ABRUPTO

11.10.03


MATTINA

"m' illumino
d' immenso
" *



*Verso de Ungaretti, vindo de "um companheiro de geração".

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OS ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO MUDAM DE SÍTIO

Os Estudos sobre o Comunismo estão em mudança deste sítio para este. Com a ajuda preciosa de Paulo Querido, está-se a construir um novo blogue com outras funcionalidades que eram de há muito sentidas como necessárias, a principal das quais é uma maior ordenação interior dos materiais por secções. Outras serão entretanto acrescentadas, dada a maior flexibilidade da plataforma do Movable Type. A mudança deve demorar um mês, porque se aproveita para unificar algumas notas, critérios bibliográficos, citações, etc., mas muitos dos Estudos já lá estão. As notas novas já entrarão no novo endereço.

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EARLY MORNING BLOGS / SONGS 59

Enquanto, um pouco por todo o lado, continua a chover ácido, eu fico-me pela fresca chuva.

Os leitores do Abrupto continuam a propor canções matinais. Há muitas em fila de espera, várias portuguesas, muitas inglesas, nenhuma em francês. Interessante esta desaparição do francês das letras de canções que se recordam. Injusta, aliás, porque há grande poesia matinal francesa, nas canções e na poesia propriamente dita. Se não houver outras sugestões para fazer entrar a “matin” na “early morning”, eu dou já um belo exemplo: o “Soleil du Matin”, de Verlaine


Le soleil du matin doucement chauffe et dore
Les seigles et les blés tout humides encore,
Et l'azur a gardé sa fraîcheur de la nuit.
L'on sort sans autre but que de sortir ; on suit,
Le long de la rivière aux vagues herbes jaunes,
Un chemin de gazon que bordent de vieux aunes.
L'air est vif. Par moment un oiseau vole avec
Quelque fruit de la haie ou quelque paille au bec,
Et son reflet dans l'eau survit à son passage.

Mais le songeur aime ce paysage
Dont la claire douceur a soudain caressé
Son rêve de bonheur adorable, et bercé
Le souvenir charmant de cette jeune fille,
Blanche apparition qui chante et qui scintille,

Dont rêve le poète et que l'homme chérit,
Evoquant en ses voeux dont peut-être on sourit
La Compagne qu'enfin il a trouvée, et l'âme
Que son âme depuis toujours pleure et réclame.



Passando para outro mundo, veja-se esta letra de Tom Waits (enviada por Abílio Carvalho), com um verso

I’m watchin T.V. in
the window of a furniture store


que parece tirado dum quadro de Hopper.


Cold Water (Mule Variations)

Well I woke up this morning
with the cold water
with the cold water
with the cold water
Woke up this morning
with the cold water
with the cold water
with the cold

Police at the station
and they don’t look friendly
Well they don’t look friendly
Well they don’t look friendly
Police at the station
and the don’t look friendly
They don’t look friendly well
they don’t

Blind or crippled
Sharp or dull
I’m reading the bible
by a 40 watt bulb
What price freedom
Dirt is my rug
Well I sleep like a baby
with the snakes and the bugs

Well the stores are open
but I ain’t got no money
I ain’t got no money
Stores are open but I
Ain’t got no money, ain’t got no money
Well I ain’t

Found an old dog
and he seems to like me
seems to like me
Well he seems to like me
Found an old dog and he
seems to like me
seems to like me
well he seems

See them fellows
with the card board signs
scrapin up a little money
to buy a bottle of wine
Pregnant women and
the Vietnam vets I say
beggin on the freeway
Bout as hard as it gets

Well I slept in the graveyard
it was cool and still
cool and still
it was cool and still
Slept in the graveyard
it was cool and still
cool and still and it
was cool

Slept all night in the Cedar grove
I was born to ramble
born rove
Some men are searchin for
the holy grail
but there ain’t nothin sweeter
than ridin the rails

(Solo)

I look 47 but I’m 24
Well they shooed me away
from here the time before
Turned there their backs
and they locked their doors
I’m watchin T.V. in
the window of a furniture store

Well I woke up this morning
with the cold water
with the cold water
with the cold water
Woke up this morning
with the cold water
with the cold water
with the cold




Francisco Manuel Calafate propõe duas sugestões que escapam às “letras de temas de Blues onde a manhã significa má disposição. Por isso trago aqui duas letras de dois herdeiros dos Blues que apresentam perspectivas bem diferentes.
É a paixão matinal, a mais bela, a que se contrapõe ao actual culto da "paixão" amnésica nocturna, embebida em álcool e nas chamadas drogas do amor, abafada e marcada pelo ritmo mecânico da batida tecno, resultante da sedução imagística, da conversa onde a palavra dá lugar á dança, ao gesto, ao hálito e ao perfume.
A 1ª do Bowie, é de 70´s e tem o seu tom mais surreal e algo neurótico. A música é ainda do tempo em que o som de Bowie não se tinha ainda sofisticado ao ponto de não se poder associar ao country e às harmonias melódicas típicas da Britânia Celta.
A 2ª é de uma fabulosa banda de Philadélphia, incompreensivelmente desconhecida fora de um círculo de cultores. Chamam-se G Love and Special Sauce e têm um som muito acústico, que mistura Folk e Blues com vocalizações e ritmos hip-hop interpretados com uma atitude muito Roqueira.



In the Heat of the Morning (David Bowie)

"The blazing sunset in your eyes will tantalize
Every man who looks your way
I watched them sink before your gaze
Señorita sway
Dance with me before their frozen eyes
I'm so much in love
Like a little soldier catching butterflies

CHORUS
No man loved like I love you
Wouldn't you like to love me too
In the heat of the morning
In the shadow I'll clip your wings
And I'll tell you I love you
In the heat of the morning

I'll tie a knot in rainbow's end, organise the breeze
Light my candle from the sun
I'll give you daylight for a friend
I'll do all of these
I'll prove that it can be done, oh, I'm so much in love
Like the ragged boy who races with the wind

CHORUS

In the heat of the morning
In the shadow I'll clip your wings
And I'll tell you I love you
In the heat of the morning
"


Gimme Some Lovin’ (G Love and Special Sauce)

Gimme some lovin’ early in the morning
I just woke up with this appetite
Gimme some love in the morning light

Gimme some lovin’ early in the morning
I just woke up with this appetite
Gimme some love in the morning light

Some people like it in the afternoon
But I don’t think that I can wait that soon
Give me some love in the mornin light
Some people like it late at night
I could wait that long but I don’t think I might
Give me some lovin in the mornin light
I’m gonna love you soft and love you sweet
I can feel your heart beat
I need your attention to get me started right
I’m gonna wake you up with a kiss on the cheek
Come a little closer open up to me
Good morning baby good mornin baby
Open your eyes just a little bit
Good morning sunshine I can’t resist
Dreaming about you baby all through the night


Bom dia, good morning Vietnam!

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IMAGENS / OBJECTOS EM EXTINÇÃO

de ontem: uma “paisagem de comboio”, pintada em 1940 por Eric Ravilious, e que está na Aberdeen Art Gallery. As três janelas e a tira de couro são as mesmas das antigas carruagens que, ainda nos anos setenta, andavam nas linhas do interior. Os bancos estofados também. Abria-se a porta com um manípulo de metal (cobre?), do lado de fora, e havia várias correias de couro segurando as portas e a janela. Tudo dava uma ideia de solidez e craftmanship, muito inglês.

A outra imagem, a preto e branco, é de Morten Rossland e data de 1984. O que ela representa infelizmente não está em extinção, está em crescendo. E não me refiro aos gatos.

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10.10.03


OBSESSÃO MORALISTA



Uma das vitórias de influência de Paulo Portas, director do Independente, foi introduzir na análise política uma verdadeira obsessão com o julgamento moral. Como era inevitável, if you live by the press you die by the press, ele foi (é) uma das vítimas dessa obsessão e ameaça, aliás, tornar-se a vítima mais simbólica da eficácia dos seus próprios julgamentos. Mas a arrogância moral fez escola e é um dos elementos que hoje define a ecologia do jornalismo português (e de parte da blogosfera, onde a passagem de julgamentos morais taxativos e cortantes é do dia a dia de muitos blogues). Digo português, porque essa vaga já teve momentos mais altos no resto do mundo, no jornalismo anglo-saxónico por exemplo, e percebeu-se que um dos seus efeitos é voltar-se contra os seus autores.

Se há coisa que eu não suporto é essa mentalidade self righteous. Não a suportei em Eanes e no PRD, não a suportei no meu partido quando se quiseram pôr a armar ao “Deus, pátria e família”, não a suportei no PSN de Manuel Sérgio (de que Monteiro e Portas herdaram parte dos votos), não a suportei no Independente, não a suportei na banda Monteiro-Portas contra os “políticos”, não a suportei quando foi da questão da “transparência”, e não a suporto em geral.

Do que eu gosto é da habitual moralidade das pessoas comuns, com qualidades e defeitos, que não se acham melhores do que os outros e que sabem que certas coisas não se fazem porque não se devem fazer, e, mesmo assim, de vez em quando enganam-se, que não andam todos os dias a debitar julgamentos morais sobre tudo e sobre todos. Tenho como certo que o moralismo das elites (e jornalistas e políticos são membros das elites) é um instrumento do cinismo e não da virtude, mas nem por isso deixa de ser eficaz porque comunica com o justicialismo populista. É uma das principais barreiras contra qualquer reforma e qualquer modernização de Portugal. E é pouco saudável … moralmente.

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EXCEPÇÕES

Convem nomear as excepções para se perceber a diferença. Um bom exemplo de comentários de jornalista foi o que Ricardo Costa fez na SIC sobre a crise com o MNE e a mentira oficiosa da nova Ministra do Ensino Superior. Ricardo Costa não se limitou a fazer um comentário político, mas falou da textura jornalística das notícias que a SIC deu. Explicou pormenores, sem revelar fontes, de como os jornalistas tinham procurado saber, junto de diplomatas, quais eram as práticas habituais com os seus filhos, e como é que a notícia do convite à nova ministra já tinha sido por ela divulgado a outros (Ordem dos Engenheiros, por exemplo) na véspera. Descreveu as práticas de jornalistas para obter as notícias, as práticas de evasão dos políticos (desligar o telefone, o “não confirmo nem desminto”), e a análise que fora feita na redacção da SIC da sua relevância. Isto explica a solidez jornalística da SIC nestas questões: provocou a queda dos ministros e noticiou em primeira-mão a nova ministra. O resto foi paisagem.

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IMAGEM

de ontem, um pimento e um limão, sinais dos tempos, foi pintada em 1901, por Odilon Redon, e está num museu de Haia. Era o século ainda novo, como a toalha da mesa, como o limão, como o pimento.

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MUNDO EXTERIOR


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TRANSPARÊNCIAS

Os blogues de jornalistas são um elemento muito positivo para uma maior transparência. Eles retratam de uma forma mais límpida o pensamento que está por detrás das notícias, assim como o movimento subjectivo de amizades e inimizades, de gostos e ódios, que tão importante é no modo como se escreve uma notícia. Saber tudo o que se possa saber sobre as opiniões, políticas e outras, das pessoas que interferem na esfera pública, é muito vantajoso. E, como se vê, nos blogues de jornalistas, a agenda política é dominante e agressivamente empurrada. Pedro Mexia tinha razão, na sua análise no Dicionário do Diabo, sobre o carácter pushy de alguns blogues dos jornalistas.

Mas a opacidade é a regra nos meios mediáticos, os menos escrutinados dos que intervêm na esfera pública. Múltiplos canais de influência entre o poder político e os media não têm qualquer escrutínio, desde os que se fazem através dos negócios dos donos dos jornais e televisões, até a práticas que o público em geral desconhece, como os pequenos almoços com os directores dos jornais em “off”. Por exemplo, o público em geral devia saber que jornalistas foram assessores de Marques Mendes ou de Jorge Coelho, ou de ministros com funções similares, ou de outros membros do governo, ou de grupos económicos, e tenho a certeza que, se o soubesse, perceberia melhor os mecanismos de influência que funcionam nas redacções. Devia-se igualmente saber como trabalham as empresas de relações públicas e de “imagem” e como é que antigos e actuais jornalistas colaboram em conjunto, promovendo ou denegrindo “produtos”.

É evidente que os cargos formais não contam tudo, há toda uma outra teia de amizades e influências, de “fontes” privilegiadas e contratos não escritos – "eu dou-te informações, tu passas-me as notícias que me interessam" – de difícil escrutínio. Favores, privilégios e cunhas são, e isso é indesmentível, o pão-nosso de cada dia. Há tantos exemplos: convites para viagens apetecíveis, trabalhos extra a convite de fundações, avenças de empresas, promoção cultural. Saliente-se que não falo apenas do domínio estrito do político: há situações bem complicadas na área económica, onde uma notícia vale milhões, e, mesmo onde ela vale apenas dezenas, como no domínio do jornalismo cultural, grupos e coteries abundam.

Em Portugal, todas estas redes são desconhecidas do público em geral, embora noutros países, como no Reino Unido e nos EUA, e, mais recentemente, em França, comece a haver informação detalhada. Com mais ou menos incorrecções, o livro sobre o Le Monde inclui um retrato de toda a teia de relações entre os jornalistas e o poder, mas duvido que fosse possível escrever em Portugal um livro semelhante. Mas que faz falta, faz.

(Continua sempre)

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INTENCIONALIDADES

Resta a questão da intencionalidade: os políticos falam para promover a sua carreira, ou para defender o seu partido; os outros, os jornalistas em particular, falam com isenção e desprendimento político. É verdade, por regra, a primeira parte. Mas é falsa, por regra, a segunda. Por regra, porque há excepções, mas o seu caminho é difícil e nem sempre unívoco.

Todos os domingos sei isso e, quem me vê e ouve, tem pelo menos a transparência de saber quem sou, a que partido pertenço e se tenho ou não interesses na matéria – existe uma declaração de interesses financeiros publicada e acessível a todos.

Uma parte do ataque aos “comentadores” vem da escassez do mercado. Portugal é um país pequeno, os bens são escassos e onde estão uns, não podem estar outros. Outra parte vem da perturbação que esse comentário introduz no monopólio da “compreensão”, a fonte do poder do “quarto poder”. Há muitos anos que escrevo que uma parte do conflito entre políticos e jornalistas vem de ambos disputarem um outro bem escasso, a influência. Um jornal é poderoso se tem influência, um jornalista é poderoso se tem influência, um político é poderoso se tem influência. Logo, o controlo da opinião pública é um terreno de disputa duríssimo, e nessa disputa estão presentes diferentes corporações.

Há um elemento que perturba esta relação, e tem a ver com a emergência do populismo moderno, que é um populismo mediático. A análise deste fenómeno, uma natural evolução da forma como o sistema politico-mediático funciona e da sua competição interior, fica para outra altura.

(Continua)

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AUTONOMIAS

Não existe hoje, a não ser residualmente, em Portugal, qualquer autonomia entre a esfera do político e do mediático. Quem pretender analisar a vida política sem ao mesmo tempo analisar o papel dos media, dos jornalistas, dos jornalistas como agentes políticos, e dos donos dos media como actores de poder, económico e político, é mau analista.

Não é hoje possível discutir qualquer acto político dissociando-o da sua representação nos media, aquela que é a face visível, e, mais importante ainda, a face “compreensível”, dos eventos. Os factos são dados pela sua representação (cuja é, por sua vez, resultado de escolhas jornalísticas, títulos, planos televisivos, sons na rádio, que são a camada mais opaca e mais difícil de ler pelo público em geral, e por isso a mais manipuladora), e pela “compreensão”, que é hoje cada vez mais misturada no relato factual, a tal ponto que este muitas vezes quase não existe. A “compreensão” é a leitura dos factos dando-lhes um sentido, e não existe qualquer separação de fundo, ou de qualidade, entre um discurso político feita por um jornalista, um político, um médico veterinário, ou um popular. É feito com ideias políticas, mais ou menos elaboradas por outros discursos e saberes, mas assenta em opiniões que têm uma fábrica comum.

(Continua)

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“ARRASAR”

Voltou a febre jornalística do “arrasar", um vocábulo poderoso que os jornalistas gostam muito de usar para acentuar títulos que subjectivamente lhes interessam, nos quais têm um parti pris, quase sempre político, algumas vezes pessoal. Quando começa a haver muitos “arrasar”, há sangue fresco na água.

Na mó de baixo dos dias difíceis, em que o governo parece ir bem, o PS está uma desgraça, e o BE não chega para “animar a malta”, em que é confortável pensar que a “direita” “domina” tudo tão bem na comunicação social, e em que só se fala baixinho, calma e ponderadamente, com enorme isenção e distância , entra-se em muitas redacções numa depressão leve, numa tristeza subtil com esta “piolheira”. Mas, de repente, o sol levanta-se, o mundo muda, já não há “direita” que mande, raios e coriscos tombam sobre o governo, a “justiça” voltou e os presos políticos foram libertados, imagens do 25 de Abril à porta de Caxias perpassam na memória, os bons velhos tempos voltaram e uma militância acrescida e agressiva compensa bem as noites de queixa no Snob.

(Continua)

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EARLY MORNING BLOGS / SONGS 58

Hoje abrimos o dia com a essência da manhã, a mudança. Um belo poema de Robert Frost (enviado pelo Francisco Curate) sobre a “hardest hue to hold”:

Nothing Gold Can Stay

Nature's first green is gold,
Her hardest hue to hold.
Her early leaf's a flower;
But only so an hour.
Then leaf subsides to leaf.
So Eden sank to grief,
So dawn goes down to day.
Nothing gold can stay.


Depois, ficamos com a “Voz”, (cortesia de José Manuel de Figueiredo), que, mais do que da manhã, fala da madrugada. E, como sempre, a finura da madrugada, dos seus estádios de sombra e luz nascente, está descrita com o rigor das palavras antigas:

Matutinum est inter abscessum tenebrarum et aurorae adventum; et dictum matutinum quod hoc tempus inchoante mane sit. Diluculum quasi iam incipiens parva diei lux. Haec et aurora, quae solem praecedit.

Eis a “Voz”, Frank Sinatra:

In The Wee Small Hours Of The Morning

"When the sun is high
In the afternoon sky
You can always find something to do
But from dusk til dawn
As the clock ticks on
Something happens to you

In the wee small hours of the morning
While the whole wide world is fast asleep
You lie awake and think about the girl
And never even think of counting sheep

When your lonely heart has learned its lesson
You'd be hers if only she would call
In the wee small hours of the morning
That's the time you miss her most of all

When your lonely heart has learned its lesson
You'd be hers if only she would call
In the wee small hours of the morning
That's the time you miss her most of all"


E, por fim, os "U2 numa belíssima canção do álbum Unforgettable Fire (…) uma manhã... num meio hostil, a neve, uma luz ao fundo” (enviado por Filipe Freitas), mostram como se pode regressar, uma "espécie" de regressar.

A Sort of Homecoming

"And you know it's time to go
Through the sleet and driving snow
Across the fields of mourning
Light in the distance


And you hunger for the time
Time to heal, desire, time
And your earth moves beneath
Your own dream landscape


Oh, oh, oh...
On borderland we run...


I'll be there
I'll be there...
Tonight
A high road
A high road out from here


The city walls are all come down
The dust, a smoke screen all around
See faces ploughed like fields that once
Gave no resistance


And we live by the side of the road
On the side of a hill
As the valley explode
Dislocated, suffocated
The land grows weary of its own


Oh, oh, oh...on borderland we run...
And still we run
We run and don't look back
I'll be there
I'll be there
Tonight
Tonight


I'll be there tonight...I believe
I'll be there...somehow
I'll be there...tonight
Tonight


The wind will crack in winter time
This bomb-blast lightning waltz
No spoken words, just a scream...


Tonight we'll build a bridge
Across the sea and land
See the sky, the burning rain
She will die and live again
Tonight


And your heart beats so slow
Through the rain and fallen snow
Across the fields of mourning
Light's in the distance


Oh don't sorrow, no don't weep
For tonight, at last
I am coming home
I am coming home"


“I am coming home”; bom dia.

Nota: leitores do Abrupto pedem-me que traduza alguns dos textos, em particular os em latim. Mais tarde, tenho a intenção de traduzir (se o meu latim bastar; se não, uso uma tradução já feita) e comentar, em conjunto, todo este texto perfeito de Isidoro, “Hispalensis Episcopi”, sobre as partes da noite, retirado do quinto livro “De Legibus Et Temporibus” do Etymologiarum . Mas, até lá, o som magnifico das línguas antigas, a sua perfeição formal, a sua contenção, que no latim é intraduzível, perdia-se, distraía-se, com a tradução.

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9.10.03


HORA UNDECIMA


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VOANDO DE NOVO,

em breve, para a porta do Oriente. Se nalgum caravansaray conseguir rede, o Abrupto terá uma semana de Divã ocidental-oriental. Mais ou menos.

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NESSUN TEMPO ...

para nada. Nem "early mornings", nem "late evenings", mas palavras, palavras, palavras no moinho delas. Mas depois do "nessun dorme", há sempre a aurora:

"Dilegua, o notte! Tramontate, stelle!
Tramontate, stelle! All'alba vincerò
!"

Na música, claro.

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8.10.03


VOANDO

da luz aberta para o cinzento. Volto em breve.

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7.10.03


IMAGENS

de ontem: as montanhas são de Carl Rottman e erguem-se sobre o Ebsee, que não se vê no fragmento. Suspeito que a montanha ao fundo seja o Zugspitz, que tem quase 3000 metros de altura. O quadro está na Nova Pinacoteca de Munique e foi pintado em 1825. O lago continua lá, como se pode ver nesta fotografia actual.
A outra imagem é de uma série de Sara Rossberg sobre adolescentes e vida urbana, exposta na Nicholas Treadwell Gallery de Londres, do início dos anos oitenta. Sobre Sara Rossberg há mais informação aqui.

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EARLY MORNING BLOGS 57

Um poema de Sophia de Mello Breyner (lembrança de Rita Maltez), em que se fala da “verdade da manhã”,que , para a manter límpida , chega por hoje.


"Quando brilhou a aurora, dissolveram-se
Entre a luz as florestas encantadas
Arvoredos azuis e sombras verdes,
Como os astros da noite embranqueceram
Através da verdade da manhã.

E encontrei um país de areia e sol,
Plano, deserto, nu e sem caminhos.
Aí, ante a manhã, quebrado o encanto,
Não fui sol nem céu nem areal,
Fui só o meu olhar e o meu desejo.
Tinha a alma a cantar e os membros leves
E ouvia no silêncio os meus passos.

Caminhei na manhã eternamente.
O sol encheu o céu, foi meio-dia,
Branco a pique, sobre as coisas mortas.
Mais adiante encontrei a tarde líquida,
A tarde leve, cheia de distâncias,
Escorrendo de céus azuis e fundos
Onde as nuvens se vão pra outros mundos.

Um ponto apareceu no horizonte,
Verde nos areais como um sinal.

Era um lago entre calmos arvoredos
Não bebi a sua água nem beijei
O homem que dormia junto às margens.

E ao encontro da noite caminhei.



Bom dia.

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6.10.03


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES



"PAPEL HIGIÉNICO E LARANJAS PODRES, O MESMO COMBATE!"

É frequente aparecer na comunicação social notícias do género "Os estudantes do Técnico manifestaram-se contra...". É um abuso de linguagem. Tirando algumas raras ocasiões em que de facto há uma mobilização apreciável, em geral os referidos "estudantes do Técnico", não passam de algumas dezenas num universo de aproximadamente 9000 estudantes. Muitas vezes fui surpreendido, tal como vários colegas meus, por apenas ter sabido de tais manifestações pelas televisões, porque o seu impacto no interior do Técnico é quase sempre nulo.

E chamar aqueles jovens de estudantes é também um pouco abusivo. Porque em geral os estudantes encontram-se muito ocupados nas salas de aula, nos laboratórios, bibliotecas, estudando, fazendo trabalhos, relatórios, tirando fotocópias, etc. Aqueles jovens são, muitos deles, estudantes com um estatuto especial, que podem andar o ano inteiro em festas por todo país, teoricamente em representação da instituição. Podem fazer isso porque para eles existe uma época especial para a realização de exames, realizada mais tarde, em que as provas são tipicamente mais fáceis. A época especial de exames apenas deveria ser dada em casos excepcionais, mas é utilizada abusivamente por estes estudantes, que não apenas têm exames mais fáceis mas muitas vezes se isentam de apresentar trabalhos ao longo do ano em várias cadeiras. Isto quer dizer que podem apresentar as mesmas notas que outros com 1/10 do trabalho!

Mas estes estudantes, nem com tanto tempo livre o aproveitam para se cultivar um pouco. Não sabem que o Técnico não foi criado à imagem da Universidade de Coimbra, mas mais como a sua antítese. E não vou aqui escrever o que disse Voltaire sobre a Universidade de Coimbra por respeito à instituição. Houve uma altura em que chegaram a colocar uma capa negra na estátua de Duarte Pacheco, sem se aperceberem da barbaridade que cometiam. Mas uma coisa é certa. Estas manifestações, apesar de não serem minimamente representativas, conseguem ser bastante efectivas na comunicação social - nada é fruto do acaso."


(Mário Chainho)

"Sou estudante do Instituto Superior Técnico, mais exactamente do 4º ano de Engenharia Mecânica, e ao ler o seu post "Papel Higiénico e Laranjas Podres, o Mesmo Combate" percebi imediatamente que lhe teria de responder, pois há muito que penso aquilo que acabou de escrever. Também a mim me causa confusão o facto de vários colegas meus aderirem a este costume ressurgente do traje, ainda por cima numa faculdade com pouca ou nenhuma tradição ou espírito académico como é o caso do Técnico. É difícil detectar um padrão, visto que há rapazes e raparigas, bons e maus alunos. Inclusivamente, alguns colegas e amigos meus com os quais me dou muito bem usam o traje. Por outro lado – e falo do Técnico - as tunas, nas quais se usa o traje, são um óptimo local para a integração social de muitos alunos, especialmente dos mais novos, os "caloiros".

Por isso, nada tenho contra os trajes em si, nem contra a "tradição". Considero- me de direita e liberal, e respeito por isso as tradições, de um modo geral. Mas há que ver as coisas em perspectiva. O traje, tal como o conhecemos hoje, começou a ser usado em Coimbra e durante séculos apenas aí foi usado. Os trajes e as praxes são de facto uma tradição Coimbrã e nada mais. É curioso reparar que até durante o Estado Novo (regime que abomino) tais práticas nunca foram encorajadas nas nossas Universidades. No Técnico e noutros sítios eram proibidas. Em Coimbra, devido ao peso da tradição, eram toleradas, mas não mais
que isso.

Então porquê este ressurgimento do traje e das praxes (umas benignas, outras animalescas) nos últimos anos, num país livre? Tenho pensado algumas vezes nisto e não tenho respostas definitivas. Mas penso que você pôs o dedo na ferida ao referir a "altura do varapau, das rixas, das esperas, dos bordéis canalhas, da contínua bebedeira e (…) da poesia ultra-romântica". Aliás, eu não chamaria a "isto" de oitocentista, mas de Miguelista, pois é mais exacto.
Sinto-me confuso com este fenómeno. Quase 30 anos depois do fim da ditadura, num tempo em que seria suposto os estudantes serem mais maduros, abertos ao mundo, tolerantes e curiosos do que no seu tempo (como aliás são, não sejamos pessimistas), é com desilusão que vejo tantos colegas meus a desenterrarem usos (o traje) e formas de protesto (as laranjas e o papel higiénico) que os mostram como uma versão suburbana e ciganola da fidalguia marialva do tempo da senhora D. Maria I. Embora respeite, acho de facto surreal ver colegas meus andarem orgulhosamente assim vestidos com pelas ruas de Lisboa (e de Portugal em geral) em pleno século XXI. Às vezes interrogo-me até sobre o que pensarão os alunos estrangeiros do programa Erasmus que em cada vez maior número vêm a Portugal para estudar. Espero que conheçam um mínimo de Eça e de Camilo para compreenderem com benevolência a razão de ser desta pulsão Miguelista que tomou conta desta gente.

Para finalizar, queria dizer que apesar deste triste espectáculo, seria injusto julgar o Técnico e os seus estudantes por estas poucas dezenas de marialvas modernos que organizaram o ridículo protesto das laranjas podres. A esmagadora maioria dos estudantes não anda assim vestida e suspeito mesmo que não se identifique com estes "novos" velhos costumes. O mais trágico é que ao optarem por este folclore para Telejornal ver, estas agremiações (habilmente dominadas pelos partidos) estão cada vez mais a hipotecar o respeito, o carinho e o apoio que a sociedade civil devia ter pelos universitários e fazendo perder cada vez mais a paciência aos Poderes para que estes aceitem uma relação séria e madura com os estudantes. Terá isto um fim?"


(João Daniel Ramos Ricardo)



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SOBRE A EDIÇÃO PORTUGUESA DE DESGRAÇA


O nosso editor reage mal sempre que uma edição da Dom Quixote é criticada, e isso é natural. Não gostou da comparação que fiz entre a edição portuguesa e a inglesa de Coetzee, que a sua editora teve o mérito de publicar. Mas agora, que vai ter que reeditar os livros por causa do Nobel, valia a pena corrigir alguns aspectos da edição portuguesa de Desgraça.

Para que fique registado, este é o texto de contracapa da edição portuguesa da Dom Quixote do Desgraça, de Coetzee:

Desgraça ~ o retrato de uma nova Africa do Sul e dos seus também novos problemas, um retrato que, em (última análise, nos fala da beleza e do amor. Um romance inteligente, fértil, calmo e brutal que confirma Coetzee como um dos grandes romancistas do nosso tempo.”

Ora se há coisa que o livro não é, é isto. Um dos críticos ingleses falou de “narrative darkness”, o que sintetiza muito bem o estilo de Desgraça e a sua história. “Calmo”? A escrita de Coetzee é depurada, não há uma palavra a mais, mas nada é “calmo” no livro.

“Beleza”? Num livro que explora exactamente a falta de beleza, a aridez, onde nada aparece como belo – paisagens desencantadas, personagens gastas, envelhecidas, no limite da fealdade física – é assim que Lucy , a filha da personagem principal David Lurie – é descrita. Tocada por uma certa fealdade, feiosa, como uma palavra terrível diz em português. .

“Amor”? Num sentido quase ontológico, não há livro que não fale de amor. Mas o que há em Desgraça, é “desgraça” , a perda de sentido de todas as relações, a usura da vida num momento de mudança social e política que se manifesta pela violência inscrita por todo o lado. Mesmo em actos como a aceitação do filho da violação (por parte de Lucy), há mais expiação do que amor. Há culpa, todo o livro está mergulhado em culpa, e por isso é que ele pode ser lido de forma “politicamente correcta” (que não fique, no entanto, a dúvida que o considero uma grande romance, sobre o qual escrevi quando ganhou o Booker Prize, e não na altura do Nobel).

A personagem principal recusa a culpa na questão da “conduta desapropriada” na universidade, mas aceita a culpa colectiva dos brancos. Aceita que na criminalidade haja uma espécie de vingança trágica pelas violências que o apartheid provocou na comunidade negra. Há metáforas do amor, o cão, por exemplo que tão bem ilustra a capa inglesa, mais expressiva do que a portuguesa. Mas olhem para a capa inglesa e vejam o mundo do romance, o cão ferido, os canos com ferrugem, a “narrative darkness”, a imensa tristeza da história.

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HORA QUINTA


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IMAGEM

de ontem é de um óleo de 1882, da autoria de Willem Roelofs, uma pacífica paisagem dos Países Baixos, com vacas e tudo. Por falar em vacas, Bruxelas, como Londres há uns tempos, está cheia de vacas coloridas pelas ruas, incluindo uma decorada com moules, uma verdadeira ofensa ao bicho. Alguém deve ter encontrado esta nova forma de vender "mobiliário urbano" e gastam-se milhões para alimentar a nostalgia do campo. Mais dia, menos dia, chegam as vacas a Lisboa.

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EARLY MORNING BLOGS 56

Continuam a chegar muitas letras de músicas, que, a seu tempo, entrarão para a nossa manhã. Hoje, para que, na simplicidade, brilhem mais as palavras, apenas duas entradas. Uma de Bob Dylan, enviada por Miguel Castro Caldas “cantada (…) em 1970, no album "selfportrait", em plena fase Country. Mas foi escrita por G. Lightfoot. Como não encontrei a transcrição da letra, transcrevo eu apenas a primeira estrofe (a mais bonita) “:

"in the early mornin' rain
with a dollar in my hand
and an aching in my heart
and my pocket full of sand
I'm a long way from home
and I miss my love one so
in the early mornin' raiiin
with nowhere to go
"

Outra, a primeira entrada em prosa, de V.S. Naipul, enviada por João Gundersen, “uma achega a essas horas para mim tão difíceis. "A house for Mr Biswas", a sua primeira casa em Port of Spain, já jornalista do "sentinel", mas ainda ligada aos Tulsis..."

"The house faced east, and the memories that remained of these first four years in Port of Spain were above all memories of morning. The newspaper, delivered free, still warm, the ink still wet, sprawled on the concrete, down which the sun was moving. Dew lay on trees and roofs; the empty street, freshly swept and washed, was in cool shadow, and water ran clear in the gutters whose green bases had been scratched and striped by the sweeper’s harsh broom’s. Memories of taking the Royal Enfield out from under the house and cycling in a sun still cool along the streets of the awakening city. Stillness at noon: stripping for a short nap: the window of his room open: a square of blue above the unmoving curtain. In the afternoon, the steps in the shadow; tea in the back verandah. Then an interview at a hotel, perhaps, and the urgent machinery of the Sentinel. The promise of the evening; the expectation of the morning."


Bom dia!

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES (Actualizado)

SOBRE A PALAVRA DE HONRA, OS EXEMPLOS VÊM DE CIMA…, ETC.

"Começo esta missiva pela citação de escrito seu no "abrupto":

« É mais fácil mudar os ministros do que mudar os hábitos sociais, e é por isso que estas ondas de indignação são hipócritas até à raíz dos cabelos. Só se consegue manter uma sociedade baseada nas cunhas quando essa mesma sociedade tem estes sobressaltos self- righteous. A onda de indignação faz parte do mesmo fenómeno, é parte do mesmo atraso, nasce da mesma massa das cunhas.»

De facto, demitido que está o ministro, enviada que vai ser a filha do outro para o estrangeiro, e reclamada por uns a inocência e a honra do pai, enquanto que por outros a sua cabeça, não ouvi ninguém insurgir-se contra a lei que legaliza a excepção (ou antes, as excepções).
Porque no fundo, o que o director geral fez foi dar um parecer de extensão, de uma excepção legal, à forma de selecção na entrada na universidade. E esse regime de excepção que previligia os filhos de emigrantes, os naturais da Madeira e dos Açores e os Palops, mesmo em cursos onde a pressão de entrada é violenta como no caso da Medicina, não é contestado por ninguém.
De facto, como muito bem diz, «a onda de indignação faz parte do mesmo fenómeno, é parte do mesmo atraso, nasce da mesma massa das cunhas» e feito o alarido, a excepção vai manter-se para que outros privilégios e cunhas possam continuar a acontecer.
Afinal, obrigar o contribuinte português a financiar a formação em medicina do filho de um ministro de Angola, Moçambique, Cabo-Verde ou Guiné, é muito mais "justo e democrático" do que permitir que a filha do ministro português se torne uma excepção em si mesma."


(Francisco Santos)


Estou como o Senhor, no meu tempo (não será em todos os tempos) a palavra de honra era (é) um valor, é um contrato feito entre quem a diz e quem a ouve. Selado pela atitude e configurado pela idoneidade dos intervenientes acto.

Subentendo que esse “posted” tem a ver com o “pormenor” político que nos assaltou na semana passada. Pormenor, entendo eu, que apenas tomou as dimensões porque a comunicação social fez dele um caso e, porque os envolvidos lhe deram oportunidade para isso. Não era um caso nacional (refiro-me às proporções que tomou), era, pelo que os envolvidos disseram um caso de honra, resolúvel em sede adequada.

Tem razão quando diz que as demissões constituem hoje, parece, uma banalidade, uma reacção que dá jeito no desconforto criado a uma figura pública.

Perdeu-se o sentido de ver no pedido de demissão um acto de coragem, um ponto final numa situação insustentável, que tem por base duas premissas:

- Ou se é acusado injustamente e, é a saída para manter uma coerência na acção, na idoneidade e na dignidade da pessoa. É justificada pela impossibilidade de continuar a desempenhar uma função por falta meios e de confiança.

- Ou se reconhece uma conduta infeliz e irreparável e, assume-se o erro.

Não vejo outra justificação para as demissões mas, a dúvida em relação a um acto praticado não o é certamente.”


(Rui Silva)


O problema não é a honra do ministro. O problema é que um requerimento feito por um ministro, a outro ministério, deverá ser respondido por outro ministro, ou será que agora um director geral ou lá o que é o homem responde a um ministro que não é o dele? Para além do que está dito podemos voltar ao velho dito que diz que “à mulher de César não basta ser séria”…”

(F. Oliveira Dias)


A propósito de "os exemplos vêm de cima..." fez-me recordar que uma das primeiras coisas que aprendi com o meu avô foi a não dizer palavra de honra. Dizia-me ele, na sua infinita sabedoria, que palavra só há uma.
Nunca se deve dizer palavra de honra, porque, continuava ele, dá a sensação que temos mais do que uma.
Fiquei perplexo quando ouvi o nosso ministro de N. Estr. utlilizar a sua palavra de honra.
Será que ele também a emprega nas reuniões a que assiste ?

E discordo da sua caracterização da nossa sociedade como mergulhada em hábitos de patrocinato e clientela. Alguma parte dela sim, mas não podemos ser tão radicais. Nunca na minha vida profissional ou pessoal "meti" uma cunha. E como eu muitos outros que conheço, anónimos portugueses.

E também não é verdade de se perdeu a medida: o ex-ministro da Educação não a perdeu.
A questão de fundo, prezado Dr. Pacheco Pereira, que se está a tornar demasiado óbvia, é que o Dr. Durão Barroso não consegue encontrar gente de qualidade para fazer parte do seu elenco governativo. Será porque não há ? Não, é porque não querem.
E este não querer é que é o verdadeiro problema
.”

(João Costa)

O problema é mesmo esse, "O Poder"! Porque é que um Ministro ou Director Geral tem "O Poder" de decidir quem entra na Universidade? Não deveria ser "apenas" a lei a funcionar?

Porque é que "O Poder" é tão apetecível para que Directores Gerais, Embaixadores e outros bem instalados na vida, ponham em causa o seu bem estar, o bem estar da sua família, o não serem conhecidos pela Comunicação Social, para irem trabalhar (muito) mais e ganhar (muito) menos?

"O Poder" deixa-nos com vontade de fazer algo... A capacidade de intervir na vida das pessoas concretas (não falo aqui do poder legislativo que esse, penso, ainda pertence à Assembleia da República).

Não seria muito mais fácil que "estas coisas" não dependessem dum despacho dum Ministro qualquer? Caramba, não é difícil entender o drama de uma aluna que, mesmo sendo filha de um colega do Ministro, até ficou prejudicada por mais uma alteração da mudança de residência do pai (teoricamente, para continuar a servir o país...). O que vale mais? Passar 6 anos a "passear" de escola em escola no estrangeiro ou "apenas" acompanhar o pai no 12º ano?

O mal, penso eu, é o Ministro ter "O Poder" de compreender a injustiça desta excepção à lei.

O mal, foi a filha do Ministro não se ter quedado mais um "anito" lá por Madrid, como fazem todos os outros, mesmo que, assim, as suas notas piorassem devido à destabilização emocional motivada por viver sem a família aos 16/17 anos.

Porque foi compreensivo, decidiu intervir! Assim, demitiu-se. O Estado Português é que, conforme dizem, fica a perder. No mínimo, ficará com uma "segunda escolha" de Durão Barroso.

Por mim, até para evitar futuras tentações, as leis deveriam ser mais claras, mais acessíveis a todos, até para evitar que, aqueles que têm "O Poder" de recorrerem ao Tribunal Constitucional e "O Poder" de verem os seus recursos a serem decididos em tempo "normal" (anormal para a velocidade da justiça portuguesa), possam ver as nossas leis "adaptarem-se" aos seus casos específicos. Eu, como o Ministro, o Bastonário, alguns deputados e "opinion makers", compreendo aquilo que muita gente passa em Portugal, com as previsões preventivas, sem saberem de que são acusados, quanto mais ainda presumíveis inocentes.

Mas estas prisões preventivas, tão longas, apenas aconteceram agora?

Foi só neste caso que houve um despacho deste tipo, motivado pela compreensão da situação?
Ou anda alguém por aqui a "mexer uns cordelinhos", tentando afectar a credibilidade deste Governo, que quer mudar muita coisa em pouco tempo?

Isto faz-me lembrar uma afirmação interessante que ouvi há pouco tempo: "Nós, os portugueses, achamos que tudo está mal! Tudo! No entanto, quando desafiados para a mudança..."


(NM)


Sou docente do superior, e esta história dos ministros deixou-me tão sensibilizado ao ponto de pela primeira vez escrever assim a alguém.
Pode até existir um buraco na lei. Mas como posso confiar em alguém que se aproveita dos buracos na lei ? É o contrário dos princípios éticos que tentoo passar aos meus alunos. A dignidade perdeu-se...totalmente. Estou triste, nem sequer revoltado. Triste apenas com este meu país que me envergonha todos os dias.”


(AP)

*

Críticas a estas notas do Abrupto encontram-se em Mata-Mouros e Bloguítica Nacional, entre outros.


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5.10.03


PALAVRA DE HONRA 2

Há uma alternativa, que se tornará popular, à palavra de honra: o detector de mentiras.

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PALAVRA DE HONRA

Um homem que dá a sua palavra de honra é como um homem que jura: as suas palavras valem mais do que palavras, são um acto decisivo em que ele coloca como penhor de si próprio, e da veracidade do que diz, a sua identidade. É um acto grave e sem retorno. Eu sou da escola em que se acredita quando alguém fala assim.

(O Latinista Ilustre lembra e bem que, mesmo no estado republicano e laico, esta afirmação da palavra tem valor jurídico.)

Reconheço que vivemos num mundo que tão pequeno sentido dá a estes valores (até porque muitos os desrespeitam com a boca cheia de grandes palavras) que, quando um homem, goste-se ou não, enuncia que a sua palavra é a sua honra parece uma trivialidade ou um expediente. Eu sinto um calafrio porque naquele momento é ele o forte e eu o fraco nas minhas dúvidas.

Posso estar a ser enganado e o homem que invoca a sua honra não a tem? Sem dúvida, mas prefiro pagar esse preço para que os homens possam continuar, intactos, a nomear a sua honra como último penhor. A civilização é feita destas coisas.

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HORA SEXTA


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IMAGEM

de ontem é familiar aos parisienses e aos turistas de Paris. Aquele homem, andando sozinho, como muitas vezes se anda, “L´Homme qui marche”, é uma ilusão, um trompe l’oeil, pintado numa parede da fachada sul da central do ar condicionado, ao lado do Fórum Les Halles. Vemos e não vemos, o que vemos não vemos, o que vemos não é o que vemos.

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EARLY MORNING BLOGS 55

Tanta coisa que acontece pela manhã! Que a “manhã” é um meme diriam os nossos darwinistas dwakinianos, e que o meme da manhã infectou inúmeras canções e poemas, é incontestável. Aqui vai uma parte da colheita em inglês, enviada pelos leitores do Abrupto.

João Pedro da Costa manda uma das suas “favoritas morning songs (….). É de Nick Drake, e é o tema que fecha o belíssimo Pink Moon (1971).”

From the morning

"A day once dawned, and it was beautiful
A day once dawned from the ground
Then the night she fell
And the air was beautiful
The night she fell all around.

So look see the days
The endless coloured ways
And go play the game that you learnt
From the morning.

And now we rise
And we are everywhere
And now we rise from the ground
And see she flies
And she is everywhere
See she flies all around

So look see the sights
The endless summer nights
And go play the game that you learnt
From the morning."



Pedro Cordeiro lembra “uma pérola”, de Leonard Cohen:


HEY THAT'S NO WAY TO SAY GOODBYE

"I love you in the morning, our kisses deep and warm,
your hair upon the pillow like a sleepy golden storm,
yes, many loved before us, I know that we are not new,
in city and in forest they smiled like me and you,
but now it's come to distances and both of us must try,
your eyes are soft with sorrow,
Hey, that's no way to say goodbye.

I'm not looking for another as I wander in my time,
walk me to the corner, our steps will always rhyme
you know my love goes with you as your love stays with me,
it's just the way it changes, like the shoreline and the sea, but let's not talk of love or chains and things we can't untie, your eyes are soft with sorrow, Hey, that's no way to say goodbye.

I love you in the morning, our kisses deep and warm,
your hair upon the pillow like a sleepy golden storm,
yes many loved before us, I know that we are not new,
in city and in forest they smiled like me and you,
but let's not talk of love or chains and things we can't untie, your eyes are soft with sorrow, Hey, that's no way to say goodbye.
"


E Pedro Brás Marques “Empty Skies” do Springsteen, do álbum 'The Rising' – “um álbum que está bem longe de ser uma boa safra do 'Boss', mas passa...


Empty Skies

"I woke up this morning
I could barely breathe
Just an empty impression
In the bed where you used to be
I want a kiss from your lips
I want an eye for an eye
I woke up this morning to the empty sky

Empty sky, empty sky
I woke up this morning to an empty sky
Empty sky, empty sky
I woke up this morning to an empty sky

Blood on the streets
Yeah blood flowin' down
I hear the blood of my blood
Cryin' from the ground

Empty sky, empty sky
I woke up this morning to an empty sky
Empty sky, empty sky
I woke up this morning to an empty sky

On the plains of Jordan
I cut my bow from the wood
Of this tree of evil
Of this tree of good
I want a kiss from your lips
I want an eye for an eye
I woke up this morning to an empty sky

Empty sky, empty sky
I woke up this morning to an empty sky
Empty sky, empty sky
I woke up this morning to an empty sky
Empty sky, empty sky
I woke up this morning to an empty sky"


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© José Pacheco Pereira
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