ABRUPTO

8.1.04


SOBRE VICTOR SÁ (Actualizado)

"Quando, ontem à noite, fui confrontado com o seu texto sobre Victor de Sá, tive dificuldade em acreditar que estivesse a ler bem, tendo de relê-lo mais do que uma vez, para tentar apagar a impressão amarga que me deixou. Desde logo pela inoportunidade da coisa, à luz da formação da generalidade dos portugueses, que nos leva a não gostar de ouvir tratar mal aqueles que acabam de morrer.

Venho à liça por duas razões: por ser filho do visado, e por ser, como ele, um construtor e defensor do 25 de Abril (já perceberá onde quero chegar !).

Porque sou filho de Victor de Sá, tenho de dizer-lhe que o Senhor não o conheceu, pura e simplesmente. Ou nesse “pouco” que o conheceu ”pessoalmente”, o senhor estava fora do seu juízo… É que Victor de Sá nem era arrogante, nem dogmático, nem sectário. E desde sempre. Lembro-me bem de muitas vezes ter ouvido a gente da “Situação” dizer: ah…se todos os comunistas fossem como o senhor doutor!

Meu Pai foi uma pessoa invulgarmente simpática no seu trato com toda a gente, tímida, até (que é o contrário de arrogante), dialogante, pedagogicamente anti-dogmática.

A corrida dos alunos às suas aulas, quer na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, quer na Universidade Lusófona; o entusiasmo dos seus ouvintes e interlocutores, antes e depois do 25 de Abril, em tantos e tantos colóquios nas repúblicas de Coimbra, nas escolas secundárias, nas colectividades, nos sindicatos e outras muitas associações, são a negação da sua afirmação.

Sempre combateu os dogmas: afastou-se muito cedo da religião, e, mais tarde, de outros dogmas que caracterizam o partido em que militou.

Mas o mais notoriamente público das suas qualidades, é mesmo o seu pendor profunda e autenticamente pedagógico na busca da verdade. Foi isso uma das razões da sua partida para o exílio: poder estudar a História Contemporânea Portuguesa, liberto das mentiras que a envolviam no seu país mergulhado no obscurantismo. E assim, num notável afã científico, reescreveu a história do Liberalismo em Portugal, dando um contributo pioneiro para a releitura do nosso passado recente, e abrindo caminho a novas gerações de investigadores. A culminar essa apaixonante actividade, instituiu mesmo, em 1990, o Prémio de História Contemporânea Victor de Sá, que anualmente galardoa os mais qualificados trabalhos científicos que a ele concorrem, tendo acontecido no passado mês de Dezembro a sua 13ª edição, ao longo de cuja vida alcançou grande prestígio.

No seu ensino, quer no formal (como professor universitário), quer no informal (como pai, ensaísta e orador) sempre praticou e estimulou o sentido crítico, como elemento essencial no difícil caminho da aproximação à Verdade. Aliás, foi essa exacta qualidade que, nos anos sessenta, na Sorbonne, o fez “deitar fora” o seu primeiro ano de investigação, ao constatar que havia factos que tinha descoberto, que não encaixavam na versão oficial da historiografia do nosso Século XIX; e, em consequência, enveredou pela busca de outros factos que, tendo ocorrido, não eram trazidos à luz da História oficial, e por isso distorciam o conhecimento, e o próprio entendimento do Liberalismo em Portugal.

Antes disso, o seu empenho activo e criativo na actividade cultural, designadamente através da criação da Biblioteca Móvel (nos anos 40, senhor doutor, muito antes das Bibliotecas da Gulbenkian e obviamente sem apoios, ou seja, às suas exclusivas custas, para disponibilizar livros por empréstimo aos seus “assinantes”), é absolutamente uma “marca de água” da personalidade de Victor de Sá, de que faz igualmente parte a criação da Livraria Victor – Centro Cultural do Minho, também desde os anos 40, tantas vezes vasculhada pela PIDE, até uma vez encerrada, numa tentativa desesperada do Regime de vergar, pela fome de toda a família – que não tinha outros rendimentos – a força indomável daquele Cidadão pela Liberdade, e que teve a resistência activa dos próprios colegas livreiros (todos da Situação !), que, num corajoso gesto de solidariedade, venderam os artigos aos nossos clientes, debitando-os à nossa livraria, até à sua reabertura, vários dias depois.

Poderia juntar outros elementos biográficos, mas não é altura disso. Como Filho, estou naturalmente demasiado magoado para o fazer agora.

Se por estas poucas palavras se pode verificar que aquilo que o senhor diz no seu texto não tem qualquer fundamento, a minha 2ª razão de escrever isto diz-lhe respeito a si, apetecendo-me perguntar-lhe: quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão ?!

Porque há-de V. escrever sobre tudo, o que sabe e o que não sabe? É doença ? Ou é uma incontrolável força interior ? Ou simplesmente uma expressão de possidonismo, característica dum sujeito que se julga superior aos outros, desde logo porque não é da Província ? Mas haverá pior provincianismo do que esse ?

O seu texto, tão curto, aliás, expele um fel que lhe vem das entranhas, na forma de algumas poucas palavras: “comunistas provincianos do Minho, de Famalicão, Braga, mesmo do Porto”, que “depois do 25 de Abril, quando tiveram algum poder, eram intransigentes e bem pouco democratas”; a “ortodoxia agressiva” que “perpassava nos textos” “sobre o movimento operário”.

Bom, sobre o Movimento Operário, Victor de Sá produziu investigação científica, na qual não cabe aquilo que o senhor diz.

E os comunistas provincianos do Minho…serão diferentes dos de Viseu, Coimbra, ou do Sul ? Porque é que isola exactamente esses do Minho, especialmente de Famalicão e Braga (esqueceu-se dos de Guimarães !) ? Julgo perceber o seu ódio especial aos Democratas de Braga, retratados no importante volume “Intervenção Política”, selecção e edição de Humberto Soeiro para o período 1940-1970: eles, esses democratas, marcaram com coragem a iniciativa da Oposição, tantas vezes obrigando a definição de atitudes que seriam diferentes, ou até inexistentes, sem a sua iniciativa. E dando guerra sem quartel à Ditadura, criaram, com os democratas do resto do País, as condições para o 25 de Abril. De facto era diferente em Braga a luta contra a Ditadura, onde pesava o poder imenso da Igreja, terrivelmente fechada e com uma hierarquia profundamente irmanada com o Regime, onde só havia 2 estabelecimentos de ensino secundário oficiais (em contrapartida a 14 seminários), onde havia o tal Santos da Cunha, mas também o Cónego Melo. Mas curiosamente, o seu texto não se vira para a actividade dessa gente contra o Regime Democrático: apenas critica as suas vítimas, poupando os algozes.

É por isso que escrevo este texto: para expressar a minha revolta pelo papel envenenador que o senhor realiza através das suas interpretações políticas. Dantes, a PIDE e o Santos da Cunha, agora … o democrata Pacheco Pereira !

Além disso, a honestidade intelectual manda, e o rigor científico exige, que se apeie do seu pedestal de "Deus" e reflicta sobre essa declarada (por si) contradição sobre o Homem Victor de Sá (permita-me que use a maiúscula, em vez da minúscula pequenamente utilizada por si). A sua Dúvida deveria levá-lo a ir mais longe no raciocínio, antes de se pronunciar sobre um Homem que acaba de morrer, e nos deixa Obra de vulto: "ainda hoje não sei como é que nesta rectidão, motivada pelas ideias, se define uma mora, se há uma moral" ... Ao menos por um momento, formule cientificamente uma hipótese: a sua tese estará certa, ou porque não se ajusta à pessoa visada, deve ser revista a tese?!"


(Victor Louro)

"Li com atenção o comentário do Dr. José Pacheco Pereira, “NECROLOGIAS”, publicado no Blog (www.abrupto.blogspot.com) sobre o meu avô Victor Sá.
Não posso deixar de enumerar algumas inprecisões às suas notas biográficas (ver estudos sobre o comunismo e notas finais) e efectuar uma crítica ao Dr. José Pacheco Pereira por julgar que a sua liberdade de expressão (palavra tão cara ao meu Avô e à minha família) lhe serve para formular incompreensíveis adjectivações de carácter sobre um HOMEM, e passo a citar: “...tenho dele uma impressão de arrogância dogmática e sectária, muito comum nos comunistas provincianos do Minho, de Famalicão, de Braga, mesmo do Porto. Acresce que ele escrevia sobre o movimento operário, e a mesma ortodoxia agressiva perpassava nos textos. Depois do 25 de Abril, quando tiveram algum poder, eram intransigentes e bem pouco “democratas” - que marcou e foi um exemplo para várias Gerações.

Victor de Sá, independentemente do Partido Político a que cada um pertence, foi e é reconhecido como um destacado vulto da vida cultural e política do Distrito de Braga e do País. É considerado um anti-fascista ímpar, na coragem e frontalidade e um lutador pela liberdade e democracia do século XX.

Em 1942 iniciou a luta contra o regime salazarista. Os Democratas de Braga “um núcleo de resistência e formação ideológica”, do qual faziam parte Victor Sá, Armando Bacelar, Lino Lima, Francisco Salgado Zenha, Flávio Martins, Humberto Soeiro (entre outros), marcou a luta nacional contra o regime fascista. O documento dirigido “Aos Portugueses” e assinado por 100 democratas em 31 de Janeiro de 1959, que terminava dizendo a Salazar para “abandonar o poder” foi um dos documentos mais importantes da oposição ao regime fascista. O documento foi projectado e redigido por Lino Lima e Victor de Sá. Depois de impresso, foram distribuídos por diversas regiões do País, do Minho ao Algarve.

Escreveu então no dia 3 de Janeiro de 2003 José Pacheco Pereira, que Victor Sá era “arrogante”, “sectário” e “pouco democrático”. Para esclarecer tamanha enormidade, nada melhor que uns pequenos excertos publicados no livro “testemunho de um tempo de mudança” promovido pelo Conselho Cultural da Universidade do Minho. Este livro reuniu alguns editoriais que Victor Sá publicou no “Correio do Minho”, no período compreendido entre 3 de Maio de 1974 e 2 de Fevereiro de 1975, durante o qual foi director provisório e não remunerado daquele diário bracarense.

1. Sobre o provincianismo de que fala Pacheco Pereira – “É preciso salvaguardar que a Universidade do Minho contribua efectivamente para uma actualização e cientificação do pensamento, e nunca para a consolidação dos valores regionais negativos, que muitas vezes são glorificados como tradicionais.
Uma Universidade Regional não pode ser um centro de pensamento folclórico, mas sim um farol a irradiar, no meio das trevas, a luz patente e civilizadora da razão e da ciência.
Doutro modo, mais se consagrará o pensamento provinciano – de que já estamos abundantemente servidos – do que o pensamento crítico e inovador.
Esta á a problemática fundamental que tem de presidir à definição de objectivos da Universidade do Minho. Porque, quanto à sua existência e próximo funcionamento, isso nem sequer está posto em causa” (Correio do Minho, 29 de Janeiro de 1975)

2. A Arrogância, Sectarismo e falta de democracia de que fala Pacheco Pereira – “Os exemplos vindos do alto eram sempre os da subserviência e os da corrupção. Esses é que eram os bons, esses é que eram os triunfadores. Logo, quem quisesse passar por bom e ser triunfador, tinha de proceder a essa autêntica “actualização de carácter”.
Os honestos e os capazes, esses não eram exemplo a seguir, porque eram os perseguidos e considerados como perigosos.
Foi assim que, ao cabo de 48 anos de continuidade fascista, uma boa parte da população portuguesa embora cada vez mais revoltada contra a opressão do regime, encontrava-se na realidade incapacitada de fazer uma correcta avaliação em que o país se encontrava, incapacitado também de saber escolher caminhos novos para arrancar Portugal do atoleiro para que nos tinham atirado 13 anos já de guerra colonial. (Correio do Minho, 5 de Outubro de 1974)

Pacheco Pereira tece ainda no seu blog e sobre Victor Sá o seguinte comentário “No entanto, quando se faz de Deus e se escrevem estes balanços de vida, fica uma sensação contraditória sobre o homem.”
Digo-lhe com toda a certeza que o Mundo não é feito de “impressões”, muito menos das suas. Na Vida de Victor Sá não há contradições, pois o “balanço de vida” está cheio de causas onde a Liberdade, a Democracia e a Cultura foram a chama da sua força!"

(...)


(Marcos Sá)


*

O texto de Marcos Sá inclui algumas rectificações e complementos à biografia dos Estudos sobre o Comunismo, que serão aí analisadas (em particular, a questão da data da entrada de Victor Sá para o PCP).

Veja-se igualmente o comentário de Vital Moreira em Causa Nossa .

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