ABRUPTO

12.5.07


CAÇA
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E RECOLECÇÃO


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Fotografia de autor desconhecido, data desconhecida, personagens desconhecidas, numa automotora (linha de Viseu?) comemorando uma vitória do FC do Porto.

*
A imagem em tudo aparenta ser uma carruagem "Schindler", de fabrico suiço sendo
material de via larga. Portanto, não se tratará de um comboio na Linha do Dão ou Vouga. Das dezenas de carrauagens Schindler compradas pela CP a partir de 1956 (se não erro) restam apenas oito que foram redecoradas para comboios de aluguer no Douro, sobretudo.

(Dario Silva)

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SABIA DEMAIS


O livro de Jorge Silva Melo (JSM) , Século Passado, é, sob a forma de uma compilação de crónicas, textos de circunstância, fragmentos por publicar, um livro de memórias, quase uma autobiografia. O modo dessa autobiografia está presente na citação inicial de Simone Weil: “A nossa vida real é, em mais de três quartos, composta de imaginação e de ficção”. Três quartos é muita coisa, se se entender que a frase de Weil se aplica a todos e não apenas aos intelectuais, aos escritores e aos artistas, que são, de algum modo, profissionais da “imaginação e de ficção”. Mas aplica-se aqui como uma luva, ao livro de JSM, um dos retratos mais precisos dos dilemas de uma geração, a dos anos sessenta, em que a difícil fusão do um quarto de vida com três quartos de “imaginação e de ficção” fez mais estragos. E no entanto, tiveram mesmo uma vida...

O que é que se sabe quando se sabe demais? Sabe-se de menos. Não no sentido socrático do “só sei que nada sei”, mas no sentido de que há “saberes” que se perdem, a começar pelo da inocência. O dilema da minha geração, que é fácil reconhecer neste livro, é que ao mesmo tempo que se queria saber tudo (e durante uns anos poder tudo), não se queria perder a inocência, vivia-se na nostalgia de um mundo perfeito e original, que conheciamos dos livros e do cinema, mas que éramos incapazes de sentir, só de “imaginar e ficcionar”. Por isso, a geração dos anos sessenta foi ao mesmo tempo incapaz de ter emoções simples, de ser “genuína” e de ter frieza na razão, de ser cínica. Voltou-se para a utopia, essa perigosa procura de perfeição. Nunca produziu verdadeiros casos de gente a “falar como eu respiro”, nem de cínicos, mesmo depois de velhos, porque é uma geração que envelhece mal. As suas criações ficaram sempre nesse hiato de dois desejos, desses mundos do perfeito sentimento e da perfeita racionalidade, que procurava com afinco, para ser o que não era. Sabia demais. Acabou por isso por mudar mais a história do que a criação, mais a vida quotidiana do que a poética, mais os outros do que a si própria.

Este livro de Jorge Silva Melo é um bom exemplo deste dilema geracional, envolvido na forma muito peculiar desse olhar do saber que é a memória. Não há uma linha deste livro que não esteja impregnada pela memória, a forma agressiva da memória dos cultos, presa a mil e uma referências, mil e um olhares no écrã, no palco, absolutamente fundida pelos livros, apetece dizer de forma grossa e completamente verdadeira, fodida pelos livros. É esta a nossa forma peculiar de perda de inocência, uma logomaquia interior sem fim, que nos fez e onde nos fizemos, e de onde não queremos sair porque sem ela não sabiamos viver no oxigénio comum. E não é, como pensam os ignorantes, name dropping, é mesmo a coisa a sério. Éramos inteiramente, ontologicamente incapazes de ver sem de imediato termos a consciência que o que estavamos a ver era para ser recordado. Tudo tinha tanto sentido, tudo tinha que ter sentido mais do que ser sentido, tudo estava tão cheio de vozes dos livros e dos filmes, que cada passo, cada gesto era a incarnação de mil e um gestos anteriores, simbólicos, incantatórios, “culturais”, de que não nos conseguiamos livrar. O resultado é egotista, solipsista, solitário, quase autista, como as significativas fotografias do autor no fim do livro, onde havendo ocasionalmente outras pessoas, não há mesmo mais nenhuma a não ser JSM representando-se.

No livro de JSM nem sequer é preciso fazer anotações, basta abrir um texto à sorte e lá está o contínuo entre a arte e a vida, sempre mais arte do que vida, ou melhor sempre a vida sentida como a arte e com a arte, como se não pudesse existir sem referências, sem notas de pé de página. Disto não se escapa, nem se quer escapar, mas é complicado e um pouco claustrofóbico, porque poucas coisas são mais claustrofóbicas do que a densidade da”cultura”. Por exemplo: “Há aquele [quadro] de Courbet que, há anos, me persegue.” Por exemplo: “é que nos ateliers – naquele silêncio que tantas vezes Bach visita, ou Mozart...” Por exemplo, sobre uma viagem de Renault 4 (a marca do carro não é irrelevante, este modelo, este carro): “Berlim, Milão, teatros, cinemas. Livros. E o Monte Branco...” . Por exemplo, descendo uma rua de Lisboa: “e quis mostrar-lhe o Lisboa Cidade Triste e Alegre, (...) ou a fotografia de Sena da Silva com o Terreiro do Paço à chuva...” Tudo só existe na vida se existir na “cultura”.

O primeiro texto do livro é fundamental para o perceber, não saiba JSM o papel da abertura, o papel da apresentação, no teatro destas coisas. Mas aqui enganou-se, o texto devia estar no fim e não no princípio do livro. O texto é uma metáfora de todo o livro, a mais trágica de todas, uma espécie de encontro com a morte que nem sequer tem a delicadeza de jogar xadrez connosco, uma cena à Bergman, diria eu se quisesse imitar o JSM, embora seja mais à Fellini .

Relatando um encontro forçado no Nicola, com um daqueles personagens que nos falam obrigando-nos a ouvir, num monólogo obssessivo sobre o destino do mundo e as múltiplas conspirações desse mesmo destino, JSM encontra-se com um homem da sua idade, do seu tempo, da sua geração e acima de tudo com a suas referências. Face a esse personagem, que no fundo lhe quer pedir dinheiro e tentar vender uma jóia para jogar, é como se nós nos vissemos num espelho, um espelho indesejado. E se o nosso destino, fosse esse? E se visto de fora, de longe, do tempo, fosse esse o nosso balanço – uma jóia para vender, uma mendicância difícil de recusar porque é pedida por um dos nossos, um discurso desconexo cheio de nomes e memórias, mas sem verdadeiro sentido? Disto a “cultura” não nos defende. Em boa verdade, a vida também não.

(Publicado no Ipsilon, Público, 11 de Maio de 2007)

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11.5.07


CAÇA E RECOLECÇÃO
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Em breve os livros, papéis, efemera, fotos, apanhados pelo Norte.

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EARLY MORNING BLOGS
1018 - A Gralha e a Ovelha

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Uma Gralha ociosa pousou sobre o pescoço da Ovelha, e ali a repelava, e lhe tirava a lã, picando-a por entre ela. Virou a Ovelha o rosto, dizendo: - Esta manha ruim e antiga havereis de deixá-la esquecer, que podeis ir picar um rafeiro no pescoço e matar-vos-á levemente. Respondeu a Gralha: - Já sou velha, e muito feia e conheço a quem posso agravar e a quem devo afagar. Não temas que me ponha no pescoço do cão, senão no teu, que me não podes fazer mal.

(Esopo, Fábulas, vertidas do grego por Manuel Mendes)

*

Bom dia!

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10.5.07


AS LUZES DA CIDADE

Agora.

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OS LIVROS DA MINHA VIDA 2
(OS PROPRIAMENTE DITOS, OS VERDADEIROS, OS DA BAYER)

Este é um "velho" livro de ficção científica no duplo sentido de ter sido escrito no início do século XX, quando, em bom rigor, não havia o género e por ser um dos primeiros livros da colecção Argonauta (o 53) que li. Mais tarde, li todos os primeiros cem, a maioria na Biblioteca Pública Municipal do Porto, até ao número duplo que tinha o RUR do Karel Capek. Depois, devo ter lido mais um cem, dispersos na numeração até ao 300. Continuei a comprá-los até à numeração dos 400 em diante, mas praticamente nunca mais li nenhum. A ficção científica começou a ficar excessivamente psicologista, mais "fantástica" do que ficção e desinteressei-me.

Desta história apocalíptica de fim de mundo ficou-me uma memória de sempre, que se manifestou (e manifesta) pelo gosto por histórias deste tipo: alguma coisa aconteceu à Terra, meia dúzia de pessoas sobreviveram numa nova ecologia devastada. É um tema comum em muitos livros e filmes, mas para mim começou com este livro-catástrofe, um pouco metafísico, de um autor completamente esquecido. Tenho anotada a lápis a data da leitura, 1962, embora deva ser um erro porque o devo ter lido apenas em 1964. O livro foi o sexto que comprei com o meu dinheiro e custou a magna quantia de 12$50, cerca de 6 cêntimos.

*
Ah, também li muita coisa da Argonauta, mas em África não era fácil fazer colecções desta... Nos anos 60 o tema do fim do mundo estava de facto em voga, creio que por causa da consciência clara da possibilidade da guerra nuclear. A este propósito, o melhor que li foi "Um cântico a Leibowitz" (nº 169, 170 e 171 da Argonauta, de 1971), mais tarde reeditado pela Europa-América (2000)...

(Pinto de Sá)

*

Eu também sou um velho fã da FC e da “velhinha” Argonauta. Tem razão Pinto de Sá em considerar “Um cântico para Leibowitz” (Kurt Vonnegut jr.) um livro notável mas “Um Estranho em terra Estranha” ou “Estação de Transito” do Robert Henlein (Prof. do MIT) são inesquecíveis. O segundo foi publicado no nº200 da Argonauta conjuntamente com a Vampiro que curiosamente tinha as duas histórias (FC e Policial) imprimidas de tal modo que para ler a segunda tinha que se virar o livro ao contrário.

É difícil fazer uma enumeração dos autores que não fosse longa mas seria injusto não salientar Asimov e Cliford D. Simak. A Argonauta até publicou um conto do J. L. Borges (As Ruínas Circulares).Quando descobri a colecção (final da década de 60) já ela ia adiantada e na altura percorri muitos alfarrabistas e bancas de livros em segunda mão à procura dos famosos primeiros 100. Faltam-me ainda 12 e agora já não ando à procura deles. A colecção (completa) feita até ao nº 395 está hoje na parte de trás das estantes por ter perdido importância face a aquisições mais recentes e de outra monta. Mas tem o JPP razão. A FC deixou de ter graça.

(Fernando Manuel Soares Frazão )

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OS LIVROS DA MINHA VIDA
(OS PROPRIAMENTE DITOS, OS VERDADEIROS, OS DA BAYER)


A Casa Pessoa tinha-me pedido para falar daquela coisa que a gente fala sempre, dos "livros da minha vida". Sucede que, à última hora e parece que devido às trapalhadas lisboetas, as conversas da Lisboa "Cidade do Livro" ficaram remetidas para o verdadeiro papel que tem Lisboa como "cidade do livro": foram canceladas, não houve, kaput. Entretanto, eu fiz o trabalho de casa e, em vez de ir falar da lista do costume (a Bíblia, o Eça, o Joyce, etc., etc.), tinha resolvido ir aos livros quer fisicamente, os verdadeiros, as edições que tivera nas mãos na mítica primeira vez da vida, quer à lista real, não os livros que se pressupõe serem os "da vida" (e que o são muitas vezes como leituras segundas), mas os que alimentaram verdadeiramente o monstro. Não sou muito dado a estas confissões, mas aproveitem a minha infinita fraqueza com os livros. Como os meti numa mala para levar para a Casa Pessoa e antes de os arrumar de volta às estantes, aqui vão alguns.

A Ilha Mysteriosa de Júlio Verne, lido na edição da Typographia das Horas Românticas e traduzida por um lente verdadeiro com diploma.

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EARLY MORNING BLOGS
1017 - ....our Voyage at first was very prosperous.

Title PageMy father had a small Estate in Nottinghamshire; I was the Third of five Sons. He sent me to Emanuel-College in Cambridge, at Fourteen Years old, where I resided three Years, and applyed my self close to my Studies: But the Charge of maintaining me (although I had a very scanty Allowance) being too great for a narrow Fortune; I was bound Apprentice to Mr. James Bates, an eminent Surgeon in London, with whom I continued four Years; and my Father now and then sending me small Sums of Money, I laid them out in learning Navigation, and other parts of the Mathematicks, useful to those who intend to travel, as I always believed it would be some time or other my Fortune to do. When I left Mr. Bates, I went down to my Father; where, by the Assistance of him and my Uncle John, and some other Relations, I got Forty Pounds, and a Promise of Thirty Pounds a Year to maintain me at Leyden: There I studied Physick two Years and seven Months, knowing it would be useful in long Voyages.

Soon after my Return from Leyden, I was recommended, by my good Master Mr. Bates, to be Surgeon to the Swallow, Captain Abraham Pannell Commander; with whom I continued three Years and a half, making a Voyage or two into the Levant, and some other Parts. When I came back, I resolved to settle in London, to which Mr. Bates, my Master, encouraged me, and by him I was recommended to several Patients. I took Part of a small House in the Old Jury; and being advised to alter my Condition, I married Mrs. Mary Burton, second Daughter to Mr. Edmund Burton, Hosier, in Newgate-street, with whom I received four Hundred Pounds for a Portion.

But, my good Master Bates dying in two Years after, and I having few Friends, my Business began to fail; for my Conscience would not suffer me to imitate the bad Practice of too many among my Brethren. Having therefore consulted with my Wife, and some of my Acquaintance, I determined to go again to Sea. I was Surgeon successively in two Ships, and made several Voyages, for six Years, to the East and West-Indies, by which I got some Addition to my Fortune. My Hours of Leisure I spent in reading the best Authors, antient and modern, being always provided with a good Number of Books ; and when I was ashore, in observing the Manners and Dispositions of the People, well as learning their Language, wherein I had a great Facility by the Strength of my Memory.

The last of these Voyages not proving very fortunate, I grew weary of the Sea, and intended to stay at home with my Wife and Family. I removed from the Old Jury to Fetter-Lane, and from thence to Wapping hoping to get business among the sailors; but it would not turn to account. After three Years Expectation that things would mend, I accepted an advantageous Offer from Captain William Prichard, Master of the Antelope, who was making a Voyage to the South-Sea. We set sail from Bristol May 4th, 1699 and our Voyage at first was very prosperous.

(Jonathan Swift)

*

Bom dia!

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9.5.07


IMAGENS QUE FALAM

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Decorações ao estilo assírio do Hotel King David, Jerusalem, Israel.

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8.5.07


IMAGENS QUE FALAM


http://www.abrupto.blogspot.com/caravaggio7.jpg"Escritório" de S. Jerónimo, Belém, Palestina.

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 8 de Maio de 2007


Duplicidades: tivesse a extrema-direita em qualquer país europeu, ou em todos juntos, incendiado centenas de carros e provocado motins políticos anti-democráticos contra um resultado eleitoral, e havia um clamor gigantesco. Onde está sequer um pequeno clamor, um fiozinho de clamor, um esboço de indignação, uma pequena preocupação? Em lado nenhum. Repito o que já disse: o discurso do "políticamente correcto" não pode incorporar a violência da extrema-esquerda, mesmo quando ela é absolutamente evidente.

E de passagem, de novo a RTP: no noticiário das 13.00, Sarkozy que foi descansar para Malta, aparece como se tendo "refugiado" (sic) em Malta na sequência dos motins...

*

http://antwrp.gsfc.nasa.gov/apod/image/0705/deathvalleysky_nps_big.jpg

A foto do Astronomy Picture of Today é absolutamente a não perder, já que a escuridão está a acabar.
E um poema sobre a escuridão que li hoje: Navigating in the Dark de Erik Campbell escrito na Papua indonésia:

In this mining town in Papua the electricity
Has a habit of giving up at night, and this
Is a miracle of modern stasis, a secular Shabbat,
Reminding us of what is expendable, of how so few
Of us ever truly experience the dark. We are amazed,
My wife and I, with the heavy darkness
Of the no moon jungle, insect sounds lacerating
All illusions of silent places. “It’s so absolute,”
My wife says, and I like to think she means
More than the darkness; the naked places
Of ourselves we dress in sunlight, lamps,
And recorded music like antithetical
Blanche DeBois’s fearing a different sort
Of scrutiny. “We could pretend it’s 1940,”
I say, “put a Jack Benny tape on the short wave
And drink coffee, light candles.” She suggests
A walk outside instead, where there are dozens
Of others already out on paths bounded by jungle,
Stepping small and laughing loudly through various
Uncertainties; flashlights as eyes, ears like animals’.
Soon we are trying only to remember not to disappear
Altogether; everything is so absolutely, so darkly possible.
*

Fotos de livros no Flickr (informação de Luhuna Carvalho): por ler, e livros, livros, livros.

*

Dos leitores sobre o jornalismo a que temos direito:
Como todos os doentes terminais postos perante as más novas, a esquerda, nela incluído grande número de editores e jornalistas, está em negação. Só isso pode explicar a maneira como a eleição de Nicolas Sarkozy para Presidente da França foi tratada nas televisões e jornais portugueses. Completa ausência de hierarquia da relevância, grave desonestidade intelectual, grau zero de profissionalismo. Eu, que sou jornalista, metade me indigno, metade me envergonho.

(J.C.)

Alguns dados que contrariam o reporting da RTP e mostram de que "ideias feitas" ele era "feito":

Eis alguns número sobre as eleições em França:

- Nicolas Sarkozy venceu no coração industrial da França que não votava num Presidente de direita desde Charles de Gaulle em 1965.

- Apesar de ter chamado "escumalha" aos que protestavam em 2005 em Saint-Denis, obteve 44% dos votos nesta região a norte de Paris.

- Consegui 52% do voto feminino contra 48% de Ségolène Royal.

- Sarkozy manteve o seu eleitorado: 82% dos pequenos e médios empresários, 67% dos agricultores e 61% dos franceses com mais de 61 anos votaram nele.

- Consegui 57% dos votos do eleitorado entre os 25 e 34 anos.

(Daniel Nunes)

*

Escrevo-lhe por ter tido hoje a possibilidade de ter visto um pouco do telejornal da RTP1 à noite 20.00, 7/5/2007) . Vi no seu blogue o que escreveu acerca das escolhas da RTP nos seus telejornais, e hoje enquanto ouvia o telejornal pareceu-me ter ouvido "bombo da festa" na reportagem relativa aos 33 anos do PSD.

Revi na internet a reportagem e fiquei um bocado "enjoado" pela maneira como foi noticiada a peça. Começa aos 33m10s e acaba nos 34m44s (1m34s de reportagem).

Todo o tom, nuances na voz e forma como coloca as palavras, parece ter um tom de gozo. Aliás, a jornalista não noticia o acontecimento, limita-se a fazer comentários e apartes, entrecortados com o discurso de Marques Mendes, o qual se faz num tom completamente diferente do tom em que fala a jornalista (o que a mim ainda me deu mais a noção de gozo, pelo contraste existente).

Mas o que me fez escrever-lhe foram as pérolas que a jornalista nos deu: Após a mensagem de Alberto João Jardim, a jornalista comenta que "...a partir daqui só houve um bombo da festa..." introduzindo o discurso "irado" de Marques Mendes. Ora a frase que não faz o mínimo sentido, é de péssimo gosto e nem retrata o que se segue. Depois temos "...e até já faz promessas eleitorais." relativo a Marques Mendes ter dito que iria ter no seu governo um ministro para as pequenas empresas.

Extraordinário, como em apenas 1m34s se consegue transmitir uma ideia de trivialidade e de descrédito na mensagem e na pessoa de Marques Mendes. Parabéns RTP.

(Hugo Filipe)

*

Na RTP , uma reportagem pós – eleições na Madeira, no Jornal da Noite de 07/05 ( provavelmente disponível na parte Multimédia da RTP) , tentando " perceber" o porque das vitórias de Alberto João Jardim . Segundo a jornalista , uma das razões estava no modelo de desenvolvimento , que assentava nas grande obras Públicas , no investimento publico , e num governo regional que é o maior empregador da Madeira.

A jornalista depois lá dizia que o modelo de desenvolvimento estava esgotado e que o investimento Público devia dar lugar ao Investimento Privado . Como os defensores de Hayek haviam de gostar de ver esta reportagem...

Esta reportagem é surreal . De facto , " o modelo de desenvolvimento" ( expressão que por si só , remete Portugal para o patamar dos Países de Terceiro Mundo ) da Madeira é o mesmo que qualquer autarquia do Continente e do Governo da Republica.

O Serviço Público no seu melhor..

(João Melo)

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EARLY MORNING BLOGS
1016 -Poppy

It builds like unseen fire deep in a mine,
This igneous, molten wrath,
The smelting torture that rises with the decline
Of reason, signifying death.

As when, fueled with suspicion, the coal-black
Othello is wrought forge-hot
Or when pouting Achilles lashes back
At the whole Trojan lot.

For the death of Patroclus: the one prepared to die
In fury, to pit his life
Against a well-armed equal, the other to slay
An innocent young wife;

Both, curiously, heroes. It is like that seething
Pit, pitch-black, as whose lip
A petaled flame spreads crimsonly, bequeathing
One or another sleep.

(Anthony Hecht )

*

Bom dia!

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7.5.07


IMAGENS PARA OS DIAS DE HOJE

Uma das "bocas da verdade" existentes em Veneza para permitir as "denúncias secretas em matéria de estado".

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O NOSSO POBRE INDIVIDUALISMO...



(...) neste tempo de apelo governamental à denúncia dos fumadores, dos corruptos, dos que fogem aos impostos, pareceu-me interessante recuperar este texto de Jorge Luis Borges. Foi retirado do artigo "Nuestro pobre individualismo", que integra a obra "Otras Inquisiciones" in Jorge Luis Borges- Obras completas, vol. I: 1923-1972, Buenos Aires, Emecé, 1989, p. 658-659.

El argentino, a diferencia de los americanos del Norte y e casi todos los europeos, no se identifica con el Estado. Ello pude atribuirse a la circunstancia de que, en este país, los gobiernos suelen ser pésimos o al hecho general de que el Estado es una inconcebible abstracción; lo cierto es que el argentino es un individuo, no un ciudadano. Aforismos como el de Hegel "El Estado es la realidad de la idea moral" le parecen bromas siniestras. Los films elaborados en Hollywood repetidamente proponen a la admiración el caso de un hombre (generalmente, un periodista) que busca la amistad de un criminal para entregarlo después a la policía; el argentino, para quién la amistad es una pasión y la policía una maffia, siente que ese "héroe" es un incomprensible canalla. Siente con D. Quijote que "allá se lo haya cada uno con su pecado" y que "no es bien que los hombres honrados sean verdugos de los otros hombres, no yéndoles nada en ello" (Quijote, I, XXII). Más de una vez, ante las vanas simetrías del estilo español, he sospechado que diferimos insalvablemente de España; esas dos líneas del Quijote han bastado para convencerme del error; son como el símbolo tranquilo y secreto de nuestra afinidad. Profundamente lo confirma una noche de la literatura argentina: esa desesperada noche en la que un sargento de la policía rural gritó que no iba a consentir el delito que se matara a un valiente y se puso a pelear contra sus soldados, junto al desertor Martín Fierro.

El mundo, para el europeo, es un cosmos, en el que cada cual íntimamente corresponde a la función que ejerce; para el argentino, es un caos. El europeo y el americano del Norte juzgan que ha de ser bueno un libro que ha merecido un premio cualquiera; el argentino admite la posibilidad de que no sea malo, a pesar del premio. En general, el argentino descree de las circunstancias. Puede ignorar la fábula de que la humanidad siempre incluye treinta y seis hombres justos -los Lamed Wufniks- que no se conocen entre ellos pero que secretamente sostienen el universo; si la oye, no le extrañará que esos beneméritos sean oscuros y anónimos...Su héroe popular es el hombre solo que pelea con la partida, ya en acto (Fierro, Moreira, Hormiga Negra), ya en potencia o en el pasado (Segundo Sombra). Otras literaturas no registran hechos análogos. Consideremos, por ejemplo, dos grandes escritores europeos: Kipling y Franz Kafka. Nada, a primera vista, hay entre los dos de común, pero el tema de uno es la vindicación del orden, de un orden (la carretera en Kim, el puente en The Bridge-Builders, la muralla romana en Puck of Pook's Hill); el del otro, la insoportable y trágica soledad de quien carece de un lugar, siquiera humildísimo, en el orden del universo.

Se dirá que los rasgos que he señalado son meramente negativos o anárquicos; se añadirá que no son capaces de explicación política. Me atrevo a sugerir lo contrario. El más urgente de los problemas de nuestra época (ya denunciado con profética lucidez por el casi olvidado Spencer) es la gradual intromisión del Estado en los actos del individuo; en la lucha con ese mal, cuyos nombres son comunismo y nazismo, el individualismo argentino, acaso inútil o perjudicial hasta ahora, encontrará justificación y deberes.
(António Cardoso da Conceição)

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: O NASCER DA EUROPA



A única Europa que é provável ver nascer nos tempos mais próximos é esta: Europa, satélite de Júpiter. Hoje aqui.

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 7 de Maio de 2007


Um dos apresentadores num noticiário qualquer televisivo disse de passagem, certamente pensando nas dezenas de minutos que em cada noticiário se passa especulando sobre o possível rapto de uma menina inglesa no Algarve, que é o assunto a que todos os jornais ingleses dão a primeira página. Não é verdade. Devia ter dito a que todos os tablóides ingleses dão a primeira página. É essa a comparação certa com os nossos noticiários televisivos (com triste relevo para a RTP, a do "serviço público"), a dos jornais tablóides.

*
O caso da menina britânica raptada ocupava sábado passado a primeira página de todos os jornais no Reino Unido. Mesmo o conservador Daily Telegraph tinha uma fotografia da menina que ocupava metade da página.

A BBC on-line tem a notícia na sua primeira página desde que se deu o rapto. A BBC 1 tem colocado a notícia em segundo lugar na ordem das notícias do jornal da noite.

O caso está a mobilizar o Reino Unido por se tratar de um desparecimento de uma menina num local supostamente seguro para crianças. E provavelmente porque muitos pais terão feito o mesmo que os McCann - irem jantar fora a um restaurante próximo do apartamento onde deixaram os filhos a dormir.

A nossa polícia não surge com a melhor das imagens, pois notícias que aqui circulam indiciam que terá começado a actuar tarde. Jornais referem também que Portugal não tem departamentos especializados em crimes contra crianças, o que consideram inexplicável num país onde abundam redes de pedofilia. Apelidam de caóticas as conferências de imprensa dadas pela Polícia. É preciso não esquecer que a polícia britânica é especialista em relações públicas e em comunicação.

Acima de tudo, Deus queira que a nossa Polícia Judiciária consiga efectivamente descobrir a menina, sã e salva.

(Ana Pinheiro)
*

A máquina de desvalorizar já está em pleno funcionamento para a Madeira.

NOTA - A carta do leitor reproduzida em baixo levou-me ao mesmo artigo de Domingos de Andrade, mas agora sobre as eleições da Madeira. Começa assim:
Jardim não ganhou. Ganhou o populismo fácil. Jardim quis plebiscitar a lei das finanças regionais, quis mostrar ao continente que o povo, o povo dele, o povo que vive das migalhas que ele displicentemente deixa cair, as migalhas do bolo que pagamos, está contra o controlo das verbas por parte do Governo central. Jardim não ganhou. Perdeu o isolado PS- -Madeira, que não soube apresentar - ou não tinha - uma alternativa credível. Se é que valia a pena.
*
Em artigo assinado pelo chefe de redacção do Jornal de Notícias (Domingos de Andrade) escreve-se a propósito dos resultados das eleições francesas "Ganhou o discurso fácil de Sarkozy, que melhor soube interpretar e ludibriar o desejo de mudança dos franceses". Na continuação acrescenta "É preciso, disse no discurso de vitória, "reabilitar" o trabalho, a "autoridade" e o "mérito". São as palavras de ordem que sucederão aos últimos 200 anos de Liberdade, Fraternidade e Igualdade" - .

Não obstante não ser partidário de Sarkozy não deixo de ficar perplexo com este texto. É que de duas uma: ou o chefe de redacção do JN desconhece a realidade francesa e não acompanhou a campanha eleitoral, logo não deveria escrever sobre o assunto ou temos que admitir simplesmente que se trata duma escrita eivada de má fé em que as preferências partidárias e ideológicas primam sobre a objectividade do jornalista.

Ainda a propósito do discurso fácil - conviria recordar quem prometeu o aumento generalizado das prestações sociais, quem reeditou o usual refrão "os ricos que paguem a crise" a propósito das propostas de limitação dos impostos a 50% dos rendimentos, e num registo quase melodramático a propósito da violação de duas agentes de polícia num dos bairros dos suburbios de Paris sugeriu que no futuro as agentes passassem a ser acompanhadas pelos seus colegas nos seus trajectos quotidianos (o que mereceu de Sarkozy o comentário "os funcionários passam a ter como função proteger ... os funcionários". Talvez Domingos Andrade devesse reflectir sobre as palavras de um dos tenores do PSF - Dominique Strauss Kahn - que em comentário após os resultados disse "não podemos continuar a persistir numa visão ultrapassada do mundo - há que encetar uma renovação rumo à social democracia ...". Aparentemente Domingos Andrade apenas reteve a palavra de ordem da ala esquerda do PS, do PC (cuja candidata na primeira volta não atingiu os 2%) e da extrema esquerda "Tudo menos Sarkozy" que em si mesma é já um insulto aos eleitores.

A questão fundamental nem sequer são as ideais pessoais de Domingos de Andrade. O que se passa é que perante uma visão tão marcadamente enviesada da realidade não deixo de me perguntar se a sua objectividade jornalística, e a do jornal de que é chefe de redacção, conseguirão sobreviver.

(Carlos Oliveira, Luxemburgo)

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IMAGENS QUE FALAM

A bandeira portuguesa em Ramallah, Autoridade Palestiniana, no edifício onde funciona a Representação de Portugal.

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EARLY MORNING BLOGS
1015 - Bond and Free

Love has earth to which she clings
With hills and circling arms about—
Wall within wall to shut fear out.
But Thought has need of no such things,
For Thought has a pair of dauntless wings.

On snow and sand and turf, I see
Where Love has left a printed trace
With straining in the world’s embrace.
And such is Love and glad to be.
But Thought has shaken his ankles free.

Thought cleaves the interstellar gloom
And sits in Sirius’ disc all night,
Till day makes him retrace his flight,
With smell of burning on every plume,
Back past the sun to an earthly room.

His gains in heaven are what they are.
Yet some say Love by being thrall
And simply staying possesses all
In several beauty that Thought fares far
To find fused in another star.

(Robert Frost)

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Bom dia!

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6.5.07


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 6 de Maio de 2007


Hoje havia dois assuntos fortes para qualquer telejornal com um mínimo de jornalismo dentro de si, as eleições na Madeira e em França. A RTP falhou por completo, evitando por coincidência dois assuntos incómodos para o PS e o Governo. Isto já para não falar desse pomposo nome de "serviço público" e da ideia de superioridade inerente da informação da RTP sobre as privadas.

A RTP fez o pior de todos os telejornais, desconexo e errático, centrado no caso do rapto da menina no Algarve (quase 16 minutos na abertura do telejornal, enquanto a TVI e a SIC falavam das eleições). No seu conjunto, a estação que tem mais meios pagos pelo erário público, correspondentes em França e uma delegação na Madeira, só falou por favor das eleições em França e tratou as eleições da Madeira com desprezo. Nem sequer quem viu a RTP ficou a saber o mínimo numa noite eleitoral, a comparação de números entre as últimas eleições e as actuais, nem os resultados dos pequenos partidos que tinham uma competição própria. Tudo muito mau, com a cereja em cima do péssimo bolo, Marcelo e Vitorino a fazer um papel decorativo, sem chama, nem controvérsia, espelhando a intencionalidade baça de todo o telejornal.

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SEMPER IDEM

(Van Gogh)

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A TERCEIRA ENTIDADE



Por detrás de Carmona Rodrigues, ao lado, em cima, a aplaudir às claras, a conspirar às escuras, a conspirar às claras, a mover-se quer como um polvo, quer como aqueles pombos que vinham nos livros antigos de zoologia, um a que tinham tirado o cérebro e ficava firme e hirto, outro a quem tinham tirado o cerebelo e ficava ali pousado na sua própria gravidade, está uma entidade pouco visível em todo este processo. Na sua declaração, Carmona Rodrigues referiu-se-lhe de passagem sem a nomear. Esta terceira entidade na crise lisboeta, não sendo decisiva em nada de importante como seja ganhar eleições, é fundamental nas peripécias. Ora peripécias é o nome do processo de Lisboa a partir de agora. Esta entidade é o aparelho político do PSD em Lisboa, a distrital de Lisboa.

Duas prevenções são necessárias. Uma é que a distrital de que falo está muito para além da sua actual presidente, e pouco tem a ver com ela, já lá estava antes, estará lá depois. Os presidentes passam, mas os mesmos homens e mulheres lá ficam agarrados aos seus pequenos e pequeníssimos poderes, nas secções, uns na oposição, outros controlando secções onde funcionam como caciques há longos anos. Todos têm um longo historial de conflitos, agudíssimos pela proximidade, uns contra os outros, aliando-se e zangando-se conforme as conveniências, arregimentando-se atrás da "situação" (a distrital e o seu presidente, ou os autarcas em funções), ou combatendo-a sem descanso. São várias centenas de pessoas, do PSD, da JSD e dos TSD, que "militam" no preciso termo da palavra, mantêm as estruturas a funcionar, reúnem-se, discutem, organizam umas sessões, mas, acima de tudo, prosseguem uma actividade de marcação de território, de conquista ou minagem.

A segunda prevenção é que tudo o que eu digo sobre a distrital de Lisboa é aplicável ipsis verbis à estrutura idêntica do PS na capital. Os dois partidos funcionam da mesma maneira e têm um "pessoal" político que parece tirado a papel químico. E a questão está muito para além de ser do PSD ou do PS. Tem a ver com a degradação acentuada dos aparelhos partidários em Portugal. Revelam-se na sua actuação não só velhas tendências diagnosticadas há muito na "oligarquização" dos partidos, mas também as fragilidades do tecido político nacional e a crise dos partidos dentro da crise mais geral das mediações nas sociedades que caminham da democracia para a demagogia.

Eu conheço bem esta realidade porque fui presidente da distrital de Lisboa, onde ganhei duas eleições (uma das quais as primeiras directas no PSD) e perdi vergonhosamente uma. Foi a minha experiência política mais desastrosa, mais desgastante, menos rewarding, mas foi aquela em que aprendi mais e, num certo sentido, uma das mais interessantes para perceber muita coisa que se passa no PSD, e o próprio PSD e o PS. Prometo a mim próprio há muitos anos escrever uma memória destes tempos, mas talvez ainda seja cedo ou tarde de mais, até porque os nomes circulantes continuam por aí, e continuarão até morrer porque esse é o seu modo de vida. Já estiveram comigo, com os meus opositores, com os opositores dos meus opositores, com os amigos e com os inimigos, mas estão lá, que é o que interessa. Muitos deles são instrumentais na crise de Lisboa, uns a favor de Carmona, outros de Marques Mendes, outros virulentamente contra os dois, ou só contra um deles. Farão tudo para se defender e aos seus lugares, e farão tudo para varrer os outros dos lugares. É a lei da selva mais dura que para aí anda, com um grau de produção de "inimigos íntimos" sem dimensão fora da política, mas "eles" são a distrital de Lisboa e não há outra.

Tiro já da equação factores que têm hoje um pequeno papel em todo este processo. Um é a componente ideológica e partidária, a adesão a um corpo de ideias e políticas, uma obrigação de intervenção cívica, que nos primeiros anos do PSD era um motivador das suas "bases" e que agora é apenas uma sobrevivência inútil. As listas nas secções e na JSD não têm qualquer lastro ideológico e político e são quase inteiramente "posicionais": contra este ou aquele, de "oposição ao líder", ou ao seu serviço, a favor deste ou daquele grupo, deste ou daquele interesse. O essencial é constituir sindicatos de votos que ou são livres de se deslocarem ao serviço dos seus donos, ou são emanações de outros grupos e de outras pessoas, de cujo sucesso político ficam dependentes, como é o caso dos "santanistas".

As velhas classificações, como a de "sá carneirista", são hoje meramente instrumentais e usam-se cada vez menos. Um dos grandes "sá carneiristas" que conheci numa secção dos subúrbios de Lisboa mal verificou que não seria recandidato a uma vereação, depois de fazer tudo, e foi mesmo tudo, para conseguir manter o lugar, acabou depois por procurar o PRD, o PSN e por fim o PDC, partidos que existiam apenas nominalmente, para conseguir candidatar-se contra o PSD. Existe ainda a "camisola", uma identidade laranja forte, principalmente nos mais velhos, mas é uma atitude póstuma nas cidades, embora ainda haja pelo país fora sobrevivências desta antiga cultura de partido, feita da resistência nos anos difíceis dos anos 70 e 80, ela está em extinção.

O segundo factor é a ilusão de que haja qualquer ética de serviço público, qualquer vontade cívica, qualquer projecto que não esteja ao serviço de objectivos que são para eles "profissionais" no sentido pleno, para si ou para os seus familiares e amigos. Ninguém quer verdadeiramente ganhar nada, mas querem manter o statu quo e esse statu quo é medido pelo número de lugares de que dispõe um grupo ou uma secção e a sua categoria (a resistência do aparelho do PS a eleições em Lisboa é da mesma natureza). Esses lugares são aqueles que aparecem nas estatísticas da oposição como as dezenas e centenas de militantes do PSD e da JSD (lembro, no PS é a mesma coisa) que entraram para este ou aquele departamento da Câmara de Lisboa, esta ou aquela empresa municipalizada, gabinete da vereação ou serviço municipal.

Há os fiéis de Santana que Carmona afastou e que são violentamente anti-Marques Mendes, há os fiéis de Paula Teixeira da Cruz herdados de António Preto, que são pró-Marques Mendes, há os opositores a Paula Teixeira da Cruz e ligados a Helena Lopes da Costa, secretária-geral proposta por Luís Filipe Menezes, há os que se colaram a Carmona e ao seu poder autárquico e que sabem que, se este cair, caem com ele para o ajuste de contas dos seus adversários, lugar a lugar, secção a secção, há os "companheiros" do vereador A ou B, o seu grupo de apoiantes a quem atribuiu lugares na estrutura da câmara e que sabem que tão cedo não voltam, há uma miríade de interesses instalados que resistirão manu militari. Não me admira pois que mandem o partido às malvas e queiram desesperadamente lá ficar, a não ser que percebam que a sua atitude é inútil.

Face a eles não adianta perguntar qual o poder de Carmona, Paula Teixeira da Cruz ou Marques Mendes, porque a resposta é quase nenhum. Terão, talvez, algum poder em 2008, mas todos os seus adversários trabalham afincadamente para que não estejam lá em 2008 a fazer as listas para 2009. Há uma frase atribuída a Jaime Gama sobre os jornalistas, que dizia que "ou se tinha poder para os despedir ou dinheiro para os comprar". Infelizmente para todos, a situação nos partidos não é muito diferente e ninguém tem nem uma coisa nem outra.

( Público de 5 de Maio de 2007)

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O seu artigo no "Público" (05/05/07) e no "Abrupto" é mais uma reflexão sobre o funcionamento do nosso sistema político. Na minha modesta opinião é o problema central dos modelos democráticos - portanto muito mais que um problema exclusivamente Português.

Não sei se existe um estudo sociológico sobre a composição dos partidos políticos (pelo menos eu não conheço). Seria útili conhecer a profissão dos militantes, principalmente dos partidos de poder. Tenho a percepção que a esmagadora maioria das bases é constituída por um corpo de funcionários públicos e para-públicos que, lentamente, diria mesmo naturalmente, se aproximaram dos partidos politicos e se tornaram militantes. Estão nas autarquias, em grande número, mas em muitas outras instituições. Institutos de emprego, delegações regionais de ministérios, comissões de coordenação e, muitas outras (que nem suspeito que existem).

Ora esta realidade, apesar de estar longe dos centros de decisão e de poder, condiciona a actividade local dos partidos e a longo prazo condiciona a actividade e as decisões politicas. Como se consegue reestruturar a administração publica com esta fortíssima contra corrente? Como podem as bases dos partidos suportar decisões com impactos profundos nas suas vidas?

O que se passa nas distritais é a espuma desta amalagama. A rede de dependencias entre as pessoas, as histórias de pequenas traições, transparecem nas atitudes na hora de tomar decisões políticas e formalizar candidaturas. Esta reflexão leva-me a duvidar daqueles que contestam, por exemplo, o papel do secretário geral ou do presidente do partido, na hora se escolher os candidatos a deputados. Então com este ambiente, devem ser as bases?

Romper este ciclo vicioso é uma tarefa gigantesca. Mas as grandes obras também se fazem com tijolos. Quem nos dá pistas sobre o modo de o conseguir?

(Pedro Geirinhas Rocha)

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NUNCA É TARDE PARA APRENDER: UMA GUERRA DE SURPRESAS

http://www.booksamillion.com/bam/covers/0/80/521/124/0805211241.jpgAbraham Rabinovich, The Yom Kippur War: The Epic Encounter That Transformed the Middle East, Nova Iorque, Schoken Books, 2005.

O recente relatório Winograd sobre a Segunda Guerra do Líbano, muito crítico do governo de Olmert e da liderança militar, não é inédito na tradição da democracia israelita. A Comissão Agranat, analisando a guerra conhecida como a do Yom Kippur, por se ter iniciado nesse dia de feriado judaico em 1973, foi também um documento duríssimo, que levou ao afastamento de alguns dos militares mais prestigiados do exército israelita, como o general Elazar e o chefe dos serviços de informação militar, e atingiu Moshe Dayan e Golda Meir, respectivamente Ministro da Defesa e Primeiro-Ministro. O Relatório Agranat (como o Relatório Winograd) gerou manifestações violentas contra a liderança política e militar de Israel e acabou por ter consequências políticas a médio prazo muito significativas.

E no entanto... os israelitas ficaram a um passo de ganhar a guerra e colocar os seus tanques nos arrabaldes de Damasco e do Cairo e só não foram mais longe porque os americanos lhes fizeram um ultimato, obrigando-os a parar. Embora ficasse no ar um sabor a meia vitória, esse sabor fora imposto de fora, e não resultara da situação militar no terreno, claramente favorável aos israelitas. Mas foi o início da guerra que marcou traumaticamente os israelitas, que estiveram no limiar de um desatre militar que podia, no dizer de Dayan, no seu momento mais deprimido, destruir o "Terceiro Templo", ou seja o Estado de Israel. A ofensiva do Egipto e da Síria foi uma surpresa e não devia ter sido, e todas as certeza que tinham os militares israelitas sobre a sua superioridade face aos árabes revelaram-se ilusórias. Apoiados em novo armamento soviético - os mísseis SAM impediram a aviação de actuar, e o armamento anti-tanque usado massivamente pela infantaria provocou perdas muito significativas nas divisões blindadas -. os soldados egípcios mostraram uma valentia e profissionalismo que espantaram os soldados e oficiais israelitas. E, dois dias depois, os exércitos árabes tinham ocupado as margens do canal no Sinai e uma parte dos Montes Golan a norte.

Depois veio a reacção israelita.

(Continua.)

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1014 - O Caçador e a Rede

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Estendia um Caçador suas redes. Um Melro, que o viu, perguntou-lhe o que fazia. Respondeu-lhe o Caçador, que edificava uma cidade; e acabando de espalhar as redes, escondeu-se. O Melro, dando-lhe crédito, chegou-se para ver o novo edifício, e caiu na rede. Saiu o Caçador para apanhá-lo, e o Melro lhe disse mui indignado: Homem falso, e enganador, se assim edificas tal cidade, poucos habitadores lhe acharás.

(Esopo, Fábulas, vertidas do grego por Manuel Mendes)

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Bom dia!

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© José Pacheco Pereira
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