ABRUPTO

3.10.03


A MEMÓRIA DO “SULISTA, ELITISTA E LIBERAL”

Li os extractos que o Correio da Manhã publicou do livro de Luís Filipe Menezes, em que se conta um dos incidentes que marcou o Congresso do PSD no Coliseu, quando Fernando Nogueira e Durão Barroso se confrontaram: a intervenção atribulada do “sulista, elitista e liberal” .

Acho bem que Menezes tenha escrito o que escreveu e relatado a sua versão. Faz falta ao conhecimento público esta dimensão mais pessoal da acção política, que tão importante e decisiva é. Claro que o relato de Menezes tem um aspecto de ajuste de contas (embora ele hesite em nomear certas pessoas), e hiper-valoriza o seu próprio papel e o do incidente no resultado final do Congresso, que tem outras explicações, nem todas muito dignificantes. Mas, mesmo assim, vale a pena lê-lo, porque é, no essencial, subjectivamente verdadeiro, tanto quanto uma só pessoa, no meio daquele vendaval, podia testemunhar os factos que directamente o envolviam.

Sou das testemunhas mais próximas do incidente. Menezes falava contra mim, depois de uma intervenção que eu tinha feito, e de cujo conteúdo ele nada diz, pelo menos no Correio da Manhã. Recordo-me de preparar mentalmente a resposta ao “sulista, elitista e liberal”, dizendo a Menezes que ele se tinha enganado em quase tudo, porque eu era “nortista, democrata e liberal”, e “liberal” era, para os “nortistas”, uma grande palavra, que vinha de Garrett e D. Pedro, do 24 de Agosto e de Passos Manuel… E já que estamos numa de memória, ainda pensei em uma maldade, a qual certamente não diria em público. Quando, na resposta, chegasse ao Passos Manuel, acrescentava “que, pelo menos, pelos nomes das ruas do Porto devias conhecer…” ; coisas de Congressos.

Mas caíu-nos o céu ou o inferno em cima (mais propriamente, do Luís Filipe Menezes). Fui um dos que, no meio da barulheira, falei com ele, estava Menezes mudo e paralisado no meio do palco. No palco e fora dele, esteve para haver confronto físico, tal era o ambiente de tensão que se vivia.

Ao ler as recordações de Menezes, mais uma vez, tive a forte impressão de como tão pouco se sabe da história política dos últimos anos, pelo menos daquela que eu pude testemunhar e nunca chegou às páginas dos jornais. O domínio, no relato jornalístico, das “intrigas que são contadas”, absorvidas com uma osmose perfeita, é tal, que estas tomam o lugar da descrição factual.

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]