ABRUPTO

7.5.05


DOIS ANOS

AGRADECIMENTOS

A todos os que se referiram ao aniversário do Abrupto.

A todos os que enviaram mensagens.

A todos os que leram o Abrupto nestes dois dias e nos outros.

Um leitor amigo, FNV, também autor de blogues, fez-me a invectiva confuciana certa: "insista, mesmo sabendo que o que pretende não funciona". Assim será.

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AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 3

LITERATURA POPULAR



ENSINAMENTOS ÚTEIS



LITERATURA DE GUERRA



Alguns livros recuperados. Entre muitos outros, uma série de publicações populares com magníficas capas, muitos livros sobre guerras, I e II Guerras mundiais e guerra de Espanha, entre os quais um de Brasillach, fuzilado por colaboração com os alemães, e Bardèche, e manuais de ensinamentos úteis, como esta Enciclopedia Rural de 1841, em fascículos e uma L'Art de Bien Conduire Une Automobile do início do século XX. Voltaremos a esta L'Art cheia de gravuras interessantes e anacronismos, como seja a explicação de como é que se ultrapassa uma carroça puxada a cavalos. Anacronismo europeu e americano, claro.

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A LER

*** (como no Michelin) A entrevista de Luiz Pacheco no esplanar.

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AR PURO


Whistler, Lagoa de Veneza

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EARLY MORNING BLOGS 485

The trumpet of morning blows in the clouds and through
The sky. It is the visible announced,
It is the more than visible, the more
Than sharp, illustrious scene. The trumpet cries
That is the successor of the invisible.

This is its substitute in stratagems
Of the spirit. This, in sight and memory,
Must take its place, as what is possible
Replaces what is not. The resounding cry
Is like ten thousand tumblers tumbling down

To share the day. The trumpet supposes that
a mind exists, aware of division, aware
Of its cry as clarion, it's dictions way
As that of a personage in a multitude:
Man's mind grown venerable in the unreal.


Wallace Stevens (cortesia de João Costa)

*

Bom dia!

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DOIS ANOS

FIM DE FESTA


A festa foi interrompida por outra festa: um debate vivíssimo sobre Einstein e a ciência em que participei com Paulo Crawford, João Caraça, e Nuno Crato. A coisa demorou mais do que previa e impediu-me de completar a fase final dos Dois Anos e alguns agradecimentos e comentários. Ficam para depois.

O que o Abrupto tem sido, e foi nestes dois dias, é o que continuará a ser enquanto durar.

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6.5.05


DOIS ANOS



NOTAS SOBRE AS FORMAS DE SENSIBILIDADE ANTIGAS


De uma carta do Realista Antigo:

“Antigamente dava-se valor ao que era construído lentamente, à experiência, ao estudo porfiado, ao silêncio e ao rigor do pensar, à moderação na vida, à prudência na política, ao carpe diem, à áurea mediocritas. O pathos era para o teatro. Sérios legisladores como Sólon discutiam como é que é possível governar uma cidade a quem se alimenta de “mentiras” no palco. Os gregos não gostavam da impetuosidade, da hubris, na qual viam uma qualquer vingança divina. Os romanos gostavam ainda menos e fizeram todo o seu império assente na velocidade das legiões, na soldadesca profissional, e no betão da época, pontes e calçadas, e não no princípio da “inter-pessoalidade” como se diz agora. A força contava, os estados de alma, não. Não havia “diálogo” para medir tudo. Valia-se o que se valia. E sabia-se o que se valia ou não. Se não se sabia alguém nos lembrava, à força.

Compreende-se: era um mundo violento, duro, onde a vida valia pouco e os prazeres tinham que ser intensos para durarem. A vida incluía a guerra para os homens como regra. Não se chegava aos vinte e cinco anos sem estar várias vezes em risco de vida. Garanto-vos que isto muda muito. Os pobres morriam brevemente, com a idade de Cristo, os ricos tinham sempre um punhal ao dobrar da esquina ao favor ou desfavor do imperador.

(…)

Podes sempre dizer que é a velhice. Os velhos falam sempre assim do mundo. Mas vê tu, meu amigo, que tudo isto que te escrevo tem apenas uma razão: a maior das ilusões é pensar que a violência do mundo antigo ficou no mundo antigo e hoje, nas cidades confortáveis, só existe um “problema de segurança” e não o vento maligno da guerra. Que ganhamos muito ficando prosaicos e débeis. Talvez valha por isso voltar para traz, para os modos de sensibilidade antigos, e perceber a sua necessidade. Tudo mudou menos a crueldade. E sobra muita, quase toda. Nós não vemos porque houve uma ou duas gerações em paz, mas está lá.

(…)

Antigamente, dava-se valor a separar o mundo de Apolo do de Dionísio, coisa que desde que o dr. Freud nos entendeu doutra maneira, e desde que os romancistas russos e os dramaturgos nórdicos, começaram a descobrir o “individuo” (primeiro a “menina Júlia”, ou a Anna Karenina e só depois o Vronski) passou a ser tida como possível. Agora o cânone é que tudo deve vir sempre misturado e Dionísio é o verdadeiro senhor. Apolo está sentado sempre em cima de Dionísio e, mal este se mexe, a apolínea virtude e o Logos caiem por terra. Deixou de se poder ser um severo Catão num dia e noutro um perverso Marcial, tem que se ser sempre um Catão que é verdadeiramente um Marcial. Pobres romanos que deixamos de perceber há muito!

(…)

Agora somos todos românticos, à nossa medida, sucessiva. Somos também ligeiros, muito ligeiros, demasiado ligeiros, light como a Coca Cola, acreditamos na monda química dos pensamentos, nas artes leves como o cinema e a música, que se ministram para plateias sentadas, e gostamos que não nos macem muito com lembranças e histórias, obrigações e deveres. Tudo isso passou a arrogância, um sentimento desprezível porque nos mede e nós não queremos ser medidos. Ficou tudo descartável e só a mudança conta. A pieguice ganhou a aura do sentimento mais forte.

(…)"

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DOIS ANOS

FOZ DO DOURO
(O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES)


Fotografia de José Diogo, Janeiro 2005

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DOIS ANOS

A LER

Sobre o Abrupto:

Luis Carmelo no Miniscente

João Morgado Fernandes no Terras do Nunca e discussão com José Pimentel Teixeira no Ma-Schamba

Pedro Mexia no Fora do Mundo

Afonso Bivar no bombyx mori

e outras opiniões:

"O blogue Abrupto festeja o hoje o seu aniversário da forma habitual: a colocar ‘em linha’ um espólio/pastiche de tralha que recolhe da net, do scanner privado e da caixa do email." (Apostrofe)

"Pergunto: com tanta eminência, com tanto raio de luz a escorrer por entre aqueles fios de barba, recordando o velho Sócrates (o de Atenas, não confundir com o de Castelo Branco, que é "inginheiro"), para onde lhe fugiu o talento??? Tudo para dizer: o abrupto nem pela poesia se salva, e se não se afogou já é porque vive numa permanente relação parasitária com o seu autor. Será que ele sabe??!!!" (Macroscopio)

"Hoje irritei-me com o servilismo blogosférico pretextualizado nos totalitários encómios ao putativo pai da lusa blogosfera, subordinados ao seu aniversário. O efeito JPP alavancou, de forma abrupta, a mediatização dos blogues em Portugal. (...) Ano e meio depois a tendência tornou-se mainstream e a genuflexão de contornos feudais uma irritante realidade.

[ NOTA: abre-se hoje uma nova secção n'(o vento lá fora)* onde, numa base que se pretende mais ou menos diária, desabafarei as minhas irritações. ]
[103 palavras; secção Irritações]
" (o vento lá fora)*

"Hoje 'tive a ler um blog abrupto, em que um fulano qualquer no meio de coisas que não interessam nada, de quadros asquerosos e de ejaculações espaciais, lembra-se de dizer o que aconteceu a uns mortos quaisquer em mil oitocentos e troca o passo." (Garfiar só me apetece)

e há muito mais.

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DOIS ANOS



BIBLIOFILIA









Este manual escolar, encontrado num alfarrabista, é de autoria de dois intelectuais seareiros e oposicionistas ao Estado Novo. Trata-se uma edição de autor, típica na época, destinada a garantir um pecúlio a quem tinha limitações de acesso a cargos públicos e conhecia muitas dificuldades económicas. Os textos no seu interior são do melhor da grande literatura francesa e um prazer de ler, como esta carta ficcional, escrita por Mme Rastignac a seu filho, no romance de Balzac Le Père Goriot:

"Mon cher enfant, je t'envoie ce que tu m'as demandé. Fais un bon emploi de cet argent, je ne pourrais, quand il s'agirait de te sauver la vie, trouver une seconde fois une somme si considérable sans que ton père en fût instruit, ce qui troublerait l'harmonie de notre ménage. Pour nous la procurer, nous serions obligés de donner des garanties sur notre terre. II m'est impossible de juger le mérite de projets que je ne connais pas : mais de quelle nature sont-ils donc pour te faire craindre de me les confier ? Cette explication ne demandait pas des volumes, il ne nous faut qu'un mot à nous autres mères. et ce mot m'aurait évité les angoisses de l'incertitude. Je ne saurais te cacher l'impression douloureuse que ta lettre m'a causée. Mon cher fils, quel est donc le sentiment qui t'a contraint à jeter un tel effroi dans mon coeur ? tu as dû bien souffrir en m'écrivant, car j'ai bien souffert en te lisant. Dans quelle carrière t'engages-tu donc ? Ta vie, ton bonheur seraient attachés à paraître ce que tu n'es pas, à voir un monde où tu ne saurais aller sans faire des dépenses d'argent que tu ne peux soutenir, sans perdre un temps précieux pour tes études ? Mon bon Eugène, crois-en le coeur de ta mère, les voies tortueuses ne mènent à rien de grand. La patience et la résignation doivent être les vertus des jeunes gens qui sont dans ta position. Je ne te gronde pas, je ne voudrais communiquer à notre offrande aucune amertume. Mes paroles sont celles d'une mère aussi confiante que prévoyante. Si tu sais quelles sont tes obligations, je sais, moi, combien ton coeur est pur, combien tes intentions sont excellentes. Aussi puis-je te dire sans crainte : Va, mon bien-aimé, marche ! Je tremble parce que je suis mère : mais chacun de tes pas sera tendrement accompagné de nos voeux et de nos bénédictions. Sois prudent, cher enfant. Tu dois être sage comme un homme, les destinées de cinq personnes qui te sont chères reposent sur ta tête. Oui, toutes nos fortunes sont en toi, comme ton bonheur est le nôtre. Nous prions tous Dieu de te seconder dans tes entreprises. Ta tante Marcillac a été, dans cette circonstance, d'une bonté inouïe : elle allait jusqu'à concevoir ce que tu me dis de tes gants. Mais elle a un faible pour l'aîné, disait-elle gaiement. Mon Eugène, aime bien ta tante, je ne te dirai ce qu'elle a fait pour toi que quand tu auras réussi : autrement, son argent te brûlerait les doigts. Vous ne savez pas, enfants, ce que c'est que de sacrifier des souvenirs ! Mais que ne vous sacrifierait-on pas ? Elle me charge de te dire qu'elle te baise au front, et voudrait te communiquer par ce baiser la force d'être souvent heureux. Cette bonne et excellente femme t'aurait écrit si elle n'avait pas la goutte aux doigts. Ton père va bien. La récolte de 1819 passe nos espérances. Adieu, cher enfant. Je ne dirai rien de tes soeurs : Laure t'écrit. Je lui laisse le plaisir de babiller sur les petits événements de la famille. Fasse le ciel que tu réussisses ! Oh ! oui, réussis, mon Eugène, tu m'as fait connaître une douleur trop vive pour que je puisse la supporter une seconde fois. J'ai su ce que c'était que d'être pauvre, en désirant la fortune pour la donner à mon enfant. Allons, adieu. Ne nous laisse pas sans nouvelles, et prends ici le baiser que ta mère t'envoie."

Como é que se fica quando se é educado por estes textos?

*
O texto é de grande beleza e força. Ao lê-lo sente-se alguma estranheza pois parece retratar algo bem mais distante do nosso mundo actual do que uma carta deste tipo era suposto mostrar. Cartas entre mães e filhos não deveriam variar muito de uma época para a outra. No entanto esta parece tão longínquo que não consigo impedir de me interrogar sobre o que diriam os psicólogos e peritos em “jovens” de hoje de um texto deles? Falariam de édipos mal resolvidos, de chantagens afectivas, de falhas no processo de autonomização, de demasiadas expectativas projectadas nos filhos, de discurso demasiado moralizante? Que discurso teriam sobre paciência e resignação como virtudes dos jovens? De paciência talvez se falasse, mas resignação é uma palavra a cair no desuso. É contrária a toda a potencialidade inspiradora da “assertiveness”. Mudam-se os tempos, mudam-se as cartas… Hoje seria um SMS de poucas linhas, numa linguagem codificada cheia de “k” e de “x” terminando com “beijinhos”, que parece ser o único código actualmente aceite para veicular qualquer tipo de afectividade, ou não!
(J.)

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DOIS ANOS

AR PURO



(Whistler)

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DOIS ANOS

HUGO VON HOFMANNSTAHL
(NUMA TRADUÇÃO INÉDITA DE VASCO GRAÇA MOURA)


Tercinas

Sobre a fugacidade de tudo


I

Inda lhes sinto o hálito na face:
pode lá ser que este correr de dias
para sempre e de todo assim passasse?

Ninguém entende coisa tão estranha,
cruel demais pra queixas e agonias:
que deslizando, nada se detenha.

E que o meu próprio eu, imperturbado,
de um menino pequeno até mim venha,
cão de estranheza inquieto e tão calado.

Mais: que eu fosse há cem anos, e sabê-lo,
que cada avô dos meus, amortalhado,
esteja tanto em mim como o cabelo,

sendo um comigo como o meu cabelo.




II

As horas! Onde nós o azul claro
do mar vemos e a morte se nos fez
leve e sem medo, em festa e sem reparo,

como meninas só de palidez
e grandes olhos sempre se resfriam,
e à tarde olham perdidas, na mudez

de ver que a vida, enquanto adormeciam
seus membros, lhes fluiu silente e langue
em árvore e erva, e tímidas sorriam,

como uma santa enquanto verte o sangue.


III



Nossa matéria aos sonhos é igual
e os sonhos abrem olhos à maneira
de umas crianças sob o cerejal.

Das copas, ouro pálido se esgueira
da lua-cheia e a vasta noite alcança...
senão, sonhos não há à nossa beira.

Vivem aí qual riso de criança,
e como a lua-cheia sobem, descem,
quando desperta sobre a fronde avança.

O mais íntimo se abre a quanto tecem;
quais mãos-fantasma sempre num tristonho
espaço estão em nós e vida oferecem.

E os três são um: homem e coisa e sonho.


(Hugo von Hofmannstahl)

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DOIS ANOS


BIBLIOFILIA

AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 2




Olhei para o monte de livros, melhor, olhei para um dos montes de livros, e a minha primeira sensação foi comportar-me como o Tio Patinhas: salto em cima e deito as moedas, engano, os livros ao ar, agradecendo à moedinha da sorte original. Depois a imensa sensatez que me povoa nos dias pares, lembrou-me que isso não se faz aos livros. Estes já tinham sido carregados como tijolos, e à pá, descarregados em cestos de vindimas e atirados para o lagar inexistente com a sem cerimónia com que se atira uvas, ou ração aos animais (urbanos, vejam a quinta das "celebridades"...), pelo que me devia comportar. Comportar.

Foi o que fiz e lá estou festejando o aniversário da folha abstracta de bits, o Abrupto, com o manuseio da folha concreta de átomos. Colocando-os uns sobre os outros para perderem a deformação da viagem atribulada. Dando ordem ao caos. E encontro de tudo: livros, revistas, recortes, fotografias, postais, selos, documentos. E só arrumei para aí cinco por cento.


Como um Dumas sinistro, um “Ar livre” vigoroso e percursor do surto de atenção ao corpo que os totalitarismos trouxeram nas primeiras décadas do século XX ( sim, os nazis foram naturistas militantes e olhavam para os corpos nus e atléticos, dos homens em primeiro lugar, mas também das mulheres, de uma forma, digamos, viril…), uma bela revista Ocidente e várias “formiguinhas”, a colecção micro da Majora, um nome mítico para as crianças portuenses, que eu tive entre as primeiras leituras. Mas há muito, muito mais.

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DOIS ANOS

OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: GALÁXIA MESSIER 104 "SOMBRERO"



Se eu usasse chapéu, e na improvável hipótese de usar sombrero, era este que eu queria. Prometo, no entanto, que não o traria na cabeça no avião (no foguetão, no S.S. Enterprise, seja lá em que nave) de regresso de umas férias numa praia algures numa galáxia distante, numa colónia qualquer governada pelo Partido Revolucionário Institucional. Metia numa caixinha, um pouco grande, e trazia timidamente.

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DOIS ANOS


EARLY MORNING BLOGS 484


Days of Me

When people say they miss me,
I think how much I miss me too,
Me, the old me, the great me,
Lover of three women in one day,
Modest me, the best me, friend
To waiters and bartenders, hearty
Laugher and name rememberer,
Proud me, handsome and hirsute
In soccer shoes and shorts
On the ball fields behind MIT,
Strong me in a weightbelt at the gym,
Mutual sweat dripper in and out
Of the sauna, furtive observer
Of the coeducated and scantily clad,
Speedy me, cyclist of rivers,
Goose and peregrine falcon
Counter, all season venturer,
Chatterer-up of corner cops,
Groundskeepers, mothers with strollers,
Outwitter of panhandlers and bill
Collectors, avoider of levies, excises,
Me in a taxi in the rain,
Pressing my luck all the way home.

That's me at the dice table, baby,
Betting come, little Joe, and yo,
Blowing the coals, laying thunder,
My foot on top a fifty dollar chip
Some drunk spilled on the floor,
Dishonest me, evener of scores,
Eager accepter of the extra change,
Hotel towel pilferer, coffee spoon
Lifter, fervent retailer of others'
Fumor, blackhearted gossiper,
Poisoner at the well, dweller
In unsavory detail, delighted sayer
Of the vulgar, off course belier
Of the true me, empiric builder
Newly haircutted, stickerer-up
For pals, jam unpriser, medic
To the self-inflicted, attorney
To the self-indicted, petty accountant
And keeper of the double books,
Great divider of the universe
And all its forms of existence
Into its relationship to me,
Fellow trembler to the future,
Thin air gawker, apprehender
Of the frameless door.


(Stuart Dischel)

*

Bom dia!

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DOIS ANOS

MAIS JORGE LUIS BORGES: MILONGA DE ALBORNOZ


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DOIS ANOS

POEIRA DE 6 DE MAIO




Hoje, há sessenta e seis anos, Christopher Isherwood e um amigo, apanhavam um autocarro da Greyhound de Nova Iorque para Washington. Isherwood achava que os autocarros “are built like streamlined Martian projectiles; they seem designed to destroy everything else on the road”. No mundo, dentro e fora do autocarro, tudo parecia uma fatia de Americana. Cada condutor trazia a sua placa e colocava-a bem á vista de todos: “N. Strauser. Safe. Reliable. Courteous”. Devia ser para receber gorjeta. De vez em quando o autocarro parava. “Comfort stops” e hot dogs, leite, Coca Cola. Pouco a pouco, amanhecia e “the country begins to come alive.” Numa localidade qualquer, um padre esperava por clientela para os casamentos; noutra “duas colunas separadas honravam os mortos da Guerra, de um lado os brancos, do outro, os negros.” Chegaram ás quatro e meia da tarde.

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5.5.05


DOIS ANOS



UM DIÁRIO DOS IDOS DE 1968



Este texto, espécie de poema, escrito no final de 1967, início de 1968, circulou nesse tempo anónimo e clandestino. Embora hoje pareça inócuo, nesses anos passava por "subversivo". Para quem o leu na altura, fica a conhecer o seu autor.

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DOIS ANOS


NOTAS CHEKOVIANAS


Os maridos, meu caro, só matam nas novelas ou nos trópicos, onde fervilham paixões africanas! Quanto a nós bastam-nos os horrores dos roubos por arrombamento ou das falsificações de identidade”. Um Drama na Caça (Colecção Vampiro, nº684, pág. 11).

Um Drama na Caça, foi publicado em folhetins no ano de 1884-1885, sendo das primeiras obras de Anton Tcheckov e é considerado o seu único romance, embora creia que “novela” é o termo apropriado para a obra. Para quem conhece e aprecia os contos de Tcheckov, esta novela também causa surpresa.

As simples, mas precisas pinceladas, ou talvez seja mais preciso falar num inspirado traço de “line drawing” que compõem os seus contos: as suas personagens, o seu enredo, o seu desfecho; bem como a inevitabilidade do que acontece, estão ausentes desta obra. Nela encontramos um cheiro de modernidade no facto de ser uma (ainda inocente) novela policial, um género que começava a dar os primeiros passos, mas somos confrontados com um ambiente de excessos, de contradições, de fraquejar que nos lembram alguns atormentados heróis românticos de vida dissoluta, mais do que as personagens dostoievskianas divididas pelas dúvidas sobre o em e o mal e pela procura de absoluto.

Os espíritos mais mesquinhos afirmavam que o ilustre conde via na pessoa de um pobre juiz de instrução criminal, de origem humilde, um mero companheiro de bebedeiras.”
(…)
“Teriam dito algo mais se soubessem como é suave, débil e submissa a natureza do conde e como a minha é forte e obstinada. E teriam acrescentado ainda mais se estivessem ao corrente de quanto aquele homem fraco me estimava e quão escassa era a minha simpatia por ele”.
(…)
“De quantas desgraças me teria livrado e que bem teria feito ao meu amigo se, naquela tarde, eu tivesse tido a coragem de voltar atrás” (…)


O mote está lançado: não há lugar a subtileza, nem contenção nesta novela.
As descrições e a linguagem são ricas e pictóricas e a sensualidade lasciva abunda. O trágico e o decadente andam de mão dada. Tudo parece excessivo: o que se vê, o que se sente, o que se diz, o que se faz.

“Decorrida uma hora estávamos a comer à volta de grandes mesas. Para quem se achava habituado às teias de aranha, à sujidade da mansão e aos gritos dos ciganos, aquela multidão que rompia com as suas conversas fúteis o silêncio das divisões solitárias, era motivo de espanto.”
(…)
“Eu detestava aquela multidão que, com frívola curiosidade, observava os traços de declínio da minguante fortuna dos Karnieiev.”
(…)
“ Sentia o exagero de tal oratória, que despertava o riso dos circunstantes. Apesar do champanhe que havia bebido, não parecia alegre; exibia a mesma palidez que revelara na igreja, o mesmo terror nos olhos”.

Estes pequenos excertos da novela mostram como estamos longe do sóbrio Theckov a que a leitura dos contos nos habituou. Este é certamente um Tcheckov mais novo, mais exuberante, com uma linguagem adjectivada, rica e intensa que quase toca o exagero, numa novela com toda a “alma” russa possível (camponeses pobres, aristocracia à beira da ruína, meios pequenos e mesquinhos) e que se lê de um folgo, sempre à espera de saber o que vai acontecer de seguida, tal como nos bons policiais. Com a inocência dos primeiros passos que se dão neste género policial, o final reserva-nos uma surpresa, que posteriormente fez história.

(JCD)

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DOIS ANOS


APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA


Os provérbios, que são evangelhos humanos, fê-los a experiência, e conserva-os a prudência para doutrina e direção da vida, e não para descuido, como acontece aos néscios, senão para cautela. E este é o fim do que por tantos meios deixamos provado na matéria de maior importância. Entre, pois, cada um em si, e pergunte à sua própria consciência: se Deus o chamasse no estado presente para a conta, qual lha daria? Dos verdadeiros devotos do Rosário, que são os que o rezam e meditam atentamente, bem creio eu que, exceto o caso de alguma desgraça, em que tão raro é o cair como fácil o levantar, todos os mais se acharão com as suas contas tão ajustadas que as darão muito boas. E a estes somente advirto que dêem infinitas graças a Deus e a sua Santíssima Mãe por tão singular mercê, por que lhes não aconteça como ao servo do Evangelho, que, por ingrato, veio a perder o mesmo perdão, e tornou de novo a contrair toda a dívida, e a pagou sem remédio.

Aqueles, porém, que se não acharem em estado de dar boas contas, considerem que nas Ave-Marias, que só rezam de boca, quando dizem: Nunc, et in hora mortis nostrae - o hora mortis, e o nunc, tudo pode vir junto. Dizemos, agora, e na hora da nossa morte, e se a hora da nossa morte for o agora? Se a hora da morte não for hora, senão este mesmo momento, como acontece aos que morrem subitamente, ou subitamente perdem os sentidos, sem tempo, nem lugar de arrependimento, que contas podem estes dar, ou que se pode esperar deles? Logo, dirá alguém, não é verdadeiro o provérbio que os que rezam o Rosário, darão boas contas a Deus? Sim é, se o rezar o Rosário for também verdadeiro. Porque ninguém há que verdadeiramente reze o Rosário que nele e nos seus mistérios não considere o muito que deve a Deus, e lhe não peça perdão de suas dívidas, como pediu o servo do rei, que para a sua misericórdia isso basta.

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DOIS ANOS

A CANETA DE FERNANDO PESSOA, ESCULTURA DE JOSÉ AURÉLIO


Fotografia de Ana Gaiaz, 2003

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DOIS ANOS


BIBLIOFILIA

AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS



Não foi certamente por ser o dia do aniversário do Abrupto, mas há coisas que de vez em quando acontecem e que só se contam nos livros ou nas lendas urbanas. Esta é das lendas bibliófilas e aconteceu-me: descobrir, no meio de um campo, num sucateiro, uma biblioteca inteira com milhares de livros, que estava à espera de ser rasgada para separar o tipo de papel (o das capas e o do interior não valem o mesmo aos olhos de um homem que vende papel). Cinco toneladas de papel, assim me foi anunciado o objecto para base do cálculo do valor e ainda há jornais “muito escuros” (quer dizer muito antigos) nos cestos de vindima… Quantas vezes isto acontecerá? Tantas…

Darei novas do que lá está em breve.

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DOIS ANOS

SCRITTI VENETI: A CIDADE-ALEPH



Uma das mais célebres e dramáticas chegadas a Veneza abre o filme de Visconti Morte em Veneza, a partir da novela de Thomas Mann. A personagem principal do livro, Gustav von Aschenbach, um escritor e um esteta, moldado a partir da figura do compositor Gustav Mahler, chega a uma cidade que está doente, presa numa das suas febres periódicas, que atravessaram a sua história muitas vezes. Chega de barco. Thomas Mann explica porque se deve sempre chegar a Veneza por mar:

“Ele via, este cais tão espantoso, a magnifica composição desta arquitectura fantástica que a República de Veneza oferecia aos olhares respeitosos dos navegantes que se aproximavam: o esplendor ligeiro do Palácio, e da Ponte dos Suspiros, as colunas com o Leão e o Santo, sobre o cais o flanco do templo feérico que se anunciava em todo o seu esplendor, a perspectiva abrindo-se sobre o grande portal, com o seu relógio gigantesco e, olhando tudo isto, ele pensou que chegar a Veneza por terra era o mesmo que entrar num palácio pela porta de serviço e que nunca se devia, na mais improvável das cidades, chegar de outro modo que não fosse aquele que estava a usar, um barco, vindo do mar largo.”

Aschenbach ia para o Lido, para o Grand Hotel des Bains, que ainda existe, mas quer passar em frente da Praça de S. Marcos, para a ver do lado do mar, por entre as ilhas envoltas em bruma. É um alemão que chega, que lera certamente os Epigramas que Goethe escrevera sob inspiração veneziana, “aqui tudo é vida e actividade, não ordem e disciplina”. Ali não havia a “honestidade alemã”, ali havia perigos iminentes, como se vai ver. Aschenbach pensava que ultrapassara os sentidos, que atingira um estado de perfeição estética que estava para lá dos sentimentos vulgares . Mas escolheu mal a cidade para se testar. Nela vai encontrar, contra a sua vontade, a última paixão. E acaba por morrer em Veneza, uma cidade onde se morre sozinho, como se morre sempre, mas como se essa morte pertencesse àquilo a que chamamos “cultura”.

Nenhuma cidade da Europa tem este tipo de fascínio decadente, a força cultural da história em estado bruto de tão sofisticada. Apenas Istambul poderia rivalizar com Veneza, se não fosse hoje uma cidade turca, demasiado turca para ter memórias contraditórias do seu passado. O espírito da cidade, o espírito do lugar, o heimatgeist, caro aos alemães, transpira das águas, das paredes. O tapete que cobre as ruas é feito de palavras. Palavras sobre palavras, sobre palavras. Palavras venezianas como as de Goldoni ou Casanova, mas palavras em todas as outras línguas do mundo. Goethe, Byron, Ruskin, Proust, Pound, Mann, Brodsky, numa espessura que constitui por si só a história do mundo, do nosso mundo. Se somarmos as imagens e os volumes dos edifícios e das esculturas, desde os cavalos perfeitos trazidos de Bizâncio, até às histórias de Corto Maltese, também tudo é coberto por imagens. Imagens sobre imagens, sobre imagens. E sons. De Vivaldi a Wagner ou Mahler, sons sobre sons sobre sons. Esta é um terra de excessos, como Aschenbach percebeu, para seu mal, “sem honestidade alemã”, mas com uma espessura mórbida. Uma cidade-aleph onde está tudo.


Do texto "Olhares de Veneza", publicado na revista Volta ao Mundo.Uma parte do Abrupto foi escrita de Veneza.

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DOIS ANOS



GRANDES NOMES
(O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES)

Ainda que contrariando as convicções de V. Exa, mas acreditando sempre na sua largueza de vistas, aqui envio mais um conjunto de grandes nomes, não só de toureiros, como também de toiros e de nomes de referência da imprensa taurina, também estes merecedores dos famosos “apodos”.

(RM)


NOTA DO ABRUPTO: um "mundo" que trata da mesma maneira críticos (comentadores), jornalistas, bestas de carne e sacrifício (os touros), e os algozes (toureiros) merece curiosidade, sem "Desperdicios" mas com "Sentimientos". Reparei ainda que, num acto de racismo evidente para com a parte bovina do reino animal, falta o nome próprio do touro.


Toureiros



Desperdicios (Manuel Dominguez Campos)

Lagartijo (Rafael Molina)

Frasculeo (Salvador Sanches)

Guerrita (Rafael Guerra)

Bombita(Ricardo Torres)

Conejito (António de Dios)

Tigre de Guanajuato (Jua Silveti)

Morenito de Maracay (José Nelo)

Carnicerito de México (José Gonzalez Lopez)

Cara Ancha (José Sanchez del Campo)

Machaquito (Rafael Gonzales)

Cocherito de Bilbao (Cástor Jaureguibeita)

Gitanillo de Triana (Francisco Vegas de los Reyes)

Cangacho (Joaquin Rodrigues)

El Mamón (Pedro de la Cruz)

Cacique de Santa Fé (Juan Hernandez)

Cochinillo (Victoriano Pérez)

El Chárran (Manuel Gonzalez)

Carcerelito (José Ledesma)

Gangrena (Francisco Erades)

El Maligno (Ramón Martinez)

El Mellao de la Puerta de la Carne (Miguel Goméz)

Noteveas (Pedro Sanchéz)

Poquitopán (António Sanchez)

El Tiñoso (Luis Rodriguez)


Criticos/Jornalistas


Alamares (A. Moises)

Uno al sesgo (Tomás Orts Ramos)

Corinto y oro (M. Clavo)

Desperdicios (Aureliano Lopez Becerra)

Recorte (Jésus Lloret)

Tio Caniyitas (José M. Gaona)

Camisero (A. Carmona)

Sentimientos (Eduardo de Palacios)

Sobaquillo (Mariano de Cavia)

El Terrible Pérez (Rogério Perez)


Toiros

Agachaíto

Boticário

Caramelo

Cariñoso

Relamido

Rompelindes

Zalamero

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DOIS ANOS

OUVINDO


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DOIS ANOS

O PRIMEIRO SOM
"ARTE POÉTICA" - PALAVRAS DE JORGE LUIS BORGES




(O primeiro som do Abrupto por gentileza da Carla Hilário.)

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DOIS ANOS

AS IMAGENS MANIFESTANTES
FOTOS INÉDITAS DE TIMOR

(O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES)



(T.)

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DOIS ANOS


TÍTULOS QUE NUNCA USEI

Por miseráveis razões. Ou porque não consegui escrever um texto digno do título, como se passa com o "Pode ser Vidago?", retrato da nossa permanente habilidade para ficar sempre ao lado, contentes e remediados com o que temos, mesmo não sendo Vidago. Ou por falta de coragem para usar o título certo com a pessoa ou a ocasião certa. Um dos que me perseguia há muitos anos ficou para título da série de artigos da Sábado, assim mais inócuo: "Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré". Mas passei os últimos meses com uma mão a segurar a outra para não ter a tentação de escrever "A política segundo Porfirio Rubirosa" e outras variantes sobre o mesmo Rubirosa. Nunca pude assim falar de grandes personagens / grandes nomes como Flor de Oro Trujillo, ou o próprio Rubirosa.

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DOIS ANOS

OUVINDO







Young Man with a Horn, filme de Michael Curtiz, música de Max Steiner, com a voz muito fresca de Doris Day a cantar The Very Thought of You:

"The very thought of you and I forget to do
The little ordinary things that everyone ought to do".


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DOIS ANOS


BIBLIOFILIA
CORRECÇÕES DE EUGÉNIO DE ANDRADE À TRADUÇÃO DE UM POEMA DE LORCA



Final da década de sessenta. Colecção de provas com as correcções manuscritas originais de Eugénio de Andrade, que me foram oferecidas pelo grande amigo, muito lembrado nestes dias. O Eugénio trabalhava os poemas até à última oportunidade antes da publicação.

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DOIS ANOS


BIBLIOFILIA
(O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES)


Foi com o debate sobre a Lei do véu Islâmico em França, em Dezembro de 2003, que me tornei visitante diária do Abrupto. Agora que o Abrupto faz dois anos, e inspirada nesse mesmo tema, retomo a já aqui abordada ideia da crescente tensão civilizacional do mundo em que vivemos, ilustrando-o com um actual e interessante livro, cuja leitura é muito proveitosa, e dispensa qualquer tipo de comentário: Les Qualité de l’Épouse Vertueuse ou seja “As qualidades da Esposa Virtuosa”. Nota: Como se pode ver na imagem o erro de concordância “qualité” em vez de “qualités”, não é meu! E, para avivar a curiosidade em relação ao conteúdo do texto recheado de citações, apresento o índice dos capítulos, chamando particular atenção para o segundo “Como inspirar o desejo de obedecer ao esposo e de o satisfazer” e o terceiro “Como inspirar o temor de desagradar ao seu esposo, de entrar em contradição com ele e de perder os seus direitos”:

O livro foi comprado em Argel muito recentemente, e foi editado pela Esslam - Paris, em 2004.

(J.)

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DOIS ANOS

MATEUS


Fotografia de Ana Gaiaz, Julho 2004

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DOIS ANOS


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: CAOS




As coisas que crescem assim costumam ser do reino animal ou vegetal. Os fungos, os bolores, bactérias, vírus, células, intumescências, cancros, coisas más. Mas "isto" é um pedaço de Marte visto de cima e Marte é grande. Tem areia, desertos, colinas, dunas, demónios, vento, berlindes pelo chão, pedras, meteoritos, vulcões, talvez água. Mas o caos é o caos e demorará tempo até sabermos como nele andar com os pés. Se calhar os pés não são a melhor forma de andar neste caos. É a cabeça. A imaginação. A curiosidade. E assim podemos andar já. Talvez o caos tenha ordem. Há pior, bem mais perto.

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© José Pacheco Pereira
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