ABRUPTO

10.10.03


TRANSPARÊNCIAS

Os blogues de jornalistas são um elemento muito positivo para uma maior transparência. Eles retratam de uma forma mais límpida o pensamento que está por detrás das notícias, assim como o movimento subjectivo de amizades e inimizades, de gostos e ódios, que tão importante é no modo como se escreve uma notícia. Saber tudo o que se possa saber sobre as opiniões, políticas e outras, das pessoas que interferem na esfera pública, é muito vantajoso. E, como se vê, nos blogues de jornalistas, a agenda política é dominante e agressivamente empurrada. Pedro Mexia tinha razão, na sua análise no Dicionário do Diabo, sobre o carácter pushy de alguns blogues dos jornalistas.

Mas a opacidade é a regra nos meios mediáticos, os menos escrutinados dos que intervêm na esfera pública. Múltiplos canais de influência entre o poder político e os media não têm qualquer escrutínio, desde os que se fazem através dos negócios dos donos dos jornais e televisões, até a práticas que o público em geral desconhece, como os pequenos almoços com os directores dos jornais em “off”. Por exemplo, o público em geral devia saber que jornalistas foram assessores de Marques Mendes ou de Jorge Coelho, ou de ministros com funções similares, ou de outros membros do governo, ou de grupos económicos, e tenho a certeza que, se o soubesse, perceberia melhor os mecanismos de influência que funcionam nas redacções. Devia-se igualmente saber como trabalham as empresas de relações públicas e de “imagem” e como é que antigos e actuais jornalistas colaboram em conjunto, promovendo ou denegrindo “produtos”.

É evidente que os cargos formais não contam tudo, há toda uma outra teia de amizades e influências, de “fontes” privilegiadas e contratos não escritos – "eu dou-te informações, tu passas-me as notícias que me interessam" – de difícil escrutínio. Favores, privilégios e cunhas são, e isso é indesmentível, o pão-nosso de cada dia. Há tantos exemplos: convites para viagens apetecíveis, trabalhos extra a convite de fundações, avenças de empresas, promoção cultural. Saliente-se que não falo apenas do domínio estrito do político: há situações bem complicadas na área económica, onde uma notícia vale milhões, e, mesmo onde ela vale apenas dezenas, como no domínio do jornalismo cultural, grupos e coteries abundam.

Em Portugal, todas estas redes são desconhecidas do público em geral, embora noutros países, como no Reino Unido e nos EUA, e, mais recentemente, em França, comece a haver informação detalhada. Com mais ou menos incorrecções, o livro sobre o Le Monde inclui um retrato de toda a teia de relações entre os jornalistas e o poder, mas duvido que fosse possível escrever em Portugal um livro semelhante. Mas que faz falta, faz.

(Continua sempre)

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© José Pacheco Pereira
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