ABRUPTO

27.2.12


UMA IMENSA IRRITAÇÃO 
E A POLÍTICA DO MEIA BOLA E FORÇA

A expressão "meia bola e força" parece vir do futebol, um mau augúrio. O Ciberdúvidas da Língua Portuguesa remete para o Dicionário de Frases Feitas, de Orlando Neves, que lhe dá o significado de "desajeitadamente; de qualquer maneira". Acrescenta a génese futebolística por comparação com "pontapé para a frente e fé em Deus", e "designa um modo de jogar atabalhoado, sem arte", onde "a técnica da força se sobrepõe à força da técnica". Parece-me bem, estamos no terreno certo do que quero dizer. Mais à frente voltaremos aqui.

Agora vamos a outro lado: a "irritação". Os portugueses ainda não andam na rua a partir coisas e a deitar cocktails Molotov à polícia diante do Parlamento como acontece em Atenas. Sejamos justos, como os portugueses, também a esmagadora maioria dos gregos nunca fizeram tal coisa, obra de pequenos grupos que tomaram o gosto ao dedo da gasolina. Por cá também se estão a formar os mesmos grupos, mas ainda não sabem fazer cocktails Molotov, mas aprenderão porque não é muito complicado.

Mas, seja como for, a conflitualidade portuguesa ainda está longe de ser bem medida pela rua, mas é mais que evidente que existe. Está na fase da zanga e a caminho da imensa irritação. Convém não menosprezar este caminho, porque a zanga pode ser muito passiva, viver com o desespero, a depressão e a impotência, mas a irritação é mais complicada, porque ela transporta uma violência latente muito superior. E os sinais dessa irritação estão por todo o lado e em crescendo.

A vox populi moderna chega hoje ao universo mediático, não tanto na sua forma politizada, mas numa parte mais selvagem, sem regras, nem educação, nem civilidade, nem moderação. Chega aos gritos. Por exemplo, nos fora das rádios e televisões, em que supostamente essa vox populi se faz ouvir, o grau de violência verbal é cada vez maior. Eu sei que é preciso muita prudência para aceitar esses programas como representativos da vox populi, com todas as precauções para depurar a parte de manipulação política desses "locais de fala", onde é habitual alguns militantes partidários mais empenhados organizarem-se para fazer barragens de falsos "ouvintes" a telefonar para defenderem o seu clube político e esmagar os outros. Mas, quando os temas desses fora estão longe da agenda politizada, o que se ouve é a voz dessa imensa irritação, pura e dura e cruel, vociferando contra os "políticos", contra "esta democracia", contra as prepotências dos ricos e poderosos e os "arranjinhos" que fazem em conluio com os "políticos". Propostas: deviam ir todos presos, devia "cortar-se-lhes a cabeça", deviam ser proibidos de falar, deviam viver com salários abaixo do mínimo, deviam ver os seus bens confiscados e "obrigados a trabalhar", etc., etc.

Nos casos "mediáticos" da justiça encontra-se também um crescendo de violência verbal e, embora o terreno pareça diferente, o facto desses casos se passarem no espaço público sob o megafone de jornais, rádios e televisões, torna o discurso nestes casos também um discurso sobre o país e a política. Duas características manifestam-se nestes discursos da vox populi: uma forte identificação com as vítimas, sejam reais, sejam imaginárias, e uma vontade quase física de violência punitiva, muito para além da lei. No caso de Lousada (o desaparecimento de uma criança) e da pedofilia na Casa Pia, pode ouvir-se nos media propostas de pena de morte, de tortura, de mutilação ("deviam-lhe cortar os dedos um a um"), proibição de meios de defesa para os arguidos, censura ("Carlos Cruz devia ser proibido de publicar livros e dar entrevistas"), acompanhadas de tentativas concretas de agressão.

Pode argumentar-se que se trata de casos especiais, mas o contínuo discursivo, a mecânica social e psicológica da descrição das vítimas que não obtêm justiça versus os poderosos que escapam a tudo, são narrativas sobre o Portugal contemporâneo e são, na sua essência, sobre a crise, entendida como uma violência dos "políticos" contra as pessoas comuns, os pobres, os trabalhadores, o povo. É por isso que o pior que se pode fazer na actual situação é provocar esta ira poderosa, mais violenta do que qualquer cocktail Molotov.

Voltemos ao "meia bola e força". Existe na actual governação uma forte dose de "pontapé para a frente e fé em Deus", e de "um modo de jogar atabalhoado, sem arte", onde "a técnica da força se sobrepõe à força da técnica". E há dois aspectos em que este "meia bola e força" resultam numa provocação desnecessária, inútil e perigosa para a irritação que já por aí anda. Um diz respeito à incompetência e impreparação que nos deu a baixa da TSU, as "gorduras do Estado", o "colossal desvio" resolvido apenas por meio subsídio de Natal "irrepetível", a "meia hora de trabalho suplementar", a saga dos feriados agravada pelo modus operandi do Carnaval.

Quanto a isto há pouco a fazer, há quem o atribua a um plano ideológico "neoliberal" e há quem o atribua à ignorância do país. Existem as duas coisas, mas eu tendo a hesitar em dar grandes roupagens ideológicas, aquilo que me parece mais fácil de explicar por uma combinação de ideias na moda (e aí de facto e pela primeira vez a sério, essas ideias correspondem à caricatura do liberalismo que faz a esquerda) e falta de experiência e competência, salvo excepções que nem precisam de ser nomeadas porque são auto-evidentes.

Mas há um outro aspecto, mais "politiqueiro" nas provocações, que também tem a ver com o tipo de formação política do topo da governação, que é comum à liderança do PS, e que faz e pode vir a fazer estragos consideráveis, corroendo o que de positivo existe em muitas medidas tomadas recentemente. Voltemos, por comparação, à fase "boa" de José Sócrates, os seus primeiros três anos, 2005-2008. O "boa" está entre aspas, porque, do meu ponto de vista, sempre a achei péssima, embora saiba que muita gente do PSD está hoje esquecida de a louvar. Nos seus primeiros anos, a narrativa de Sócrates foi muito parecida com a actual: recebeu o país com um "défice colossal", convenientemente cozinhado pelo Banco de Portugal, e com esse pretexto, abandonou todas as promessas eleitorais e lançou-se no controlo do défice. A comparação com a situação actual é legítima visto que as promessas eleitorais do PSD fizeram-se já no contexto da intervenção da troika e não antes, pelo que, como em 2005, a "surpresa" pelo que se "encontra" é fictícia.

Sócrates obteve alguns resultados no controlo do défice, não aqueles de que se gabou, mas alguns; reformou a Segurança Social e iniciou um conjunto de medidas de "reformas" com muitas parecenças com a luta actual contra as "gorduras do Estado". A retórica política é muito semelhante. Começou a utilizar os argumentos do populismo e da inveja social, que são sempre eficazes. Dois casos são exemplares: atacou os juízes e magistrados e em seguida os professores. Fez o mesmo com os farmacêuticos e os médicos. Em todos os casos, o discurso foi o mesmo, trata-se de grupos profissionais privilegiados, com regalias inaceitáveis e pela primeira vez havia um político com "coragem" para defrontar estes grupos.

Os resultados estão à vista: alienando todos os aliados que podia encontrar nesses grupos profissionais para fazer reformas, uniu-os como nunca se uniram, e acabou por perder quase tudo, reforçando o sentimento corporativo e bloqueando por muitos anos qualquer mudança nessas áreas. Quando os ventos mudaram, e Sócrates começou a tombar do seu pedestal, recebeu em dobrado o preço das irritações que tinha semeado, numa fúria nacional que o correu do poder e de que o PSD beneficiou eleitoralmente.

Ora discursos como o do "piegas", a interpretação do país do Carnaval como opondo diligentes formigas poupadas e trabalhadoras às cigarras municipais com milhões de dívidas, o apontar dos funcionários públicos como privilegiados face aos privados, o modo como os militares profissionais foram convidados a irem-se embora se não concordavam com o ministro e mais mil e um exemplos são versões actuais do mesmo moralismo social que pode começar por ter resultados, mas que depois se transforma numa fúria colectiva que volta para trás com raiva.

A combinação do "meia bola e força" com um contexto de irritação nacional, cada vez mais recebido pelos governantes como uma afronta aos seus desígnios "revolucionários" de mudar o país de alto a baixo (e este revolucionarismo verbal tem também um papel na retórica governamental), pode levar a uma certa forma de autoritarismo político, num contexto de grande crise social, o mais perigoso caminho no meio de uma crise profunda. Há sinais, como no tempo de Sócrates, mas podem ser epifenómenos e não the real thing. Benevolamente ainda me fico pelo "meia bola e força", porque me parece uma explicação mais simples, económica e, acima de tudo, mais portuguesa. Mas o terreno está a ficar movediço. 

(Versão do Público de 25 de Fevereiro de 2012.) 

*

A expressão "meia bola e força" não vem do futebol, vem do bilhar. "Meia bola" usa-se para definir a quantidade de efeito imprimido à bola. Assim temos bola cheia (para tacada no meio da bola), bola fina (para tacada num dos lados da bola) e meia bola (tacada entre o meio e o lado da bola). Meia bola e força é a técnica básica utilizada para as jogada directas, em que a nossa bola bate na primeira e directamente na segunda sem uso das tabelas.
 
(José Cavaco)

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EARLY MORNING BLOGS  
2162

Minus solum, quam cum solus esset.

(Cícero)

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ESPÍRITO DO TEMPO: ESTES DIAS
 


Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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26.2.12


ESPÍRITO DO TEMPO. HOJE


Ria de Aveiro ao amanhecer. (José Carlos Santos)

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25.2.12


ESPÍRITO DO TEMPO:  HOJE

Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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DANÇAR COM OS LOBOS  (3)

Liberty for wolves is death to the lambs. (Isaiah Berlin)

DANÇAR COM PUTIN 


 Sempre que na televisão quero falar da situação internacional, os meus bons amigos dizem-me para não o fazer porque os telespectadores fogem do assunto e com eles as televisões. O mundo lá fora continua sem Norte ou com Nortes a mais, e pelo caminho com alguns Polos Sul a mais, mas ninguém quer saber disso para alguma coisa. No meio das nossas misérias, o que interessa a Rússia ou o Irão? Putin está a fazer campanha eleitoral para se tornar um Presidente perpétuo, ou seja aquilo que os secretários-gerais do Partido Comunista da URSS eram, prometendo um grande plano de rearmamento “sem precedentes” explicitamente apontado à OTAN e aos EUA. 

Os comentadores da escola do “apaziguamento” lembram que este discurso é feito para dentro, para obter votos com o sentimento anti-ocidental e nacionalista dos russos, que ressentem a queda da Rússia como grande potência. Será, mas convinha que, mesmo sem o tomar á letra, não nos esquecêssemos que Putin para chegar onde chegou não hesitou em fazer a segunda guerra da Chechénia, um violento conflito roçando o genocídio, provocado por uns misteriosos atentados bombistas atribuídos ao mesmo “serviço” que Putin chefiava. Se há coisa que Putin já demonstrou é que é capaz de tudo para ter poder. 

Dancem, dancem…

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EARLY MORNING BLOGS  
2161 -  On Fields Oer Which the Reaper's Hand Has Passd 


On fields o'er which the reaper's hand has pass'd
Lit by the harvest moon and autumn sun,
My thoughts like stubble floating in the wind
And of such fineness as October airs,
There after harvest could I glean my life
A richer harvest reaping without toil,
And weaving gorgeous fancies at my will
In subtler webs than finest summer haze. 


(Henry David Thoreau)

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24.2.12


DANÇAR COM OS LOBOS  (2)

Liberty for wolves is death to the lambs. (Isaiah Berlin)

DANÇAR COM OS GREGOS 


Dancem, dancem… que isto um dia acorda muito torto. Muito torto mesmo.

Os gregos vão ter mais um plano irrealista de “ajustamento”. Se fosse apenas um plano de “ajustamento”, vá que não vá. Mas é um plano irrealista, por isso é uma receita para o desastre, ou melhor, para a continuação do desastre. Obrigar os gregos a destruirem parte da sua economia que, mal ou bem ainda funciona, para baixar a dívida de 160% para 120,5% até 2020, é uma impossibilidade que pode atrair os partidários do “economês”, mas põe os cabelos no ar do cidadão “senso-comunês”. Diga-se de passagem, que nós não podemos falar muito porque vamos assinar um “pacto orçamental” com idênticas medidas irrealistas. 

Vão ter uma variante do gauleiter, ou seja, no eufemismo tecnocrático, vão ter uma “presença permanente" para os vigiar. São eles que vão governar a Grécia em nome dos credores, o povo grego passa a sujeito e súbdito. Há quem diga “é bem feito” porque andaram a viver à custa do que não tinham. Diga-se, mais uma vez, de passagem que o mesmo se diz de nós, lá fora e cá dentro. Mas quem diz que “é bem feito” devia ser declarado inimputável, porque não sabe o que diz e em que caldeirão de feitiços está a meter a colher. 

Vão ter que mudar a Constituição á força, o que é o supremo vexame para quem acha que as Constituições são mais do que um textozinho precário e que mexer nelas é intrinsecamente um elemento de soberania nacional. Nós também não podemos falar muito porque aceitámos o mesmo diktat. O objectivo é incluir na Constituição uma “regra da prioridade absoluta ao pagamento da dívida”, um absurdo constitucional, uma maneira de afixar na porta da Grécia que esta já teve a visita do cobrador de fraque e este obrigou-a, por escárnio, a anunciar isso numa tabuleta.

*

Lendo os "posts" acima, lembrei-me dum mail muito curioso que recebi sobre como se forma um paradigma. Cruzando-o com estes seus 2 "posts", realmente as palavras têm muito mais poder do que aquilo que lhes atribuímos.

Ainda esta semana escrevi numa caixa de comentários de um artigo de opinião "postado" na edição electrónica de um jornal de economia. Não usando pseudónimos ou outras capas, escrevi um comentário de resposta a um comentário.

Não apoiei o articulista nem insultei o opinador a quem respondi, apenas fui questionando, na troca de comentários subsequente que o mesmo me concedeu, as minhas dúvidas sobre a "receita" económica que está a ser aplicada a Portugal e à Grécia e se não haveria outro caminho possível, nem que fosse mudando de paradigma.

Quase todas as minhas interrogações foram ignoradas, ficando como resposta à última, um simples "Não há outro caminho". A este, vendo que tinha chegado a uma parede ideológica (sem qualquer ofensa para o meu interlocutor que escreveu ao abrigo do manto de um "nickname"), deixei um último "post" onde deixei expresso o meu receio que a Grécia seja Portugal com algum tempo de avanço (a expressão é de Miguel Portas e parece-me adequada para ilustrar o pensamento). Porque o facto de amanhã os meus filhos, mesmo não vindo a passar pela situação, poderem ter colegas que desmaiam de fome na escola, não me descansa nada, mesmo nada!

O resultado de tudo isto foi a eliminação sistemática de toda a sequência de posts, ficando a caixa de comentários apenas com os (infelizmente) já típicos comentários de insulto ao articulista e nada mais.

A minha interrogação é esta: Independentemente do como se chegou a este ponto de intolerância, como é que se dá faz evoluir um País e construir um espaço onde as pessoas vivam felizes e realizadas? Como é que se pode fazer evoluir o pensamento de uma sociedade no sentido de uma maior tolerância e cooperação entre pares, mesmo havendo naturais divergências de pensamento?

Ou estaremos condenados a um monocromismo ideológico que quando substitui o anterior tudo arrasa para começar de novo e quando é substituído pelo seguinte, idem idem aspas aspas?

Não haverá por aí, neste mundo tão grande, bons exemplos de modelos de sociedade que mereçam ser evidenciados e copiados?

João Miguel Pereira Louro


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DANÇAR COM OS LOBOS  (1)

Liberty for wolves is death to the lambs. (Isaiah Berlin) 

 DANÇAR COM AS PALAVRAS 

O problema com as palavras é que elas mandam mais em nós do que o que supomos. São como uma variante mais mansa do Id freudiano, não sabemos que ele lá está, nem o que é (é o animal em nós), mas que manda mais do que o ego, essa nossa gigantesca ilusão, manda. Pois as palavras são assim. Dizemos de uma coisa que é “irremediável” e deixa de ter sentido procurar remédios. Dizemos de uma coisa que é “inevitável” e deixamos de fazer qualquer esforço para a evitar. Dizemos de uma coisa que é “irrealista” que mude, e logo a realidade se impõe sem apelo nem agravo. 

É assim que o discurso oficial trata o desemprego: é “irremediável” que vai haver aumento do desemprego; é “inevitável” que mais uns milhares de pessoas fiquem sem emprego por dia. É “irrealista” pensar que é possível fazer alguma coisa para travar o desemprego, e nada se faz a não ser algumas coreografias de circunstância. Como é óbvio, assim o crescimento acelerado do desemprego é inexorável, irremediável, inevitável e está na natureza dos factos, é a realidade. Não adianta lutar porque lutar é esbracejar e o governo não esbraceja, mas os desempregados vão gloriosamente ao fundo. A culpa é das palavras. Elas tomam-se a sério, nós é que dançamos à sua música.

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EARLY MORNING BLOGS  
2160

Oh, for a nook and a story-book,
    With tales both new and old;
  For a jolly good book whereon to look
    Is better to me than gold.

(Canção antiga.)

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21.2.12


EARLY MORNING BLOGS  
2168 - Senlin: His Futile Preoccupations 1

I am a house, says Senlin, locked and darkened,
Sealed from the sun with wall and door and blind.
Summon me loudly, and you'll hear slow footsteps
Ring far and faint in the galleries of my mind.
You'll hear soft steps on an old and dusty stairway;
Peer darkly through some corner of a pane,
You'll see me with a faint light coming slowly,
Pausing above some gallery of the brain . . .

I am a city . . . In the blue light of evening
Wind wanders among my streets and makes them fair;
I am a room of rock . . . a maiden dances
Lifting her hands, tossing her golden hair.
She combs her hair, the room of rock is darkened,
She extends herself in me, and I am sleep.
It is my pride that starlight is above me;
I dream amid waves of air, my walls are deep.

I am a door . . . before me roils the darkness,
Behind me ring clear waves of sound and light.
Stand in the shadowy street outside, and listen—
The crying of violins assails the night . . .
My walls are deep, but the cries of music pierce them;
They shake with the sound of drums . . . yet it is strange
That I should know so little what means this music,
Hearing it always within me change and change.

Knock on the door,—and you shall have an answer.
Open the heavy walls to set me free,
And blow a horn to call me into the sunlight,—
And startled, then, what a strange thing you will see!
Nuns, murderers, and drunkards, saints and sinners,
Lover and dancing girl and sage and clown
Will laugh upon you, and you will find me nowhere.
I am a room, a house, a street, a town.


(Conrad Aiken)

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20.2.12


O FIM DAS LIVRARIAS


O fim anunciado da Livraria Portugal, a decadência penosa da Sá da Costa, o fim da Buchholz, assim como de várias livrarias na província, ou de pequenas livrarias temáticas em Lisboa, mostra a dimensão de uma crise que afecta directamente o livro, mas, mais ainda, aquilo que se pode chamar o "mundo dos livros". A mesma decadência se nota em livrarias que ainda sobrevivem, cuja aproximação do fim um olho treinado percebe, como sejam as mudanças que pouco a pouco se percebem com a falta de renovação dos stocks, a invasão de títulos de "papel pintado" de uma só editora, a crise nas distribuidoras e modo como a consignação de livros é hoje feita, a caótica distribuição dos títulos, tudo isto mostra uma mudança que não é só provocada pela crise, ou pela concorrência das grandes superfícies como a Fnac, ou com as compras pela Internet.

A livraria tradicional caminha para uma dimensão de "culto", e isso permite algumas pequenas livrarias, livrarias de "autor", se se quiser, livrarias especializadas, livrarias que combinam os livros novos com os antigos, que são dirigidas por livreiros no sentido nobre do termo, pessoas que conhecem muito bem os livros, os seus leitores-clientes, o modo como o mercado, mesmo neste nicho evolui, e que usam o seu know-how para sobreviver. Mas, enquanto antes este sector, que sempre existiu, era entendido como especializado e funcionando em complemento com as grandes livrarias generalistas clássicas, agora estamos perante um dualismo entre as livrarias de supermercado, ou as Fnac - que faça-se justiça não são livrarias de supermercado -, e os espaços de "culto" dos livros. A grande livraria clássica está a desaparecer.

Veja-se o caso da Livraria Portugal, localizada num espaço privilegiado, e cuja cobiça certamente lhe acelerou o fim, para além da perigosa proximidade com a Fnac do Chiado. A livraria existia há 70 anos, fundada em 1941 em plena Segunda Guerra Mundial. A data não é irrelevante, porque em 1941 era difícil ver-se o presente sem muito receio. Portugal podia a qualquer altura ser sugado para o conflito, e, se virmos o passado com os olhos de hoje, os livros deveriam parecer bem pouco necessários e importantes. Os três amigos que a fundaram, bibliófilos que mereciam este nome, tinham um programa simples: "Levar a toda a parte e a cada um o livro necessário." A livraria cumpria-o pelos livros que oferecia, pela qualidade do seu serviço (os velhos empregados da livraria conheciam mesmo os livros), como pelo seu Boletim Bibliográfico, que não só divulgava as novidades como tinha artigos originais.

Conheço a livraria há cerca de 40 anos. Como em todas as livrarias que crescem connosco, obrigam a um trajecto próprio. Na Livraria Portugal, onde as mudanças sempre foram muito lentas, esse trajecto representava a apreensão do "corpo" e da identidade da livraria. As livrarias conhecem-se como as pessoas, e a única mudança substancial no meu trajecto interior foi ter deixado de ir ao andar de cima e ficar apenas pelo andar térreo. Mas o andar de cima era, já há muitos anos, único, porque a livraria tinha o exclusivo das publicações de uma série de instituições internacionais, a UNESCO, a OCDE, a ONU, e outras, que faziam do andar de cima uma livraria técnica muito especial. Mas o "meu andar" foi e é, até ao fim do mês de Fevereiro, o de baixo.

Entrava-se pela rua, depois de ver as montras, em particular a da direita e as vitrinas junto da porta, porque, como a livraria tinha muitos livros únicos, os que estavam expostos ou se viam à porta ou não existiam lá dentro. A primeira mesa à direita passava-a apenas com um olhar rápido: eram publicações de direito e algumas especializadas de arte, sem serem álbuns de mesa de chá. À direita - o meu trajecto fazia-se sempre pelo "corredor" da direita -, começava a animar-se, e a tornar o meu bolso mais leve, a partir da segunda mesa, onde havia uma série de publicações académicas que não se encontravam em nenhuma outra livraria. Depois havia uma terceira mesa com publicações de pequenos editores ou de autor, também sem paralelo noutras livrarias "generalistas". Começavam aí as compras. Depois fazia o mesmo corredor para trás, para a zona direita das mesas centrais. Aí, também, não sei por que mistério, apesar de estarem livros das grandes editoras, havia sempre alguma coisa de história ou política, que nunca tinha visto noutro sítio. É isso que torna uma livraria única: descobrem-se livros que nunca se viram, e essa é também a grande vantagem das livrarias. Pegar e folhear um livro, ler o índice, ou, para um incorrigível bibliógrafo, dar uma vista de olhos às referências e às citações. Com o actual panorama da distribuição, em que o "papel pintado" ocupa o espaço todo, encontrar livros diferentes "faz" uma livraria diferente.

Chegado ao fundo, onde arrancavam as escadas para o andar de cima, havia uma pequena montra de revistas, que com o tempo foi tendo cada vez menos coisas, mas na qual a Seara Nova, a Política Operária e a revista de emigrados Latitudes permaneciam valentemente até ao fim. Era na Livraria Portugal que as comprava, com excepção da Política Operária que, depois de mudar de formato, passei a comprar na Letra Livre.

Estou agora a dirigir-me à porta, do outro lado do U. Aí havia uma outra banca única, com revistas em formato livro, monografias, estudos históricos, com um número significativo de livros estrangeiros, brasileiros, franceses e ingleses. Era também aí o único sítio em que passava para trás das mesas acedendo às estantes, porque os fundos especializados da livraria eram também únicos. História, geografia, genealogia, monografias locais, portuguesas e "ultramarinas", eram já uma sobrevivência do tempo em que a livraria servia de novidades os departamentos das universidades americanas, que usavam o Boletim Bibliográfico para as suas encomendas. Olhava para o lado esquerdo das mesas do meio, mas aí já era raro encontrar alguma coisa e passava por cima da última mesa que tinha livros médicos. Estava junto da caixa, e era aqui que normalmente conversava com quem trabalhava na livraria, gente, como já disse atrás, muita sabedora que conhecia o mundo dos livros como ninguém. Numa entrevista dada ao jornal i, quando se soube do encerramento, um deles disse: "Nunca tive outra vida senão esta."

Não foi por minha falta que a livraria fechou, sempre lá comprei muitos livros e mesmo já com a Fnac em vida, fiz sempre questão de passar pela Livraria Portugal antes de subir a rua e de lá ir comprar mais uns livros. Mas o fim da livraria estava já anunciado há muito tempo. Ainda o discuti com os seus empregados, chamando a atenção para que em Lisboa não havia (e não há) uma única livraria inglesa decente, e que isso oferecia um "nicho de mercado" que ninguém ocupava. Mas sabia, como sabiam os meus interlocutores, que para arrancar um projecto deste tipo era preciso investir muito dinheiro e ninguém o tinha.

Vai pois acabar a Livraria Portugal e juntar-se às minhas memórias da velha Leitura no Porto, da Buchholz sob a férula alemã "não se pode mexerrr" e de mais alguns fantasmas. Eram livrarias de pessoas, feitas de pessoas e para as pessoas, em que os livros não eram instrumentais, mas eram um "mundo" em que todos participavam. Esse mundo está a desaparecer para o comum dos portugueses e a deslocar-se para os consumidores "de culto" ou para os consumidores de "papel pintado" e capas todas iguais, ou para aqueles que dizem que lêem no iPad e não lêem coisa nenhuma.

Parte desta mudança é inevitável, e não é má em si porque para muita gente significa que vai continuar a ler: não faço parte dos nostálgicos do cheiro dos livros, nem das más livrarias, mesmo com cem anos. Mas das boas livrarias tenho pena que despareçam e prescindo que me dêem lições de mercado e da "destruição criativa" schumpeteriana. Não é isso que está em causa, mas aquilo que, num balanço geral, feito por qualquer Deus que veja tudo, significa mais pobreza, menos qualidade, mais deserto afectivo como os "likes" do Facebook, mais tijolos da moda, e menos livros que sejam livros na mão de quem os vende e na mão de quem os compra. 

(Versão do Público de 18 de Fevereiro de 2012.) 

*

Também recebi a notícia do fecho da Portugal com resignação, mas sem grande surpresa; a lista de livrarias de Lisboa desaparecidas nas últimas duas décadas, e donde tenho muitas memórias da minha juventude, não pára de aumentar: a Escolar Editora dos Restauradores, a Arco-Íris, a Citação, na Rua dos Fanqueiros (não tenho a certeza se esta já desapareceu mas, da última vez que lá fui, era apenas um resquício do que tinha sido).

Mas o serviço bibliográfico da Portugal era único, e é uma perda real. Não posso dizer que tenha grandes saudades do atendimento do andar de baixo que, tal como na maior parte das livrarias da Baixa, era fortemente classista (agora, nalgumas até mais antigas, é simplesmente incompetente), mas a Portugal não era das piores e esta pequena crítica não se estende ao atendimento do serviço bibliográfico, nem ao "meu" andar, o de cima.

O meu percurso na Portugal também tinha os seus rituais: entrava e dirigia-me, a direito, à escada espelhada, com corrimão de madeira, do fundo; daí subia e parava na estante logo a seguir, onde habitavam, por esta ordem, a Geografia, a Metemática e as Ciências Biológicas, inspeccionava a mesa à esquerda, onde também se encontravam livros científicos que não existiam em mais lado nenhum, e seguia para aqueles curiosos nichos, que ficavam junto das janelas; no que dava para Santa Justa, estava a Física e a Quimica, noutro, que dava para a Rua do Carmo, estava a Engenharia Electrotécnica (o meu estudo "oficial"). No piso térreo, um destes nichos (se não me engano, o terceiro a contar da porta de entrada), tinha livros muito curiosos de Filosofia e Linguística.

Quando soube do fecho fui ver, nos meus livros, os que tinham o característico autocolante prateado; muitos, já não os consulto há anos, desde que mudei a minha língua principal de leitura do Português para o Inglês e, em boa verdade, nas nossas livrarias era muito mais comum encontrar péssimas traduções brasileiras (as da MIR eram uma fonte interminável de anedotas), do que as obras originais, cujo preço então era proibitivo, e só se podiam obter de encomenda (mesmo assim, ainda aprendi muito com os agora velhinhos dois volumes do "Cálculo" do Tom Apostol, com a "Física" do Alonso & Finn e com os vários volumes do Landau & Lifshitz). Também aprendi muito com um outro nicho do andar de baixo, que já mencionei: foi lá que encontrei traduções portuguesas, hoje provavelmente já esquecidas, dos Diálogos de Berkeley, dos Problemas de Russell (a tradução de António Sérgio), a Razão, Verdade e História de Putnam e uma (surpreendentemente boa) tradução da obra principal do primeiro filósofo que estudei sistematicamente: The Logic of Scientific Discovery, de Popper (que eu saiba, ainda não há hoje uma tradução portuguesa deste livro, mas não acho isto surpreendente: os filósofos da escola Anglo-Saxónica têm muito pouca expressão cá). Também não consigo resistir a escrever sobre as razões que levaram um Engenheiro Electrotécnico, com inclinação para a Matemática, para estes filósofos. A principal delas é a de ser um primitivo (por muitos anos) Pré-Bolonha; na altura, uma das cadeiras do primeiro ano do Técnico era justamente História e Filosofia da Ciência (espero que o nome, tirado apenas da memória, esteja correcto), e eu encontrei tantos pontos de desacordo com o responsável, o já falecido Prof. Resina Rodrigues, que resolvi começar a ver algumas coisas por conta própria; esta vontade, que ainda mantenho, devo-a a ele. Bom, mas hoje isso é um "saber inútil", tal como tantos outros que estudei e que apenas atrapalham (ou será que devia dizer "complexam"?) a minha função de engenheiro; coisas que os "qualificados" (palavra que, tal como dizia o outro, me dá uma vontade enorme de sacar da pistola) de hoje já não sofrem...

Quando comecei a poder comprar mais alguma coisa, o meu percurso mudou: logo a seguir às estantes, virava à direita, pela porta envidraçada, subia as escadas e estava no serviço bibliográfico. São daí as minhas últimas recordações da Portugal: a procura nas dezenas de gavetas de arquivo e nos catálogos, o preenchimento da encomenda e depois os dois meses de espera da praxe, até que chegava o postal a dizer que já tinham lá o livro. Quando este serviço começou a degradar-se, confesso que deixei de ir à Portugal (e à maior parte das livrarias de Lisboa) pois, para quem tem o seu ponto de referência do lado anglo-saxónico, o aparecimento da Amazon foi uma libertação. Concordo consigo quando diz que "não é a mesma coisa" mas, no meu caso, a liberdade de escolha mais que compensa o ritual da ida à livraria e, por isso, assumo a minha parte da culpa do seu desaparecimento, e esta não é tão leve quanto possa parecer: desde há anos que assisto ao desaparecimento de muitos marcos da minha juventude, não vendo aparecer outros que sirvam de renovação, e esta forma particular da Seta do Tempo deixa-me triste.

João Carlos M. A. Soares
*
Muito interessante o seu post sobre a livraria Portugal.
Eu nunca fui frequentador assíduo da Portugal, mas gostava de lhe deixar uma reflexão:
O ritual do “passeio” pela livraria, o ser surpreendido e trazer algo que, se não nos aparecesse à frente dos olhos, nunca procuraríamos, é uma alegria para um leitor.
Mas, tenho para mim, que, paradoxalmente, essa é a razão para o declínio das livrarias com livreiros, com escolha editorial, com livros que fogem da medíocre oferta presente - no fundo, com qualidade.
É que isso implica escala.
Eu frequentava muito uma pequena livraria em Lisboa – era óptima, os empregados eram os donos; dava gosto ir lá e não andar à procura de literatura pelo meio de lixo.
Qualquer pergunta sobre autor/livro era prontamente respondida, como se conhecessem todos os livros que vendiam (e, provavelmente, assim era). Aconselhavam, criticavam, sugeriam e, muitas vezes até, impunham – que bom!
Mas aconteceu-me uma coisa curiosa, depois de ir lá 20-30 vezes, comprando alegremente muitos livros, começou-se a tornar monótono – já conhecia as prateleiras de cor e salteado. Sempre que queria um livro específico, muitas vezes não havia, acabando por encomendar. E, confesso, isso tirava-me algum prazer – o de ir lá, e à noite não estar já a devorar o que queria; ou, o ser surpreendido, e trazer um substituto ou um complementar (ou todos!). Comecei a ir cada vez menos – e fechou! Assaltou-me um sentimento de perda, e de culpa (pois, quando criamos uma relação sentimental, acabamos por considerar que tivemos alguma responsabilidade; que podíamos ter feito mais).
Concluindo, o seu (meu) ritual é a morte das livrarias de qualidade – as grandes, como a Portugal, não conseguem concorrer com as Fnacs; as pequenas, sendo poucas, e não tendo grande movimento/rotação, rapidamente tornarão esse ritual monótono e previsível.
Como é que isto se resolve? Só com massa crítica – que, em Portugal, claramente não temos (nem me atrevendo a calcular quantas gerações precisaremos para a ter!). 
Pedro Pereira



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EARLY MORNING BLOGS  
2167

Fugit inreparabile tempus

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19.2.12


ESPÍRITO DO TEMPO:  HOJE

Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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GRANDES CAPAS 



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COISAS DA SÁBADO:
 TALVEZ NA GRÉCIA FOSSE POSSÍVEL FAZER DE OUTRA MANEIRA (5)

A CEGUEIRA EUROPEIA 

 A grande vantagem hoje de serem os gregos a gerirem a sua própria crise, é a de travar um nacionalismo anti-europeu e anti-alemão, agravado pelos elefantes europeus que bailam no meio da loja de porcelana. É que este é um factor que dá aos extremistas, de direita e de esquerda, um terreno favorável, muito mais do que a austeridade por si só. Mas, como isto está para lá do economês, os praticantes desta arte ainda pensam que é só a austeridade que mobiliza os gregos. Infelizmente é outra coisa muito diferente e cada vez mais perigosa.

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EARLY MORNING BLOGS  
2166

"Beware of all enterprises that require new clothes."

(Henry David Thoreau, Walden)

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18.2.12


O MUNDO DOS LIVROS

Numa livraria de Haia.


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COISAS DA SÁBADO:
 TALVEZ NA GRÉCIA FOSSE POSSÍVEL FAZER DE OUTRA MANEIRA (4)

A COLOSSAL DIFERENÇA 

O que isso significa é que se esta opção fosse tomada quando começou a crise grega, quase tudo se passaria de forma idêntica, a austeridade em particular. Porém haveria vantagens competitivas que a economia grega poderia tirar de passar a ter moeda própria. Mas há uma diferença abissal, entre fazê-lo como resultado de medidas impostas pela troika europeia e os alemães que nela mandam, ou de fazê-lo por medidas do seu próprio governo, por confusa e “ineficaz” que fosse a política interna grega. É essa diferença, a que chamei abissal, ou colossal, e que cada dia é mais operativa na vida política grega, na opinião pública e na “rua”. É que seriam gregos a cuidar da casa grega, com plena responsabilização de políticos e partidos, e não estrangeiros que cada vez mais o grego comum transforma num inimigo. 

 Os inquéritos de rua mostram como a cada vez maior legitimação da violência vem de, aos políticos “ladrões” e incompetentes, se juntarem os políticos “traidores”, os que aceitariam um gauleiter alemão a controlar a Grécia, ou que procedem como se ele já existisse. Num país como a Grécia isso deixa muito poucas hipóteses de saída, uma das mais prováveis é um golpe militar que acabaria por ter uma dupla vertente de “por ordem nas ruas” e nos políticos, e de ser de carácter nacionalista, para “salvar a Grécia”.

 O nacionalismo grego sempre foi um factor trágico, sentido como dilacerando a “alma” nacional, na história do século XIX e XX. A Grécia começou o século XX com uma tentativa de ser uma Grande Grécia, com a anexação falhada da antiga Jónia, então e hoje turca, com custos enormes em vidas e na destruição da diáspora grega na Anatólia com dois mil anos, continuou com uma vida política tumultuosa, uma invasão alemã que acabou com os judeus de Salónica, seguida de uma guerra civil com os comunistas que apenas acabou com uma nova intervenção militar estrangeira, uma monarquia importada, um golpe militar dos “coronéis”, seguida desta actual desgraça. É um dos últimos países da Europa onde os alemães podem aparecer como mandantes, coisa que a ignorância da história acaba por levar muitos dirigentes europeus a minimizar o factor nacional.

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COISAS DA SÁBADO:
 TALVEZ NA GRÉCIA FOSSE POSSÍVEL FAZER DE OUTRA MANEIRA (3)

HAVERIA AUSTERIDADE NA MESMA 

O governo teria na mesma de proceder a uma forte redução do sector público do estado, encontrar mecanismos eficazes para que os gregos paguem os impostos, e equilibrar o défice, tudo coisas que terá que fazer agora por mando da troika. Seria menos eficaz, mais lento, mais sujeito a arranques e recuos, mas teria que ser feito, incluindo cortes salariais, nas reformas e desemprego na função pública. Uma Grécia falida teria que fazer quase tudo o que a Europa lhe exige, mas podia minimizar a sua situação renegociando a dívida. Face ao tudo perder ou nada receber, a renegociação acabaria por acontecer, até por vontade dos credores. Essa renegociação seria inevitável e desejada, e isso significa também que, mesmo num cenário de falência e saída do euro, a Europa teria que ajudar a Grécia, com menos do que agora envia para lá, mas sempre com alguma coisa.

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EARLY MORNING BLOGS  
2165 - Yesterday is History
Yesterday is History,
'Tis so far away --
Yesterday is Poetry --
'Tis Philosophy --

Yesterday is mystery --
Where it is Today
While we shrewdly speculate
Flutter both away  
(Emily Dickinson)

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17.2.12


GRANDES CAPAS



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COISAS DA SÁBADO:
 TALVEZ NA GRÉCIA FOSSE POSSÍVEL FAZER DE OUTRA MANEIRA (2)


A GRÉCIA SAÍA DO EURO

 O governo sabia que isso significava um imediato empobrecimento dos gregos, que podia aproximar-se dos 30%-40%, provavelmente o mesmo que resultará do conjunto de medidas de austeridade que são pedidas pela Europa para “resgatar” a Grécia. Sabia que a Grécia não poderia tão cedo ir aos mercados, dez, vinte anos, sem possibilidade de obter créditos significativos no exterior. Mas também hoje a Grécia não pode ir financiar-se fora, e só um optimista de todos os costados pode prever quando isso vai acontecer de novo. Dez anos pelo menos, muito provavelmente mais. Nestas condições, a Grécia teria todos os efeitos brutalmente negativos da saída do euro, mas a verdade é que para os gregos o preço de lá ficar aproxima-se cada vez mais de ser idêntico. Mas teria também as vantagens: se o caos social não fosse significativo, - um grande “mas” reconheço,- uma das indústrias nacionais gregas, o turismo, conheceria um boom apreciável, com preços muito convidativos. Muitas outras exportações gregas, como produtos alimentares e bebidas, têxteis e químicos, conheceriam uma sorte idêntica. 

(Continua.)

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O MUNDO DOS LIVROS



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COISAS DA SÁBADO:
 TALVEZ NA GRÉCIA FOSSE POSSÍVEL FAZER DE OUTRA MANEIRA



PREVENÇÃO
O que digo a seguir aplica-se (para já) apenas à Grécia. Eu não penso que nós somos assim muito diferentes dos gregos, mas, na verdade, também “não somos a Grécia”. Não penso que o que escrevo a seguir se aplique a Portugal. Pelo menos para já e talvez nunca. 

SE O TEMPO VOLTASSE ATRÁS 

Vamos voltar aos gregos que vão continuar no mesmo caminho sem saída, com duríssimas medidas de austeridade, semi-aplicáveis, e com o caos que elas geram, num estado mínimo quanto a impostos, pagamentos de serviços, portagens, etc. e com um espectro político muito à esquerda, e, na esquerda da esquerda, com muitos grupúsculos extremistas adeptos da violência. Ah! e com militares que não são pacíficos. 

Vamos fazer o exercício de voltar ao dia em que o governo grego percebeu que estava falido. Sabemos o que aconteceu a partir daí e ainda estamos a meio da história, cujo fim caótico e perigoso está como que pré-anunciado. Ninguém acredita que aquilo que os credores obrigam os gregos a fazer seja eficaz, nem os gregos, nem os credores. Voltemos a esse dia inicial da bancarrota e vejamos um curso alternativo das coisas, com a vantagem de sabermos o que aconteceu, que faz com que isto seja muito especulativo. 

Vamos admitir que nesse dia o governo grego reunia, entendia que o que a Europa (os alemães) lhe pediam para “salvar” a Grécia era, não só incomportável, como inexequível, e que, a prazo, a Grécia teria mesmo que sair do euro e falir. E que, ao fazer esta análise, resolve tomar a iniciativa dupla de proclamar a falência grega e a saída do país do euro. 

(Continua.)

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EARLY MORNING BLOGS  
2164

"Rule by patience, Laughing Water! "
 
(Longfellow)

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16.2.12


EARLY MORNING BLOGS  
2163

Now fades the last long streak of snow,
Now burgeons every maze of quick
About the flowering sqares, and thick
By ashen roots the violets blow.

 
(Alfred, Lord Tennyson)

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15.2.12


EARLY MORNING BLOGS  
2162 - Time makes more converts than reason

"PERHAPS the sentiments contained in the following pages, are not YET sufficiently fashionable to procure them general favor; a long habit of not thinking a thing WRONG, gives it a superficial appearance of being RIGHT, and raises at first a formidable outcry in defence of custom. But the tumult soon subsides. Time makes more converts than reason."


(Thomas Paine, Common Sense)

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14.2.12


 
Clicar na imagem.
Hoje o verdadeiro arranque dos Estudos.


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13.2.12


ESPÍRITO DO TEMPO:  HOJE

Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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A NOVA LUTA DE CLASSES

Há dias, no programa Prós e Contras, um conselheiro de "empreendedorismo" teorizava, de forma prosélita e desenvolta, sobre as más escolhas de "projecto de vida" que justificariam muito do desemprego actual. Era evidente pela conversa, que achava que existia uma espécie de culpa individual em se estar desempregado. Pelo meio, perguntou, com evidente escárnio, a um desempregado se este tinha tirado um curso de História, uma imprevidência para quem quer ter um emprego. Não tenho dúvida de que quem formulava esta pergunta fazia parte de um dos lados do novo binómio da luta de classes descrito por Passos Coelho, o dos "descomplexados competitivos". O curso de História, se tivesse feito parte do currículo do desempregado, colocá-lo-ia de imediato na categoria de "preguiçoso autocentrado", antiquado e inútil, "piegas" e queixoso, a quem é preciso dar um abanão de pobreza a ver se se torna "competitivo". Estamos, como já referi, perante uma nova forma de luta de classes: a que opõe "descomplexados competitivos" a "preguiçosos autocentrados". Pelos vistos, uma característica destes últimos é que se interessam por História. 


É verdade que saber História vale muito pouco no mercado de trabalho, mas também é verdade que saber Matemática pura, Física Teórica, Astronomia, Biologia Molecular, já para não falar de Filosofia, Sociologia, Geografia, Grego Clássico e Latim, Literatura Portuguesa, também não valem muito mais. E, by the way, os milhares de licenciados em Marketing, Economia, Jornalismo, ou como se diz agora "Ciências de Comunicação", Artes Performativas, Arquitectura, Composição, os pianistas, violoncelistas, violinistas, também não vão muito longe. Seguindo o critério do nosso mago do "empreendedorismo", não é muito difícil, e no meu caso gratuito, aconselhar cursos seguros e certos. Eu costumo aconselhar maltês, uma língua de que há enorme escassez de tradutores e intérpretes na UE, e o turco, russo, chinês e árabe também podem fazer parte do currículo dos candidatos a "descomplexados competitivos". Mandarim ou cantonês de certeza que têm futuro, assim como "beber a água do Bengo", na exacta composição químico-financeira corrente para esses lados.


Saber de História não é garantia de nada, nem o conhecimento da História garante que se saiba governar um país. Mas ajuda, ajuda pelo menos a ter-se uma visão menos cega da nossa missão no governo das coisas privadas e públicas, e a conhecer alguma coisa sobre os limites do voluntarismo político. E ajuda bastante a não se ser ignorante, nem a se actuar como um ignorante quando se pensa que tudo começa em nós, essa ilusão adâmica muito corrente nestes dias.


A História ajuda nas coisas grandes e nas pequenas, torna o mundo mais interessante e alimenta a curiosidade e o engenho. Para gostar de comer um croissant não é preciso olhar para ele com os olhos da História e perceber que se está a cometer um acto muito pouco politicamente correcto de turcofobia, ou, pior, de islamofobia. Mas quem sabe o que é e de onde vem o croissant, costuma saber um pouco mais sobre a História da Europa e isso faz bem à sanidade do debate público. Muita asneira que para aí circula sobre os feriados e o seu significado, sobre a Maçonaria, sobre o comunismo, sobre o fascismo, sobre a democracia, poderia ser evitada lendo um pouco mais sobre História. 


A História, como todas as formas de cultura viva, é uma forma de saber e olhar. Engana e ilude muito, mas também modera a tendência para a vã glória. Se é que a História nos ensina alguma coisa, é que poucas coisas são realmente importantes e que 99,99% dos casos o que fazemos pouco muda, ou não muda nada. Para os governantes, é obrigatório, para se enxergarem melhor, uma actividade que normalmente não lhes "assiste". Países como o Reino Unido, ou os EUA, têm a História no centro da política, o que nem sempre dá bons resultados, como se vê em França, onde todos os Presidentes do passado achavam que eram uma encarnação de Vercingétorix, Joana d"Arc, Luís XIV, Napoleão ou De Gaulle e os actuais já ficam contentes em serem como o Astérix.


O discurso de Odivelas do primeiro-ministro ganhava alguma coisa com a História, embora, como ele se encontra na categoria dos "descomplexados competitivos", não ligue muito a uma disciplina dos perdedores. Mas assim saberia que, antes de nomear os "preguiçosos autocentrados" como seus adversários, deveria pensar duas vezes sobre o papel que o epíteto de "preguiçosos" tem quando é usado genericamente para designar grupos ou comportamentos sociais. Para os colonos, os "pretos" eram a quinta-essência dos "preguiçosos" e por isso deviam ser obrigados a trabalhar à força de castigos corporais. Puxem pela língua a muitos patrões e aos seus capatazes (hoje chamam-se "responsáveis pelo pessoal"), às "patroas" sobre as suas "criadas", e o epíteto de "preguiçoso" aparece quase de imediato. Em países em que coexistem zonas industrializadas com regiões rurais, os habitantes dessas regiões, o Alentejo, a Galiza, a Andaluzia, o Sul de Itália, são descritos em anedotas como "preguiçosos". Nos campos trabalha-se muito, dependendo do ciclo agrícola, e há períodos de inactividade, onde, como toda a gente sabe das anedotas, os alentejanos estão debaixo de um "chaparro" a ver o mundo passar em slow motion.

Existe, aliás, outra classificação que costuma vir junto, a de associar essa ruralidade à falta de inteligência e dificuldade em socializar de forma adequada, ou seja, não só eram estúpidos, limitados, como não sabiam comer à mesa. É para isso que servem os epítetos de "saloios" ou de "labregos", a interessante migração da palavra galega para camponês, que veio junto nos anos trinta e quarenta do século XX com os galegos, que a miséria da sua terra trouxe para trabalhar em mercearias e restaurantes, ou outros ofícios menores, em Lisboa e no Porto. O problema da História é este, o de tornar poucas palavras inocentes.


Na luta de classes entre os "descomplexados competitivos" e os "preguiçosos autocentrados", a ordem dos pares é interessante, quer na parte social, quer na do psicologismo vulgar. Os "preguiçosos" são primeiro preguiçosos e s?? depois são "autocentrados", e os "competitivos" são primeiro "descomplexados" e é por isso que são "competitivos". Os pares têm, por isso, uma ordem invertida: nos "preguiçosos", avulta a condição social, nos "descomplexados", a psicologia domina. Embora provavelmente nada disto tenha sido muito pensado e saiu assim, como poderia ter saído de outra maneira semelhante, este dualismo revela aquilo que os sociólogos chamam as background assumptions do seu autor. Os que estão presos na sua condição social, deixam soçobrar a sua psicologia no egoísmo; os dinâmicos psicologistas ultrapassam a sua condição social pelo êxito no mercado. 


O país divide-se assim entre funcionários públicos, vivendo do erário público, acima das suas posses, e fazendo tudo para ter feriados e não trabalhar (os "preguiçosos"), cultivando um egoísmo social assente em pretensos "direitos adquiridos" ("autocentrados"); e jovens yuppies, dinâmicos e empreendedores, com uma "cultura empresarial", capazes de correrem riscos ("competitivos"), sem cuidarem de terem "direitos" para subirem "por mérito" na escala social ("descomplexados"). Nem uns nem outros existem na vida real, nem sequer como caricaturas, que é o que isto é, mas isso pouco importa.


A História está cheia destes dualismos, velhos como o tempo, mas típicos da linguagem abastardada do poder dos nossos dias. É um esquema assente numa mistura de demonização e de wishful thinking, que circula assente num moralismo social, também típico dos dias que passam. A História revela o poder destrutivo deste tipo de discursos, que se tornam, de um momento para o outro, socialmente insuportáveis. 


Esse momento ainda não se deu, e os papagaios do "pensamento único" repetem este discurso sem pararem para pensar. Ou sequer para ler alguma coisa de História, mesmo com o risco de se tornarem "preguiçosos autocentrados".

(Versão do Público de 10 de Fevereiro de 2012.)

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2161 - Looking For a Sunset Bird in Winter 

The west was getting out of gold,
The breath of air had died of cold,
When shoeing home across the white,
I thought I saw a bird alight.

In summer when I passed the place
I had to stop and lift my face;
A bird with an angelic gift
Was singing in it sweet and swift.

No bird was singing in it now.
A single leaf was on a bough,
And that was all there was to see
In going twice around the tree.

From my advantage on a hill
I judged that such a crystal chill
Was only adding frost to snow
As gilt to gold that wouldn't show.

A brush had left a crooked stroke
Of what was either cloud or smoke
From north to south across the blue;
A piercing little star was through. 
(Robert Frost)

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12.2.12




EARLY MORNING BLOGS  
2161 - The Way Through the Woods


They shut the road through the woods
Seventy years ago.
Weather and rain have undone it again,
And now you would never know
There once was a road through the woods
Before they planted the trees.
It is underneath in the coppice and heath,
And the thin anemones.
Only the keeper sees,
That where the ring-dove broods,
And the badgers roll at ease,
There was once a road through the woods.

Yet, if you enter the woods
Of a summer evening late,
When the night-air cools on the trout ringed pools
Where the otter whistles his mate
(They fear not men in the woods
Because they are so few)
You will hear the beat of a horse's feet
And the swish of a skirt in the dew,
Steadily cantering through
The misty solitudes
As though they perfectly knew
The old lost road through the woods . . .
But there is no road through the woods.


(Rudyard Kipling)

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11.2.12


  HOJE DE NOVO 
Cobertura em directo das manifestações de hoje.

 Chegada das camionetas para manifestação da CGTP.

MANIFESTAÇÃO CONTRA A NOVA LEI ANTI-PIRATARIA (ACTA) (LISBOA, 11 DE FEVEREIRO DE 2012)





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© José Pacheco Pereira
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