que tem sido adoptada pelos diferentes poderes. Implica que o Estado seja eficaz a fazer respeitar a lei e não transija nessa defesa hipotecando a segurança das populações face a interesses corporativos de curto prazo. (Constrói-se hoje, em Portugal, pior do que há décadas atrás e não é por falta de conhecimento técnico. Existe uma confusão entre melhoria da qualidade arquitectónica das construções e melhoria da qualidade construtiva.)

A crítica que se deve fazer à incúria das autoridades americanas não é por terem gasto o dinheiro de outra maneira, mas por não terem gasto nestas obras o dinheiro que elas exigiam. Nas obras e na criação e manutenção de uma rede de serviços públicos capazes de uma resposta mais eficaz em caso de catástrofe.
Por último esta questão pode ser uma oportunidade para discutir o papel do Estado nas nossas sociedades. Reflectir se um modelo semelhante ao Americano com o esvaziamento das funções do Estado e com o desinvestimento em serviços públicos essenciais é desejável.

(José Carlos Guinote)
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Eu fui um dos que foi apanhado pela surpresa da dimensão das consequências do furacão Katrina. No meu caso concreto esta surpresa teve consequências concretas e nefastas para mim já que a minha actividade profissional esta ligada ao investimento em mercados financeiros e as ondas de choque do furacão, obviamente, também ai se fizeram sentir. Em termos económicos e financeiros debate-se já a importância que o furacão adquiriu como símbolo do momento de viragem na economia americana e na orientação da sua politica financeira. Mas este simbolismo faz-me reflectir sobre duas questões importantes.

A primeira questão que me é evidenciada é a surpresa geral que foram as consequências deste furacão. Os mercados financeiros são talvez o ambiente mais exigente e competitivo no uso da informação, inclusive mais do que o mundo da espionagem que actualmente se cruza frequentemente com o mundo financeiro. Todas as informações disponíveis são consumidas de forma voraz e escrutinadas exaustivamente nas suas variadas implicações e consequências. Assim desde os relatórios de contas de empresas, a anúncios de avanços científicos, a boletins meteorológicos, tudo que implicar alterações na vida dos mercados, ou seja das pessoas, é analisado e imediatamente repercutido nas avaliações dos activos. Portanto é para mim impressionante perceber que os agentes de mercado falharam por completo a análise e previsão do que seriam as implicações deste acontecimento. Isto demonstra que, independentemente das falhas na preparação e prevenção de um acontecimento desta magnitude, a esmagadora maioria das pessoas mais bem informadas do mundo não esperava o que aconteceu! Dai que este sentimento generalizado de critica face ao governo dos EUA de falta de previsão do que seriam as consequências, e portanto na ausência de preparativos adequados … parece-me hipócrita.

A segunda questão está relacionada com as falhas apresentadas nos sistemas de prevenção e auxilio à catástrofe. Sim, existem muitas falhas, e desgraçadamente muitos sofrem e morrem antes do tão necessitado auxílio. A palavra auxílio, vem de ajudar quem precisa, o que significa que é impossível retirar da vida das pessoas um acontecimento como este, apenas auxiliar e minorar os seus efeitos. E é por isso que eu me impressiono com as capacidades daquele país, com os seus organismos estatais, com as suas estruturas civis, com o seu exército, com os seus média e com a sua capacidade de critica e reacção. Mas impressiono-me sobretudo com o seu pragmatismo e com o espírito daquele povo. Eu não estou a olhar para as falhas, eu estou a olhar para a reacção ás falhas!

Face aquele espírito, não me resta nenhuma dúvida que daqui a um ano, quando as cicatrizes e marcas do furacão ainda forem visíveis e outros furacões se aproximarem, nada será o mesmo no que se refere à preparação deste tipo de catástrofes. Toda este acontecimento vai ser visto e revisto, pensado e analisado para que em caso de um novo e ainda maior cataclismo aconteça todas as falhas sejam equacionadas e corrigidas, todos os recursos necessários numa próxima vez sejam alocados e activados a tempo, todos os acontecimentos sociais desta catástrofe sejam prevenidos, e todos os responsáveis técnicos e políticos sofram as devidas consequências… E é isto que lhes invejo.

(André Almeida Santos)

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