ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
|
1.4.06
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DIMENSÕES E FANTASIAS Mais mil, menos mil...Mais um exemplo de rigor jornalístico à portuguesa. O Público tem uma notícia na sua edição online onde se pode ler : Seis mil iniciaram manifestação em Lisboa por melhores condições laborais. Neste momento em que decorre o comício no Rossio, observo da janela onde me encontro um magote de indívidos que escutam o discurso de Carvalho da Silva que dificilmente ultrapassá um milhar. Onde é que estão os outros 5000? Perderam-se no caminho entre a Praça do Chile e o Rossio, ou não passará tudo isto de uma singela mentira do primeiro de Abril? (F. Caetano) (url) LENDO / VENDO /OUVINDO (BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES) (1 de Abril de 2006) __________________________ Ruas americanas. Spring fever. * A marcação da agenda mediática pelos blogues é cada vez mais importante, queira-se ou não. Começa a haver um claro mecanismo de sinergias entre os blogues e outros meios: jornais e revistas em papel, emissões de rádio, publicação de livros, programação cultural, colóquios e sessões de debate, iniciativas culturais e políticas. Este caminho não tem retorno, quem o segue anda em frente. É natural que essa agenda não se manifeste para já com a mesma importância em todas as áreas, mas, em áreas criticas do espaço público, começa a impor-se cada vez mais. Entre essas áreas tem relevo a própria comunicação social, que cada vez mais recruta nos blogues, e o “espaço cultural” mais mediatizado, incluindo a edição, a animação cultural, os eventos, como agora se diz. Há dois exemplos actuais típicos: a polémica sobre a providência cautelar ao livro de João Pedro George, que ecoa o impacto de um seu texto no Esplanar; e, com origem no mesmo blogue e amplificado por um debate na blogosfera, a questão do amiguismo na crítica literária. O debate na Casa Fernando Pessoa (relatado no Público de hoje) é típico deste papel dos blogues. Organizado por Francisco José Viegas, que trouxe para a programação da Casa o mundo dos blogues de que ele próprio faz parte, o seu tema era o do debate de há dois meses na blogosfera, e os seus intervenientes eram identificados em linha pelos blogues que escreviam. Mais significativo ainda: o ambiente na sala, como refere o Público, “fez a temperatura ferver na Casa Fernando Pessoa”, o que também é típico dos blogues e já não se usava há muito no mundo da “cultura”. ADENDA: outro aspecto interessante deste novo mundo é poder-se ler o relato do que aconteceu na Casa Fernando Pessoa a muitas vozes. Uma delas, a de Eduardo Pitta, que estava na mesa do debate, acrescenta esta muito interessante nota "social" que só confirma o que se diz acima: "Numa sala a abarrotar, encontrei Isabel Coutinho, editora do Mil Folhas, Carla Hilário de Almeida Quevedo, do Bomba Inteligente, Gustavo Rubim, João Pereira Coutinho, Isabel Goulão, do Miss Pearls, Miguel Real, Luís Carmelo, do Miniscente, João Rodrigues, editor da Dom Quixote, Ana Madureira, do gabinete da ministra da Cultura, Maria do Rosário Pedreira e Ana Pereirinha, respectivamente editora e editora-adjunta da QuidNovi, o jornalista Rui Lagartinho (facção pró-Margarida), Ana Cláudia Vicente, do Quatro Caminhos, e se me esqueço de alguém é sem intenção. O Francisco, a Anick e o Ricardo, como sempre, anfitriões atentos. O vinho não sei se era bom, não provei." (url)
EARLY MORNING BLOGS 745
Le chat Je souhaite dans ma maison : Une femme ayant sa raison, Un chat passant parmi les livres, Des amis en toute saison Sans lesquels je ne peux pas vivre. (Guillaume Apollinaire) * Bom dia! (url) Thomas Frank, What's The Matter With Kansas? How Conservatives Won The Heart Of America Anthony Bianco, Ghosts Of 42nd Street: A History Of America's Most Infamous Block Garry Wills, Lincoln at Gettysburg the Words That Remade America (url) 31.3.06
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: UM SERVIÇO PÚBLICO MUITO ESPECIAL
Se quiser juntar ao acervo de argumentos contra a existência de meios de comunicação do Estado mais um, e constatar ainda outra vez o vazio do conceito de "serviço público" nesta área, deite uma espreitadela à notável mini-série que a RTP exibe desde 4ª feira... à 1 da madrugada, "To the end of the earth", baseada nos livros de William Golding (concluiu hoje 6ª). Os jogos de poder e românticos, a exigente contenção geral da realização, os matizes e flutuações dos personagens, a construção da história e das relações, são, todas elas, absolutamente raras e superiores. Mas a grosseria da programação do tal "serviço público" expele a série para as madrugadas de um dia de semana. (José Cruz) (url)
INTENDÊNCIA
Actualizadas as notas GRIPE, LIVROS, TELEVISÃO E O CANAL DA FOX e A CRISE DA IMPRENSA ESCRITA URBI ET ORBI. (url)
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: NEM TUDO É SIMPLES NO SIMPLEX
Não sei se os portugueses em geral e os jornalistas em especial já repararam no seguinte: o SIMPLEX 2006 prevê um conjunto concreto de medidas e especifica as entidades responsáveis pela implementação dessas medidas; passadas horas da apresentação desse programa, é apresentado o PRACE onde se prevê que a maior parte desses mesmos organismos é extinta (leis orgânicas aprovadas até Junho de 2006). Mas algo não bate certo - por exemplo, as medidas do SIMPLEX 152/ 153/ 154/ 155/ 156/ 157/ 158/ 160/ 161/ 162/ 163/ 164/ 165/ 166/167/169/170/168/149/151/159 e 150 (isto é, 22 medidas só deste exemplo!) são medidas a serem concretizadas pela Direcção-Geral de Viação a partir de Junho de 2006, organismo esse que, pasme-se, de acordo com o PRACE (e respectivo relatório de suporte) será extinto em Junho de 2006. Pergunta: não estará o governo a condenar o Simplex ao insucesso? Como cumprir as metas do programa sabendo os organismos que vão ser simplesmente extintos? P.S. É apenas um exemplo - temo (como contribuinte) que aconteça o mesmo com as restantes medidas... (Rui Medeiros) (url)
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:INTERIORIDADES
No DN, Francisco Sarsfield Cabral escreve: "Para que servem, então, as auto-estradas, incluindo as que não têm portagem e supostamente deveriam estimular o desenvolvimento do interior? Servem sobretudo para as pessoas que vivem no litoral, numa faixa entre Viana do Castelo e Setúbal, irem passar fins-de-semana e férias "à terra" ou às residências secundárias que entretanto adquiriram. A vida no interior do País é cada vez mais sazonal." Isto absolutamente insultuoso. As auto-estradas e não só (as IP também) permitiram que nós que cá estejamos não estejamos num buraco. Há necessidade de algo que não existe? Vai-se numa manhã ao Porto, vai-se reunir com uma empresa, assistir a um congresso, ter uma reunião. Dantes? 4 horas para ir de Vila Real ao Porto (100 km)? Ia-se para passar o dia, talvez dormir, caso a reunião fosse tarde. Era preferível não trabalhar com o Porto, muitas vezes. A economia ficava retida numa ilha de terra no interior do país. É verdade que o interior ainda não se desenvolveu suficientemente. Mas muito mudou para quem cá vive. Há opções, há qualidade de vida efectiva. Em 1997, ano em que me mudei para Vila Real, não consegui fazer cá compras de Natal: só havia lojas caríssimas ou lojas paradas no tempo. Hoje? Nem me lembro de quando fui fazer compras ao Porto. Vou lá, sim, para trabalhar, sem qualquer problema, pois demoro apenas uma hora de carro e hora e meia de autocarro. E desde este ano, estou a menos de uma hora de Viseu, não duas horas ou mais por estradas horríveis. Será assim tão difícil ver o que isto implica no aumento do mercado potencial para as empresas locais? No aumento de oportunidades de emprego, por ampliação da área de acção das próprias famílias? A visão do interior dada por FSC é, no mínimo, ignorância crassa. No máximo, um conluio para o abandono total de parte do país. (Leonel Morgado) * Discordo do Senhor Leonel Morgado, quando diz que “A visão dado por FSC [Francisco Sarsfield Cabral] é, no mínimo, ignorância crassa”. (url) RETRATOS DO TRABALHO EM ANGOLA
(Luis Pereira) (url) RETRATOS DO TRABALHO EM BUENOS AIRES, ARGENTINA (...) trata-se de um vendedor ambulante de flores, a quem nas ruas do bairro de "Villa del Parque" pedi autorização para retratar. Disse-me: sim, mas... rápido "que puede venir la cana (polícia)". (Francisco F. Teixeira) (url) LENDO / VENDO /OUVINDO (BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES) (31 de Março de 2006) __________________________ Ruas: manifestação dos partidários do grupo religioso Falun Dafa em Nova Iorque. * Inteiramente de acordo com João Miranda no Blasfémias: "A inspecção selectiva de restaurantes pelo simples facto de os respectivos proprietários serem chineses, feita por uma entidade pública com dever de imparcialidade, com a presença das câmaras da SIC que não se coibiram de filmar pessoas e nomes de restaurantes, só tem um nome: xenofobia. Discordo parcialmente de si. O facto de se tratar dos restaurantes chineses nada tem de xenófobo, antes consistindo na verificação de uma realidade que todos nós sabemos ser verdadeira (aliás, há muito tempo e até, muitas das vezes, mais por motivos culturais do que de falta "propositada" de higiene). * Título um pouco estranho (na versão em linha não tem aspas, será que tem em papel?): "Luís Represas em comunhão passional no Coliseu do Porto" no Público. Em "comunhão passional"? (url)
EARLY MORNING BLOGS 744
Trees in the Garden Ah in the thunder air how still the trees are! And the lime-tree, lovely and tall, every leaf silent hardly looses even a last breath of perfume. And the ghostly, creamy coloured little tree of leaves white, ivory white among the rambling greens how evanescent, variegated elder, she hesitates on the green grass as if, in another moment, she would disappear with all her grace of foam! And the larch that is only a column, it goes up too tall to see: and the balsam-pines that are blue with the grey-blue blueness of things from the sea, and the young copper beech, its leaves red-rosy at the ends how still they are together, they stand so still in the thunder air, all strangers to one another as the green grass glows upwards, strangers in the silent garden. (D.H. Lawrence) * Bom dia! (url) 30.3.06
A CRISE DA IMPRENSA ESCRITA URBI ET ORBI Os últimos indicadores publicados em Portugal revelam uma crise da imprensa escrita, como de costume com excepções, mas mostrando uma tendência que não é distinta do que acontece a nível mundial. Mesmo nos países em que há elevados índices de leitura de jornais, existe uma usura crescente das suas tiragens, em particular da chamada imprensa de referência. A classificação de "imprensa de referência" é parcialmente ilusória, porque a tendência para a tabloidização não é inteiramente contraditória com a "referência", e também nos tablóides há trabalho jornalístico. O mesmo separar de águas pode também ser enganador com a imprensa gratuita. O que digo genericamente é para a imprensa escrita, jornais e revistas no seu conjunto que, globalmente, mostram sinais da mesma doença.Conhecidos mais números para ilustrar esta tendência em Portugal, imediatamente a discussão virou-se para as receitas, para o que se pode fazer para que se leiam mais jornais e revistas. Falou-se das dificuldades, de literacias, das mudanças que são necessárias nos órgãos de comunicação social, da necessidade de inovação editorial, etc., mas esta discussão parece-me ser ao lado, porque penso que este tipo de crise da imprensa escrita veio para ficar. O que acontece é que a imprensa escrita continua a oferecer um produto único e imprescindível, no conjunto das suas diferentes variações, mas cuja centralidade é hoje bastante menor em relação ao todo do sistema comunicacional. Há coisas que a imprensa escrita faz melhor do que ninguém - em particular a mediação editorial das notícias e a produção de opinião, quer no âmbito exclusivamente jornalístico, quer no do comentário de diferente teor -, mas já há muitas outras coisas que faz menos bem, e não vai voltar a fazê-lo. Também aqui se repete a história do cinema e da lanterna mágica - depois do cinema não se volta aos tempos da lanterna mágica. A reacção de muitos responsáveis pela imprensa, de jornalistas a proprietários, é repensar muitos aspectos da forma como a imprensa escrita se apresenta e o tipo de cobertura jornalística que faz. As inovações gráficas, a qualificação do tratamento noticioso, em detrimento da notícia pura e dura, e as tendências para vários tipos de jornalismo, em particular os tablóides, ou o especializado, são algumas dessas respostas. Olhando para o Diário de Notícias e o Público, muitas dessas tentativas de resposta estão à vista: suplemento económico do Diário de Notícias, revistas temáticas no Público, maior papel na primeira página de temas como futebol, aproximação dos temas "sérios" aos tablóides, utilização de cor, diminuição do tamanho dos artigos, ofertas de discos, livros e filmes, etc. Mas penso que o problema é mais profundo e, qualquer que seja a volta que se lhe dê, o papel da imprensa escrita, continuando a ser único e imprescindível no sistema comunicacional, é hoje menor e apresenta um maior grau de complementaridade com outras formas de media, que ocupam efectivamente uma parte do espaço que pertencia no passado em exclusivo aos jornais e revistas. Ao mesmo tempo, num processo que caminha num sentido idêntico, a palavra escrita perde terreno, da escola à publicidade, da vida social à oralidade, substituída cada vez mais por meios mais intensos e afectivos assentes na imagem e na imagem em movimento. Numa sociedade em que o logos perde terreno, o pathos desenvolve-se exponencialmente na cultura de massas. As televisões "educam" mais do que a escola, ou a família, e educam na imagem e na rapidez, em detrimento do argumento e da racionalidade. Não admira que na economia da vida a palavra escrita perca valor simbólico para as massas que acederam ao conforto, explicitude e comodidade das imagens. Eu sou um grande consumidor de comunicação social, mais excessivo do que muitos, mas o que representa a minha experiência, encontro-o cada vez mais em muitas pessoas da elite social que sempre consumiu preferencialmente a imprensa escrita. Hoje, continuando a ler praticamente todos os jornais principais e revistas, uma parte importante da informação que encontrava nos jornais migrou para outros meios como a televisão e a Internet. Posso queixar-me da superficialidade dos noticiários audiovisuais, mas quer a rádio, em certos casos, quer a televisão fornecem-me as breaking news de forma insuperável. Pode-se argumentar que os jornais o fazem com perspectiva, e com distanciação, mas este é um argumento já defensivo, porque a informação em tempo próximo do real, com todos os defeitos na sua editorialização, não deixa de ter vantagens. A dificuldade editorial dos "directos" não significa impossibilidade editorial, porque uma boa estação de rádio ou televisão com equipas de repórteres e jornalistas experimentados pode perfeitamente fazê-lo, sem pôr em causa a fluidez da notícia. Ora, no passado, os jornais também cumpriam esta função, por exemplo, produzindo edições especiais, imediatamente distribuídas na rua, o que hoje só muito raramente acontece. Como estamos melhor informados sobre eventos, em particular os que têm maior espectacularidade, e por isso "valor" televisivo, os jornais não podem competir nesse aspecto noticioso. A CNN, com transmissões como a que fez do golpe contra Gorbatchov, nos últimos dias da URSS, forneceu um paradigma da cobertura em directo, que é um aperfeiçoamento, ou, se se quiser, um prolongamento de uma função que pertencia aos jornais, migrou para a rádio e para a televisão e, ainda no seu início, para a Internet. Como existem hoje, os quotidianos são lentos para o fluxo noticioso, embora tenham tecnologias a prazo que lhes irão permitir ser mais velozes. De algum modo, as sinergias entre os jornais em papel e os sítios noticiosos que os jornais mantêm na Internet, e mesmo, nalguns casos, blogues de jornalistas que se encontram in situ, novas formas de distribuição mais rápida dos jornais, inclusive por meio de "papel" electrónico, podem acelerar, mas não podem competir em absoluto. Depois há todo um aspecto de cobertura entre o especializado e o generalista, de assuntos e temas particulares, em que também a competição entre os jornais e a Internet, sítios e blogues monotemáticos, se faz em prejuízo dos jornais. A crítica especializada, de culinária, de gadgets, de vinhos, de viagens, espectáculos, de livros, de filmes, ainda continua a ser um domínio em que a imprensa escrita, que tenha críticos com independência e qualidade, conhecimento das matérias e estilo próprio de escrita, tem vantagem. Mas, cada vez mais, essa vantagem é residual, à medida que se vai alargando um espaço crítico na Internet, que corresponda aos critérios de isenção e qualidade que até agora apenas se encontravam na imprensa escrita. Com a profissionalização, por exemplo dos blogues, estes poderão fornecer análises de qualidade e alargar o espaço crítico com maior pluralismo. Os sinais de tensão e fricção traduzidos em mecanismos de influência competitivos já são evidentes. Estes e outros exemplos apontam todos no mesmo sentido - a imprensa escrita ganha em inserir-se melhor no sistema de sinergias comunicacionais com a rádio, televisão e Internet (sítios noticiosos e blogues) e utilizar as potencialidades de cada meio para fazer aquilo que cada um faz melhor. Não pode resistir sozinha com uma inovação puramente interior, tem que se inovar tecnologicamente e isso significa não ser apenas escrita em papel. ( No Público de hoje, acrescentado de algumas das vantagens da versão electrónica sobre o papel, menos uma: lê-se melhor no papel. Para já.) * Não será uma crise inevitável, devido ao curso da evolução da tecnologia... (url) ÍCONES DO ABRUPTO O primeiro para as fúrias (de Roy Lichtenstein); o segundo para as críticas (de Jim Dine); o terceiro para a coisa cívica (de Norman Rockwell) e o quarto para o LENDO /VENDO. Em breve haverá mais para os elogios e para a Bibliofilia. (url) UMA DEGRADAÇÃO DA DEMOCRACIA Com a chamada Lei da Paridade que o PS apresenta hoje na Assembleia, e que deve ter a passagem garantida, embora não seja líquida a sua constitucionalidade, acaba uma certa forma de democracia como nós a conhecemos. Até agora era simples: um homem (uma mulher), um voto. Escolhia-se quem se propunha (em várias eleições, autárquicas e presidenciais) ou quem os partidos propunham (eleições legislativas e europeias). As listas podem ter e têm todos os defeitos e estão longe de serem feitas por qualquer critério de mérito. Não é isso que está em causa. As listas são o retrato do que há, e das mediações políticas que existem. Nada de brilhante, mas a democracia é um sistema potencialmente aberto. Pelo contrário, a sociedade não é um sistema aberto, tem desigualdades, inconsistências, vantagens e exclusões. Homens e mulheres não estão numa situação de igualdade na sociedade, é verdade. Mas estão numa situação de igualdade na política, igualdade virtual, mas igualdade. A partir de agora deixam de estar nessa situação, passam a ser desiguais, descriminados positivamente uns e negativamente outros. As eleições, a partir de agora, não são inteiramente de livre escolha, são como um puzzle: passa a haver caixinhas percentuais para cidadãos que são mais iguais, num sentido orwelliano, do que outros. Começou com as mulheres, mas não há razão para que, a prazo, outras quotas não se venham a impor, por cor da pele, religião, orientação sexual, região ou classe social de origem. Para quem tenha uma concepção liberal da política, na velha tradição da liberdade, há uma perda de qualidade da naturalidade democrática a favor do artificialismo, da engenharia utópica da sociedade. É um caminho péssimo e esta lei não é um exercício “fracturante” menor. Atinge o coração da ideia da democracia e da liberdade. (url) (url)
NUNCA É TARDE PARA APRENDER
Henry Hitchings, Defining the World (The Extraordinary Story of Dr. Johnson's Dictionary) Como é que se "escreve" um dicionário? Johnson "escreveu" de facto um dicionário, mais do que o organizou ou compilou, mas, por detrás desse trabalho literário, muito dependente da leitura e dos livros, havia problemas de organização metodológica muito interessantes. Tinha um plano inicial, mas teve que muitas vezes o mudar pela dimensão gigantesca da tarefa, o que torna as metodologias de trabalho, os "processos" com que tratou a informação, úteis de seguir. Começou, como muitos estudantes e investigadores, por um erro clássico: tratar a informação de forma analógica, em vez de digital. Preparou uns cadernos com espaços em branco para incluir as palavras, definições e citações em apoio, à medida que ele e os seus ajudantes iam progredindo. Em breve chegou a um caos. Folhas eram metidas dentro dos cadernos, ao lado dos cadernos para inclusão no sítio próprio, acrescentos e adendas, novas palavras que iam surgindo, citações mais apropriadas em substituição das anteriores, tornaram inviável o sistema dos cadernos. Johnson teve que reorganizar de novo os materiais num sistema de verbetes e fichas, que tinham uma capacidade de crescimento infinito, sem perder a organização interior. Quando comecei a trabalhar sobre história, cometi o mesmo erro. Anotava de forma corrida, nuns cadernos, apontamentos, citações, referências bibliográficas, notas de leitura. Quando tinha que escrever estava sempre a ter que ler tudo e nunca tinha a certeza que não perdia informação. Anos mais tarde, peguei nestes cadernos, em que, felizmente, em cada folha tinha escrito só num lado, recortei-os à tesoura e coloquei os fragmentos em fichas, a partir de uma ordem que ainda hoje mantenho nas bases de dados electrónicas: biografias, fichas bibliográficas, temáticas, por organização, iconográficas. Devia ter lido em tempo a história das atribulações do Dr. Johnson. (url) RETRATOS DO TRABALHO EM ALCOCHETE, PORTUGAL
Mulheres na apanha de amêijoas, Hortas, Alcochete, Março 2006 (António Ferreira de Sousa) (url) LENDO / VENDO /OUVINDO (BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES) (30 de Março de 2006) __________________________ A ler em papel, ou na rede pagando, no Público, o artigo de Augusto M. Seabra, "A judicialização da crítica". Levanta duas questões associadas: "O paradoxo da situação presente é o de o regime geral de mediatização das sociedades, e de mercantilização da informação, fazer com que espaços propriamente de mediação crítica, com o que isso supõe de reflexão consistente e prosseguida, tendam a dissipar-se na própria imprensa escrita que teve a sua origem histórica em órgãos de "crítica", substituídos por uma mera intermediação, com apresentação dos novos "produtos" colocados no mercado à disposição do leitor-"consumidor". * Outras agendas dos últimos dias: no Economist uma excelente reportagem sobre o Iraque ("Murder is certain"), mostrando a complexidade da situação, contrariando o estilo habitual de enunciar a simplicidade da invasão; penoso adeus a um dos regimentos mais célebres da história militar inglesa, os Black Watch, agora integrados no Royal Regiment of Scotland (Times); a HBO dedica uma série, Big Love, a uma família poligâmica (New York Times); um conjunto vasto de artigos, entre o apocalíptico e o "é grave, mas controlável", sobre a gripe das aves ("How serious is the Risk?" no New York Times); obituários, com a habitual qualidade, de Stanislaw Lem (no New York Times), entre outras coisas autor de Solaris; um artigo sobre "Gregory House" / Hugh Laurie, "polite - with a bite" no USA Today; as fontes do financiamento da Autoridade Palestiniana no Wall Street Journal; "Love and Money - Nine questions partners should ask each other before getting married", no Wall Street Journal. E é só uma muito pequena parte, do que a imprensa escrita tem para nos dar. (url)
EARLY MORNING BLOGS 743
New York Notes 1. Caught on a side street in heavy traffic, I said to the cabbie, I should have walked. He replied, I should have been a doctor. 2. When can I get on the 11:33 I ask the guy in the information booth at the Atlantic Avenue Station. When they open the doors, he says. I am home among my people. (Harvey Shapiro) * Bom dia! (url) 29.3.06
LENDO / VENDO /OUVINDO (BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES) (29 de Março de 2006) __________________________ Cartazes nas ruas de Nova Iorque: (url) GRIPE, LIVROS, TELEVISÃO E O CANAL DA FOX Não há nada como a aparição sazonal do vírus da gripe, felizmente de uma forma ainda tradicional e domável, longe da ameaça cada vez mais perto da Grande Gripe das Aves, para remeter a vida de cada um a um infantil conforto da doença, que deve vir dos dias em que não se ia à escola, se ficava na cama, quente e confortável, servido por todos, centro de muito especiais atracões. A gripe já não é o que era, e quase só o frasco azul-escuro e esverdeado do Vicks VapoRub faz essa ponte longínqua com a infância, com o seu cheiro agradável às coisas que não mudam, mas mudam. O frasco era de vidro e agora é de plástico. Mas as minhas gripes são sempre grandes momentos de leitura e televisão, o que une o agradável ao agradável, e me afasta do mundo obcecado das notícias dos jornais e da agenda política em grande parte artificial. Ao longe vê-se passar a posse presidencial, uma mesinha de chá disfarçada de mesa de trabalho, a agitação de um Congresso, os tumultos franceses e, verdadeiramente numa manifestação de egoísmo, o que nos interessa é a pilha de livros a dizerem-me “lê-me”, e o pequeno ecrã que não precisa sequer de dizer “vê-me”. Eu vejo, eu vejo. O que eu vi reconciliou-me com a televisão, o que é um lugar comum porque nunca estive zangado com um meio que particularmente estimo. Digo de outra maneira reconciliou-me com as séries televisivas, o que já é mais exacto, para um órfão dos Sopranos, que, depois da última série, deixou de encontrar alguma coisa que me prendesse tão regularmente ao ecrã maligno. Até agora e num canal a que nunca tinha dado muita atenção e que aceitei ter (é pago à parte), porque uma menina me telefonou a perguntar se queria um pacote qualquer com o nome de “familiar” e eu, torcendo o nariz ao nome do pacote que me parecia uma promessa de aborrecimento, aceitei porque a mera ideia de não ter os canais todos me fere a sensibilidade. E vieram os canais da Fox e com um deles, mais uma série de episódios magníficos. No canal da Fox passam várias séries que já conhecia e que nunca me suscitaram grande interesse como é o caso dos “Ficheiros Secretos”, que tinha tudo para ser uma série que me agradasse, gosto de ficção cientifica e de horror, mas aqueles agentes do FBI são tão rígidos e self-righteous que nem os monstros e os mistérios ocasionais os conseguem levantar de um torpor absoluto. Depois havia umas coisas ligeiras, visíveis mas não entusiasmantes, passadas num Casino em Las Vegas, onde o mundo higiénico da América se manifesta numas damas de peito farto e nuns cavalheiros atléticos da segurança, sem grande imaginação e nenhuma verdadeira personagem. A personagem é o Casino, mas só mesmo lá estando é que se sente a coisa. O mesmo, em mais pesado, acontecia numa ilha do Pacífico onde uns “perdidos” de um acidente de avião bizarro aterram em cima duma ilha misteriosa onde ninguém faz o que o bom senso exige e todos parecem ser híbridos entre as terríveis crianças do Senhor das Moscas e a Ilha Misteriosa de Júlio Verne. Depois há umas “Donas de Casa Desesperadas” que nunca percebi a fama que tinham porque é aborrecido e estereotipado, embora nos devolva um mundo que não temos na Europa que é o da “vizinhança”. Compreendo que na América deve ser um sucesso entre as ditas donas de casa, que devem sonhar com maldades miméticas, mas aquelas vidas liofilizadas são tão artificiais como o Casino de Las Vegas e a ilha dos “perdidos”. Depois há os Simpsons que são excelentes. Ponto. E duas magníficas surpresas, que animaram os meus dias: “House” e “Deadwood”. “Deadwood”, da produtora dos Sopranos HBO, é uma história do Oeste americano, da fronteira violenta e turbulenta. É uma série, como os Sopranos, que só passa na América no cabo, com a sua linguagem obscena, as cenas de bordel sem idealização, a brutalidade sempre à flor da pele de todas as personagens quer reais, quer ficcionais. É que existe uma Deadwood real no Dakota do Sul, e de facto por lá passaram várias das personagens da série televisiva, como Calamity Jane e Wild Bill Hickok, o dono do bordel, os donos de lojas, etc. No cemitério de Deadwood estão muitas das personagens reais da série, havendo outras ficcionais para dar consistência narrativa e dramática à história. No seu conjunto, todas as qualidades de encenação da televisão americana, a sua construção de personagens, o trabalho do guião, a precisão dos cenários, uma iluminação excelente para dar o efeito da escuridão das ruas e das casas apenas iluminadas por candeeiros, tudo se combina para uma excelente série televisiva. A série é tudo menos “familiar”, mas vale por si só o canal da Fox onde passa. Depois há um bónus suplementar, a série da Fox “House” centrada numa situação clássica de muita televisão americana, o hospital. Mais do que em “Deadwood”, que é um retrato de grupo, o retrato de uma cidade, “House” é dependente de uma personagem, o médico Gregory House representado pelo actor inglês Hugh Laurie. House é uma personagem ideal de televisão, excessiva, enchendo o ecrã com a sua mera aparição, um génio do diagnóstico diferencial (que cita o Jornal do Instituto de Medicina e Higiene Tropical em português para um caso raríssimo de transmissão sexual de “doença do sono”), absolutamente insuportável de feitio, agressivo, cínico e solitário. House sofre dores violentas devido a uma doença numa perna, que arrasta com a sua bengala pelo ecrã coxeando e tomando Vicodin às mãos cheias. O New York Times, referindo-se a esta série, escreveu: “Tão aditiva como Vicodin…” O hospital onde House trabalha é completamente artificial, demasiado perfeito para ser verdadeiro. Nada está sujo, todos os mais complexos meios de diagnóstico existem, não faltam quartos, nem pessoal, nem remédios, por sofisticados e raros que eles sejam. Se não houvesse Gregory House, a demonstração da imperfeição genial, a série seria anódina. Mas, diferentemente das séries de hospital e de médicos, “House” passa quase sempre por cima do aspecto melodramático da doença, para se centrar no exercício intelectual de descobrir a causa, e sobre esse ponto de vista o grau de complexidade dos diagnósticos, e a sua metodologia diferencial são uma parte fundamental da estrutura narrativa. À narração acrescenta-se a dança subjectiva da sua equipa de colaboradores, que trata abaixo de cão, e dos administradores do hospital, afectados pela violência verbal de House e as suas atitudes não convencionais. A única personagem que trata House de igual para igual é o seu colega oncologista Wilson, e os diálogos entre os dois são um dos bons retratos ficcionais da amizade de qualquer série televisiva. “House” e “Deadwood” reconciliaram-me com o mundo das séries televisivas, que a televisão portuguesa agora afasta cuidadosamente do horário nobre, onde não entra nada que não seja em português. Há mais mundo para além do infantilismo dos concursos, telenovelas e reality shows. Num canal perto de si. Pago, mas como não há almoços grátis, não me queixo. O almoço é bom, mesmo com gripe. (No Público.) * Acabei de ler o seu post em que falava da série House. (url) 27.3.06
LENDO / VENDO /OUVINDO (BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES) (27 de Março de 2006) __________________________ Agenda do New York Times do fim de semana, o que pesa muitos quilos mas não vem num saco: para além do óbvio e da política muito interna, há artigos sobre os programas de "retraining" destinados a assegurar novos empregos a quem tenha sido despedido (artigo quase de tres páginas completas e muito crítico dos programas); uma extensa peça sobre a Al Jazeera; notícias sobre a colocação no iTunes dos concertos de há uma semana, quinze dias, para serem descarregados para iPod, a preços por volta de $10; papel das fotografias na história; o centenário de Beckett; aspectos negativos do Google na promoção de "information iliteracy": o papel da cultura na condição dos jovens negros, etc., etc. Todos os artigos são originais, e traduzem uma agenda escolhida pelo jornal, e, embora haja muito "pack journalism" na parte da política interna e externa (Iraque, por exemplo), os jornais são muito distintos uns dos outros. (url) 26.3.06
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O GENOCÍDIO DE DARFUR
Enquanto em Portugal se vai vivendo um daqueles tempos de acalmia mediática recorrente (aquele espaço de respiração até ao próximo assunto explorado até à exaustão e depois esquecido por todos), podia-se aproveitar o momento para o telejornais mostrarem ao grande público o genocídio que continua no Darfur, patrocinado pela nossa "apatia" ocidental. Daqui a alguns meses ou anos lá virão as reportagens e os documentários sangrentos e os jornalistas perguntando inocentemente: "como foi possível?!". Pois bem, aqui fica o testemunho em tempo real: a televisão passa reportagens sem qualquer interesse público relevante, as revistas ocupam espaço a falar de OPAs e dos indicadores económicos e os jornais falam da guerra do Iraque ou dos distúrbios em França. E já agora, o que anda a "Esquerda" a fazer? Na semana passada vimos (?) manifestações contra a guerra no Iraque e expressões de solidariedade com os estudantes mimados franceses. Será que a tragédia que acontece no Darfur não é uma questão fracturante suficiente para a esquerda? Como é que é este silêncio, esta ausência de opinião ou crítica? Como é que não se vê nenhum comício, nenhuma manifestação, nenhuma intervenção parlamentar com relevo? Como é que é possível chamar a isto "uma política de causas"? (a mesma crítica, claro, vale para a direita; mas essa não anda a fazer manifestações pela "paz", com a aquele tom de moralidade superior). E por último, o Darfur é só mais um exemplo de como actualmente não há notícias sem imagens. O genocídio apenas se lê e para a maioria das pessoas as simples palavras escritas já não despertam qualquer sentimento. Também isso é uma tragédia e será ainda mais no futuro. É um dever lembrar o que se está a passar no Darfur, pelo menos isso. Para que depois não se pergunte, vale a pena dizer hoje: "sim nós sabíamos o que se passava mas não nos interessámos por isso". (João Lopes) (url)
BIBLIOFILIA: NOVOS LIVROS
O primeiro livro que vi e de que não sabia nada (a Amazon e a New York Review of Books tem essa desvantagem de não haver surpresas), foi o último David Horowitz, Professors. The 101 Most Dangerous Academics in America. É um livro que logo de imediato me suscitou "mixed feelings". Vou avançar um pouco mais na leitura, mas duvido que me desapareça a sensação, por um lado o livro é uma denuncia das absurdas patetices que se dizem e defendem nas universidades americanas, por parte de uma intelectualidade muito mais esquerdista do que qualquer paralelo europeu. Os exemplos de Horowitz são gritantes. Por outro lado, na organização do livro, há qualquer coisa das "listas" do Senador McCarthy, qualquer coisa de denúncia às autoridades que me desagrada. Voltarei ao livro. (url)
EARLY MORNING BLOGS 742
La mia canzone al vento Sussura il vento come quella sera Vento d'Aprile di primavera Il volto le sfiorava in un sospiro Mentre il suo labbro ripeteva giuro Ma pur l'amore è un vento di follia Che fugge come sei fuggita tu Vento vento portami via con te Raggiungeremo insieme il firmamento Dove le stelle brilleranno a cento E senza alcun rimpianto Voglio scordarmi un tradimento Vento vento portami via con te Tu passi lieve come una chimera Vento d'aprile di primavera Tu che lontano puoi sfiorarla ancora Dille che l'amo e il cuor mio l'implora Dille che io fremo dalla gelosia Solo al pensiero che la baci tu Vento vento portami via con te Tu che conosci le mie pene Dille che ancora le voglio tanto bene Sotto le stelle chiare Forse ritornerà la voce Vento vento portami via con te Sotto le stelle chiare Forse ritornerà la voce Vento vento portami via con te Sussurra il vento come quella sera Perché non torni E primavera (C.A. Bixio) * Bem sei que pelas horas portuguesas não parece ser "early morning", mas é. Ouvido muito cedo na WBAI, 99.5, cantada por Pavarotti ainda com a voz muito fresca. (url)
© José Pacheco Pereira
|