ABRUPTO

4.10.03


OU OS EXEMPLOS VêM DE CIMA, OU NÃO VêM CERTAMENTE DE BAIXO



Para se reformar uma sociedade mergulhada em hábitos de patrocinato e clientela, nos “conhecimentos” e não no mérito, na excepção à excepção “para além da leis”, uma sociedade pré-burocrática, é fundamental o exemplo vir de cima. Aliás, se não vier de cima, não vem certamente de baixo. Esta é uma regra simples, cuja enunciação e aplicação basta: este tipo de procedimentos não é aceitável, implica violação grave do exercício de funções, e daí que tenha consequências para os que são responsáveis. (Veja-se nota no fim)

É mais fácil mudar os ministros do que mudar os hábitos sociais, e é por isso que estas ondas de indignação são hipócritas até à raíz dos cabelos. Só se consegue manter uma sociedade baseada nas cunhas quando essa mesma sociedade tem estes sobressaltos self- righteous. A onda de indignação faz parte do mesmo fenómeno, é parte do mesmo atraso, nasce da mesma massa das cunhas.

Nos Jaquinzinhos há uma nota intitulada "Portugalidade", que explica à saciedade o que se passa

"Rodeado de amigos à mesa de um restaurante, dizia o médico:

"Não há maneira de dar a volta a isto! Estes gajos mal se apanham com algum poder, abusam, isto é só cunhas, favores aos amigos, esta porra está enraizada na sociedade! Olha lá, Zé, eu passo-te o atestado por mais 2 dias e assim podes juntar a quarta ao fim-de-semana, está bem?"



Nota final:

Não sei se, em casos como este, a demissão é aceitável; isto é difícil de discutir a quente, porque já se perdeu toda a medida. Mas que se está a dar uma banalização da demissão, está. À mais pequena coisa, ela é pedida, e à mais pequena coisa, ela é concedida. E depois há toda uma enorme injustiça: à luz desta história, apesar de tudo uma pequena história, que gravidade não teriam os procedimentos “Modernos”?

Onde está a medida? A única que existe é a pressão mediática. Eu, quando ouço alguém dizer que dá a sua “palavra de honra”, aceito-o, mas isso também são hábitos pré-burocráticos.

Está-se a criar uma noção de “culpabilidade objectiva”, que vem dos media (e que tem encontrado em Marcelo Rebelo de Sousa, ele próprio um barómetro dos media, obcecado com o “parecer”, uma voz ouvida) , que introduz na política o princípio da presunção da culpa. Esta forma moderna de cinismo é uma variante do populismo. As massas pedem a “castração”, os jornalistas dizem-lhes todos os dias que é da natureza da política mentir ou encobrir, e as vozes juntam-se.

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]