ABRUPTO

6.10.03


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES



"PAPEL HIGIÉNICO E LARANJAS PODRES, O MESMO COMBATE!"

É frequente aparecer na comunicação social notícias do género "Os estudantes do Técnico manifestaram-se contra...". É um abuso de linguagem. Tirando algumas raras ocasiões em que de facto há uma mobilização apreciável, em geral os referidos "estudantes do Técnico", não passam de algumas dezenas num universo de aproximadamente 9000 estudantes. Muitas vezes fui surpreendido, tal como vários colegas meus, por apenas ter sabido de tais manifestações pelas televisões, porque o seu impacto no interior do Técnico é quase sempre nulo.

E chamar aqueles jovens de estudantes é também um pouco abusivo. Porque em geral os estudantes encontram-se muito ocupados nas salas de aula, nos laboratórios, bibliotecas, estudando, fazendo trabalhos, relatórios, tirando fotocópias, etc. Aqueles jovens são, muitos deles, estudantes com um estatuto especial, que podem andar o ano inteiro em festas por todo país, teoricamente em representação da instituição. Podem fazer isso porque para eles existe uma época especial para a realização de exames, realizada mais tarde, em que as provas são tipicamente mais fáceis. A época especial de exames apenas deveria ser dada em casos excepcionais, mas é utilizada abusivamente por estes estudantes, que não apenas têm exames mais fáceis mas muitas vezes se isentam de apresentar trabalhos ao longo do ano em várias cadeiras. Isto quer dizer que podem apresentar as mesmas notas que outros com 1/10 do trabalho!

Mas estes estudantes, nem com tanto tempo livre o aproveitam para se cultivar um pouco. Não sabem que o Técnico não foi criado à imagem da Universidade de Coimbra, mas mais como a sua antítese. E não vou aqui escrever o que disse Voltaire sobre a Universidade de Coimbra por respeito à instituição. Houve uma altura em que chegaram a colocar uma capa negra na estátua de Duarte Pacheco, sem se aperceberem da barbaridade que cometiam. Mas uma coisa é certa. Estas manifestações, apesar de não serem minimamente representativas, conseguem ser bastante efectivas na comunicação social - nada é fruto do acaso."


(Mário Chainho)

"Sou estudante do Instituto Superior Técnico, mais exactamente do 4º ano de Engenharia Mecânica, e ao ler o seu post "Papel Higiénico e Laranjas Podres, o Mesmo Combate" percebi imediatamente que lhe teria de responder, pois há muito que penso aquilo que acabou de escrever. Também a mim me causa confusão o facto de vários colegas meus aderirem a este costume ressurgente do traje, ainda por cima numa faculdade com pouca ou nenhuma tradição ou espírito académico como é o caso do Técnico. É difícil detectar um padrão, visto que há rapazes e raparigas, bons e maus alunos. Inclusivamente, alguns colegas e amigos meus com os quais me dou muito bem usam o traje. Por outro lado – e falo do Técnico - as tunas, nas quais se usa o traje, são um óptimo local para a integração social de muitos alunos, especialmente dos mais novos, os "caloiros".

Por isso, nada tenho contra os trajes em si, nem contra a "tradição". Considero- me de direita e liberal, e respeito por isso as tradições, de um modo geral. Mas há que ver as coisas em perspectiva. O traje, tal como o conhecemos hoje, começou a ser usado em Coimbra e durante séculos apenas aí foi usado. Os trajes e as praxes são de facto uma tradição Coimbrã e nada mais. É curioso reparar que até durante o Estado Novo (regime que abomino) tais práticas nunca foram encorajadas nas nossas Universidades. No Técnico e noutros sítios eram proibidas. Em Coimbra, devido ao peso da tradição, eram toleradas, mas não mais
que isso.

Então porquê este ressurgimento do traje e das praxes (umas benignas, outras animalescas) nos últimos anos, num país livre? Tenho pensado algumas vezes nisto e não tenho respostas definitivas. Mas penso que você pôs o dedo na ferida ao referir a "altura do varapau, das rixas, das esperas, dos bordéis canalhas, da contínua bebedeira e (…) da poesia ultra-romântica". Aliás, eu não chamaria a "isto" de oitocentista, mas de Miguelista, pois é mais exacto.
Sinto-me confuso com este fenómeno. Quase 30 anos depois do fim da ditadura, num tempo em que seria suposto os estudantes serem mais maduros, abertos ao mundo, tolerantes e curiosos do que no seu tempo (como aliás são, não sejamos pessimistas), é com desilusão que vejo tantos colegas meus a desenterrarem usos (o traje) e formas de protesto (as laranjas e o papel higiénico) que os mostram como uma versão suburbana e ciganola da fidalguia marialva do tempo da senhora D. Maria I. Embora respeite, acho de facto surreal ver colegas meus andarem orgulhosamente assim vestidos com pelas ruas de Lisboa (e de Portugal em geral) em pleno século XXI. Às vezes interrogo-me até sobre o que pensarão os alunos estrangeiros do programa Erasmus que em cada vez maior número vêm a Portugal para estudar. Espero que conheçam um mínimo de Eça e de Camilo para compreenderem com benevolência a razão de ser desta pulsão Miguelista que tomou conta desta gente.

Para finalizar, queria dizer que apesar deste triste espectáculo, seria injusto julgar o Técnico e os seus estudantes por estas poucas dezenas de marialvas modernos que organizaram o ridículo protesto das laranjas podres. A esmagadora maioria dos estudantes não anda assim vestida e suspeito mesmo que não se identifique com estes "novos" velhos costumes. O mais trágico é que ao optarem por este folclore para Telejornal ver, estas agremiações (habilmente dominadas pelos partidos) estão cada vez mais a hipotecar o respeito, o carinho e o apoio que a sociedade civil devia ter pelos universitários e fazendo perder cada vez mais a paciência aos Poderes para que estes aceitem uma relação séria e madura com os estudantes. Terá isto um fim?"


(João Daniel Ramos Ricardo)



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