ABRUPTO

6.9.03


SILENTE


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COM QUEM FALAMOS QUANDO FALAMOS DO BE

Na discussão, iniciada com a nota “Não vi e continuo a não ver”, de 2 de Setembro, ficou adiada a última parte que aqui reproduzo:

“Fica de fora desta controvérsia a questão de fundo sobre se é comparável a extrema esquerda e a extrema direita, suscitada em perguntas como esta do Terras do Nunca - "se se podem fazer equivaler, por exemplo, as posições neo - nazis às de partidos parlamentares como o BE"?.- porque a resposta implica todo um outro debate , a que voltarei noutra altura. Devo desde já dizer que, formulada a questão doutra maneira, a minha resposta é sim.”

O adiamento da resposta suscitou algumas impaciências, – na blogosfera há muita impaciência –, mas eu entendo este meio como sendo incremental, dada a sua natureza fragmentária, e acrescento hoje mais alguns elementos sobre a razão porque dei aquele sim. A resposta à pergunta do Terras do Nunca implica, até pelo seu carácter polémico, uma série de argumentos todos à volta de três questões: ideologia ou “interpretação do mundo”, posição face à democracia e métodos revolucionários (apologia da violência como meio de transformação política). É pela análise destes elementos, todos eles firmemente ancorados na história política do século XX, que se pode chegar à análise e comparação dos extremismos de direita e de esquerda.

O BLOCO DE ESQUERDA

O exemplo que o Terras do Nunca referiu foi o Bloco de Esquerda (BE), a mais importante coligação de grupos radicais da extrema-esquerda em Portugal Ora, uma das características dos grupos extremistas é exactamente estarem sempre a dizer-nos que não o são. A caracterização do BE é um condição sine qua non para prosseguir a discussão – o que é que pensam os seus dirigentes, quais os seus programas

Mas para sanear a questão convêm ver do que estamos a falar, porque o BE é uma frente eleitoral e parlamentar que reúne vários partidos, que tem programas e estatutos definidos e, qualquer análise do BE assente apenas na sua imagem parlamentar e mediática, seria errada. O BE faz um enorme esforço para criar um ecrã interpretativo e para esconder todo um aspecto da actividade dos seus amáveis e simpáticos líderes, que é sistematicamente deixada fora da atenção pública porque não dá jeito. Como muitas vezes acontece nas políticas, o combate é pelas palavras que designam e o BE quer controlar o modo como é designado. Ás vezes, nesse esforço toma os outros por parvos

O BE é uma aliança política e eleitoral de vários partidos e grupos, com dominação da UDP e PSR. Começa porque não lhes convem muito nomear esta realidade. A tradição desses partidos é a do marxismo-leninismo político e organizacional, embora divirjam em duas correntes distintas uma maoista e outra trotsquista. Deixarei a análise da UDP para outra ocasião, fico-me agora com o PSR. O PSR é um partido fundamental do BE não só pela figura mediática do seu dirigente Louça, como pela influência dos seus temas alternativos na conquista de influência junto dos intelectuais e dos jovens. A UDP tem uma composição mais operária e popular, mas com o seu sisudo dogmatismo dificilmente seria a face do BE. A UDP é mais importante do que se pensa no BE pela sua implantação social nas antigas zonas de hegemonia comunista, mas é o PSR que dá ao BE o tom radical chic .

PSR

O que é que é o PSR hoje? Na resposta rápida , porque não é difícil de dar, utilizo apenas documentos actuais, para que ninguém pense que isto é história passada. O PSR é a secção portuguesa da IV Internacional, uma organização comunista ao modelo da III Internacional criado por Lenine. As suas ideias, o seu pensamento organizacional, derivam da tradição marxista-leninista e do pensamento de Trotsky, uma das variantes mais radicais da história do comunismo no século XIX. Enquanto cá o PSR usa como símbolo uma inócua estrelinha com design moderno, na Internacional o seu símbolo é uma foice e um martelo com um quatro por cima e o retrato de Trotsky . É este o símbolo que o PSR usa nas realizações internacionais, como se pode ver aqui

Quais são as linhas gerais dos seus documentos programáticos mais importantes, o Manifesto Político e os Estatutos?

1) O estalinismo é entendido apenas como uma “usurpação” do conteúdo benigno da revolução russa e do leninismo:

O estalinismo é o nome dado à usurpação do poder revolucionário por uma clique burocrática no final dos anos 20 e à contra-revolução burocrática, na URSS dos anos 30, que se prolongou na criação de uma correia de obediência internacional que o novo regime instaurou.” (Manifesto)

2) O Manifesto tem uma versão açucarada da “revolução socialista” como “ruptura política” , sendo omisso quanto à questão da violência

O eixo deste partido é um programa alternativo para a sociedade: a revolução socialista como ruptura política - protagonizada pela participação activa da maioria da população - que instaure uma democracia assente em mecanismos de participação e representatividades directa e indirecta, consagrando o princípio republicano contra a prepotência e a burocracia e constituindo o poder dos trabalhadores. A auto-organização e auto-gestão dos produtores e a sua articulação com a organização democrática dos consumidores é a condição para a gestão económica e política assente na cidadania. Um novo contrato social entre os sexos, assente na partilha de todas as responsabilidades, é o pressuposto para o exercício dessa cidadania.” (Manifesto)

mas os Estatutos são muito claros (num partido e numa internacional leninista são os Estatutos o documento fundamental para a adesão, por isso os Estatutos do PSR tem que ser conformes com a IV Internacional )

O PSR é a secção portuguesa da IV Internacional. O seu objectivo é a revolução socialista que destrua o sistema capitalista e a exploração do Homem pelo Homem, criando as bases para o desenvolvimento de uma sociedade socialista, iniciando a destruição do Estado pela instauração da mais ampla democracia social e pela associação livre dos produtores. A adesão a IV Internacional baseia-se no acordo com os seus princípios programáticos: os documentos fundacionais dos Congressos da Internacional Comunista, da oposição anti-estalinista e da fundação e dos Congressos Mundiais da IV Internacional, nomeadamente a resolução "Democracia Socialista e Ditadura do Proletariado". (Estatutos)

3) Identidade política baseado no trotsquismo e na IV Internacional por ele criada

Foi o compromisso internacionalista que levou Trotsky, dirigente da revolução russa perseguido por Estaline, a fundar em 1938 a Quarta Internacional. A Quarta Internacional, de que o PSR é a secção portuguesa, é hoje o lugar de encontro de experiências e análises dos momentos de luta, mantendo vivas as lições essenciais da história do movimento dos trabalhadores. “ (Manifesto)

Qualquer análise histórica e política do que escreveu e fez Trotsky encontra os elementos comuns com a tradição marxista-leninista ,incluindo os que estiveram na génese do estalinismo, a defesa do terror revolucionário como instrumento político, a afirmação da violência como instrumento da revolução, a defesa da ditadura do proletariado, a repressão das liberdades “burguesas”, etc. , etc. Para além disso, a descrição da IV Internacional como "um lugar de encontro" é uma pura mistificação.

4) Afirmação do centralismo democrático como mecanismo central do funcionamento do partido. Embora Trotsky se afastasse do modelo partidário dos partidos comunistas clássicos, aceitando por exemplo a existência de fracções, nem por isso no essencial o modelo das organizações da IV Internacional deixou de ter o centralismo democrático como base organizativa. Aqui também o Manifesto é soft e os Estatutos são hard

O PSR é portador de uma tradição revolucionária de oposição aos partidos-Estado, burocratizados e repressivos, do estalinismo. Essa tradição impõe o rigor constitutivo do seu funcionamento democrático - o direito de livre-expressão de opinião, a estruturação responsável e a decisão colectiva para a acção unitária, que são princípios leninistas actuais e aplicáveis. “(Manifesto)

19.O funcionamento interno do PSR rege-se pelos princípios do centralismo democrático: liberdade absoluta na discussão, unidade absoluta na acção em tudo o que diz respeito a intervenção partidária fundamental. Estes princípios expressam-se pela existência de uma direcção colectiva eleita, pela participação dos militantes na elaboração da linha política do Partido, pela tomada de decisões através do debate democrático e votação maioritária e pelo controle dos organismos de direcção pela base.
20.Os organismos do Partido aplicam as decisões tomadas em organismos superiores
.” (Estatutos)

É com este grupo e com estas posições que se tem que ter em conta quando se fala do BE.

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MUITO, MUITO EM BREVE

Continuação da discussão sobre a extrema-esquerda e extrema-direita, com um texto sobre o BE e o PSR.

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5.9.03


PROPAGANDA

A RTP 2 passa nesta altura um típico filme de propaganda política sobre os zapatistas, um movimento militar e para-militar mexicano, chefiado por um intelectual que se apresenta tradicionalmente com a cara coberta com um passa-montanha, com um cachimbo, armado e que se intitula “subcomandante Marcos”. O filme é completamente acrítico, pura propaganda, mas, como se trata dos “últimos guevaristas”, está tudo bem.
Uma das últimas cenas vê-se uma montagem em que Marcos começa a tirar o passa-montanha e depois aparece uma cara de um menino e a seguir um velho e depois uma rapariga indía, ou seja, todo o povo é … o subcomandante. Ás vezes fica-se com a impressão de que ninguém aprendeu nada nos últimos quarenta anos.

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RESPIRAÇÃO


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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Durante uma semana não tive acesso ao correio electrónico enviado para o Abrupto e por isso recebi-o por junto. Talvez pela acumulação é mais nítida a qualidade de muitos comentários e críticas, a que se acrescentam outras notas em diferentes blogues. Agradeço aos seus autores pela indicação que me fazem chegar do que é publicado sobre o Abrupto noutros blogues, com a certeza que todos são lidos e o que dizem tido em conta.

Alguns dos comentários recebidos por carta são a seguir publicados. Por regra identifiquei os seus autores por inicias, pois nem sempre a assinatura do interior correspondia ao endereço do correio. De qualquer modo, se algum dos autores destes comentários me assinalar em que nome os pretende assinar eu substituirei as iniciais.

As entradas estão ordenadas da nota mais recente para a mais antiga.

LINHA EDITORIAL?

Durante o período das inspecções ao Iraque e posterior guerra, vivi em Madrid, onde tive oportunidade de ler os vários jornais lá editados (El País, La Razón, La Vanguardia, El Mundo, etc.). O que fundamentalmente reparei, além do conteúdo, foi um claro posicionamento de cada jornal relativo ao conflito, mais especificamente nos editoriais e artigos de opinião, uns mais à direita, outros mais à esquerda.(…) Mas estes posicionamentos não impedirão um pouco o debate de ideias dentro dos meios de comunicações sociais? Nos jornais até veria a solução, aliás existente, de o debate ser, por exemplo, entre linhas editoriais de dois jornais, fazendo referências mútuas. Mas no caso das rádios e das televisões, já não me parece que funcionasse tão bem.”

(R. R.)

NÃO VI E CONTINUO A NÃO VER

Estive em Génova como em muitos outros desses sítios, não com o bloco nem com o pc nem com a attac, e alguns desses sítios participei nesses motins, e sobre eles digo-lhe apenas que o seu cepticismo em relação aos media deveria abranger todas as descrições do que se passou, se estiver eventualmente interessado posso-lhe fazer chegar a si outros relatos do que aconteceu. Em nenhuma dessas situações foi alguém atacado ou espancado.
Nunca ouvi nem conheci nenhuma história ou relato de um ataque físico a alguma pessoa por ser "burguesa" ou capitalista. Nunca os encontros violentos com a polícia assumiram contornos de tortura ou de violência gratuita (a não ser por parte da policia). Poderá discordar totalmente com a destruição de (e da) propriedade privada enquanto método para criar um mundo mais justo, mas creio que será bastante fácil distinguir violência contra objectos, mercadorias e lojas de violência contra pessoas.”


(leitor identificado)

PARECERES

Também li uma notícia sobre os 300 pareceres. No Expresso desta semana era uma “curta” da última página e o título era exactamente “ Constituição Europeia – Parlamento pede 300 pareceres”. Desde logo me perguntei onde teriam arranjado em Portugal 300 constitucionalistas, ou mesmo 300 professores de direito aptos a dar pareceres. Depois preocupei-me vagamente com o orçamento da Assembleia que ia ficar muito mal tratado. O texto do artigo sossegou-me um pouco e tira alguma, mas só alguma, razão ao seu comentário. Afinal foram pedidos Pareceres à tal sociedade civil – não sei se as cartas foram enviadas para o Canal 2...
Segundo o Expresso os destinatários das cartas são as Universidades, sindicatos, parceiros com assento na Concertação Social, associações de estudantes – ou não fosse o António José Seguro a tomar a iniciativa – associações ambientais, plataformas de mulheres e Conselho Nacional de Juventude, entre outros. Pode ser que afinal não seja assim tão tecnicista e esteja totalmente entregue ás minudências dos professores de direito.”


(T.B.)

RENTRÉE LITTÉRAIRE

Não se pode em caso algum dizer mal de tudo o que é francês (com excepção da obsessão anti-americana dos franceses), e deve-se sobretudo apreciar a qualidade do ensino secundário francês. Neste aprende-se a pensar. No português aprende-se a memorizar. No primeiro adquirem-se conhecimentos essenciais. No segundo impingem-nos factos e dados absolutamente inúteis. Falo com conhecimento de causa. Frequentei o ensino secundário francês e estudei os programas de português do 12º ano de filosofia e história para poder fazer os exames de acesso à faculdade. A diferença era abismal. No ensino francês, em filosofia, por exemplo, estudávamos temas sobre os quais tínhamos de dissertar posteriormente. No ensino português obrigaram-me a estudar obras inteiras de autores, sendo-nos solicitado nos exames que despejássemos a opinião de tal ou tal autor sobre este ou aquele tema. Num pensávamos. No outro recitávamos. Em história, no programa do 12º francês(1993) estudei as consequências da segunda guerra mundial, o período da guerra fria, as descolonizações. Para os exames de acesso à Faculdade portuguesa estudei termos e métodos de história. Seja lá o que isso for.

Escusado será dizer que a adaptação ao ensino português foi verdadeiramente penosa. E isto de uma pessoa que nunca viveu noutro país que não Portugal. É bom que não se diga mal de tudo o que é francês.”


(M. R.)

COSA MENTALE


Não conheço [nunca estive junto a ele] o quadro que retrata o interior da igreja de S. Lourenço em Alkmaar. Nunca estive em Roterdão e a reprodução que apresenta no seu blog é o único registo a que tive acesso.

Pieter Saenredam, contemporâneo de Jan Vermeer, Emmanuel de Witte e Gerard Houckgeest entre outros, fez parte da chamada Dutch Golden Age. Conjuntamente com os dois últimos P Saenredam foi considerado um especialista na arte da perspectiva sendo amiúde considerado o verdadeiro mestre.

Não concordo com a sua visão perspéctica deste quadro. Pior é o facto de ela pôr em causa uma parte do seu belo texto.

Taque 1 – Os homens, se colocados na zona da primeira porta, teriam um terço da altura desta. Parece-me razoável, até para chegar ao ferrolho que se pode ver do lado direito (ferrolho que está ainda mais para cá do plano vertical de referência da parede...).

Taque 2 – Os mesmos homens, se deslocados ao longo da horizontal de referência em que se encontram, fossem levados, por exemplo, para o Claustro, ficariam ali muito bem.

Taque 3 – A derradeira porta, no plano do fundo, é obviamente mais pequena do que aquela de que aqui falei. Mas, mesmo assim, não é demasiado pequena para que os nossos homens ali possam passar. São as leis da perspectiva.

Usei de alguns “truques” no Photo Shop, certo! Mas, penso que assim se torna mais fácil explicar o que tinha para lhe dizer.”
(Comparar a imagem "tratada" com o original junto da nota "Cosa Mentale")

(F.)

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EM BREVE

Críticas e comentários a notas do Abrupto pelos seus leitores.

Nota sobre políticos e reality shows , casos de França e Portugal.

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À ESPERA


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4.9.03


LIBRAIRIE DE L'AMATEUR

Devo a uma referência do Latinista Ilustre ter ido com o VGM à Librairie de l'Amateur em Estrasburgo. Nós já tínhamos corrido tudo o que era alfarrabista e passado várias vezes pela Rue des Orfèvres e nunca tínhamos dado por ela, escondida no seu pequeno pátio interior. O sítio é do melhor estilo estrasburguense, um pátio antigo , empedrado, para o qual dão umas casas de traça medieval com as suas ripas de madeira cruzadas e a livraria é de amateur. Não se pode querer mais. E tem um Aulio Gélio que eu procurava.


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LINHA EDITORIAL?

(Na sequência da nota"Não vi e continuo a não ver")

Sem querer avançar, para já, muito mais na discussão , ela própria um pouco viciada, sobre se os órgãos de comunicação social portugueses são de "direita" ou "esquerda" , duas das mais ambíguas palavras correntes no nosso vocabulário, acrescentaria um ponto que deveria ter colocado previamente e que talvez ajudasse a arrumar o debate. É questão de saber se os nosso órgãos de comunicação social tem uma orientação editorial que possa ser identificada?

Num ou noutro caso, têm, ou pelo menos um embrião de orientação, como se pode perceber no Independente. Mas a regra é não terem, o que explica uma certa esquizofrenia. Esta divide-se em duas variantes: uma, a de, num mesmo jornal, haver diversos editoriais, nalguns casos completamente contraditórios, conforme os seus autores; outra, a de não existir consistência entre a linha definida nos editoriais e o conteúdo de diferentes secções, em particular as de política nacional e internacional.

Uma das razões porque me parece inaceitável, no caso português, julgar a "cor" política de um jornal pelos seus editoriais , é essa inconsistência interior. No caso da guerra do Iraque, por exemplo, os editoriais do Diário de Notícias eram às vezes, pró-coligação, mas o noticiário diário era baseado nos artigos de Robert Fisk, notório opositor da intervenção, e cujos originais saiam num jornal inglês que tinha essa oposição como linha editorial.

É uma fragilidade da nossa comunicação social essa ausência de linhas editoriais claras e eu defendo a prática anglo-saxónica de os media tomarem posições públicas sobre matérias de política corrente. Contrariamente ao que se pensa , isso não prejudica em nada o pluralismo, e só clarifica a relação com o leitor, ouvinte ou telespectador. A TSF, por exemplo, deveria tê-lo feito quando do conflito iraquiano, definindo editorialmente a sua posição contra a intervenção da coligação.

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GNR

(Este é um complemento necessário do artigo que publiquei hoje no Público)

Como só se lêem opiniões em contrário, e, da parte dos partidos que apoiam o governo, há uma espécie de silêncio incomodado, fique bem claro que defendo o envio de forças da GNR para o Iraque. A internacionalização da presença de forças armadas, militarizadas e de polícia é um elemento essencial no esforço de pacificação e estabilização do Iraque, e é positivo que Portugal participe. O combate que lá se trava defende-nos a nós aqui.

Essa participação deveria dar-se com um envio de um contingente das nossas forças armadas, mas isso levantaria problemas com o Presidente da Republica que , discordando do governo , tem mantido uma posição equilibrada. No entanto, uma força militarizada como a GNR, com preparação especifica para a situação que vai encontrar, também contribui para ajudar a estabilizar a situação.

Digo isto sabendo que é uma missão com todos os riscos. Seria negativo se se tentasse esconder aos homens que para lá vão, às suas famílias e aos portugueses, de que é uma missão muito perigosa. Os homens que a GNR pode ter que defrontar no Iraque, preferirão atingir os americanos, mas não hesitarão em atingir seja quem for.

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3.9.03


A VIOLAÇÃO DO PACTO DE ESTABILIDADE PELA FRANÇA E ALEMANHA

é algo que deve ser seguido com muita atenção, porque pode mostrar como são as relações de poder na UE nos dias de hoje, marcados por uma grande retórica europeísta .

A França, que é um dos países que quer ir mais para a frente com a Constituição, de que se considera pai e mãe com a Alemanha, tem, a propósito da violação do Pacto de Estabilidade, com os seu déficit previsto e reincidente de 4% ,um discurso interno de absoluto desprezo pelo Pacto e de afirmação unilateral dos interesses franceses. O Pacto foi proposto pela Alemanha e pela França com o objectivo de condicionar os pequenos países do Sul, Portugal inclusive, que tinham imagem de "gastadores", e podiam pôr em causa a estabilidade do euro. O Pacto prevê sanções e pesadas. Portugal foi ameaçado com elas ainda bem recentemente. Ora, não se vê que a Comissão mostre grande vontade de as aplicar à França e à Alemanha...
Isto é inadmissível. Espera-se que Portugal tenha a máxima firmeza, exigindo que, o que se aplica a Portugal, se aplica à França e à Alemanha. Se se admite a duplicidade numa matéria que não oferece qualquer ambiguidade, aceita-se a humilhação.

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CORREIO , DE NOVO

Devido às últimas infecções virais na rede, o servidor que utilizo fora de Portugal, ultra carregado de medidas de segurança, recusa-se a permitir-me ler seja o que for do correio da Telepac. Lá para o fim da semana já o poderei fazer. Por isso, se me enviaram alguma coisa de urgente, peço um pouco de paciência.

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2.9.03


NÃO VI E CONTINUO A NÃO VER

Seguem-se algumas breves notas a um comentário que o Terras do Nunca fez ao Early Morning Blogs de hoje . Infelizmente o tempo não dá para ir mais longe.

Terras do Nunca (TN) - "Por exemplo, no jornal em que JPP escreve (quase) todas as semanas, o respectivo director, José Manuel Fernandes, comparou as manifestações anti-globalização aos hooligans do futebol."

JPP - Não é propriamente a mesma coisa , nem é a comparação que eu disse que nunca vi: casseurs anti-globalização, descritos amavelmente como "anarquistas", com os neo-nazis. Mas o José Manuel Fernandes serve para justificar tudo, como se a sua mera existência e o que ele escreve, tivessem mudado num ápice o clima de esquerda que se vive na generalidade dos media portugueses. José Manuel Fernandes é a excepção que confirma a regra, não é a regra.. A própria estranheza e hostilidade com que o José Manuel Fernandes é tratado, mostra como o seu caso é isolado. Na realidade, as suas posições são claramente solitárias , mesmo no Público, e a fúria com que foi tornado um alvo, nos meses do conflito iraquiano, mostra até que ponto muita gente não engole, passe o plebeísmo, que um director de um jornal possa quebrar o consenso, mais esquerdista do que de esquerda, dos media portugueses.

TN - "Na imprensa portuguesa, de resto, ao contrário do que se propagandeia, as teses da direita prevalecem actualmente sobre as da esquerda. Basta ler os editoriais. Eu sei que quanto aos extremos é um pouco diferente. "

JPP - Esta frase só pode ser dita se se considerar que as posições de direita começam imediatamente à esquerda de Manuel Alegre e se calhar incluindo-o. Se, em vez de direita, se nomeasse o bloco central, já se podia discutir com alguma vantagem. Na verdade, as posições institucionais de alguns órgãos de comunicação social escrita, porque na televisão já é diferente, são próximas do bloco central, quando o PSD está no poder. Quando o PS está no poder, são próximas do PS. E, num caso e noutro, são próximas do "soarismo" clássico e não da sua actual vertente esquerdista. Insisto, posições institucionais, porque se se sair dos editoriais e se passar para tudo o resto, as background assumptions estão todas na tradição esquerdista, mais até do que da social-democracia de esquerda.

TN - "Mas se JPP quisesse usar da perspicácia com que tantas vezes nos brinda, perceberia que os elogios à extrema-esquerda chique (leia-se Bloco) que surgem nesses jornais se destinam mais a achincalar a outra esquerda (leia-se PS) e a fazer o jogo da direita actualmente no poder."

JPP - De facto, a minha perspicácia não chega para perceber que os elogios ao BE não são genuinos . A mim sempre me pareceram que são, se descontarmos os de Marcelo Rebelo de Sousa. Se se destinam "a achincalhar o PS" é natural , exactamente porque são genuínos e quem os faz está mais à esquerda do PS , ou então gosta do radical chic do BE . Essas pessoas, mesmo quando votam no PS, tem a boa consciência no BE. A tese de que os elogios ao BE se destinam " a fazer o jogo da direita actualmente no poder", não entra dentro da minha limitada perspicácia, conhecendo-se quem os faz nas diferentes redacções.

TN - "Aliás, quanto a esta questão, convinha que JPP nos desse alguns esclarecimentos. Por exemplo, sobre se considera algumas posições do actual PP de direita ou de extrema-direita. "

JPP - O autor do Terras do Nunca sabe certamente o que tive ocasião de dizer, quando da constituição da coligação governamental e como votei solitário contra ela, exactamente por ter reservas de carácter político e ideológico não quanto ao PP , mas ao partido unipessoal do Dr. Portas. Fi-lo quando a imprensa de esquerda dizia que era "excessivo" falar de extrema direita a propósito do dr. Portas. Evito repeti-lo agora, quando todos arrombam uma porta que já está aberta.

TN - "Tudo o que se tem escrito sobre as relações entre Paulo Portas e a religião é mais do domínio da direita ou da extrema-direita?"

JPP - A fé de cada um merece respeito e privacidade, sob condição de não ser usada como instrumento político. No caso da missa em memória do militar morto em Timor, não estou certo se essa privacidade foi respeitada. Já noutros casos que conheço , como nos comícios em Aveiro, em que o dr. Portas se persignava praticamente em público, esta atitude já me parece condenável. Mas não é aí que está a extrema direita, aí existe apenas oportunismo político. Está , por exemplo, em muitas outras coisas em que ninguém reparou a tempo, como no apoio às milícias populares de justiceiros , num outro Verão de imensos fogos, que a memória curta de uma ou duas semanas ,em que vivemos na comunicação social , já esqueceu.

NOTA - Fica de fora desta controvérsia a questão de fundo sobre se é comparável a extrema esquerda e a extrema direita, suscitada em perguntas como esta do Terras do Nunca - "se se podem fazer equivaler, por exemplo, as posições neo - nazis às de partidos parlamentares como o BE"?.-, porque a resposta implica todo um outro debate , a que voltarei noutra altura. Devo desde já dizer que, formulada a questão doutra maneira, a minha resposta é sim.

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PARECERES?

Li, numa nota de Pedro Lomba no Diário de Notícias, uma notícia que me tinha passado despercebida, que a Assembleia da República teria pedido cerca de 300 pareceres sobre a Constituição Europeia. A ser assim, estamos já num caminho muito sinistro, isto para além da abundância de pareceres... A ideia peregrina que a Constituição Europeia é uma questão de pareceres, supostamente técnicos, antes de ser uma questão política, mostra o modo como se pretende aborda-la: como um texto jurídico inócuo, para ser discutido nas suas minudências pelos professores de direito. Como se, antes disso, depois disso e acima e abaixo disso, não estivessem em causa opções políticas de fundo, a começar pela própria necessidade de haver uma Constituição e a sua legitimidade democrática, matéria que a Assembleia da República nunca discutiu.

Isto já deixando de lado a progressiva substituição de decisões políticas incomodas por pareceres de sábios que não tem que responder perante o voto. Claro, conforme se escolhem os sábios, conforme se tem os resultados pretendidos.

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PORTO


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RENTRÉE LITTÉRAIRE

Os franceses tem uma rentrée littéraire com pompa e circunstância. Este ano, em Setembro, estão previstas 700 obras de ficção, originais e traduzidas, e 600 ensaios (números da Lire ). É obra, isto é que é escrever! E no entanto... passeando os olhos por algumas destas novidades já publicadas, nada me suscita um entusiasmo particular. Pode ser que esteja a ser injusto, porque há aspectos da edição francesa muito interessantes, - por exemplo, na filosofia, nas ciências sociais, em certas áreas de história, como na história antiga e medieval -, mas ao ver as estantes de novidades pejadas de romances e textos sobre a actualidade, tão confrangedoramente superficiais, nada me anima às compras. O anti - americanismo na não - ficção é tão obsessivo que todos os livros parecem iguais. E eu não preciso de um pretexto muito forte para comprar um livro...

Uma das razões deste meu desinteresse pela própria literatura fíccional, que , insisto, pode ser injusto num ou noutro caso, tem a ver com o carácter claustrofobico da vida intelectual francesa, a sua falta de abertura ao exterior, o seu pequeno dinamismo , que não me dá indicadores de qualidade. A crítica literária agressiva, a controvérsia, é o que me aponta, no meio das centenas de livros, o que vale a pena ler. Em França , a não ser nos ocasionais escândalos , como o de Catherine Millet, está-se um pouco como em Portugal , é tudo bom. É uma diferença abissal com o corrosivo meio literário anglo - saxónico , como se vê, nestes dias, com as controvérsias violentas á volta de Martin Amis e do Booker Prize.

SÓ PARA SE PERCEBER

a diferença, e para não parecer que digo mal de tudo o que é francês, veja-se a lista de livros que um aluno de francês do equivalente ao 11o. ano português, tem como leituras obrigatórias este ano: de Shakespeare, Hamlet, Otelo, e Macbeth , a Metamorfose de Kafka, Andromaca de Racine, Escola das Mulheres de Moliére, Pierre e Jean de Maupassant, o Estrangeiro de Camus, Huis Clos e As Moscas de Sartre.

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EARLY MORNING BLOGS 36

Embora já com algum atraso, não queria deixar de expressar a minha total concordância com o que diz Filipe Nunes Vicente no Mar Salgado sobre a duplicidade de tratamento da extrema - direita e da extrema - esquerda e das respectivas violências reais e simbólicas. Tenho sempre denunciado esse facto , tão significativo da parcialidade de muito jornalismo contemporâneo. Já alguém leu um editorial intitulado "o perigo do crescimento da violência anti - globalizadora"? Já alguém viu tratar as destruições ocorridas, um pouco por todo o lado, sempre que há uma conferência do OMC, ou uma reunião do G8, com o mesmo excitado sentimento de perigo apocalíptico com que uma arruaça neo - nazi é tratada?

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1.9.03


SEGUE DENTRO DE MOMENTOS

... o Abrupto. Quando pousar.

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31.8.03


ESTADO DO ABRUPTO (AGOSTO 2003)

O número real de “pageviews” actual do Abrupto aproxima-se, no final deste mês, de 180000 - 190000. A habitual discrepância deve-se às datas diferentes do início da contagem, mas tendo-se isso em conta, os números são consistentes. O contador da Bravenet foi o último a ser instalado, por isso a diferença com ele é a maior.

No mês de Agosto deu-se uma quebra das visitas ao Abrupto: de cerca de 75000 em Julho, para 60000 em Agosto, menos 15000. Esta quebra concentrou-se nas primeiras duas semanas de Agosto e está a recuperar na segunda quinzena, o que pode indicar a sazonalidade das férias. Neste momento, a média diária de visitas é de 2130, uma pequena quebra em relação às 2200 do mês passado.

Não há alterações quanto à distribuição geográfica, a não ser talvez um incipiente aumento de visitas oriundas do Brasil e dos EUA, irrelevante ainda para se tirarem conclusões. O padrão de consultas permanece, com a terça-feira e as 17 horas com maior afluência e o domingo com a maior quebra. De facto, quem é que se lembra de ir para a rede num domingo de Agosto?

As “acções” no Blogshares conheceram uma enorme turbulência, desceram a pique e subiram a pique e estão neste momento a 473.64 dolares.

No Technorati, os últimos resultados apontavam para cerca de 461 “inbound Blogs” e 620 “inbound Links” , o que começa a aproximar um blogue escrito em português de números significativos a nível mundial.

Obrigado aos leitores do Abrupto. Continuaremos.


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OBJECTOS EM EXTINÇÃO 22 ?







Aqui está , cortesia do nosso médico, uma requisição de vacinas anti-varíolicas, que felizmente deixaram de ser necessárias desde que a varíola foi erradicada na natureza. Um "objecto" que desejamos que continue extinto. O problema é que ela continua viva, um vários laboratórios, alguns militares, alguns em países pouco recomendáveis, sem nenhum outro objectivo que não seja o armamento biológico. E a varíola, se voltar, será uma terrível arma.

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COSA MENTALE

Este quadro é de um pintor do início do século XVII, Pieter Saenredam e retrata o interior da igreja de S. Lourenço em Alkmaar. Está no Museu Boymans-van Beuningen em Roterdão. Saenredam especializou-se em pintar o interior das igrejas holandesas “reformadas”. Estas eram despidas do peso dos ornamentos, das imagens, dos santos, das esculturas que preenchiam todo o espaço interior das igrejas cristãs antes da Reforma.

Se há quadro que representa a ideia que a pintura é cosa mentale é este. O que fascina o pintor é um objecto imenso, uma parede maciça na qual se abre uma porta que abre para outra porta e que abre para um claustro, onde um arco é uma outra espécie de porta. Lá, ao fundo, percebe-se um espaço tão interior como o da igreja, porque não há variação na luz, o mesmo amarelo esbranquiçado.

Os homens, melhor os homúnculos, estão lá num canto, pequenas figuras a preto, sem qualquer papel que não seja dar dimensão à coluna e à porta gigantesca que se abre. Se o quadro fosse feito para os homens por que razão a porta teria cinco vezes a sua altura? Nada de humano justifica esta dimensão. Os ornamentos que sobram não são também para os olhos humanos. Quem conseguiria ver o que está pintado no losango, tão alto ele está?

Este quadro não está feito para glorificar nem os homens, nem a obra dos homens (este espaço é inumano), nem a igreja, nem Deus. Não há nesta igreja nada que aproxime de Deus, nada que aponte para o sagrado, nenhum símbolo religioso identificável. Percebe-se que é uma igreja pela altura do edifício, mas o espaço que se observa nem sequer é o da nave principal, mas de um corredor acessório. Podia ser um edifício público, uma Rathaus, uma casa de corporações. É verdade que uma igreja holandesa é também um edifício cívico, mas não há aqui sombra de uma comunidade para o ocupar. Os burgueses que se percebem como uma mancha negra, com um papel muito parecido com as moscas numa natureza morta filosófica, não estão a rezar, estão a conversar.

É um quadro metafísico. A sua construção não é muito distinta da de alguns quadros chineses influenciados pelo budismo zen, ou mesmo de muita da pintura moderna abstracta. O risco do drapejado acompanhando a coluna, o quadro em formato de um losango dependurado, são elementos que reforçam o carácter geométrico da pintura.

O que está pintado nesta pintura? Duas coisas. Uma, o despojamento, uma ideia moderna mais próxima do design do que da pintura tradicional, e que é comum encontrar no Norte da Europa, a procura de uma sólida simplicidade. Outra, a de que isso se faz num mundo que nos ultrapassa. A arquitectura da igreja destina-se a mostrar-nos isso, vive-se num espaço que não é nosso, que nos ultrapassa.

Entre a vida sólida e a angústia de estar abandonado por Deus no mundo, este é um dilema protestante e não católico. Saenredam pintou pois uma coisa mental, uma ideia.

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© José Pacheco Pereira
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