ABRUPTO

30.4.09


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 30 de Abril de 2009.

Então a entrega dos cheques dentista, um dos inúmeros "momentos Chávez" que se multiplicam cada vez mais, também não usa as crianças para a propaganda governamental? Ou foi erro da "equipa que recolheu as imagens"?

*

É absolutamente inadmissível a legislação hoje aprovada na Assembleia da República com o apoio de todos os partidos. Anos e anos de esforços para evitar que "dinheiro vivo" entrasse na contabilidade partidária, são deitados fora com toda a displicência, com um recuo enorme na transparência das contas partidárias. E não adianta andar a falar do enriquecimento ilícito porque hoje permite-se muito do que está por detrás da corrupção entre os "interesses", a administração local e central e os partidos políticos. E o Bloco de Esquerda, que está sempre indignado com o "descaramento" dos outros, e a falar contra o "centrão" corrupto e corruptor, votou também a mesma lei.

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Está em linha numa publicação do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, o debate sobre O Imaginário Europeu A Partir Da Controvérsia Dos Cartoons: Desenhando Civilizações?, em que participei (Coimbra, 2006) juntamente com Maria Irene Ramalho, Adel Sidarus, Mostafa Zekri, Isabel Allegro Magalhães, Boaventura De Sousa Santos, Tina Gudrun Jensen, Abdoolkarim Vakil e S. Sayyid. Abri a minha intervenção fazendo referência ao pedido que me foi feito para não utilizar as reproduções dos cartoons no debate, porque isso poderia ofender os muçulmanos presentes:
E gostaria de colocar, desde início, o problema como penso que se deve colocar, enquanto um dilema: se eu quiser, no conteúdo da minha intervenção, usar reproduções das caricaturas, o que é que se deve fazer? Ou seja, eu tenciono analisar a estrutura narrativa das caricaturas para mostrar, em relação àquelas que foram mais litigiosas, que elas se inserem inteiramente dentro da estrutura narrativa dos cartoons publicados sobre todas as matérias no Ocidente e que, como não tenho outro sistema de valores para os analisar, a não ser o sistema de valores que remete para os critérios da sua publicação, posso, ou devo, apresentar a reprodução das caricaturas?

Nós estamos a discutir um objecto sobre o qual de imediato se coloca, em Coimbra no ano de 2006, num país democrático, a questão de se saber se eu devo ou não apresentar, porque isto pode eventualmente ferir a sensibilidade e a susceptibilidade de muçulmanos que se encontrem ou participem neste debate. E esta é, logo de início, uma questão crucial. Logo de início!

Por que é que eu – que vou falar da estrutura narrativa dos desenhos, compará los com outros desenhos feitos por cartoonistas portugueses e mostrar que existe uma comunidade de temas, de percepção, de construção estética e satírica desse objecto – me tenho que colocar a mim próprio o problema de não os poder mostrar? Ou de não os dever mostrar? Ou do facto de os mostrar poder ser entendido como provocação? E ao mesmo tempo eu pergunto a mim próprio: “Se eu começo a pensar assim, efectivamente a minha liberdade já não é nenhuma”.

E, para mim, esta é a questão central porque está inserida num sistema de valores que tem a ver com a política e com o espaço público. Eu não entendo que esse sistema de valores nasça da natureza, nem da sociedade, nem sequer apenas da cultura ou da religião stricto sensu. Nasce de escolhas: cada um de nós constrói o seu sistema político, o seu espaço público, a partir de um conjunto de escolhas. Ora este é o sistema de escolhas que nós até hoje tivemos no mundo ocidental – e não só, porque de alguma maneira até esta crise nós pensávamos que o sistema de escolhas que era dominante no mundo ocidental tinha toda a vantagem em ser universalizado. O que é o direito internacional, que é sistematicamente invocado à volta de todos estes problemas, se não uma projecção de um sistema de valores ocidental? A questão dos direitos humanos: o que é ela se não uma projecção do sistema de valores ocidental? Não há tradição de pensamento sobre os direitos humanos, a não ser muito fragmentária, fora do sistema de valores ocidental.

(*) Agradeço a José Albuquerque os elementos que me forneceu sobre a mercearia Abastecedora da Memória, na Calçada da Memória, junto da Rua do Jardim Botânico, pertença de seu pai, merceeiro em Lisboa há mais de sessenta anos. Que o toldo que aqui uso fique como homenagem a esse trabalho de uma vida inteira.

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 30 de Abril de 2009.

Citação para os dias dos cheques-dentista: "Politicians (...) need activity. It is their substitute for achievement". Sim, é do Yes Prime Minister.

*

Cuidado com as imitações de Obama, que o deslumbramento mediático dos dias de hoje torna um lugar comum. Primeiro, porque quem imita raramente faz melhor. Normalmente faz pior. Depois, porque a personalidades diferentes, "imagens" diferentes. Não se deve tentar fazer de ninguém aquilo que não é. É-se sempre melhor o que se é, e, por muito marketing e image building que se utilize, resulta sempre um híbrido pouco convincente. Depois porque em política são os critérios políticos que devem prevalecer, não são critérios "técnicos", publicitários, de marketing, etc. O que implica conhecer as pessoas e o país, e não ter lido apenas um livro sobre a publicidade da Coca Cola, ou o que tem saído na imprensa sobre o "sucesso interactivo" de Obama, em grande parte self fulfilling prophecies.

*


Vem aí uma grande livraria, grande em espaço, grande em "cena", dominada pela rotativa póstuma da velha Mirandela, e espero que, quando abrir regularmente, grande em livros. Tem todas as condições para ser um grande sucesso. Ah! e também tem um grande nome, Ler Devagar. Como deve ser.







(ainda em obras)

*

E se este anúncio para a Feira do Livro for de verdade, ou seja muitas centenas de pinguins, também é um upgrade para a Feira, que bem precisa.



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EARLY MORNING BLOGS

1545

Love is like the wild rose-briar,
Friendship like the holly-tree
The holly is dark when the rose-briar blooms
But which will bloom most constantly?

The wild-rose briar is sweet in the spring,
Its summer blossoms scent the air;
Yet wait till winter comes again
And who will call the wild-briar fair?

Then scorn the silly rose-wreath now
And deck thee with the holly's sheen,
That when December blights thy brow
He may still leave thy garland green.

(Emily Bronte)

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29.4.09




"Como se passa de Beato a Santo?" na Sábado em linha.

*
Lendo o seu texto relativo a Nun'Alvares e a Francisco Pacheco, não pude deixar de sorrir quando faz notar a descrição como ambos tem passado e como essa descrição diz um pouco daquilo que hoje valorizamos. Esquecendo desde já o lado religioso do assunto, confesso que a personagem de Nun'Álvares era, para mim, uma mera referência histórica, mas a leitura nestes dias do livro de D. António dos Reis Rodrigues fez-me perceber um outro personagem, maior e certamente politicamente incorrecto para os tempos que correm. Depois da leitura da sua biografia, creio que trazer este Português para primeiro plano, neste momento, não será o timing correcto para muitos. Infelizmente.

Num segundo ponto refere Francisco Pacheco, um dos sete portugueses mártires do Japão e um pouco esquecidos. O livro "Mártires do Japão" de Eduardo Kol de Carvalho (Editorial A.O. - Braga, 2006, ISBN 972-39-0642-2) será uma boa referência para o tema e permitirá perceber que numa história repleta de navegadores - qual o ano em que não se faça um selo ou uma moeda sobre o tema? - os mártires do Japão que representaram muito da nossa diplomacia no Oriente passam desapercebidos. Em Braga, na já habitual política de destruição da memória, a casa onde nasceu o Beato Miguel de Carvalho foi vítima de recuperação, transformada em pastelaria (e por aí não vem mal ao mundo) mas em todo o processo a placa e alminhas que a referenciavam, perderam-se sem que a câmara local fizesse algo. Resta o nome do beato na toponímia da cidade. Curiosamente vem de fora a mais recente homenagem a estes mártires - embora à versão espanhola deles - trata-se de "Silence", o novo Scorcese - - e não deixaria de ser curioso que na habitual ignorância que cruza os media de hoje, fossemos saturados de informação, via Hollywood, sobre os mártires espanhóis, ignorando os nacionais.

Seja em Nun'Ávares, seja nos mártires do Japão, o conhecimento das suas biografias é desejável, para lá da importância religiosa do tema.

(Emanuel Ferreira)

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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EARLY MORNING BLOGS

1544

Falsehood flies and the truth comes limping after; so that when men come to be undeceived it is too late: the jest is over and the tale has had its effect.

(Swift, The Examiner, 1710)

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28.4.09


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 28 de Abril de 2009.

Hoje as coisas estão assim: quem manda nas posições dos políticos são os jornalistas. Para os jornalistas, os políticos têm as posições que eles (os jornalistas) dizem que têm e não as que eles (políticos) têm. A sua palavra não vale nada, a interpretação dos jornalistas vale tudo. Há muitas razões para isso acontecer, uma das quais é que os jornalistas têm que ter sempre razão. Uma vez que eles digam que uma coisa é assim, a coisa tem que ser assim, dê por onde der. Outra é que quando não há "novidade", tem que se encontrar alguma coisa para fazer render o produto. E um qui pro quo é sempre excelente, para além de ter a vantagem de não se falar de mais nada, como sejam as as coisas sem "novidade", situação do país, desemprego, maus gastos do governo, empobrecimento dos portugueses, Freeport, etc.

Havia uma actividade que costumava ser criticada por ser assim, a política. Hoje não há nenhuma diferença no terreno "mediático" entre a politiquice e a jornalistice. É o mesmo.

*

Razão tem-na toda o João Gonçalves:
Como era de esperar, aquilo que interessava da entrevista de Ferreira Leite - a explicação de que estamos a fomentar um país irremediavelmente pobre e que o endividamento externo de que não se fala nas tendas da propaganda torná-lo-á ainda irremediavelmente mais pobre do que já é comprometendo, como uma pandemia nacional, o futuro por gerações e gerações - ficou fora das manchetes. O que o lixo tóxico chamado "notícia" quer que conste é, singularmente, que a senhora se "deixou enredar" por causa do "bloco central", que ocorreu um "tropeção na linguagem" e por aí fora. Os serventuários de Santos Silva seguiram aprumadamente as ordens dadas pelo chefe que forneceu logo o mote. Tudo serve para nos distrair do essencial. Coisas de porcos. A peste já cá está.

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COISAS SIMPLES


(Albert Anker)

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(MJ)

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EARLY MORNING BLOGS

1543 - One Train May Hide Another

In a poem, one line may hide another line,
As at a crossing, one train may hide another train.
That is, if you are waiting to cross
The tracks, wait to do it for one moment at
Least after the first train is gone. And so when you read
Wait until you have read the next line--
Then it is safe to go on reading.
In a family one sister may conceal another,
So, when you are courting, it's best to have them all in view
Otherwise in coming to find one you may love another.
One father or one brother may hide the man,
If you are a woman, whom you have been waiting to love.
So always standing in front of something the other
As words stand in front of objects, feelings, and ideas.
One wish may hide another. And one person's reputation may hide
The reputation of another. One dog may conceal another
On a lawn, so if you escape the first one you're not necessarily safe;
One lilac may hide another and then a lot of lilacs and on the Appia
Antica one tomb
May hide a number of other tombs. In love, one reproach may hide another,
One small complaint may hide a great one.
One injustice may hide another--one colonial may hide another,
One blaring red uniform another, and another, a whole column. One bath
may hide another bath
As when, after bathing, one walks out into the rain.
One idea may hide another: Life is simple
Hide Life is incredibly complex, as in the prose of Gertrude Stein
One sentence hides another and is another as well. And in the laboratory
One invention may hide another invention,
One evening may hide another, one shadow, a nest of shadows.
One dark red, or one blue, or one purple--this is a painting
By someone after Matisse. One waits at the tracks until they pass,
These hidden doubles or, sometimes, likenesses. One identical twin
May hide the other. And there may be even more in there! The obstetrician
Gazes at the Valley of the Var. We used to live there, my wife and I, but
One life hid another life. And now she is gone and I am here.
A vivacious mother hides a gawky daughter. The daughter hides
Her own vivacious daughter in turn. They are in
A railway station and the daughter is holding a bag
Bigger than her mother's bag and successfully hides it.
In offering to pick up the daughter's bag one finds oneself confronted by
the mother's
And has to carry that one, too. So one hitchhiker
May deliberately hide another and one cup of coffee
Another, too, until one is over-excited. One love may hide another love
or the same love
As when "I love you" suddenly rings false and one discovers
The better love lingering behind, as when "I'm full of doubts"
Hides "I'm certain about something and it is that"
And one dream may hide another as is well known, always, too. In the
Garden of Eden
Adam and Eve may hide the real Adam and Eve.
Jerusalem may hide another Jerusalem.
When you come to something, stop to let it pass
So you can see what else is there. At home, no matter where,
Internal tracks pose dangers, too: one memory
Certainly hides another, that being what memory is all about,
The eternal reverse succession of contemplated entities. Reading
A Sentimental Journey look around
When you have finished, for Tristram Shandy, to see
If it is standing there, it should be, stronger
And more profound and theretofore hidden as Santa Maria Maggiore
May be hidden by similar churches inside Rome. One sidewalk
May hide another, as when you're asleep there, and
One song hide another song; a pounding upstairs
Hide the beating of drums. One friend may hide another, you sit at the
foot of a tree
With one and when you get up to leave there is another
Whom you'd have preferred to talk to all along. One teacher,
One doctor, one ecstasy, one illness, one woman, one man
May hide another. Pause to let the first one pass.
You think, Now it is safe to cross and you are hit by the next one. It
can be important
To have waited at least a moment to see what was already there.

(Kenneth Koch)

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27.4.09


ÍNDICE DO SITUACIONISMO (88): COMO SE FAZEM AS COISAS


A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.

Como se cria um "facto" que não existe? Está nesta notícia do Diário Económico que se desdiz a si mesma, com um título contraditório com o conteúdo:
TÍTULO: Governo / PSD disponível para acordo com o PS

Manuela Ferreira Leite abriu hoje a porta a um entendimento com o PS na próxima legislatura.

"Sentir-me-ia confortável com qualquer solução em que acredite que a conjugação de esforços seja coincidente, no sentido daquilo que melhor sirva os interesses do país", disse a líder do PSD à SIC.

Contudo, Manuela Ferreira Leite disse à Lusa, na sequência da entrevista à SIC, que a hipótese de admitir um Bloco Central é "uma interpretação abusiva" das suas palavras.

"É uma interpretação abusiva porque como é sabido sempre recusei a hipótese de um governo de Bloco Central", afirmou a presidente do PSD.
ADENDA: A facilidade com que os jornalistas alimentam uma interpretação, e uma "notícia" baseada nessa interpretação, que sabem ser falsa, insisto, QUE SABEM SER FALSA, ou que, pelo menos, justificava uma pergunta de esclarecimento suplementar, é um dos mecanismos que revelam não só a mediocridade do jornalismo político actual, como a sua agenda. Não é segredo para ninguém que uma das etiquetas que sempre se quis colar a Manuela Ferreira Leite e ao PSD é a do "bloco central", no mesmo exacto sentido pejorativo que o Bloco de Esquerda dá a essa expressão. Diga o que disser, basta a mais pequena possibilidade de se fazer uma "interpretação forçada" e viciada, e lá vai tudo pela interpretação atrás para criar um "caso". A patrulha nos jornais e nos blogues seguirá o rebanho, igualmente a dizer "eu sempre disse que..." Pois disse, só que Manuela Ferreira Leite nunca o disse e tem-no sempre negado com vigor. Mas com ela há sempre uma fábrica de "casos", não há jornalismo.

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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PODE HAVER UMA DERIVA TOTALITÁRIA EM PORTUGAL?


Este artigo será publicado no dia 25 de Abril, trinta e cinco anos depois da revolução que moldou o Portugal contemporâneo. Como existem "donos" putativos do 25 de Abril, na esquerda que desfila na chamada "manifestação popular" e em particular o PCP, é muito comum uma espécie de discurso nostálgico sobre "cumprir Abril".

Para esse discurso não dou nada porque "Abril" já está bem "cumprido": temos liberdade política, democracia, descolonizámos e, mesmo no "D" mais difícil, o do "desenvolvimento", Portugal está muito diferente do país herdado de Salazar e Caetano. Não é a altíssima mortalidade infantil (ver gráfico), o analfabetismo, a pobreza e a miséria, que faziam centenas de milhares emigrarem com todos os riscos, um país onde em muito do seu território não havia luz, nem água canalizada, nem saneamento básico, que caracterizam o Portugal de hoje, trinta e cinco anos depois. Continuamos com muitos problemas nesse "D", e estamos a agravar esses problemas, mas, nestes trinta e cinco anos, fizemos muito. O país estava muito estragado em 24 de Abril, e só idealisticamente se podia esperar um milagre de "Abril", mas, mesmo se Portugal continua muito estragado, é um "estragado" com aspectos diferentes. Alguns são os mesmos, mas outros são diferentes.

O"cumprir Abril" de que se fala na "manifestação popular" são mais saudades do PREC do que outra coisa, um discurso nostálgico sobre o tempo em que PCP e várias esquerdas mais ou menos extremas dominavam parte do país, e quase toda a retórica oficial. A minha preocupação não é com essas nostalgias, é com riscos novos e reais aos fundamentos da liberdade e da democracia, que podem dar origem a uma deriva totalitária muito mais complexa e eficaz no seu liberticídio do que a de antes do 25 de Abril.

Previno desde já que não estou a pensar em qualquer golpe militar. As forças armadas portuguesas são um pilar da democracia e não é plausível que venham agora a fazer golpes à América Latina. Nem penso também que este Governo e os seus governantes mais ou menos absolutos, sejam quaisquer candidatos a ditadores. Sócrates tem culpas na degradação da democracia, mas não o vejo como qualquer candidato a ditador e acho que só com perda do sentido das proporções se pode apresentá-lo assim. Já estou menos certo, embora com um grau pequeno de probabilidade, que os demagogos populistas que por aí há, e há vários, não tenham vontade e condições para se transformarem em novos Chávez, plebiscitados pelo voto popular e usando esse voto contra o estado de direito. Embora pense que o risco dessa demagogia autoritária é maior do que um quartelazo, em períodos de crise económica e de populismo justicialista contra os políticos, partidos e aquilo que chamam o "sistema", que é quase sempre a democracia, também não me parece que seja para amanhã.

Dito isto, o que me preocupa não é nenhum dos cenários clássicos das ditaduras do passado, mas sim a deriva autoritária no presente, porque, pela sua inconsciência, desleixo e, nalguns casos, ideias muito erradas sobre a democracia, não possam estar a preparar um mundo que será o ideal para exercer o poder como "mando". Se aparecer alguém que queira "mandar" mais do que deve tem à sua disposição muitos instrumentos que, em plena democracia, lhes estamos a preparar.

[14.10.08.jpg]Primeiro, o clima, o ar rarefeito para a democracia, a indiferença em relação à vida saudável de um país democrático, vinda de governantes que são muito insensíveis aos valores humanistas e cívicos da liberdade e que estão mais disponíveis a deslumbramentos tecnológicos do que à respiração da liberdade. O yuppismo de uma certa geração da política portuguesa está bem representado no actual primeiro-ministro. Aí este governo e este PS (nalguns casos com a ajuda do PSD e quase sempre com a instigação permanente do Bloco de Esquerda) tem actuado sem consideração pelos direitos individuais e pela pluralidade, diferença e confronto que caracterizam a sociedade democrática.


A substituição do debate pelo marketing, a cedência à espectacularização da vida política, a substituição do conteúdo pela forma, é um caldo de cultura para uma despolitização anómica da democracia, que propicia o adormecimento cívico. Só num país adormecido é que se acha não só natural como positivo que o primeiro-ministro substitua nas entrevistas as respostas por "mensagens" repetidas ad nauseam e claras intimidações aos jornalistas (e convenientes processos em série que podem não ser vitoriosos mas complicam e muito a vida às pessoas visadas) para não tratarem dos temas proibidos, a começar pelo Freeport. O mesmo caso Freeport que permitiu a Mário Soares fazer um apelo à censura, sem qualquer sobressalto cívico de ninguém, ou a um secretário de estado invectivar a Ordem dos Notários, por tornar público o que é público. E exemplos não faltam.

Mas não é apenas a conjuntura, muito dependente das vicissitudes do Primeiro-ministro, é também a estrutura de um estado que está a coleccionar leis e práticas muito pouco democráticas, com pretexto na segurança, no combate à fuga ao fisco, no reforço unilateral dos direitos do estado em detrimento dos direitos dos cidadãos, na rarefacção dos lugares onde o indivíduo é livre sem ser controlado electronicamente em todos os seus actos. Eu nem quero imaginar o que pode fazer uma variante de uma PIDE moderna com os instrumentos e as bases de dados a que pode aceder no estado, desde a do ADN, à da Via Verde, ao Cartão do Cidadão e os seus "números" interligados, com as escutas e procuras na Internet e nos telemóveis, às câmaras de videovigilância que proliferam por todo o lado, etc., etc. De manhã à noite, todo o meu percurso, o dinheiro que gasto, os livros que compro, onde almoço e com quantas pessoas, se passo pela Rua do Carmo, se entro no Sheraton ou se vou a um bar de alterne, que palavras procuro no Google, os bilhetes de avião ou comboio, tudo, tudo, tudo pode hoje ser procurado, sistematizado, devassado. Com o modo como o PS quer acabar com o sigilo bancário, com o crescente fim do ónus da prova pelo estado no fisco e agora em tudo o resto, estamos a construir uma sociedade vigiada e controlada, sempre pelas melhores e mais "eficazes" razões, mas que é um maná para quem começar a abusar da lei.

E mais: se houver uma deriva totalitária ela começará por aí, pela utilização destes novos instrumentos instalados por governantes yuppies sem respeito pelas liberdades, e para quem a palavra "indivíduo" é um anátema e o estado um dogma racional. Todas as comissões reguladoras, todas as "entidades", todas as múltiplas instâncias que nos deviam "proteger" da violação dos nossos dados, defendendo a nossa privacidade, acabarão por ser controladas pelo melhor método, pela escolha das pessoas certas para os lugares certos, pela crescente aprovação de leis que as tornam ineficazes, pela redução ao quixotesco, arcaico e pouco moderno dessas preocupações antiquadas com a liberdade contra a eficácia e comodismo das novas tecnologias.

Neste 25 de Abril preocupa-me estarmos a construir a perfeita sociedade totalitária em plena democracia. A preparar o órgão, a polir a função. Só falta haver alguém que o queira usar, que tem tudo preparado. Por nós.

(Versão do Público, 25 de Abril de 2009.)

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EARLY MORNING BLOGS

1542 - But Outer Space

But outer Space,
At least this far,
For all the fuss
Of the populace
Stays more popular
Than populous.

(Robert Frost)

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26.4.09


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)



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Primavera em Telões, Amarante. (Helder Barros)





Em Lisboa. (MJ)





Orquestra Sinfónica Juvenil da Venezuela Simon Bolivar. (RM)

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COISAS DA SÁBADO: O TEMPO




O tempo pelos vistos é definido em Portugal pelo PS e pelos adversários de Manuela Ferreira Leite, e na Europa é definido pelo... tempo. Por ignorância e preguiça, não se verifica se por essa Europa fora, existe algum escândalo com o carácter “tardio” das escolhas a menos de dois meses das eleições, como que encheu os editoriais de alguns jornais muito preocupados com o PSD. Bizarro, o tempo lá é mais “tardio”. No início da semana passada foi apresentado o candidato do PSOE em Espanha. Na mesma semana, bem dentro da semana, foram conhecidas as listas do UMP francês e o mesmo se passa na maioria dos países europeus. Como se sabe Zapatero e Sarkozy estão completamente fora do tempo que o “sistema mediático nacional” (políticos mais jornalistas, portugueses) determinou ser a tempo. Trata-se certamente de partidos atrasados e ineptos. O “sistema mediático” deles mostrou menos acuidade do que o nosso ao atraso, deve ser porque não tem a nossa riqueza “mediática”.

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EARLY MORNING BLOGS

1541 - On Looking Up By Chance At The Constellations

You'll wait a long, long time for anything much
To happen in heaven beyond the floats of cloud
And the Northern Lights that run like tingling nerves.
The sun and moon get crossed, but they never touch,
Nor strike out fire from each other nor crash out loud.
The planets seem to interfere in their curves
But nothing ever happens, no harm is done.
We may as well go patiently on with our life,
And look elsewhere than to stars and moon and sun
For the shocks and changes we need to keep us sane.
It is true the longest drouth will end in rain,
The longest peace in China will end in strife.
Still it wouldn't reward the watcher to stay awake
In hopes of seeing the calm of heaven break
On his particular time and personal sight.
That calm seems certainly safe to last to-night.

(Robert Frost )

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25.4.09

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COISAS DA SÁBADO: O CANDIDATO APRESENTADO FORA DO TEMPO



O candidato fora do tempo, Paulo Rangel, foi escolhido pela razão mais óbvia de todas, mas que pelos vistos escapa a muita gente: as eleições para o Parlamento Europeu são entendidas como tendo o significado de, pelo menos, serem uma grande sondagem das eleições nacionais e de serem um momento para a discussão dos problemas do país, da crise que atravessa e da inserção europeia das suas políticas. Não vão ser outra coisa, não podem ser outra coisa, não devem ser outra coisa.

Começo pelo “devem” para desde já afastar a ideia absurda, que, por notória conveniência Vital Moreira exprimiu (acompanhado por Laurinda Alves), de que só se devem discutir “questões europeias”. Esta é uma típica contradição dos europeístas que estão sempre a dizer que tudo o que é importante é “europeu” e depois pensam que há uma barreira de aço entre o que é “nacional”, por natureza mesquinho, pequeno e sem visão, e o que é “europeu”, uma espécie de burocratês apolítico, a que atribuem a classificação de grande política. É uma versão do anátema do “canalizador polaco” que os fez perder a tão querida Constituição.

Bem pelo contrário, é fazendo a discussão nacional, da crise, do desemprego, das medidas do governo, da corrupção, da descrença face à política, das políticas de grandes obras públicas, do sistema financeiro, etc., etc. no quadro das políticas europeias e da situação da nossa parte do mundo e do nosso país, que se dá significado às eleições europeias. É também assim que se combate a abstenção, que é uma resposta pelos pés, ao carácter abstracto e longínquo do discurso “europeu”, e também da sensação dos cidadãos, de que não tem poder quando se fala da União Europeia porque nos momentos decisivos nunca são consultados e, se o são, não podem dizer não.

Paulo Rangel é o candidato ideal para o PSD, no contexto do debate realmente existente e não do virtual, e no contexto da situação interna do PSD. Com Rangel será difícil o trabalho da patrulha das nuances que teria uma época cheia se fosse Marques Mendes o candidato, e transformaria a campanha europeia num debate sobre o PSD e a sua liderança, com resultados que seriam sempre, no plano político, favoráveis ao PS. Isso, mesmo que Marques Mendes não o desejasse, e independentemente dos seus méritos. Aliás, mergulhasse Marques Mendes na campanha nacional com a mesma dureza contra Sócrates e o PS que o PSD espera de Rangel e logo esta lua de mel com Mendes, que é puramente táctica, se transformaria numa campanha contra ele, igualzinha à que o fez perder a liderança do PSD. É uma pura questão de bom senso.

/Continua.)

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 25 de Abril de 2009.

Coisas boas:
- as palavras sóbrias, certeiras e sensatas da análise do discurso presidencial feita por José Gomes Ferreira na SICN. É hoje tão raro que um jornalista que comenta, fale assim, que merece todo relevo.

- se conseguirem ultrapassar o lixo dos comentários, esta nota de Helena Matos é pura verdade e mostra como as coisas se fazem.

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COISAS DA SÁBADO: O CANDIDATO APRESENTADO A TEMPO



Como se sabe, o candidato do PS, - aquele cuja apresentação definiu o próprio tempo, - tem aproveitado esse tempo para tropeçar todos os dias na sua própria candidatura e criar problemas para si próprio e para o PS. Esse modo peculiar de gerir o tempo, culminou num desastre no último Prós e Contras. Vital Moreira conseguiu perder o debate com Paulo Rangel, Nuno Melo, e Miguel Portas. Ilda Figueiredo não conta porque nunca está verdadeiramente em nenhum debate, não ouve nada do que se diz, repete uma espécie de oração que voa nos seus lábios com a velocidade de um vento rapidíssimo e o que sobra é para se queixar de que não a deixam falar.

Mas, a seu modo, Paulo Rangel, Nuno Melo, e Miguel Portas nem sequer precisaram de um grande esforço para por Vital Moreira num estado de caos, sem nexo, dizendo coisas absurdas (os impostos desceram em Portugal, por exemplo), oscilando entre ser mais papista que o papa (Sócrates e o PS), e “neutral” onde não se pode ser, fugindo de responder a questões sem as quais não pode “existir” como candidato em nenhuma campanha eleitoral europeia, como seja fazer um balanço do trabalho da Comissão. A coisa chegou a ser confrangedora.

Vital nem sequer usou a vantagem de serem quatro contra um, algo que coloca esse um sempre numa posição virtualmente vantajosa num debate, até porque concentra sobre si as atenções e permite explorar as contradições no discurso europeu de PSD, PP, PCP e BE. Mas, como disseram Rangel e Portas, o lugar em que Vital se sentou foi o do governo do PS, pelo qual resolveu responder no tom ultra-ortodoxo que usa quando escreve em defesa de Sócrates e que explica, com toda a probabilidade, a razão porque foi escolhido. Bastava olhar para o friso da lista socialista na primeira fila, cheio de velhas raposas da política partidária, para perceber a insatisfação que todos tinham com o seu cabeça de lista.

(Continua.)

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© José Pacheco Pereira
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