ABRUPTO

31.10.11


ACTOS EXEMPLARES



A senhora Merkel antes de tomar decisões nas cimeiras europeias vai ao Parlamento alemão pedir uma ratificação da posição que a Alemanha vai tomar. E respeita e teme o seu Tribunal Constitucional. Mas que enorme bofetada de luva branca sobre todos os governantes que andam, pela Europa fora, a evitar a todo o custo referendos, e a deixarem aos seus parlamentos apenas a tarefa de assinar de cruz tudo o que decidiram por eles os governos estrangeiros

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SELVAJARIA CONSENTIDA E APOIADA PELA UE



A morte selvagem de Khadafi resultou de uma acção militar da NATO, assente no apoio aéreo e da actuação no terreno de combatentes tribais numa guerra civil apoiados por tropas estrangeiras do Qatar, para além de "especialistas" dos países da UE mais envolvidos, como os franceses e ingleses. Esta intervenção foi apoiada politicamente pela UE, "legitimava-se" numa resolução das Nações Unidas cujo objectivo limitado era a "protecção de civis" e cuja sistemática violação pelo envolvimento directo na guerra civil, teve os olhos fechados da opinião pública mundial. 

A execução de Khadafi, a violência filmada, a que se seguiu a exposição pública do corpo, mereceu pouco mais do que alguns reparos de circunstância, e o mesmo silêncio que tem sempre envolvido as violências e os crimes de guerra cometidos pelas tropas e milicianos dos "libertadores". Khadafi era um ditador assassino e fez tudo o que lhe fizeram, mas se em Khadafi é esperável esse comportamento, aliás esquecido e perdoado pelos mesmos países que o foram lá matar, é inaceitável uma Europa que está sempre a levantar a bandeira da abolição da pena de morte, e dos direitos humanos, ir lá agora dar dinheiro e apoiar e trazer para o concerto das "boas" nações os assassinos que ajudou a pôr no poder.

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 EARLY MORNING BLOGS

2129


"Aimer à lire, c'est faire un échange des heures d'ennui que l'on doit avoir en sa vie contre des heures délicieuses. "

(Montesquieu)

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30.10.11


RTP


A privatização da RTP não é igual às outras privatizações, porque mais do que a racionalidade económica (ou melhor o desespero com as contas) será a politização do processo que vai contar. Nesta altura percebe-se com clareza qual é a intenção do Governo: sanear financeiramente a RTP para vender um canal a um grupo "amigo" na comunicação social e, pelo modo como é distribuído o espaço publicitário, fragilizar todo o sector privado de comunicação de modo a torná-lo dependente do Estado. Este é o primeiro acto, que pode ser adiado pelo clamor de todo o sector privado (Impresa, Media Capital, Rádio Renascença, Sonae, etc., todos afectados pela diminuição acentuada da publicidade), ou não. 


Mas o segundo acto é igualmente interessante: tudo indica que a RTP, com o beneplácito do Governo, está a fazer uma concentração de meios na RTP Informação, que permanecerá pública. Ou seja, o Governo vai deixar nas suas mãos um canal informativo, exactamente uma das áreas onde existe uma oferta privada, a SICN e a TVI24, o que torna absurdo justificar-se a necessidade de intervenção do Estado no jornalismo e nas notícias. Os contribuintes vão pagar um canal de notícias competitivo no cabo com os canais privados para que o Governo, este ou qualquer outro, mantenha uma mão "amiga" no controlo da informação, uma área mais do que sensível para o poder político. 


Terceiro acto e ainda mais absurdo: por que razão a privatização é apenas de um canal de televisão, e deixa tudo o resto intocável? Por que razão os canais de rádio da antiga RDP, integrados no grupo RTP, não são privatizados? Qual é o argumento que justifica que o Estado continue a ter canais como a Antena 1 e 3, admitindo a especificidade da Antena 2, num panorama de rádio ocupado por uma oferta privada plural e diversificada? Nenhuma, nem em termos de princípios de "emagrecimento" do Estado, nem de racionalização de custos, apenas de "desenho político" das privatizações.


E por último, o que está a fazer a comissão criada para definir o serviço público de comunicação social? Esta vê todos os dias pelos jornais o Governo a tomar decisões que deveriam depender das suas recomendações, cujo conteúdo quando for conhecido não serve para nada, a não ser que legitime a posteriori todas as decisões já tomadas pelo ministro da tutela. E ninguém se demite?

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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PARA QUE SERVE O PS? 
 
Por muito difícil que seja estar na oposição e fazer oposição, duas coisas distintas que nem sempre estão juntas, nem por isso a visão de um PS a arrastar-se em incongruências, inconsequências e minudências, deixa de ser patética. E suspeita, porque é legítimo pensar-se que algum pacto existe entre os amigos que fizeram carreiras políticas semelhantes nas jotas e no Instituto de Juventude, sempre sob o signo da "mudança geracional", ou seja o poder para eles próprios, "políticos profissionais", com um vasto conhecimento de como se chega ao poder no interior dos partidos e igualmente vasto desconhecimento do mundo lá fora.

Se Seguro entende que a sua sobrevivência no PS justifica ir, mais cedo ou mais tarde, para uma grande coligação que sustente as enormes dificuldades dos anos de empobrecimento que aí vêm, deve dar de imediato sinais disso. Não é grande motivo para o fazer, mas sabemos até que ponto ele conta neste tipo de lideranças moldadas pelos hábitos das jotas e das carreiras internas.

Esta "oferta" colocará a actual coligação numa situação difícil para lhe dizer que não, visto que anda todos os dias a pedir "responsabilidade" ao PS para se comprometer com o orçamento e não se vislumbra maior responsabilidade do que aceitar participar na governação em períodos de extremas dificuldades. O PSD precisa do PS para mudanças constitucionais, o que nalguns casos é melhor caminho do que estar a colocar o Tribunal Constitucional sob a chantagem de fechar os olhos, em nome da crise, para deixar passar medidas claramente inconstitucionais. Para além disso, tal acto seria saudado com grande unanimidade nacional pelas "forças vivas" da nação, do Presidente à CIP, e então é que o nível do "medidor de responsabilidade" de Seguro subiria aos píncaros.

Se o PS significasse hoje alguma coisa mais do que estas estratégias de sobrevivência pessoal e de grupo aparelhístico, até eu saudava a iniciativa, porque, quanto maior for o reforço da governação numa altura de enormes dificuldades, melhor. Mas hoje uma solução deste tipo só reforça António José Seguro que, como vice-primeiro-ministro, poderia "segurar" o PS, em contraste com este continuar numa senda errática que não agrada a ninguém e é inútil para a vida pública portuguesa. Nem o PS se comporta como partido de oposição no contexto do seu acordo com a troika, coisa perfeitamente possível de fazer, se se tiver saber, arte, vontade e convicção, nem é fiável como suporte parlamentar do governo nas votações decisivas que são "dadoras" de legitimidade às políticas, visto que de votos a coligação não precisa.

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(NOT SO) EARLY MORNING BLOGS


2128
 
"Enlightened statesmen will not always be at the helm."

( James Madison, Federalist No. 10)

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29.10.11


COISAS DA SÁBADO  : A REACÇÃO AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA…


… mostra muito do que está mal hoje na sociedade portuguesa e a facilidade de mobilização dos coros que não só cantam em conjunto como pretendem abafar ou pôr em causa a voz dissonante. E um velho ódio hipócrita que muitos no PSD têm a Cavaco Silva, que não é dos “deles”, vem ao de cima com a mesma facilidade, agora associado ao servilismo face ao poder para quem que dá sempre jeito mostrar serviço.

Muito bem, concedo à partida que o Presidente não devia ter falado na porta, mas isso é folclore, porque se tivesse falado lá dentro, no Congresso dos Economistas, caía igualmente o Carmo e a Trindade. Se o Presidente, que ninguém suspeita de desconhecer a importância de se cumprir o acordo com a troika, entende que é possível lá chegar por outro caminho menos conflitual, mais justo e mais equitativo, não o pode dizer? E não só pode, como deve dizê-lo quando reage não apenas a puras medidas de governação, mas àquilo que ele entende serem violações de princípios que transcendem a mera governação, mas que remetem para valores de que, como garante da Constituição, é o fiel depositário? 

Mas, mesmo achando que é fundamental cumprir o programa acordado, sabendo que ele significa sempre austeridade e empobrecimento para os portugueses, por que raio é que temos todos de assinar de cruz as propostas do governo? Porque são indiscutíveis? Porque são o único caminho? Por que o governo nos diz isso? Porque favorecem interesses que permanecem intocáveis e que usam a ideologia para garantir políticas a seu favor? Esta agora! Só falta dizer que são traidores á pátria.

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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COISAS DA SÁBADO:O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL CONTINUA EM FUNÇÕES? 


O Tribunal Constitucional está sujeito a uma chantagem que só pode dar maus resultados. Enquanto a Constituição for como é, muitas das medidas propostas no actual orçamento são, mesmo para um leigo, claramente inconstitucionais. Se em nome da emergência da crise, o Tribunal permitir a sua passagem, violando o sentido da sua própria existência, está aberto o caminho a outras medidas igualmente inconstitucionais e ao abandono, para todos os efeitos, de qualquer legalidade constitucional. É o caminho de uma ditadura, não o de uma democracia. 

Se os governantes entenderem que a situação de emergência nacional justifica tomar medidas que a actual Constituição impede, o que têm que fazer é chamar o líder do PS de quem são tão amigos e mudar a Constituição com os votos do PS, PSD e CDS. Como já se viu quando de revisões constitucionais extraordinárias a pretexto dos tratados europeus, tal pode ser feito muito depressa, haja vontade das partes. Não penso que mudar a Constituição para a moldar às necessidades do momento seja muito saudável, mas é certamente mais saudável do que estar a actuar à sua revelia. 

Quanto ao PS, se entende que ela não deve ser mudada, então que se comporte em consequência e a defenda e não assobie para o ar face a actos do governo que a violam. Pode ser cómodo, mas é tão pouco saudável como a atitude do governo em propor medidas inconstitucionais ou do Tribunal Constitucional fechando os olhos.

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(NOT SO) EARLY MORNING BLOGS



2127

"Is there no virtue among us? If there be not, we are in a wretched situation. No theoretical checks-no form of government can render us secure. To suppose that any form of government will secure liberty or happiness without any virtue in the people, is a chimerical idea, if there be sufficient virtue and intelligence in the community, it will be exercised in the selection of these men. So that we do not depend on their virtue, or put confidence in our rulers, but in the people who are to choose them."

(James Madison)

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28.10.11


COISAS DA SÁBADO: CRIAR ALVOS CRIA COMUNIDADES DE REVOLTA



As pessoas estão a ficar prosélitas, e o proselitismo mais os interesses magoados, dão sempre para o torto. E há muita gente a sentir-se alvo e sentir-se alvo quebra todas as ligações com uma sociedade mais vasta, para constituir comunidades de revolta. Um caso típico no passado foram os professores e o resultado está à vista em escolas em que ninguém tem mão a não ser pelo despedimento e em que os governantes se vêem obrigados a recuar para ficções que não significam nada, como é o actual modelo de avaliação. A deliberada quebra de empatia, na verdade antipatia, com o estado e o sector público, que vai para além das necessidades de corte nas despesas mas têm um claro conteúdo ideológico, levou o Primeiro-ministro e o Ministro das Finanças a não só não terem uma palavra para as centenas de milhares de funcionários públicos cujos rendimentos são baixos e tão baixos como o sector privado, como para os colocarem como alvo ao apontarem-nos como privilegiados com emprego garantido. Ora se há coisa que os funcionários sabem demasiado bem, ouvindo os mesmos governantes que hoje lhe apontam esse privilégio, é que têm o emprego quase tão precário como no sector privado. 

(Continua.)

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COISAS DA SÁBADO: COMO É QUE NASCE O CONFLITO? 



Os motivos mais próximos que podem acender o conflito social são conhecidos e têm sido discutidos: corrupção impune dos poderosos, desigualdades manifestadas na distribuição dos sacrifícios, sentimento de injustiça individual ou colectiva. A falta de perspectivas para o futuro não é por si só factor de revolta. Revoltar-se é uma forma de optimismo, por muito pessimista que se seja quanto aos resultados dessa revolta. A parede que parece imutável dos padecimentos nacionais tem sido mais um factor de apatia do que de revolta, mas não chega para a evitar se os governantes continuarem a atiçar o pavio já muito curto do barril de pólvora.

Como é que nasce o conflito? O que não é directamente politizado por ideias sobre a revolução, a sociedade e as classes, nasce da zanga individual. Ou da zanga colectiva interiorizada como zanga individual, mas sempre com uma componente individual, sentida, subjectiva. A zanga política mobiliza os nossos pretendentes a black bloc, que são meia dúzia e são de pacotilha, mas a zanga individual mobiliza muitos milhares, que a seu modo, nas conversas, nos actos individuais, empurram invisivelmente a comunidade para a violência. E é a zanga individual que pode mudar um PCP e CGTP moderados até agora, para uma actuação mais dura, por exemplo, na greve geral. Ou seja querer fazê-la mesmo a sério, o que faz uma enorme diferença não necessariamente só em número de grevistas, mas na efectiva perturbação gerada. 

(Continua.)

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(NOT SO) EARLY MORNING BLOGS




2126

"Statesmen my dear Sir, may plan and speculate for Liberty, but it is Religion and Morality alone, which can establish the Principles upon which Freedom can securely stand. ... The only foundation of a free Constitution, is pure Virtue, and if this cannot be inspired into our People, in a great Measure, than they have it now, They may change their Rulers, and the forms of Government, but they will not obtain a lasting Liberty."

(John Adams)

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25.10.11


  ESTA SEMANA DE NOVO 

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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(NOT SO) EARLY MORNING BLOGS


2125

"But if we are to be told by a foreign power what we shall do, and what we shall not do, we have Independence yet to seek, and have contended hitherto for very little." 

(George Washington)

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24.10.11


A BIZARRA HISTÓRIA DA INTERVENÇÃO NA LÍBIA


Por muito esforço que faça para compreender o que justificou a política da UE e dos EUA, em relação à Líbia não a consigo entender. A não ser pela universal explicação que os marxistas-leninistas reciclados e os altermundialistas costumam dar - o "imperialismo" queria o controlo do petróleo líbio, o mais barato de obter pela força nestes dias da crise - não se vê o que explica a guerra contra Khadafi. Parecendo-me por regra esta "explicação" pouco explicativa, chamemos-lhe assim, pelo menos tem a vantagem de fornecer uma interpretação dos eventos que, à míngua de qualquer outra, ganha algum peso.


O que aconteceu no último ano no mundo muçulmano, os eventos na Tunísia, Egipto, Bahrein, Iémen e Síria, só para citar os casos mais relevantes, está longe de ser esclarecido e muito menos de ser conhecido. Com a grande apetência para a ilusão exótica e a vontade de wishful thinking que têm os media ocidentais, divulgou-se uma interpretação dos eventos feita à medida mais das esperanças ocidentais do que das realidades locais. A "revolução democrática" personificada na Praça Tahrir foi saudada como sinal de que a "rua árabe", mais o Facebook, mais meia dúzia de blogues (alguns que hoje se sabe serem falsos como A Rapariga Lésbica de Damasco feita por um homem barbudo que vive na Escócia), tinham varrido as tentações fundamentalistas da Al-Qaeda e mostrado um amor à democracia onde menos se esperava que ele existisse. 

Subitamente, velhos amigos dos EUA, do Reino Unido e da França, clientes importantes da indústria de armamento americana e europeia, saudados como "moderados", como Mubarak, ou reciclados do terrorismo, que passaram a fornecer informações muito úteis aos serviços secretos, como Khadafi, foram transformados em ditadores sanguinários, a abater pelas massas democráticas com a preciosa ajuda dos mesmos serviços que os consideravam até então um asset valioso. De facto, alguns cabiam plenamente na categoria de ditadores sanguinários e outros bastante menos, mas a pertença a esta categoria nunca foi especial motivo para que os mesmos países que organizaram a expedição líbia com eles não tivessem próximas relações e bons negócios. 


Na verdade, só por amálgama se pode falar de uma "revolução árabe" idêntica e comum em todos estes países, descontando-se o papel mimético que este tipo de eventos produz. Aliás este mesmo mimetismo levou vários dos "indignados" europeus e americanos a convencer-se que em Lisboa, Madrid, Londres ou Nova Iorque também havia uma Praça Tahrir à sua espera. Porém cada país é uma história diferente, interlocutores diferentes, motivos diferentes e resultados diferentes e isso separa os eventos na Tunísia, no Egipto e na Síria, dos eventos no Bahrein, Iémen e na Líbia, assim como dos sítios onde o movimento não teve expressão significativa, como Marrocos, Argélia, Jordânia, Arábia Saudita ou, no mundo persa, no Irão. 

Os resultados do que aconteceu ainda estão a desenvolver-se porque o processo social e político está longe de terminar ou sequer de revelar as suas plenas consequências. No Egipto, os militares continuam no poder, com um reforço muito significativo do Islão radical nas ruas. Os cristãos coptas têm provado da receita democrática. Na Tunísia, existe um interim que permanece assente num regime militar. Em breve haverá eleições, mas o desinteresse que a imprensa ocidental mostra agora pelas mesmas "revoluções" que saudou fornece poucas informações sobre o que se passa. Em Marrocos houve reformas, mas o poder do rei permanece intacto e a islamização do regime tem-se acentuado. 

Em nenhum caso, a liberdade religiosa, ou a condição feminina, os dois grandes obstáculos à democracia nos países muçulmanos, está hoje melhor do que estava antes, bem pelo contrário. Dos motivos que se podem facilmente aceitar das "revoltas", a condição social dos mais pobres, o desemprego e a corrupção, apenas no caso da corrupção houve alguns avanços, como o levar a tribunal dos antigos dirigentes. Porém é difícil separar essas perseguições da elite de poder corrupta do revanchismo político dos membros da mesma elite que passaram para o lado da "revolução". 

Voltemos à Líbia e, por comparação da hipocrisia ocidental, voltemos também à Síria. Na Líbia existia uma ditadura particularmente feroz e com muitos anos. Khadafi era hoje um dos raros sobreviventes de um nacionalismo socializante e laico que teve um papel importante no mundo árabe desde a década de cinquenta, e que teve como principal figura Nasser, e o pai do actual ditador sírio, Hafez Al-Assad, mas de que Saddam Hussein fez parte. Era uma corrente popular nas forças armadas dos países árabes, humilhadas pelas derrotas face a Israel e pelas pressões imperiais ocidentais. Estes militares conduziram golpes militares, afastaram as "monarquias feudais", ligaram-se estrategicamente à URSS e foram, a seu tempo, muito populares nos seus países. Com um poder assente em ideias ocidentais, o nacionalismo e o socialismo, estavam muito abertos a uma maior laicização da sociedade e por isso eram combatidos ferozmente pelas autoridades religiosas e por grupos fundamentalistas, de que o exemplo primeiro era a Irmandade Muçulmana egípcia. Nasser, Assad e Mubarak respondiam com idêntica ferocidade e violência. 

Khadafi, no meio das suas excentricidades, vinha deste tempo e a sua solução para o mundo, o célebre Livro Verde, levou a Trípoli muitos intelectuais ocidentais, incluindo portugueses da esquerda, socialistas e alguns militares de Abril, que lá foram falar das virtudes do socialismo líbio. Khadafi agradeceu apoiando vários grupos terroristas, incluindo as FP 25 de Abril, e apoiando financeiramente órgãos de comunicação social portugueses da esquerda. Mas hoje já ninguém se lembra deste Khadafi, que foi o do atentado de Lockerbie, a favor do Khadafi dos negócios. A memória das relações Sócrates-Khadafi ainda está bem presente, mas os negócios líbios vão muito para além do anterior Governo.


Quando a "revolução árabe" chegou à Líbia foi tratada pelo mesmo princípio de amálgama com o caso egípcio e tunisino, mas quem conhecia o que se passava sabia que havia uma forte componente tribal no conflito, que não era novo na Líbia e tinha já originado a divisão pelos italianos do país em duas colónias, a Cirenaica e a Tripolitânia. Khadafi respondeu à ameaça ao seu poder como sempre fez, com toda a violência possível. A diferença no caso líbio é que quando se percebeu que Khadafi iria derrotar militarmente os seus adversários, países como a França, e em menor grau o Reino Unido e com alguma relutância os EUA começaram a desencadear um clamor internacional para defender os "civis" líbios e ameaçar fazer uma intervenção militar. Os franceses foram particularmente activos.


Após um processo complicado de negociações foi aprovada na ONU a Resolução 1973, que abriu caminho à intervenção militar naquilo que era uma guerra civil na Líbia. Uma mera leitura dessa resolução revela que, tomada à letra, ela tinha muito mais sentido para países como a Síria, cuja matança de civis é muito mais significativa, do que na Líbia, onde havia uma revolta armada. Mas na Síria, Bashar Al-Assad pode matar os civis que quiser sem ter os caças da OTAN a sobrevoar Damasco.
 


Se voltarmos à resolução é fácil de ver que ela está longe de legitimar o tipo de intervenção que culminou no assassinato de Khadafi. Ela fala da "interdição do espaço aéreo", na ajuda humanitária, num embargo de armas ao regime líbio e, embora tenha uma forma ambígua que permitia "usar todos os meios necessários para proteger os civis", estava longe de legitimar o que aconteceu. O que aconteceu, à completa revelia da resolução, foi uma intervenção militar da OTAN ao lado dos revoltosos líbios, actuando como parte integrante político e militar de uma das partes numa guerra civil. Os bombardeamentos a Trípoli tinham como objectivo instalações militares e civis de Khadafi, o governante reconhecido por eles próprios como chefe de Estado de um país soberano, a que se somou a participação total em operações militares concertadas, com a presença de "consultores" e instrutores de forças especiais no terreno, fornecimento de armas aos revoltosos e perseguição directa a Khadafi e à sua família. Durante este período os revoltosos competiram com Khadafi em todo o tipo de abusos de direitos humanos, fuzilando prisioneiros, torturando e matando opositores e impondo às populações civis, que suspeitavam de ser simpatizantes de Khadafi, todo o tipo de violências. A imprensa ocidental permaneceu regra geral silenciosa sobre estes actos, e a opinião pública ocidental e árabe indiferente ao que se passava na Líbia. Deste ponto de vista, Khadafi foi bem escolhido, porque se fosse Bashir Al-Assad outra história bem diferente estaria ser escrita e é também por isso que ele pode continuar a matar os seus civis à vontade. E não tem petróleo. 

Quando Khadafi foi, por fim, assassinado, numa ataque militar que começou com aviões da OTAN e terminou com uma execução sumária, não foi o "povo" líbio que ganhou a guerra. Foram Sarkozy, Cameron e Obama e é por isso que toda esta história é muito bizarra. Porquê? E para quê? 

(Versão do Público de 22 de Outubro de 2011.)

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EARLY MORNING BLOGS



2124


"The care of human life and happiness, and not their destruction, is the first and only legitimate object of good government." 

(Thomas Jefferson)

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23.10.11


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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COMO DE COSTUME...

...ainda nem sequer tinha começado a chover e a electricidade foi abaixo ao principio da tarde e voltou agora, não sei por quanto tempo. A meia dúzia de quilómetros de Lisboa. Deve haver uma maldição qualquer, um boneco de vudu, uma arte negra num livro, um feitiço de má sorte para atirar à EDP. Antevejo um outono e um inverno escuros.

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EARLY MORNING BLOGS

2123

"History affords us many instances of the ruin of states, by the prosecution of measures ill suited to the temper and genius of their people. The ordaining of laws in favor of one part of the nation, to the prejudice and oppression of another, is certainly the most erroneous and mistaken policy. ... These measures never fail to create great and violent jealousies and animosities between the people favored and the people oppressed; whence a total separation of affections, interests, political obligations, and all manner of connections, by which the whole state is weakened."

(Benjamin Franklin)

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22.10.11


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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COISAS DA SÁBADO
EM DEMOCRACIA SÓ OS ELEITORES JULGAM OS RESULTADOS DE UMA POLÍTICA 


(ver aqui, aqui e aqui.)

O que significa ser “responsável” por um “crime” quando ele decorre duma política, errada e absolutamente irresponsável que nos pareça que seja, quando esta resulta de ideias sobre a governação, ou de ideologias? Nada a não ser que “criminalizemos” também as ideias e as ideologias. Em que base é que fazer muita despesa, ou deixar a despesa sem controlo, deixa de ser uma política para ser “crime”, admitindo que essas práticas despesistas não violam as leis em curso (se violarem é outro o problema)? Os socialistas encostaram-se a Keynes para fazerem disparar o deficit (verdade seja que depois de dois anos a tentarem controlá-lo na primeira parte do governo Sócrates, que convém não esquecer), mas o mesmo fez a Alemanha, a França e os EUA, como resposta inicial à crise financeira. É diferente a espiral gastadora em países como a Alemanha que tem uma base económica sólida e Portugal? Certamente que é, como também é verdade que a Alemanha travou logo e Portugal continuou a contraciclo a gastar. Mas é “crime” um socialista que acredita na virtude dos gastos públicos para manter o emprego e incentivar a economia, continuar a fazê-lo mesmo no fio da navalha da dívida? Eu acho que é um erro colossal, cujas consequências estamos a pagar duramente, mas “crime” não é. 

Raciocinemos por absurdo, que é sempre útil em casos como este. Vamos admitir que a actual política nos conduz a uma variante portuguesa da Grécia e que, no meio de grandes convulsões sociais, ganha as eleições um governo que se propõe por razões “patrióticas” ou de “justiça económica” sair do euro e denunciar a dívida. Não pode esse governo considerar “criminosa” a política da troika e colaboracionistas os seus executores, e que devem ir a tribunal todos os que a aplicaram? Então a “criminalização” deslocar-se-á do socialismo estatista gastador para o liberalismo anti-estatal destruidor do “estado do social”. Qual é a diferença quando se começam a julgar como casos de polícia ideias e políticas?

Nenhuma. Em democracia, quem julga as ideias e os políticos é o voto. Em democracia quem julga os crimes são os tribunais. Sair daí é sair da democracia.

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2122


"Statesmen my dear Sir, may plan and speculate for Liberty, but it is Religion and Morality alone, which can establish the Principles upon which Freedom can securely stand. ... The only foundation of a free Constitution, is pure Virtue, and if this cannot be inspired into our People, in a great Measure, than they have it now, They may change their Rulers, and the forms of Government, but they will not obtain a lasting Liberty." 

(John Adams)

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21.10.11


COISAS DA SÁBADO: POLÍTICA E POLÍCIA


 Que Sócrates e o PS conduziram uma política que merece o epíteto metafórico de criminosa, sobram-me poucas dúvidas. Desde muito antes dos seus actuais críticos mais loquazes, pelo menos desde 2006-2007, que o escrevo em estado de quase solidão. Não recebo lições de anti-socratismo dos parvenus actuais. Mais: sei o suficiente para entender que, para além das políticas erradas que em muito contribuíram para afundar o país na sua enorme crise actual (matéria sobre a qual também não tenho dúvidas), Sócrates e alguns dos seus amigos, por sua instigação e com a sua conivência, cometeram ilegalidades várias e, muito provavelmente crimes mesmo, que justificariam ser levados a tribunal.

Mas aí Sócrates obteve cobertura política, inclusive de quem está hoje no poder no PSD, que não quis levar até ao seu termo, por exemplo, o inquérito à tentativa de controlar a TVI, ou que sempre o defendeu do que considerava serem “ataques pessoais” no caso Freeport. Ou, pior e mais grave ainda, beneficiou da incompetência, para não dizer pior, da nossa justiça que deixou manchados processos como o do Freeport, que abortou com a surrealista afirmação por parte dos procuradores que se consideraram impedidos de fazer todas as perguntas ao Primeiro-ministro que abririam qualquer interrogatório a um comum cidadão envolvido em caso semelhante. Tudo isto contribuiu para criar uma sensação de impunidade, que também alimenta o fogo actual da “criminalização”, mas trata-se de matérias diferentes e que devem permanecer diferentes. Uma biografia e uma história destes tempos fundirão numa mesma pessoa esses actos, mas eles não podem numa democracia ser tratados da mesma maneira. 

(Continua.)

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MUNDO DOS LIVROS



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ESPÍRITO DO TEMPO. HOJE



Hoje, na Muralha da China, secção de Huanghuacheng, a 65 km de Beijing. 

(Fernando Correia de Oliveira)

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COISAS DA SÁBADO: O JOGO DAS CULPAS E O PRÓXIMO PASSADO


Quem as propõe está acaso disposto a medir as consequências? Ou sequer as pensou? É para Sócrates, não é? É para o irritante Campos na Assembleia, não é? Certamente que é, mas muito dificilmente na lista inicial de “culpados” deixaria de estar Alberto João Jardim pela dívida da Madeira ou Paulo Portas pelos submarinos, não é? E depois até onde se ia? Os deputados que aprovaram os orçamentos e são o suporte institucional dos governos, também são responsáveis? E os deputados que já foram vereadores ou responsáveis nas Câmaras e empresas municipais atoladas de dívidas, em Vila Nova de Gaia ou no metro do Porto, alguns dos quais estão no Governo e no parlamento também vão na lista do “crime”? E Passos Coelho que defendia contra Manuela Ferreira Leite em 2008 e em 2009 quase tudo o que Sócrates então defendia? 

Sabe-se como se começa, mas não se sabe onde se pára, nem no tempo, nem na noção de responsabilidade. É por isso que propostas como esta alimentam a recusa demagógica da democracia e aos seus fundamentos, partidos, representação, parlamento, a favor ou de uma “democracia directa” revolucionária ou de uma “ditadura das finanças”. 

(Continua.)

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COISAS DA SÁBADO: CRIMINALIZAR A POLÍTICA


Eu sei que a ideia de “criminalizar” os políticos responsáveis pela situação actual é uma peça instrumental de propaganda, com o objectivo de desviar as atenções para a dureza do orçamento. Como não é mais do que isso, poderia bem passar em silêncio, porque é uma dessas coisas inconsequentes, estudadas pelos spin doctors para distrair e manipular politicamente as pessoas. Mas, neste caso, vale a pena discutir a proposta porque ela usa um pano de fundo demagógico que também anda aí na rua nos “indignados” e em muita conversa de café. Só que, nesse circuito demagógico, nem sempre os “culpados” são os mesmos, e, quando são os mesmos, estão numa grande amálgama que se chama “os políticos”. O mal de propostas como esta é que alimenta a demagogia antidemocrática apenas para folgar as costas dos governantes actuais. É um jogo perigoso e mostra a falta de cultura democrática dos que as propõem. 

(Continua.)

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EARLY MORNING BLOGS



 

2121

"Many a man thinks he is buying pleasure, when he is really selling himself a slave to it."

(Benjamin Franklin)

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20.10.11


RETRATOS DA CRISE

Nota de "sem" euros.


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É A VERDADE QUE QUEREM? 
ESTÁ QUASE SEMPRE NA MAIS SIMPLES DAS EXPLICAÇÕES



During times of universal deceit, telling the truth becomes a revolutionary act

(George Orwell) 
 
Dicionário de newspeak português aplicado ao Orçamento: 
 
Provisório = definitivo.
 
Transitório= permanente.

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2120

Iago:

"How poor are they that have not patience! 
What wound did ever heal but by degrees? 
Thou know'st we work by wit, and not by witchcraft; 
And wit depends on dilatory time."

(Shakespeare, Othello II, iii, 376-379)

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19.10.11


É A VERDADE QUE QUEREM? 
ESTÁ QUASE SEMPRE NA MAIS SIMPLES DAS EXPLICAÇÕES



During times of universal deceit, telling the truth becomes a revolutionary act

(George Orwell)

As "Assembleias populares" dos "indignados" são mais um dos sinais do grau zero da política dos dias de hoje. Para além do absurdo de ver cem pessoas, que depois se reduzem a umas dezenas, a tomarem-se a sério, se é que isto não é uma contradição nos seus termos, como se estivessem a governar  o país, sem suscitar o ridículo geral, há quem escreva entusiasmado sobre aquele Petit Guignol, como se de um soviete se tratasse. Acresce o orwelliano tique de se chamarem "assembleias" quando são ajuntamentos ad hoc,  em que ninguém representa ninguém, nem muitas vezes se representa a si próprio dado que está em estado de transe induzido, e de usarem o nome de "populares", quando, se aquilo é o povo português, eu quero emigrar para as Desertas. 

Tenho pena que não tenha havido uma transmissão directa na televisão das "Assembleias Populares", e que os jornalistas, tão atentos à manifestação e à coreografia, se tivessem esquecido de ouvir os intervenientes na "Assembleia", o que seria um excelente revelador do estado daquela arte. Para além dos escassos oradores espontâneos, que não falam a linguagem do clã, terem sido desprezados, ignorados  e maltratados, - um cego foi lá propor que bastavam cinco pessoas para empancarem os torniquetes das entradas do metro para se poder viajar de graça, um dos militares anónimos que fez o 25 de Abril foi lá falar das "conquista da democracia" (vaias)  e pareceu aos assistentes muito "político", -  o resto foi uma sucessão de discursos exaltados e muitas vezes conflituais entre participantes sobre procedimentos e o que fazer a seguir. Outro orador explicou que "eles é que deviam estar lá dentro (na Assembleia da República) porque eles é que representam o povo". Palmas. Um quadro do regime anterior ao 25 de Abril, apresentando-se como tal, veio também explicar que era preciso "defender a verdadeira democracia". Outro, teve o cuidado de dizer que ia para casa dormir mas não delegava o poder de decidir o que se ia fazer em ninguém porque ele é que era senhor do seu voto e queria exercê-lo pessoalmente. Quando voltasse, claro.Em suma, um festival.

A verdade sobre tudo isto é simples: as "Assembleias populares" dos "indignados" são uma das maiores fantochadas políticas  que por aí andam.






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© José Pacheco Pereira
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