ABRUPTO

4.10.03


ANOS SESSENTA

Na entrevista que deu ao Público, a propósito do seu livro passado nos anos sessenta, Olivier Rolin diz :

Quando tínhamos 20 anos a felicidade não nos interessava profundamente…”

o que é, para a época, uma grande verdade.

O problema é que não era só a nossa, mas também a dos outros, que “não nos interessava profundamente”. O que nos interessava, aos estudantes e intelectuais, era a lógica fria das ideias, por isso pouca importância se dava ao sofrimento que essas ideias causavam nas pessoas comuns. A atracção dos intelectuais no século XX pelo comunismo tinha a ver com esse último conforto das ideias: vê-las desfilar “organicamente”, ou “dialecticamente”, ou “empurradas pelo vento da História” em função do que pensávamos, mesmo que, sob os “pés” das ideias, estivessem muitos mortos.

Única e importante diferença em Portugal (como na Espanha ou na Grécia): havia uma ditadura, logo uma moral de “resistência”. Noutra altura falarei dessa diferença.

(url)


OU OS EXEMPLOS VêM DE CIMA, OU NÃO VêM CERTAMENTE DE BAIXO



Para se reformar uma sociedade mergulhada em hábitos de patrocinato e clientela, nos “conhecimentos” e não no mérito, na excepção à excepção “para além da leis”, uma sociedade pré-burocrática, é fundamental o exemplo vir de cima. Aliás, se não vier de cima, não vem certamente de baixo. Esta é uma regra simples, cuja enunciação e aplicação basta: este tipo de procedimentos não é aceitável, implica violação grave do exercício de funções, e daí que tenha consequências para os que são responsáveis. (Veja-se nota no fim)

É mais fácil mudar os ministros do que mudar os hábitos sociais, e é por isso que estas ondas de indignação são hipócritas até à raíz dos cabelos. Só se consegue manter uma sociedade baseada nas cunhas quando essa mesma sociedade tem estes sobressaltos self- righteous. A onda de indignação faz parte do mesmo fenómeno, é parte do mesmo atraso, nasce da mesma massa das cunhas.

Nos Jaquinzinhos há uma nota intitulada "Portugalidade", que explica à saciedade o que se passa

"Rodeado de amigos à mesa de um restaurante, dizia o médico:

"Não há maneira de dar a volta a isto! Estes gajos mal se apanham com algum poder, abusam, isto é só cunhas, favores aos amigos, esta porra está enraizada na sociedade! Olha lá, Zé, eu passo-te o atestado por mais 2 dias e assim podes juntar a quarta ao fim-de-semana, está bem?"



Nota final:

Não sei se, em casos como este, a demissão é aceitável; isto é difícil de discutir a quente, porque já se perdeu toda a medida. Mas que se está a dar uma banalização da demissão, está. À mais pequena coisa, ela é pedida, e à mais pequena coisa, ela é concedida. E depois há toda uma enorme injustiça: à luz desta história, apesar de tudo uma pequena história, que gravidade não teriam os procedimentos “Modernos”?

Onde está a medida? A única que existe é a pressão mediática. Eu, quando ouço alguém dizer que dá a sua “palavra de honra”, aceito-o, mas isso também são hábitos pré-burocráticos.

Está-se a criar uma noção de “culpabilidade objectiva”, que vem dos media (e que tem encontrado em Marcelo Rebelo de Sousa, ele próprio um barómetro dos media, obcecado com o “parecer”, uma voz ouvida) , que introduz na política o princípio da presunção da culpa. Esta forma moderna de cinismo é uma variante do populismo. As massas pedem a “castração”, os jornalistas dizem-lhes todos os dias que é da natureza da política mentir ou encobrir, e as vozes juntam-se.

(url)


IMAGENS

De ontem e anteontem são completamente distintas. Anteontem, apareceu um fragmento de um típico “gabinete”, cheio de antiguidades gregas e romanas – reconhecem-se alguns vasos gregos e reproduções, ou originais, de pinturas romanas. É um detalhe de um quadro de Pietro Fabris, mas a maior parte da pintura não está lá. Na parte ausente, está o primeiro Conde de Seaforth, na sua casa de Nápoles, num concerto para os amigos. A um canto, com o seu pai, tocando um cravo portátil, um rapaz chamado Wolfgang Amadeus Mozart.

A pintura de ontem, um jardim com um gato no meio, era identificável pelo gato como sendo de Beatrix Potter.



(url)

3.10.03


AS NOSSAS ELITES

"Nas universidades, está-se no início do ano escolar, pelo menos no que diz respeito aos alunos do primeiro ano. E, consequentemente, está-se na época da recepção ao caloiro. Trata-se de um espectáculo degradante que deveria ser obrigatório para todas as pessoas que não se cansam de apregoar a «generosidade» da juventude. Talvez ficassem vacinadas para toda a vida, a menos que adoptem o ponto de vista de Miguel Portas, segundo o qual as recepções ao caloiro são encorajadas pelo docentes universitários com o objectivo de inculcar o mais cedo possível nos novos alunos terror e subserviência para com os seus superiores hierárquicos.

Quando observo as recepções ao caloiro lembro-me frequentemente do castigo medieval que consistia em manter uma pessoa presa num local público, de modo que quem passasse poderia dirigir-lhe insultos, lançar-lhe excrementos, etc. A diferença é que os caloiros não estão fisicamente presos; são, isso sim, vítimas de coação psicológica. Acima de tudo, não consigo deixar de pensar que os estudantes que gastam tempo e energia a fazer isto aos caloiros em vez de os ajudarem a adaptar-se a um ambiente totalmente novo são provavelmente os mesmos que protestam por o governo não investir o suficiente nas universidades
."

(José Carlos Santos)


"Na Sexta fui-me matricular na Faup (Faculdade de Arquitectura da U.Porto) e....mesmo antes de saber a módica quantia que temos a pagar de propinas...deparei-me com um “ADMIRÁVEL MUNDO NOVO”:
Ao longe via apenas a agitação própria de mais um dia de matriculas.
No átrio...tudo mudou: repentinamente os meus olhos são assaltados por uma aterradora visão negra. Por momentos julguei ter-me enganado na faculdade...senti-me atordoado: morcegos!! Aquilo a que, apesar de tudo, me habituei a chamar de Escola, estava agora invadida de morcegos saltitantes que se passeavam irritante e alegremente perante os meus olhos indignados. Apesar do meu estado de revolta interior, bastante visível exteriormente, todos pareciam lidar naturalmente com a situação.
Entrei na livraria para comprar os impressos e lá estavam eles “ajudando os caloiros” a preencher papelada: após anos de clandestinidade deliberada, surgem como cogumelos com suas pastinhas negras a pregar os “valores da tradição”. Onde estavam eles no passado? Escondiam-se, porquê?
Aqui a tradição é outra...!!!ou pelo menos era.
A liberdade de expressão e o direito à diferença é um valor que muito prezo...HAJA LIBERDADE ATÉ PARA O HISTORICISMO E A ESTUPIDEZ!
Apesar da abertura de espírito e tolerância que devemos ter... não consigo ser indiferente a mais um corte nos elos que nos uniam à ESCOLA. ESCOLA DO PORTO_ “(...) dos atelieres, às tascas, à escola, um certo estilo de estar juntos, a solidariedade anti-burguesa, mais nos gostos, uma atmosfera culta e progressista como se podia no Porto, ao som da banda de música no coreto de S.Lázaro com gosto a doce da Teixeira.(...)” António Quadros
"

(Luís Reis)

(url)


A MEMÓRIA DO “SULISTA, ELITISTA E LIBERAL”

Li os extractos que o Correio da Manhã publicou do livro de Luís Filipe Menezes, em que se conta um dos incidentes que marcou o Congresso do PSD no Coliseu, quando Fernando Nogueira e Durão Barroso se confrontaram: a intervenção atribulada do “sulista, elitista e liberal” .

Acho bem que Menezes tenha escrito o que escreveu e relatado a sua versão. Faz falta ao conhecimento público esta dimensão mais pessoal da acção política, que tão importante e decisiva é. Claro que o relato de Menezes tem um aspecto de ajuste de contas (embora ele hesite em nomear certas pessoas), e hiper-valoriza o seu próprio papel e o do incidente no resultado final do Congresso, que tem outras explicações, nem todas muito dignificantes. Mas, mesmo assim, vale a pena lê-lo, porque é, no essencial, subjectivamente verdadeiro, tanto quanto uma só pessoa, no meio daquele vendaval, podia testemunhar os factos que directamente o envolviam.

Sou das testemunhas mais próximas do incidente. Menezes falava contra mim, depois de uma intervenção que eu tinha feito, e de cujo conteúdo ele nada diz, pelo menos no Correio da Manhã. Recordo-me de preparar mentalmente a resposta ao “sulista, elitista e liberal”, dizendo a Menezes que ele se tinha enganado em quase tudo, porque eu era “nortista, democrata e liberal”, e “liberal” era, para os “nortistas”, uma grande palavra, que vinha de Garrett e D. Pedro, do 24 de Agosto e de Passos Manuel… E já que estamos numa de memória, ainda pensei em uma maldade, a qual certamente não diria em público. Quando, na resposta, chegasse ao Passos Manuel, acrescentava “que, pelo menos, pelos nomes das ruas do Porto devias conhecer…” ; coisas de Congressos.

Mas caíu-nos o céu ou o inferno em cima (mais propriamente, do Luís Filipe Menezes). Fui um dos que, no meio da barulheira, falei com ele, estava Menezes mudo e paralisado no meio do palco. No palco e fora dele, esteve para haver confronto físico, tal era o ambiente de tensão que se vivia.

Ao ler as recordações de Menezes, mais uma vez, tive a forte impressão de como tão pouco se sabe da história política dos últimos anos, pelo menos daquela que eu pude testemunhar e nunca chegou às páginas dos jornais. O domínio, no relato jornalístico, das “intrigas que são contadas”, absorvidas com uma osmose perfeita, é tal, que estas tomam o lugar da descrição factual.

(url)


HORA DECIMA


(url)


EARLY MORNING BLOGS 54

A Formiga explodiu, tornando-se o primeiro blogue a desaparecer com grandeur no imenso espaço do futuro. Que tenha sido uma formiga e não a "colónia" (a “antcolony” que assinava as notas) explica a explosão. Como é que uma formiga se transforma num indivíduo? Se uma formiga se comporta com individualidade, que perturbações profundas gera no comportamento colectivo de que ela é uma peça? E vice-versa?

O escritor que mais cedo percebeu estes dilemas foi Kafka. As suas formigas nunca ganhavam verdadeira individualidade, mas apercebiam-se do poder do grupo, da “colónia”, do “colectivo”, porque o podiam ver de fora, podiam ver o seu mecanismo porque eram vítimas dele.

Porque é que elas viam e as outras não? Se Kafka se limitasse a contrapor individualidade / sociedade, na tradição do seu tempo (por exemplo, no teatro de Ibsen), não teria sido tão inovador como é. Não. A formiga “perde-se” da colónia por acaso, por um destino tão cego como as regras do grupo. A formiga K. é processada por erro burocrático, e, quer no Processo, quer no Castelo, nunca verdadeiramente sai do labirinto porque não há, no seu término, qualquer liberdade, logo nenhuma individualidade é possível. No início do século XX, Kafka percebeu o poder colectivo da burocracia moderna, o poder do “enxame” e como a sua força anónima podia levar a momentos como a “solução final”.


Agora que a Formiga morreu de morte inatural, transcrevo aqui uma das citações mais interessantes da blogosfera, que o seu autor repetiu agora , mas que já lá tinha posto há muito:

Major Tom - If Control's control is absolute, why does Control need to control?

HAL9000 - ... Control needs time.

Major Tom - Is Control controlled by his need to control?

HAL9000 - Yes.

Major Tom - Why is Control need Humans, has you call them?

HAL9000 - Wait ! Wait! Time are lending me...; Death needs time like a Junkie needs Junk.

Major Tom - And what does Death need time for?

HAL9000 - The answer is so simple ! Death needs time for what it kills to grow in!


(Dead City Radio, William S. Burroughs / John Cale , 1990)

(url)

2.10.03


HORA SEPTIMA


(url)


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

A correspondência e a colaboração dos leitores permitiam fazer um blogue ao lado. Entre os temas que suscitaram mais correio, encontra-se a questão do Muito Mentiroso, seu significado e seu fim, as propinas e a obsessão higiénica dos protestos, e a questão europeia. Logo que possa, vou ver se consigo fazer uma síntese das opiniões recebidas, organizada por estes temas. Vou também tentar, ao fim de semana, tornar regular este “Abrupto visto por…”

SOBRE ESTA PEDRA

Sobre Aquela Pedra não se senta, hoje, Pedro mas João. Este Papa é uma das figuras marcantes do último quartel do século XX e, porventura, ainda do XXI.
Foi protagonista e espectador dos acontecimentos da época referenciada; talvez mais protagonista que espectador.
Não analisarei aqui aspectos espirituais nem teológicos, pois não disponho de cultura nem formação para tal. Contudo, como homem que acompanha os ventos da história, filtrados pelo que os “media” querem que eu conheça, tenho algumas opiniões que gostaria de partilhar consigo.
O papa protagonizou (protagoniza) um conceito de ecumenismo alargado, sem atender a credos nem raças, como talvez nenhum outro o tenha conseguido fazer. Sob o lema de divulgador do evangelho peregrinou pelo mundo inteiro, deixando uma mensagem simples: o amor pelos outros, quer dizer a paz, quer dizer uma maior justiça social.

Foi tão simples passar a mensagem. Mas será que conseguiu?
Parece que não, porque nós os homens gostamos de ouvir (nestes tempos ver o espectáculo de como, quem e onde se diz é um “valor” da nossa sociedade), mas normalmente só ouvimos e não elaboramos sobre o que ouvimos.
Contudo, o Papa insiste na mensagem.

A lucidez e a clareza com que o faz, contrastam com a tibieza dum corpo frágil.
Mostra aos “olhos do mundo” a decadência do físico, num crescendo que nos sensibiliza e que, penso eu, nos recorda o que acontece aos outros, talvez só aos outros. Não sei se pode ou quer renunciar, mas não creio em tal.

Para terminar direi que, neste aspecto, é um exemplo. Acredita no que diz, faz da palavra uma arma de amor. Será que nós, os outros, conseguiremos acreditar no que dizemos? Ou só dizemos?”


(Rui Silva)

SOBRE O GALEGO: “A DELICADA CAMELIA DA NOSA FALA

Extracto de um artigo publicado por Fernám Velho no dia 1/10/2003 intitulado “A delicadeza do idioma” :

A delicada camelia da nosa fala verá ferido o seu corpo e a súa beleza polo salitre escuro dun derradeiro inverno. Non hai moito soubemos que por primeira vez en Galiza o número de persoas maiores de 65 anos, a maioría falantes en galego, superaba o número de menores de 15, a maioría falantes en castelán. E do mesmo xeito soubemos que esta Nai Terra de noso presenta xa unha das taxas de natalidade máis baixas do mundo.

Aquel sabio que foi Florentino López Cuevillas chegou a referirse ao pobo galego como "pobo estraño'': un pobo que fai todo o posíbel por desaparecer e que -velaí o seu drama- non o consegue. ¿Que aconteceu no país que un día, na alta flor medieval, foi monolingüe en galego e tivo a máis alta proxección en Europa con Santiago de Compostela como unha das principais capitais culturais de Occidente? Se deixamos agora que a auga esborralle o castelo de area (o idioma), comezaremos a ser nada. Seremos devorados polo mar do esquezo. Seremos a penas o túmulo resultante do noso propio fracaso.”



NOMES DOS AVIÕES

E porque não baptizam os autocarros? Em vez do 21, podia ser "vou apanhar ali o Eça". Ou melhor, para não haver a possibilidade de esquecimento do nome, "vou ali apanhar o Zé Maria". ;-)”

(Nuno Figueiredo)

UM TEXTO DE RUSHDIE

Voltei a descobrir um texto do Salman Rushdie que não via há alguns anos. Foi escrito antes do ataque aos EUA, da recente guerra contra o Iraque e Afeganistão. É um texto político, mas também (e ainda bem) literário, uma carta escrita por Rushdie ao bébé número 6 mil milhões que nasceu no nosso planeta, sobre como crescer longe dos moralismos dogmáticos. Queria partilhá-lo com alguém que se interesse por ideias, por isso aqui vai....”

(Cláudia)

LOMBADAS DOS LIVROS

o que me faz escrever hoje é um fait divers. falo das lombadas dos livros. quando "browsamos" por uma livraria fora, dobramos ligeiramente o pescocinho para a esquerda para ler as lombadas dos livros em parada.de repente, somos acordados naquela viagem porque algumas lombadas têm o texto a ler ao contrário. se os editores soubessem como isso é perturbador..."

(Eduarda Maria)

(url)


IMAGEM

de ontem é um fragmento de um quadro de Léon Spillaert, "Le Point de Chemin de Fer", data de 1911, e está no Museu Real de Belas Artes de Bruxelas. Se não me engano, o comboio da imagem é a segunda máquina a entrar nos fragmentos do Abrupto, acompanhando um navio perdido, algures num oceano a sério.

(url)


PODER E ESTÉTICA

Este livro, que saiu agora em paperback (Frederic Spotts, Hitler and The Power of Esthetics, , Londres, Pimlico, 2003), é um excelente instrumento para discutir Riefenstahl, junto com um ensaio já antigo de Susan Sontag sobre a componente sadomasoquista do nazismo. Contrariamente à percepção corrente, os nazis davam muita atenção às artes e não eram propriamente os brutos ignorantes que se imagina.

Nazis e comunistas consideravam que a criação estética era a última legitimação do poder e mostraram uma grande capacidade de entender a modernidade, principalmente quando ela servia para a propaganda. Hitler e Staline interessavam-se pela arquitectura, o cinema e a música, e ambos patrocinaram o equivalente aos actuais “ministérios da cultura”, que nenhuma democracia imaginava ter antes de Malraux.

Habituados a seguir o pós-Malraux, via Lang, consideramos hoje natural aquilo que seria completamente bizarro numa democracia no tempo de Hitler e Staline: que um governo pudesse “dirigir” a cultura, sem que isso fosse entendido como propaganda.

(url)


EARLY MORNING BLOGS 53

Bom retorno do Socio[B]logue , boas leituras no Almocreve das Petas, o mais regular dos blogues nocturnos, com um retrato fabuloso de Aquilino por Cardoso Pires.

Um dia, conto o meu encontro, na província profunda, com um padre saído vivo dos livros de Aquilino, e das refeições que comemos juntos (lá não havia capões, os dois capões que me recordo de Aquilino contar que constituíam um pequeno almoço paroquial, mas havia bola de carne, trutas genuínas, carne assada com batatas, onde a carne é carne e as batatas são batatas – tanta gente que nunca comeu uma batata verdadeira! -, mais do que um doce, café e aguardente), e de como ele me contava que enganava as mulheres da serra, dizendo “Vade retro mulieris” em vez de “Vade retro Satanás”, quando elas lhe pediam para benzer o gado…

EARLY MORNING SONGS: Da verdadeira antologia matinal que me enviou José Manuel Figueiredo, escolho três clássicos:

Good Morning Blues (Ella Fitzgerald)

"Good morning blues, blues how do you do
Good morning blues, blues how do you do
Babe, I feel alright but I come to worry you

Baby, it's Christmas time and I wanna see Santa Claus
Baby, it's Christmas time and I wanna see Santa Claus
Don't show me my pretty baby, I'll break all of the laws

Santa Claus, Santa Claus, listen to my plea
Santa Claus, Santa Claus, listen to my plea
Don't send me nothing for Christmas but my baby back to me
"

Mary In The Morning (Elvis Presley)

"Nothing's quite as pretty as Mary in the morning
When through the sleepy haze I see her lying there
Soft as the rain that falls on summerflowers
Warm as the sunlight shining on her head


When I awake and see her there so close beside me
I want to take her in my arms,
The ache is there so deep inside me

Nothing's quite as pretty as Mary in the morning
Chasing the rainbow in her dreams so far away
And when she turns to touch me I kiss her fingers so softly
And then my Mary wake to love and love again

And Mary's there in summer days or stormy weather
She doesn't care how right or wrong the love we share,
We share together

Nothing's quite as pretty as Mary in the evening
Kissed by the shade of night and starlight in her hair
And as we walk, I hold her close beside me
All our tomorrows for a lifetime we will share"


Good Morning Good Morning (Beatles)

Nothing to do to save his life call his wife in
Nothing to say but what a day how's your boy been
Nothing to do it's up to you
I've got nothing to say but it's O.K.
Good morning, good morning...

Going to work don't want to go feeling low down
Heading for home you start to roam then you're in town
Everybody knows there's nothing doing
Everything is closed it's like a ruin
Everyone you see is half asleep.
And you're on your own you're in the street
Good morning, good morning...

After a while you start to smile now you feel cool.
Then you decide to take a walk by the old school.
Nothing has changed it's still the same
I've got nothing to say but it's O.K.
Good morning, good morning...

People running round it's five o'clock.
Everywhere in town is getting dark.
Everyone you see is full of life.
It's time for tea and meet the wife.
Somebody needs to know the time, glad that I'm here.
Watching the skirts you start to flirt now you're in gear.
Go to a show you hope she goes.
I've got nothing to say but it's O.K.
Good morning, good morning..."


Bom dia.

(url)

1.10.03


SOBRE ESTA PEDRA

O Papa está a fazer uma coisa muito difícil, em que o “corpo é que paga”. Está a morrer diante de nós, depois de envelhecer diante de nós, restituindo a uma parte da vida, que escondemos em lares sórdidos para nosso conforto, uma dignidade essencial. É uma opção que muitos não compreenderam, porque têm o culto da juventude e da eficácia, da energia e da vitalidade, e não perceberam a última lucidez deste homem – a de nos devolver a integridade da vida toda.

O Papa é um dos homens de estado com maior influência na história do século XX, e, junto com Reagan, acabou com o império soviético. Mas não se ficou por aí: devolveu, pelo exemplo, à Igreja católica, uma imagem pública espiritual, que a burocratização do papado tinha perdido nos últimos séculos. A Igreja vai torná-lo santo rapidamente, mas desta vez o milagre está a ver-se todos os dias.

(url)


ESTADO DO ABRUPTO (Setembro 2003)

Setembro foi o mês do Guiness. Mês com maior número de visitas (mais de 100.000 “pageviews” e 60.000 visitas), dia com maior número de visitas (23 de Setembro, com mais de 6500 “pageviews”), média por dia de 4100 “pageviews” e mais de 2600 visitas, tudo o que possam imaginar.

A esquizofrenia dos dois contadores acentuou-se, por razões que desconheço, para além da diferença da data de partida. Segundo o Sitemeter, o Abrupto tem neste momento mais de 286.000 “pageviews” , a caminho das 300.000.

A mais importante mudança está nos 667 “imbound blogs” e nos 938 “inbound links” na Technorati. . Se a lista dos Technorati Top 100 mundial estivesse actualizada, o Abrupto entraria para o fim, seria o 97. Exultate, jubilate. Sempre é um produto português numa lista de 100 em um milhão, numa pequena blogosfera, escrito em português. Vá, aqui também não se fala de país, mas de pátria, até porque tantas vezes se está longe.
Obrigado.


(url)


HORA UNDECIMA


(url)


ESTRANHEZA

de voar no “Natália Correia”. Não me importo de voar no “Alexandre Herculano”, no “António Sérgio”, no “Humberto Delgado”, mas na Natália, que eu conheci viva e fresca, e depois cansada e gasta, como o tempo nos fará a todos, levou-me a querer mudar de avião. Já não há respeito, na morte fazem-nos tudo, até Airbus.

(url)


EARLY MORNING BLOGS 52

Voando sobre um ninho de blogues, encontrei um retrato de como o tempo passa sem darmos por ela, no quotidiano da Memória Inventada ; vi a chuva que invade a pátria no quadro de Caillebotte, que vem no Salmoura ; e acompanhei uma família portuguesa na ida à neve pelo Gato Fedorento, quando

um português de classe média, média-alta, paga mais de cem contos por semana para experimentar viver como um português de classe baixa.”

Se fosse só na neve….

EARLY MORNING SONGS: estão-se a tornar tão populares como foram os “Objectos em extinção”, antes destes passarem, eles próprios, à extinção.

Rui Almeida incluiu no seu blogue "um contributo para a colecção de "early mornig blues" (...) Os Led Zeppelin são uma das minhas descobertas da adolescência (…), num tempo em que os revivalismos ainda não estavam na moda, mas que me foi proporcionada pela convivência com pessoas da sua geração.”

Petronius, o Árbitro das Elegâncias , lembra, para quem não tivesse dado por isso, que a letra dos Alabama 3, álbum Exile on Coldharbour Lane, faixa “Woke Up This Morning”, que já aqui se publicou, é que abre os Sopranos, na viagem de Tony a caminho de casa. Lembram-se?

"You woke up this morning
The world turned upside down,
Things ain't been the same
Since the blues walked into town.
You've got that shotgun shine.
Born under a bad sign.
With a blue moon in your eyes
."

José Manuel de Figueiredo mandou-me uma verdadeira antologia matinal. Aqui vai um exemplo de Sinatra (depois dos Sopranos fica bem) :

In The Wee Small Hours Of The Morning

When the sun is high
In the afternoon sky
You can always find something to do
But from dusk til dawn
As the clock ticks on
Something happens to you

In the wee small hours of the morning
While the whole wide world is fast asleep
You lie awake and think about the girl
And never even think of counting sheep

When your lonely heart has learned its lesson
You'd be hers if only she would call
In the wee small hours of the morning
That's the time you miss her most of all

When your lonely heart has learned its lesson
You'd be hers if only she would call
In the wee small hours of the morning
That's the time you miss her most of all"


Renato Martins envia-me algumas sugestões em português. Uma delas é de Chico Buarque (também cantado por Caetano Veloso - Qualquer coisa, 1975) de 1969

Samba e amor

"Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã
Escuto a correria da cidade, que arde
E apressa o dia de amanhã

De madrugada a gente ainda se ama
E a fábrica começa a buzinar
O trânsito contorna a nossa cama, reclama
Do nosso eterno espreguiçar

No colo da bem-vinda companheira
No corpo do bendito violão
Eu faço samba e amor a noite inteira
Não tenho a quem prestar satisfação

Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito mais o que fazer
Escuto a correria da cidade, que alarde
Será que é tão difícil amanhecer?

Não sei se preguiçoso ou se covarde
Debaixo do meu corbertor de lã
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã"


*

Bom dia.

(url)


OUTRA IMAGEM

que, dada a magreza das notas, ainda se vê aqui em baixo , é parte de uma natureza morta de Georg Flegel de 1635. Quando , daqui a uns dias, eu colocar outra parte se verá como a intimidade acolhedora do pão, do vinho e do alho fancês, é enganadora e uma ameaça paira sobre a natureza. A da morte.

(url)

30.9.03


IMAGEM

de há dois dias, de Robert Filliou, é um fragmento de "Sémantique genérale" e data de 1962. Está no museu de Mönchengladbach.

(url)


HORA DUODECIMA


(url)


RAVEL RECORDADO POR MANUEL ROSENTHAL

Um canal francês passa, a altas horas da noite, uma longa entrevista com Manuel Rosenthal, músico, maestro e compositor francês, que morreu há pouco tempo, quase com 99 anos. A entrevista foi realizada quando Rosenthal estava na casa dos oitenta e era uma conversa fascinante, sem um segundo de aborrecimento, história sobre história, com recordações vivíssimas de Ravel, dos músicos franceses do século passado, da Resistência aos nazis, das memórias de gente como Rubinstein, ou o muito jovem Baremboim, ou da experiência que Rosenthal tivera, pouco antes da entrevista, de, com 82 anos, dirigir a Tetralogia em Seattle.

Rosenthal contou que Ravel quis que, no seu funeral, se tocasse L' Aprés Midi d'un Faune, que considerava a "música perfeita" , não uma música perfeita, mas a música perfeita. E Rosenthal explicou (mais do que explicar, numa forma suprema de explicar), porquê.

(url)


JUDEU ERRANTE

Por razões que (me) entram pelos olhos dentro, interessam-me as maldições de errância, quando alguém é condenado a andar permanentemente à procura de um lugar que não existe e por isso não pode nunca parar. Eis uma verdadeira maldição.

Uma das mais conhecidas é a do "judeu errante" , o judeu que se teria negado a ajudar Cristo no sua passagem com a cruz por Jerusalém, e a quem este teria condenado a perpetuamente viajar pelo mundo , sem casa, nem abrigo, de terra em terra, numa procura sem sentido nem fim. O que eu não sabia é que vários homens se convenceram de que eram o "judeu errante", e que aparições do maldito pontuam a Europa desde a Idade Média, de Toledo à Ucrânia. Um mapa muito interessante da errância do judeu vem em Martin Gilbert, The Routledge Atlas of Jewish History, Routledge, 2003.

Entretanto, parece que o judeu errante foi para Nova Iorque, o que é natural porque é a cidade onde mais judeus há no mundo. Uma das últimas aparições ter-se-ia dado aí, em 1940, quando um agente de seguros se convenceu de que incarnava o judeu pouco hospitaleiro, que negou um lugar de descanso a Cristo. Visitava com frequência a Biblioteca, onde lia biografias de si próprio, e mandou imprimir um cartão de visita onde se lia "The Wandering Jew".

Talvez um dia o encontre num aeroporto, voando sem descanso, e troquemos cartões de visita, de errante a errante.

(url)

29.9.03


UM IMENSO E AMBÍGUO CONSENSO

No momento em que as questões europeias são mais complexas e delicadas (Constituição, implementação do Tratado de Nice, reforma da PAC, alargamento, directório, etc.), no momento em que Portugal tem mais a perder na sua posição relativa no contexto europeu (menos votos, menos deputados, menos poder nos esquemas de votação maioritária, acabado que está o direito implícito de veto, fim dos prazos especiais que protegiam o nosso atraso, ameaças sobre a política de coesão, competitividade acrescida dos países do alargamento, etc.), no momento em tudo está a mudar qualitativamente não se sabe bem para onde, estão criadas todas as condições para que não haja qualquer debate sério sobre a Europa, abafado por um imenso e ambíguo consenso.

PS, PSD e PP estão presos nesse consenso; o PCP estará fora, como sempre esteve, e não é nos seus termos que a discussão tem sentido. Vai estar tudo de acordo, vão ficar apenas meia dúzia de nuances. É por isso também que já se percebeu que o referendo, prometido pelo Primeiro Ministro, prometido já há vários anos pelo PSD e pelo PS, que juraram que nunca mais haveria mudanças significativas na posição europeia de Portugal sem consulta popular, vai ser metido na gaveta. O PS não o quer porque teria que estar ao lado do PSD, o PP não o quer de todo, porque lhe seria muito incómodo, dadas as suas posições ainda recentes, e o PSD hesita para não pôr o PP em dificuldades.

Isto significa que as próximas eleições europeias pouco terão de europeu e muito de português: serão sobre o governo e a oposição, ou se calhar nem isso, se o PS continuar como está. A ser assim, a abstenção crescerá e a anomia política também.

(url)


O QUE É ABSOLUTAMENTE OBRIGATÓRIO SABER

sobre armas de destruição massiva, vem num livro, acabado de publicar, de Frank Barnaby, How to Build a Nuclear Bomb and Other Weapons of Mass Destruction , Londres, Granta Books, 2003. Barnaby é um físico nuclear, que trabalhou na indústria de armamento e que foi director de um prestigiado think tank sobre a paz, sediado em Estocolmo. Devia ser leitura obrigatória para todas as pessoas, para lá de ideologias e políticas, que devem saber o futuro que se prepara, o futuro que é possível temer. A questão, verdadeiramente, não é apenas política, porque o acesso a determinadas tecnologias está já ao alcance de um terrorista individual, obcecado com qualquer causa exótica, do tipo do Unabomber.

(url)


PROZAC

Voando da "euro-acalmia" para a "euro-excitação", ou será o contrário?
Lá em baixo, os europeus, invisíveis. Estão muitas nuvens, mas são euro-nuvens.

(url)

28.9.03


CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES

Um texto fabuloso aqui, o capítulo XXX do livro I dos Ensaios de Montaigne, sobre os "canibais" , sobre eles e sobre nós.

(url)


HORA QUARTA


(url)


IMAGEM

de ontem era de Katharina Fritsch, data de 1988, e está no Museu de Arte Moderna de Frankfurt.

(url)


ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

CASA DA MÚSICA :

Sei que e do Porto e que gosta do Porto. E quer se goste da Casa da Musica, quer não, quer se gostasse mais da velha Central de Eléctricos quer não, construir um edifício de 7 andares atras dela e uma aberração. Se Ginestal Machado (arquitecto responsavel pelo projecto do edifício o BPI) efectivamente respondeu a Koolhaas como noticiou o Publico, recusa a discussão do seu projecto com o arquitecto da Casa da Musica. Com "janelão" ou sem "janelão" (ideia que so de nos!), o edificio vai ser um desastre.
A questão e, basicamente, pode-se fazer alguma coisa contra a construção do edifício? Ou vai-se construir mais uma coisa que se acha uma aberração, mas "já não se pode parar" (como tantas aberrações pelo pais fora)? Como não sei a quem perguntar...


(Ana Aguiar)

ENCERRAMENTO DOS CHATS DA MICROSOFT:

"Acho que este é um assunto importante e interessante. Estou indignado como a notícia foi debitada nos telejornais e nos jornais sem qualquer reflexão. Fechar chat rooms não é a solução para a criminalidade online. As empresas têm que ser responsáveis e investir em formas de proteger os seus utilizadores. "

(Nuno Figueiredo)

FALARES GALEGOS:

Artigo de Carlos Durão no Semanário Transmontano , 23/09/2003

Acostuma dizer-se que, a norte da raia, “fala-se galego”. De facto, “o galego” (“el gallego”) é hoje reconhecido pelas autoridades espanholas, que o consideram língua “própria” da Galiza (para elas “Galicia”), ao mesmo tempo que “lengua también española”, como p.ex. na Constituição espanhola ou no Estatuto de Autonomia da Galiza. E as “autoridades” linguísticas espanholas têm feito os máximos esforços por “provar” que essa língua falada a Norte da raia, que é cooficial com o castelhano, não tem nada a ver com a que se fala a Sul da raia, que é oficial no Estado português. Ora, a realidade é que a verdadeira língua oficial da Galiza é a espanhola, que é a língua que abrange todo o Reino de Espanha. E “o galego” são de facto “os galegos”, os falares, falas ou dialetos galegos da Galiza oficial (as quatro províncias da Corunha, Lugo, Ourense e Ponte Vedra) e mais da Galiza chamada “exterior” (Návia, Berzo e Seabra, comarcas ocidentais das Astúrias e de Leão), ou seja os dialetos portugueses do Norte da raia, em geral tanto mais castelhanizados quanto mais distantes dela. Para esses dialetos, as autoridades espanholas inventaram uma “ortografia” espanhola, que reflite uma “ortofonia” também quase espanhola (quer dizer adatada à fonética dos hispanófonos galegos), e tornaram-na obrigatória nos centros de ensino e nas edições subsidiadas, banindo a ortografia e ortofonia realmente próprias da língua, ou seja portuguesas: esta é a posição dita isolacionista, obediente às diretrizes dum partido político de âmbito estatal.

Existem, claro, dissidências, grupos minoritários e independentes do oficialismo, que não estão dispostos a aceitar este “facto consumado” e que procuram falar e escrever bem o português, considerando que une e dá coesão a todos esses falares, e nos relaciona cabalmente com o resto da Lusofonia, quer dizer que é a norma culta da nossa língua. Naturalmente esses grupos são sanhudamente perseguidos e banidos do ensino e dos subsídios oficiais (como, aliás, nos melhores tempos da ditadura franquista). Mesmo assim, conseguem manter uma presença social muito superior ao seu número, publicando livros e revistas, celebrando congressos, seminários, etc., que nos derradeiros vinte anos têm alertado a sociedade galega para o perigo da espanholização e exercido certa pressão nas opções filológicas até dos próprios isolacionistas. Há ainda uma posição intermédia, digamos quase lusógrafa mas não lusófona, ainda muito dependente do espanhol na grafia, na fonética e na morfologia e sintaxe, que parece ter certas esperanças de ser aceite ou pelo menos tolerada pelo oficialismo. Os seus utentes, embora digam que a sua posição é temporária e que está a caminho do alvo final português, de facto cada vez mais ficam estacados num imobilismo cómodo ou docilmente submetidos à política linguística dum partido, e ainda pretendem “exportar” os seus produtos ao mundo lusófono, sem reparar que estão a criar confusão entre as pessoas lusófonas de boa vontade que realmente querem ajudar a Galiza na recuperação da sua língua.

O que fazer? Certamente nós, a Norte da raia, temos muito que fazer para ampliar essas minorias críticas e continuar consciencializando as pessoas. Mas a Sul da raia também os nossos irmãos transmontanos e minhotos muito poderiam fazer para alentar a língua portuguesa na Galiza e recusar tanto o isolacionismo oficial como essas meias-tintas gráficas e fonéticas, que afinal são mau português, e insistir num padrão correto para a nossa língua, seja ele o que se continua a empregar em Portugal ou o do ainda não ratificado Acordo da Ortografia Unificada de 1990, no que está explicitamente reconhecida a participação da Galiza
.”

MEMÓRIA DA ESCOLA:

A primeira tem uma ligação com a escassa produção de materiais de arquivo que permitam fazer a arqueologia dos processos de decisão dos partidos políticos. Falo dos processos de decisão em muitas escolas. Quem for consultar e ler as actas de muitas reuniões (sobretudo nos conselhos de turma) encontrará uma outra realidade. Aqui temos documentos, materiais de arquivo. No entanto, muitas vezes não nos dizem o que realmente se passou. Tudo porque a legislação obriga a que se façam coisas impossíveis. Eis dois bons exemplos:
- planos curriculares de turma que "articulem" os conteúdos de todas as disciplinas e sejam adequados à especificidade de cada turma;
- planos individuais de recuperação dos alunos, com estratégias que não se colocarão em prática porque todos sabem que o aluno só se recupera se estudar e isso ele dificilmente começará a fazer.
Unicamente, a realidade das escolas, das turmas, dos professores, torna estas acções impossíveis. E como não é possível fazer, não se faz, mas como a lei manda que se faça, então que se registe em acta. Não se fez, mas se está na acta, está bem
.”

(Paulo Agostinho)

ESTADO PROVIDÊNCIA VISTO PELOS DE BAIXO:

Volto de novo à escola. Dei aulas nos últimos seis anos (este ano está mais complicado obter colocação, infelizmente) e foi sempre elevada a percentagem de alunos subsidiados, com excepção da turma do ano de estágio, que era de um centro urbano (Coimbra). Assim, estes alunos recebem livros, refeições grátis ou a preços mais reduzidos e materiais escolares.
Muitos materiais são fornecidos de forma arbitrária, pois a meio de um ano lectivo vi serem entregues cadernos novos e meia dúzia de canetas de várias cores que rapidamente davam origem a um estranho mercado paralelo de venda desse material escolar entre os alunos, pelo que se depreende que não lhes fazia falta. E vi alunos deitarem fora o caderno que usaram até aí (com as lições nele registadas) porque receberam um novo. Mas há duas coisas que mais chocam. A primeira é a impunidade com que alguns alunos destroem material e desperdiçam a comida que lhes é dada. Partir as réguas, vender as canetas, rasgar as folhas dos cadernos, perder os livros, utilizar o pão para batalhas nas cantinas e maçãs e laranjas para jogos de futebol são alguns exemplos. Creio que só na Madeira estas atitudes dão origem ao corte do subsídio. Por cá o acto fica, geralmente, impune. E assim não se transmitem os valores que as escolas tanto apregoam. A segunda situação chocante é o número esmagador de alunos subsidiados que têm telemóvel. E falo de alunos de 12 a 14 anos (os últimos anos da escolaridade obrigatória), não de adolescentes quase na maioridade. Será uma necessidade? Se mesmo nos adultos muitas vezes não o é, muitos menos será no caso das crianças. Mas eles lá estão, em cima das secretárias, a tocar nos corredores e nas salas, a anunciar mensagens ou "toques".
Estes exemplos são sintomas de erros e injustiças na atribuição dos subsídios escolares. E uma má lição de vida para as crianças. "


(Paulo Agostinho)

SOBRE PEDREIRAS:

Uma crítica bastante fundamentada à minha nota no Abrupto em Portugal Profundo.

(url)


EARLY MORNING BLOGS / SONGS / HOURS 51

Já começaram a chegar os portugueses a este olhar matinal. António Afonso fala das manhãs “ que os lisboetas não aproveitam” e recorda os anos 60” , que foram também os que eu andei por aí, espantado transmontano, embevecido com o Tejo e com as aulas de Teoria da Literatura do David Mourão-Ferreira ,que escreveu o ROMANCE DA BEIRA-TEJO, de que transcrevo as duas últimas estrofes (??):
...

Certa manhã na ribeira
do Tejo, com maresia,
fragatas, e o que trazia
do mar a brisa ligeira...
- essa graça, enfim, senti-a,
à beira do Tejo, à beira,
com fragatas, maresia...

Bela! a cidade, serena...
Longe o tempo, desolado...!
Perto, só tu, a meu lado,
lírica barca pequena
que a Vida enfim há deixado
junto de mim, na serena
cidade bela do fado!

in A Secreta Viagem

Provavelmente o cheiro a maresia já não é o mesmo, as fragatas não estão lá, a cidade será menos bela e menos serena, mas cada um poderá, ainda assim, sentir, todas as manhãs, a “graça” que entender.


José Carlos Santos mantêm-nos nos anos sessenta com este “Morning has broken” de autoria de Eleanor Farjeon (1881-1965) “e tornou-se famosa por ter sido a letra de uma canção de Cat Stevens, incluída no seu álbum Teaser and the Firecat (1971)”.

Morning Has Broken

"Morning has broken like the first morning
Blackbird has spoken like the first bird
Praise for the singing praise for the mornin
Praise for the springing fresh from the world.

Sweet the rains new fall sunlit from heaven
Like the first dewfall on the first grass
Praise for the sweetness on the wet garden
Sprung in completeness where his feet pass.

Mine is the sunlight mine is the morning
Born of the one light eden saw play
Praise with elation praise every morning
God's recreation of the new day."



Luís Parreira acrescenta “na lista de canções sobre manhãs, há uma que penso não pode faltar, falo de “morning Song” da belíssima Jewel.

Let the phone ring, let's go back to sleep
Let the world spin outside our door, you're the only one that I wanna see
Tell your boss you're sick, hurry, get back in I'm getting cold
Get over here and warm my hands up, boy, it's you they love to hold
And stop thinking about what your sister said
Stop worrying about it, the cat's already been fed
Come on darlin', let's go back to bed

Put the phone machine on hold
Leave the dishes in the sink
Do not answer the door
It's you that I adore -
I'm gonna give you some more

We'll sit on the front porch, the sun can warm my feet
You can drink your coffee with sugar and cream
I'll drink my decaf herbal tea
Pretend we're perfect strangers and that we never met...
My how you remind me of a man I used to sleep with
that's a face I'd never forget
You can be Henry Miller and I'll be Anais Nin
Except this time it'll be even better,
We'll stay together in the end
Come on darlin', let's go back to bed

Put the phone machine on hold
Leave the dishes in the sink
Do not answer the door
It's you that I adore -
I'm gonna give you some more



EARLY MORNING HOURS : Agora , de um lado mais sinistro, mas completamente humano, o nosso médico lembra-nos que a manhã é uma altura em que se morre mais. Numa nota de grande sensibilidade, leva-nos para o mundo experior, para o mundo real, onde um operário “com a boca ao lado” permanecia fiel ao seu lugar, ao seu posto de trabalho a fazer um AVC, perdendo a vida ou parte dela. De leitura obrigatória.

Bom dia.

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]