ABRUPTO

10.1.04


BIBLIOFILIA 8



David J. Eicher, The Longest Night. A Military History of the Civil War, Pimlico, 2002

Foi o meu companion book quando vi a série sobre a guerra civil americana, e confirmou a sensação de conflito épico, gigantesco e devastador, que os filmes davam. Centrado nos aspectos militares do conflito, mostra o papel inovador que tem a guerra quando, puxando os homens até aos limites, mobiliza recursos que a paz nunca traz e eleva a imaginação e a criatividade. É infeliz que seja assim, mas é muito assim, talvez porque o medo e o desespero sejam poderosos factores de invenção.

Maurice Sartre, L’Anatolie hellénistique de l´Egée au Caucase, Paris, Armand Colin, 2003

É um livro escolar excelente, uma coisa que os franceses, que têm sólidas escolas de história antiga, produzem. Folheio-o para me recordar das pequenas aldeias da Anatólia, praticamente sem nunca terem sido escavadas, fora das rotas turísticas, melhor sinal do poder do tempo e da mudança. Escrevi no Abrupto sobre uma delas, Alexandria de Troas.

Katl Löwith, Histoire et Salut. Les présupposés théologiques de la philosophie de l’histoire, Paris , Gallimard, 2002

Não li, olhei para um ou outro capítulo, mas tem o fôlego da grande filosofia alemã, uma mistura de sistematicidade e voo teórico, uma filosofia que respira o ar do mundo, e por isso se dá tão bem com a teologia, com uma vontade de totalidade que, aplicada à história, dá resultados muito interessantes. Voltarei a falar deste livro.

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EARLY MORNING BLOGS 113

um pouco tardios. Aqui fica, de Castilho, incluída no Tesouro Poético da Infância de Antero, esta ilustração de que também há luta de classes nas manhãs, em que uns podem dormir e outros não têm direito ao sono. Para os amadores das viagens no tempo e da Idade Média, e da Terra Média, este tumulto matinal.


Manhãs frescas de Setembro,
Quando o orvalho está a cair,
Frescas manhãs de Setembro,
Quem as pudera dormir!

Durma-as El-rei nos seus paços,
E o pastor no seu redil,
As aves nas suas folhas,
As feras no seu covil;

Coas damas os seus maridos;
Cada qual segundo a si;
Que para os tristes monteiros...
Tais sonos não os há aí!

Em. luzindo a estrela de alva,
E ainda antes do seu luzir,
Dom Fuas Roupinho alcaide
Das mantas os faz sair.

Voam corcéis e sabujos;
Apupa, apupa clarim;
Que esta sina de fragueiros
Não tem descanso nem fim.

Tremei, gândaras e montes,
O feras, fugi, fugi;
Que logo.., nem pés ao gamo,
Nem val’ fúria ao javali;

Só se lhes valer a névoa,
Que maior nunca se viu!
Indo todos lá perdidos,
Buzina ao longe se ouviu...

Buzina do alcaide é ela!
Vai a chamar... e a fugir!
Trás o som correi, cavalos,
Enquanto se pode ouvir;

Nem caminhos, nem atalhos;
Rasgar fragas e alcantis,
Que este apupar de Dom Fuas
E de correr javalis!

Tudo ia em redemoinho...
Homens, corcéis e mastins,
Ladridos, brados, relinchos,
Fragor de armas e clarins!

E encontra donde o som vinha
Às cegas era o seu ir;
E a buzina era já perto...
Quando cessou de se ouvir!

Pararam todos à escuta;
E estando a escutar assim,
Sentiram perto o mar fundo
Quebrar com muito motim.

Rompeu-se co sol a névoa,
E ao resplandor que luziu,
Sobre penha, que duzentas
Braças pende ao mar, se viu

Um cavalo! e o bom Dom Fuas,
Que o remessara até ali,
Saltar por terra, clamando:
– Por ti, Senhora, é por ti!

Prostrou-se humilde e deu graças,
Depois benzeu-se e surgiu.
E ora ouvireis que palavras
Aos monteiros proferiu.


*

E mais não disse, se não metade do blogue atravessava o Rio Letes. Bom dia!

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VER A NOITE

Está uma Lua cheia, violenta, poderosa, mas invisível. Todo o céu está coberto de nuvens, mas as nuvens reflectem a luz pálida dispersa, meio fluorescente, da cor dos telemóveis, embora menos intensa. As chuvas já trouxeram muita água para dentro da terra e o som da pequena corrente da mina ouve-se mais alto. Um cão ladra ao longe, como é costume nas noites. Está um vago nevoeiro lá em baixo.

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COMO SE TIVESSE POUCAS COISAS PARA FAZER

agora vou todos os dias ler o “dia” de Samuel Pepys. Hoje, há 344 anos, Pepys mantém esta magnífica mistura entre a maldição dos “tempos interessantes” e as delícias do cabrito. Ontem, há 344 anos, “my wife and I lay very long in bed to-day talking and pleasing one another in discourse.” Hoje, os “Fanáticos” (seitas protestantes puritanas) estragaram-lhe o dia:

Waked in the morning about six o’clock, by people running up and down in Mr. Davis’s house, talking that the Fanatiques were up in arms in the City. And so I rose and went forth; where in the street I found every body in arms at the doors. So I returned (though with no good courage at all, but that I might not seem to be afeared), and got my sword and pistol, which, however, I had no powder to charge; and went to the door, where I found Sir R. Ford, and with him I walked up and down as far as the Exchange, and there I left him. In our way, the streets full of Train-band, and great stories, what mischief these rogues have done; and I think near a dozen have been killed this morning on both sides. Seeing the city in this condition, the shops shut, and all things in trouble, I went home and sat, it being office day, till noon.

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9.1.04


NOTAS CHEKOVIANAS 9



Chekov, autor de blogue, na secção dos humorísticos. Chekov divertindo-se nas “perguntas colocadas por um matemático louco” (de The Undiscovered Chekhov. Fifty-One Newly Translated Stories, traduções da casa):

Ptolomeu nasceu no ano de 223 antes de Cristo e morreu depois de ter chegado à idade de oitenta e quatro anos. Levou metade da sua vida a viajar, e um terço a divertir-se. Qual é o preço de um quilo de pregos e será que Ptolomeu se casou?”

“Na festa do Ano Novo, 200 pessoas foram expulsas do baile de máscaras do Teatro Bolshoi por brigarem. Se os rufiões foram 200, qual era o número dos convidados que estavam bêbados, vagamente bêbados, que praguejavam e que tentaram, mas não conseguiram , envolver-se em brigas?”

E por aí adiante.

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QUADRATURA DO CÍRCULO

tem "um flashback da semana" como subtítulo. O primeiro passa no próximo domingo e, para os amadores, pode-se aqui encontrar, em português, a enunciação do problema clássico da matemática que lhe dá o título.

Um dia se fará a história do programa, que tem na sua versão actual dois dos membros originais - eu e José Magalhães. O jornalista moderador original foi Emídio Rangel, depois substituído por Carlos Andrade. O terceiro membro da quadratura foi o mais mutável: começou por ser Vasco Pulido Valente, depois Miguel Sousa Tavares, Nogueira de Brito e, por fim, António Lobo Xavier.

Para responder às dúvidas de Vital Moreira, há que ter em conta que a composição política do programa foi sempre mudando com este terceiro elemento. O Vasco Pulido Valente vinha da candidatura de Soares e era tido como próximo do PS; só mais tarde, já fora do programa, teve a sua passagem parlamentar como independente nas listas do PSD. No início, Magalhães era comunista e fez a sua transição para o PS também nas discussões do programa. Miguel Sousa Tavares era independente, mas foi sempre mais próximo da área socialista do que do PSD. A composição actual fixou-se com Nogueira de Brito, e com António Lobo Xavier em sua substituição, mas também, no caso do PP, ambos entraram para o programa numa altura em que estavam bastante afastados da direcção do partido. Duvido que, se o Flashback tivesse a preocupação de assegurar uma representação ao espelho do parlamento, conseguisse a variabilidade de posições e discussões que por lá passaram.

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MENSAGEM / MENSAGEIRO



A distinção mensagem / mensageiro é, nos meios de comunicação social modernos, uma falácia.

"Electric circuitry profoundly involves men with one another. Information pours upon us, instantaneously and continuously. As soon as information is acquired, it is very rapidly replaced by still newer information. Our electrically-configured world has forced us to move from the habit of data classification to the mode of pattern recognition. We can no longer build serially, block-by-block, step-by-step, because instant communication insures that all factors of the environment and of experience co-exist in a state of active interplay." (McLuhan The Medium is the Massage: An Inventory of Effects)

A desenvolver.

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8.1.04


NOTAS CHEKOVIANAS 8

The Undiscovered Chekhov. Fifty-One Newly Translated Stories, Duckbacks, 2002.
Lido com muito prazer, com um entusiasmo página a página crescente, com surpresa, porque nunca se sabe o que é que está na página seguinte. De fragmento em fragmento, Chekov diverte-se com pequenas anedotas, ou conta tudo que há de trágico no mundo, em meia dúzia de linhas, como só ele sabe contar.

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SOBRE VICTOR SÁ

foram feitas actualizações e complementos na nota em baixo. Não queria que, pela inexorabilidade do esquecimento rápido do ecrã dos blogues, ficassem esquecidas a quem interesse.

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EM COMPLEMENTO (Actualizado)



ao que escrevi hoje no Público, não escapa a ninguém que a notícia da Focus vem na mesma sequência de fugas de informação manipuladas. Três nomes escolhidos num álbum que tem mais de cem, para provocar escândalo, com o escândalo garantido na Assembleia da República, para ampliar ainda mais uma estratégia de politização do processo da Casa Pia. É tudo tão transparente.

Espero que, se alguma vez houver uma acusação contra um “político de barbas”, o Ministério Público cumpra o seu dever e mostre a minha fotografia num álbum de “políticos de barbas”. Porque é que não o há-de fazer? Só se não procurar a verdade, nem investigar como deve ser.

Espero em seguida, que essa circunstância, verificada ser irrelevante porque eu não sou o “político de barbas”, seja protegida pelo segredo de justiça, para não permitir que uma opinião popular, que distingue mal as minudências jurídicas, não me meta no mesmo saco dos eventuais culpados. Espero também que os órgãos de comunicação social, que nunca aprendem nada com a milionésima manipulação em que são levados a colaborar, em muitos casos deliberadamente porque sabem o que fazem e querem fazer o que fazem, percebam que não há nada de interesse público em nomear políticos que fazem parte obrigatória de um álbum que é mostrado a uma criança violada e que sabe que o foi por “um político conhecido”. A polícia não cumpria o seu dever se não mostrasse fotografias de políticos conhecidos, ou será que se espera que ela presuma quais são os que podem ser suspeitos ou não? Porquê? Porque são homossexuais? Porque frequentam o Elefante Branco? Porque são solteiros? Porque são diferentes e maus pais de família?

Espero também que um órgão de comunicação social que, sem forte e justificada razão de interesse público, atentasse contra o bom nome de alguém através da violação do segredo de justiça para fins especulativos, tivesse duras penas, como acontece em democracias tão amigas da liberdade e tão consolidadas como a inglesa. Porque, deixemo-nos de subterfúgios, a existência de sanções para proteger um direito constitucional obrigaria à maior responsabilidade de uma comunicação social que, salvo honrosas excepções, chegada a estes momentos decisivos, não mostra nenhuma.

Eu sei que espero demais, mas é assim que deveria ser.

*

Veja-se comentário em Aviz.

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SOBRE VICTOR SÁ (Actualizado)

"Quando, ontem à noite, fui confrontado com o seu texto sobre Victor de Sá, tive dificuldade em acreditar que estivesse a ler bem, tendo de relê-lo mais do que uma vez, para tentar apagar a impressão amarga que me deixou. Desde logo pela inoportunidade da coisa, à luz da formação da generalidade dos portugueses, que nos leva a não gostar de ouvir tratar mal aqueles que acabam de morrer.

Venho à liça por duas razões: por ser filho do visado, e por ser, como ele, um construtor e defensor do 25 de Abril (já perceberá onde quero chegar !).

Porque sou filho de Victor de Sá, tenho de dizer-lhe que o Senhor não o conheceu, pura e simplesmente. Ou nesse “pouco” que o conheceu ”pessoalmente”, o senhor estava fora do seu juízo… É que Victor de Sá nem era arrogante, nem dogmático, nem sectário. E desde sempre. Lembro-me bem de muitas vezes ter ouvido a gente da “Situação” dizer: ah…se todos os comunistas fossem como o senhor doutor!

Meu Pai foi uma pessoa invulgarmente simpática no seu trato com toda a gente, tímida, até (que é o contrário de arrogante), dialogante, pedagogicamente anti-dogmática.

A corrida dos alunos às suas aulas, quer na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, quer na Universidade Lusófona; o entusiasmo dos seus ouvintes e interlocutores, antes e depois do 25 de Abril, em tantos e tantos colóquios nas repúblicas de Coimbra, nas escolas secundárias, nas colectividades, nos sindicatos e outras muitas associações, são a negação da sua afirmação.

Sempre combateu os dogmas: afastou-se muito cedo da religião, e, mais tarde, de outros dogmas que caracterizam o partido em que militou.

Mas o mais notoriamente público das suas qualidades, é mesmo o seu pendor profunda e autenticamente pedagógico na busca da verdade. Foi isso uma das razões da sua partida para o exílio: poder estudar a História Contemporânea Portuguesa, liberto das mentiras que a envolviam no seu país mergulhado no obscurantismo. E assim, num notável afã científico, reescreveu a história do Liberalismo em Portugal, dando um contributo pioneiro para a releitura do nosso passado recente, e abrindo caminho a novas gerações de investigadores. A culminar essa apaixonante actividade, instituiu mesmo, em 1990, o Prémio de História Contemporânea Victor de Sá, que anualmente galardoa os mais qualificados trabalhos científicos que a ele concorrem, tendo acontecido no passado mês de Dezembro a sua 13ª edição, ao longo de cuja vida alcançou grande prestígio.

No seu ensino, quer no formal (como professor universitário), quer no informal (como pai, ensaísta e orador) sempre praticou e estimulou o sentido crítico, como elemento essencial no difícil caminho da aproximação à Verdade. Aliás, foi essa exacta qualidade que, nos anos sessenta, na Sorbonne, o fez “deitar fora” o seu primeiro ano de investigação, ao constatar que havia factos que tinha descoberto, que não encaixavam na versão oficial da historiografia do nosso Século XIX; e, em consequência, enveredou pela busca de outros factos que, tendo ocorrido, não eram trazidos à luz da História oficial, e por isso distorciam o conhecimento, e o próprio entendimento do Liberalismo em Portugal.

Antes disso, o seu empenho activo e criativo na actividade cultural, designadamente através da criação da Biblioteca Móvel (nos anos 40, senhor doutor, muito antes das Bibliotecas da Gulbenkian e obviamente sem apoios, ou seja, às suas exclusivas custas, para disponibilizar livros por empréstimo aos seus “assinantes”), é absolutamente uma “marca de água” da personalidade de Victor de Sá, de que faz igualmente parte a criação da Livraria Victor – Centro Cultural do Minho, também desde os anos 40, tantas vezes vasculhada pela PIDE, até uma vez encerrada, numa tentativa desesperada do Regime de vergar, pela fome de toda a família – que não tinha outros rendimentos – a força indomável daquele Cidadão pela Liberdade, e que teve a resistência activa dos próprios colegas livreiros (todos da Situação !), que, num corajoso gesto de solidariedade, venderam os artigos aos nossos clientes, debitando-os à nossa livraria, até à sua reabertura, vários dias depois.

Poderia juntar outros elementos biográficos, mas não é altura disso. Como Filho, estou naturalmente demasiado magoado para o fazer agora.

Se por estas poucas palavras se pode verificar que aquilo que o senhor diz no seu texto não tem qualquer fundamento, a minha 2ª razão de escrever isto diz-lhe respeito a si, apetecendo-me perguntar-lhe: quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão ?!

Porque há-de V. escrever sobre tudo, o que sabe e o que não sabe? É doença ? Ou é uma incontrolável força interior ? Ou simplesmente uma expressão de possidonismo, característica dum sujeito que se julga superior aos outros, desde logo porque não é da Província ? Mas haverá pior provincianismo do que esse ?

O seu texto, tão curto, aliás, expele um fel que lhe vem das entranhas, na forma de algumas poucas palavras: “comunistas provincianos do Minho, de Famalicão, Braga, mesmo do Porto”, que “depois do 25 de Abril, quando tiveram algum poder, eram intransigentes e bem pouco democratas”; a “ortodoxia agressiva” que “perpassava nos textos” “sobre o movimento operário”.

Bom, sobre o Movimento Operário, Victor de Sá produziu investigação científica, na qual não cabe aquilo que o senhor diz.

E os comunistas provincianos do Minho…serão diferentes dos de Viseu, Coimbra, ou do Sul ? Porque é que isola exactamente esses do Minho, especialmente de Famalicão e Braga (esqueceu-se dos de Guimarães !) ? Julgo perceber o seu ódio especial aos Democratas de Braga, retratados no importante volume “Intervenção Política”, selecção e edição de Humberto Soeiro para o período 1940-1970: eles, esses democratas, marcaram com coragem a iniciativa da Oposição, tantas vezes obrigando a definição de atitudes que seriam diferentes, ou até inexistentes, sem a sua iniciativa. E dando guerra sem quartel à Ditadura, criaram, com os democratas do resto do País, as condições para o 25 de Abril. De facto era diferente em Braga a luta contra a Ditadura, onde pesava o poder imenso da Igreja, terrivelmente fechada e com uma hierarquia profundamente irmanada com o Regime, onde só havia 2 estabelecimentos de ensino secundário oficiais (em contrapartida a 14 seminários), onde havia o tal Santos da Cunha, mas também o Cónego Melo. Mas curiosamente, o seu texto não se vira para a actividade dessa gente contra o Regime Democrático: apenas critica as suas vítimas, poupando os algozes.

É por isso que escrevo este texto: para expressar a minha revolta pelo papel envenenador que o senhor realiza através das suas interpretações políticas. Dantes, a PIDE e o Santos da Cunha, agora … o democrata Pacheco Pereira !

Além disso, a honestidade intelectual manda, e o rigor científico exige, que se apeie do seu pedestal de "Deus" e reflicta sobre essa declarada (por si) contradição sobre o Homem Victor de Sá (permita-me que use a maiúscula, em vez da minúscula pequenamente utilizada por si). A sua Dúvida deveria levá-lo a ir mais longe no raciocínio, antes de se pronunciar sobre um Homem que acaba de morrer, e nos deixa Obra de vulto: "ainda hoje não sei como é que nesta rectidão, motivada pelas ideias, se define uma mora, se há uma moral" ... Ao menos por um momento, formule cientificamente uma hipótese: a sua tese estará certa, ou porque não se ajusta à pessoa visada, deve ser revista a tese?!"


(Victor Louro)

"Li com atenção o comentário do Dr. José Pacheco Pereira, “NECROLOGIAS”, publicado no Blog (www.abrupto.blogspot.com) sobre o meu avô Victor Sá.
Não posso deixar de enumerar algumas inprecisões às suas notas biográficas (ver estudos sobre o comunismo e notas finais) e efectuar uma crítica ao Dr. José Pacheco Pereira por julgar que a sua liberdade de expressão (palavra tão cara ao meu Avô e à minha família) lhe serve para formular incompreensíveis adjectivações de carácter sobre um HOMEM, e passo a citar: “...tenho dele uma impressão de arrogância dogmática e sectária, muito comum nos comunistas provincianos do Minho, de Famalicão, de Braga, mesmo do Porto. Acresce que ele escrevia sobre o movimento operário, e a mesma ortodoxia agressiva perpassava nos textos. Depois do 25 de Abril, quando tiveram algum poder, eram intransigentes e bem pouco “democratas” - que marcou e foi um exemplo para várias Gerações.

Victor de Sá, independentemente do Partido Político a que cada um pertence, foi e é reconhecido como um destacado vulto da vida cultural e política do Distrito de Braga e do País. É considerado um anti-fascista ímpar, na coragem e frontalidade e um lutador pela liberdade e democracia do século XX.

Em 1942 iniciou a luta contra o regime salazarista. Os Democratas de Braga “um núcleo de resistência e formação ideológica”, do qual faziam parte Victor Sá, Armando Bacelar, Lino Lima, Francisco Salgado Zenha, Flávio Martins, Humberto Soeiro (entre outros), marcou a luta nacional contra o regime fascista. O documento dirigido “Aos Portugueses” e assinado por 100 democratas em 31 de Janeiro de 1959, que terminava dizendo a Salazar para “abandonar o poder” foi um dos documentos mais importantes da oposição ao regime fascista. O documento foi projectado e redigido por Lino Lima e Victor de Sá. Depois de impresso, foram distribuídos por diversas regiões do País, do Minho ao Algarve.

Escreveu então no dia 3 de Janeiro de 2003 José Pacheco Pereira, que Victor Sá era “arrogante”, “sectário” e “pouco democrático”. Para esclarecer tamanha enormidade, nada melhor que uns pequenos excertos publicados no livro “testemunho de um tempo de mudança” promovido pelo Conselho Cultural da Universidade do Minho. Este livro reuniu alguns editoriais que Victor Sá publicou no “Correio do Minho”, no período compreendido entre 3 de Maio de 1974 e 2 de Fevereiro de 1975, durante o qual foi director provisório e não remunerado daquele diário bracarense.

1. Sobre o provincianismo de que fala Pacheco Pereira – “É preciso salvaguardar que a Universidade do Minho contribua efectivamente para uma actualização e cientificação do pensamento, e nunca para a consolidação dos valores regionais negativos, que muitas vezes são glorificados como tradicionais.
Uma Universidade Regional não pode ser um centro de pensamento folclórico, mas sim um farol a irradiar, no meio das trevas, a luz patente e civilizadora da razão e da ciência.
Doutro modo, mais se consagrará o pensamento provinciano – de que já estamos abundantemente servidos – do que o pensamento crítico e inovador.
Esta á a problemática fundamental que tem de presidir à definição de objectivos da Universidade do Minho. Porque, quanto à sua existência e próximo funcionamento, isso nem sequer está posto em causa” (Correio do Minho, 29 de Janeiro de 1975)

2. A Arrogância, Sectarismo e falta de democracia de que fala Pacheco Pereira – “Os exemplos vindos do alto eram sempre os da subserviência e os da corrupção. Esses é que eram os bons, esses é que eram os triunfadores. Logo, quem quisesse passar por bom e ser triunfador, tinha de proceder a essa autêntica “actualização de carácter”.
Os honestos e os capazes, esses não eram exemplo a seguir, porque eram os perseguidos e considerados como perigosos.
Foi assim que, ao cabo de 48 anos de continuidade fascista, uma boa parte da população portuguesa embora cada vez mais revoltada contra a opressão do regime, encontrava-se na realidade incapacitada de fazer uma correcta avaliação em que o país se encontrava, incapacitado também de saber escolher caminhos novos para arrancar Portugal do atoleiro para que nos tinham atirado 13 anos já de guerra colonial. (Correio do Minho, 5 de Outubro de 1974)

Pacheco Pereira tece ainda no seu blog e sobre Victor Sá o seguinte comentário “No entanto, quando se faz de Deus e se escrevem estes balanços de vida, fica uma sensação contraditória sobre o homem.”
Digo-lhe com toda a certeza que o Mundo não é feito de “impressões”, muito menos das suas. Na Vida de Victor Sá não há contradições, pois o “balanço de vida” está cheio de causas onde a Liberdade, a Democracia e a Cultura foram a chama da sua força!"

(...)


(Marcos Sá)


*

O texto de Marcos Sá inclui algumas rectificações e complementos à biografia dos Estudos sobre o Comunismo, que serão aí analisadas (em particular, a questão da data da entrada de Victor Sá para o PCP).

Veja-se igualmente o comentário de Vital Moreira em Causa Nossa .

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UM BLOGUE SOBRE OS CADERNOS DE CAMUS 2

As respostas que tenho recebido são muito positivas. Vamos esperar mais algum tempo (virão certamente mais respostas e propostas) e depois enviarei uma nota para se começar a fazer uma experiência.

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A FORÇA DO "ESPÍRITO"

Agora que nos entusiasmamos com as fotografias de Marte, enviadas pela força do “espírito”, vale a pena ler (ver) a colecção de 25 fotografias históricas consideradas pela Astronomy no seu último número como as “melhores” de sempre. A maioria das fotografias nada tem de espectacular. A que mais me impressiona – a vista do sistema solar pela sonda Voyager 1 a 4 biliões de milhas da terra - é tão difícil de perceber em formato pequeno que desisti de a colocar (pode ser vista aqui). Mas toda a história do nosso olhar pelo universo está lá, o lado escondido da Lua, Plutão pela primeira vez, os espectogramas que Hubble consultou, os vulcões de Io, e a sempre magnifica Sombrero, a galáxia mexicana em Virgo.

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THE ELEMENTS OF DISBELIEF ARE / VERY STRONG IN THE MORNING




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EARLY MORNING BLOGS 112


Hoje é dia de “Melancholy Breakfast”, cortesia de João Costa, um grande poema pequeno, com esse verso certeiro do fim a servir de bandeira para estes dias de cinza.

Melancholy Breakfast

Melancholy breakfast
blue overhead blue underneath

the silent egg thinks
and the toaster's electrical
ear waits

the stars are in
"that cloud is hid"

the elements of disbelief are
very strong in the morning


(Frank O'Hara)

*

Bom dia!

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7.1.04


A QUADRATURA DO CÍRCULO

ou o Flashback de novo, igual em tudo ao original, o mesmo Carlos Andrade, o mesmo José Magalhães, o mesmo António Lobo Xavier, o mesmo eu, na SIC Notícias no domingo. Saudades de discutir.

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UM BLOGUE SOBRE OS CADERNOS DE CAMUS

Repito aqui uma sugestão que já tinha feito há uns meses: usar os cadernos de Camus como texto inicial para um blogue de literatura e filosofia, e, a partir dos seus textos, colocar outros textos, meta-textos sobre as entradas originais de Camus, numa espécie de trabalho colectivo, uma never ending story de inspiração camusiana. Para este tipo de coisas os blogues são uma boa fórmula e o resultado pode vir a ser publicado mais tarde em livro. (Agora que escrevo isto, outros textos também dariam blogues interessantes, certas partes da Bíblia por exemplo.)

Para resultar bem, terá que haver moderação, um grupo responsável. Se houver voluntários, passa-se à prática.

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PROTO-HISTÓRIA DOS BLOGUES



Blogues antes de haver blogues encontram-se em muitos diários, em particular nos diários, ou colecções de notas arranjadas cronologicamente. Textos como os cadernos de Camus e Paul Valery, ou os diários de Tolstoi, ou os fragmentos de Kafka, já foram aqui referidos como paradigmas de escrita que se aproxima ( e nalguns casos se afasta) do modelo dos blogues. Os blogues são herdeiros dessa escrita e a ideia original de usar os celebres diários de Samuel Pepys, colocando-os em linha, de forma a coincidir com as datas do mês, revela as diferenças e as semelhanças do quotidiano com quatrocentos anos de diferença.

Foi assim que Pepys passou o dia do senhor , o domingo de 6 de Janeiro de 1660, tal como escreveu no seu blogue:

"(Lord’s day). My wife and I to church this morning, and so home to dinner to a boiled leg of mutton all alone. To church again, where, before sermon, a long Psalm was set that lasted an hour, while the sexton gathered his year’s contribucion through the whole church. After sermon home, and there I went to my chamber and wrote a letter to send to Mr. Coventry, with a piece of plate along with it, which I do preserve among my other letters. So to supper, and thence after prayers to bed."


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TINTAS SECRETAS

É muito interessante a lista dos dez mais antigos documentos americanos por desclassificar existentes nos Arquivos Nacionais dos EUA. São os seguintes:

Memo, Heingelman to Marlenck 2 pages Created 30 October 1917

Report: Detection of Secret Ink 6 pages Created 01 January 1918

Pamphlet on Invisible Photography & Writing, Synthetic Ink,... 2 pages Created 01 January 1918

U.S. Naval Mines, Mine Anchor, Mark VI 21 pages Created 26 January 1918

Report: Secret Inks 1 page Created 16 March 1918

U.S. Naval Mines, Mine Anchor, Mark VI 42 pages Created 01 May 1918

Ordnance Pamphlet 575, Enemy Mines 62 pages Created 01 June 1918

German Secret Ink Formula 1 pages Created 14 June 1918

Report: German Secret Ink Formula 3 pages Created 14 June 1918

Ordnance Pamphlet 643 Mine Mark VI and Mods. Description and Operation 114 pages Created 01 January 1938



Embora, num ou noutro caso, a desclassificação não se tenha dado porque provavelmente nunca foi pedida, há um padrão no seu conjunto. Todos são documentos da I Guerra Mundial, com uma excepção, e têm a ver com munições e tintas secretas. As tintas secretas, que tanto entusiasmo suscitaram nos livros de espionagem da primeira metade do século XX, parecem ainda hoje ter interesse operacional. Segundo uma recusa de desclassificação de um destes documentos, (James Madison Project v. NARA, No. 98-2737 (D.D.C. Mar. 5, 2002), a CIA ainda utiliza algumas destas fórmulas.

Embora muito raramente, ainda nos anos sessenta e até ao 25 de Abril, tintas secretas eram usadas nas comunicações mais protegidas dos grupos radicais clandestinos contra o regime, em conjunto com variantes de códigos do tipo "one time pad". Ainda me lembro de escrever uma ou outra carta com tinta secreta, com o texto nas entrelinhas de uma carta vulgar, como precaução suplementar em relação a nomes de pessoas que já seguiam também em código. Se calhar dava jeito, nessa altura, conhecer estas "german secret inks", porque desconfio que a fórmula que usávamos era muito primitiva e a PIDE não teria muita dificuldade em revelá-la.

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EARLY MORNING BLOGS 111

não podiam regressar melhor do que com uma manhã camoneana, a da Ode V. Verdade seja dita que, onde estou, a "noite grave" continua e as "naus" dificilmente se podem alegrar, porque não há "raios" nenhuns. Deixo de parte, como é evidente, qualquer "luz" dos "olhos vossos", porque isso não é matéria de blogue.

Ode V

Nunca manhã suave,
Estendendo seus raios pelo Mundo,
Depois de noite grave,
Tempestuosa, negra, em mar profundo,
Alegrou tanta nau, que já no fundo
Se viu em mares grossos,
Como a luz clara a mim dos olhos vossos.

Aquela fermosura
Que só no virar deles resplandece,
Com que a sombra escura
Clara se faz, e o campo reverdece,
Quando meu pensamento se entristece,
Ela e sua viveza
Me desfazem a nuvem da tristeza.

O meu peito, onde estais,
É, pera tanto bem, pequeno vaso;
Quando acaso virais
Os olhos, que de mim não fazem caso,
Todo, gentil Senhora, então me abraso
Na luz que me consume
Bem como a borboleta faz no lume.

Se mil almas tivera
Que a tão fermosos olhos entregara,
Todas quantas tivera
Pelas pestanas deles pendurara;
E, enlevadas na vista pura e clara,
Posto que disso indinas,
Se andaram sempre vendo nas meninas.

E vós, que descuidada
Agora vivereis de tais querelas,
De almas minhas cercada,
Não pudésseis tirar os olhos delas.
Não pode ser que, vendo a vossa entre elas,
A dor que lhe mostrassem,
Tantas ũa alma só não abrandassem.

Mas, pois o peito ardente
Ũa só pode ter, fermosa Dama,
Basta que esta somente,
Como se fossem duas mil, vos ama,
Pera que a dor de sua ardente flama
Convosco tanto possa
Que não queirais ver cinza ũa alma vossa.


(Camões)

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6.1.04


TEMPO, TEMPO

a caminho. Mesmo assim (ou assim mesmo?), pego o tempo a caminho. Em breve, volto. Cada vez mais breve. Até já.

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NENHUM, NENHUM

tempo para o Abrupto. Volto em breve.

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4.1.04



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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Sobre NECROLOGIAS

Um pouco à margem do tema deste post lamento a ligação "provincianismo-Minho" que, embora sirva aqui apenas para adjectivar, bem ou mal, o indivíduo em causa, nos remete para a eterna visão "de Lisboa e Porto e o resto é paisagem" ainda presente no imaginário colectivo nacional, sublinhada pela generosa inclusão "mesmo" de uma cidade como o Porto nessa classificação.

Julgo que nos dias de hoje, mesmo os maiores cidadãos do mundo não deixam nunca de ter presente os diferentes graus de identidade geográfica por onde se movem, ou por onde já passaram, sejam de nível regional, nacional ou civilizacional. A falta de um desses elementos parece-me difícil de acontecer a quem quer que seja, podendo, talvez mesmo, acumular diferentes "níveis", como os muitos migrantes que, mudando de cidade dentro de um mesmo país, alteram o próprio sotaque.

Por outro lado, no nosso país, a dicotomia capital-província ter-se-à acentuado no século passado graças a anos de isolamento do exterior, centralismo excessivo típico de um país pouco desenvolvido, e pela longa manutenção de um império colonial com sede em Lisboa. A rotulagem de Braga como "província" foi ainda brutalmente ampliada pelo seu conhecido posicionamento político durante as passadas décadas, tendo a cidade sido absolutamente ostracizada após o 25 de Abril, o que só não se reflectiu no seu desenvolvimento, ironicamente, pela "ditadura" que se auto impôs.

Num mundo global, em que os traços de pertença regional dos sujeitos continuam insistentemente a sobreviver (embora já condenados à extinção vezes sem conta) e se vão integrando noutros de nível mais vasto, correspondentes aos diferentes palcos por onde se movem, não será, isso sim, sinal de provincianismo, a tentativa de manutenção desse velho e sufocante paradigma de divisão geográfica "capital-província"? Vista de Berlim ou Bruxelas, haverá alguma coisa mais provinciana que a velha revista do Parque Mayer?


(Luis Pedro Machado)

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© José Pacheco Pereira
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