ABRUPTO

30.3.06


UMA DEGRADAÇÃO DA DEMOCRACIA



Com a chamada Lei da Paridade que o PS apresenta hoje na Assembleia, e que deve ter a passagem garantida, embora não seja líquida a sua constitucionalidade, acaba uma certa forma de democracia como nós a conhecemos.

Até agora era simples: um homem (uma mulher), um voto. Escolhia-se quem se propunha (em várias eleições, autárquicas e presidenciais) ou quem os partidos propunham (eleições legislativas e europeias). As listas podem ter e têm todos os defeitos e estão longe de serem feitas por qualquer critério de mérito. Não é isso que está em causa. As listas são o retrato do que há, e das mediações políticas que existem. Nada de brilhante, mas a democracia é um sistema potencialmente aberto. Pelo contrário, a sociedade não é um sistema aberto, tem desigualdades, inconsistências, vantagens e exclusões. Homens e mulheres não estão numa situação de igualdade na sociedade, é verdade. Mas estão numa situação de igualdade na política, igualdade virtual, mas igualdade. A partir de agora deixam de estar nessa situação, passam a ser desiguais, descriminados positivamente uns e negativamente outros.

As eleições, a partir de agora, não são inteiramente de livre escolha, são como um puzzle: passa a haver caixinhas percentuais para cidadãos que são mais iguais, num sentido orwelliano, do que outros. Começou com as mulheres, mas não há razão para que, a prazo, outras quotas não se venham a impor, por cor da pele, religião, orientação sexual, região ou classe social de origem. Para quem tenha uma concepção liberal da política, na velha tradição da liberdade, há uma perda de qualidade da naturalidade democrática a favor do artificialismo, da engenharia utópica da sociedade. É um caminho péssimo e esta lei não é um exercício “fracturante” menor. Atinge o coração da ideia da democracia e da liberdade.

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© José Pacheco Pereira
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