ABRUPTO

7.11.05


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 20

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LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(7 de Novembro)



Notícias do MyLifeBits um dos mais interessantes projectos de investigação da Microsoft e que um dia chegará a uma "janela" junto de si. O MyLifeBits, sobre o qual já escrevi vários textos, é uma espécie de backup da vida toda. Gordon Bell, o seu principal animador, anda há já vários anos a registar a sua vida em bits. Como se vê pelo gráfico junto, uma vida inteira não ocupa muito espaço num disco duro:




*

Num artigo de hoje do Libération , que se queixa de que o “Estado abandonou os bairros sociais (as “Cités”)”, percebem-se três coisas:

a enorme rede de subsídios e financiamentos estatais típicos do “modelo social europeu”. O artigo cita a crise das acções de alfabetização, financiamentos do Fasild (antigo Fundo de Acção Social), acções de prevenção com adolescentes, programa de empregos-jovem, acções com mulheres, associações subsidiadas (o exemplo é uma intitulada Sable d’Or Mediterranée) que fazem acções de inserção, acolhimento dos recém emigrados, acesso à cultura, teatro de adultos, iniciação ao cinema, vários projectos artísticos e culturais, etc., etc.;

a enorme quantidade de pessoas que trabalha nestes programas, associações, ONGs, que são elas próprias um grupo de pressão para o aumento dos subsídios e o alargamento dos apoios estatais, e que, não é por acaso, aparecem nesta crise como as principais vozes “justificando” a “revolta dos jovens”;

e, por último, o enorme contraste entre o modo europeu de “receber” e integrar os emigrantes envolvendo-os em subsídios e apoios, centrado no estado e no orçamento, hoje naturalmente em crise; e o modo americano que vive acima de tudo do dinamismo da sociedade que lhes dá oportunidades de emprego e ascensão social.

*
A propósito da nota sobre o artigo do "Libération", e do peso do "modelo social europeu" que se sente, gostaria de acrescentar um facto de que pouco se fala: é que a França, tal como Portugal, também atravessa um momento de "fuga de cérebros": jovens com formação académica superior que, descontentes com o tipo de sociedade, emprego, impostos, vão à procura de melhores oportunidades de realização profissional e de criação de riqueza, nomeadamente em Inglaterra, EUA, Canadá, Suissa. Pelos vistos já não são só os jovens de 2ª geração de origem africana e magrebina que andam descontentes: têm é formas diversas de o manifestar.

(J.)

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AR PURO


James B. Abbott, Winter Dune

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EARLY MORNING BLOGS 640

A City Winter 5


I plunge deep within this frozen lake
whose mirrored fastnesses fill up my heart,
where tears drift from frivolity to art
all white and slobbering, and by mistake
are the sky. I'm no whale to cruise apart
in fields impassive of my stench, my sake,
my sign to crushing seas that fall like fake
pillars to crash! to sow as wake my heart

and don't be niggardly. The snow drifts low
and yet neglects to cover me, and I
dance just ahead to keep my heart in sight.
How like a queen, to seek with jealous eye
the face that flees you, hidden city, white
swan. There's no art to free me, blinded so


(Frank O'Hara)

*

Bom dia!

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6.11.05


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 19

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INTENDÊNCIA

Actualizada a nota LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA 2 (Actualizado) de ontem.

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LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(6 de Novembro)




Sobre os comentadores anónimos e os seus comentários divirtam-se no Rocketboom... (Ou vão lá hoje, ou só no arquivo.)

O Sol brilhando como o milho no chão da eira, no Astronomy Picture of the Day. (Ou vão lá hoje, ou só no arquivo.)

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AR PURO


Ansel Adams, Sunrise Mt. Tom, Sierra, NV

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EARLY MORNING BLOGS 639

A vazia sandália de S. Francisco


A gratidão da macieira e a amnésia do gato
nunca pautaram o curso dos meus dias.
“Fiquem onde estão!”,
foi a minha ordem para a macieira e para o gato,
ainda bem exteriores ao meu fraco por eles.

Salvei-os (e salvei-me!) de uma fábula
cuja moral necessariamente devia ser eu, o parlante
amigo de macieiras e conhecido de gatos.

Dá um certo desconforto malbaratar assim amigos
em dois reinos da natureza.
Mas também dá liberdade.

Há uma gente que desponta do outro lado do vale.
Está a correr para cá.
São os meus semelhantes.
Com eles vou desentender-me (mais que certo!),
mas a ideia que deles faço
é ainda um laço.

Repousem em paz as macieiras e os gatos.

(Alexandre O’Neill)

*

Bom dia!

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4.11.05


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA 2
(Actualizado)




De novo, o noticiário das 13 horas da RTP1 transformou-se numa versão "noticiosa" de um panfleto do Bloco de esquerda, a propósito dos incidentes de Paris. De novo, é pena que o texto das notícias não esteja disponível em linha, para que todos possam julgar. Já não basta o modo como se tratou o Katrina, nunca rectificando as informações falsas que foram dadas, coisa que todos pediram (e bem) para ser feito com o "arrastão", mas que ninguém exige quanto ao Katrina. Agora é uma "interpretação" do que acontece em Paris inteiramente conducente à justificação da violência. Preto no branco, uma justificação da violência, que nada tem a ver com notícias ou com jornalismo, mas com um digest de pseudo-sociologia politizada e grosseira. Por que razão é que eu tenho como contribuinte que pagar os exercícios de propaganda política de um grupo de senhores jornalistas que são maus profissionais e que nos querem apascentar?

Os que estão sempre a pedir exemplos concretos e que depois nunca os querem discutir, têm aqui um exemplo mais que preciso - noticiário das 13 horas da RTP1. Coloquem-no no papel para lermos com distanciação e vejam lá se o que resulta é jornalismo ou é opinião política disfarçada de notícias.

*

Aqui vai a transcrição da peça do Jornal da Tarde de ontem acerca dos distúrbios de Paris. A gravação vídeo desse programa está integralmente disponível aqui (tocável com o Real Player)

(João Fraga)
"O ataque pelo ataque. A violência pela violência. Um dos alvos da última noite foi um infantário. «Porquê um infantário? Porquê um carro, porquê uma escola? Não há resposta. É a violência cega» (depoimento de um cidadão)

É a resposta de uma juventude que se sente marginalizada, discriminada, remetida para guetos de cimento e, muitas vezes, tratada de forma diferente só por uma questão de preconceito rácico.

«Quando vemos os automobilistas que são interpelados, se virmos a cor de pele, podemos fazer certas perguntas... A cor de pele, a idade, também...» (depoimento de uma cidadã politicamente engagé)

Pergunta-se, também, como foi possível, por exemplo, entrar numa mesquita numa altura tão sensível como esta. Samir (?) é uma peça nos meios muçulmanos e considera que esse foi um tiro no pé por parte das autoridades. O episódio incendiou ainda mais os ânimos. Trouxe para o terreno o factor religioso, mesmo que mal interpretado. Assim, noite após noite, grupos de jovens vêm para a rua e desafiam a Polícia quase cara a cara. Nunca são mais do que dez a quinze elementos por bando, e escapam facilmente por labirintos que conhecem como ninguém. Um agente comentava mesmo que chegam a divertir-se com a atrapalhação policial. Os prejuízos, esses vão se agravando. Mais de 300 carros queimados. O medo instalado. «Podemos recear que a propagação deste tipo de reacção intolerável chegue a outras cidades.» (depoimento de um responsável político não identificado na reportagem)

Dijon, na região de Burgundy, Sudeste da França, viveu também horas de verdadeiras loucura. E os cidadãos exigem do governo uma resposta eficaz.

«Vamos destacar, a partir de agora, duas mil pessoas para reforçar a segurança nos nossos bairros. Aplicaremos a lei, senhoras e senhores senadores, em toda a parte» (declarações de um político, uma vez mais não identificado na reportagem, no Senado)

Os franceses percebem a tolerância zero, mas sabem que o problema não se resolve apenas com a repressão. Por isso, Governo e municípios apostam, no imediato, no diálogo com os líderes das comunidades imigrantes."
(Sublinhados meus nas frases que considero inadmíssíveis numa notícia e que induzem o telespectador a favor de uma opinião preconcebida.)

*

Reparei apenas agora na transcrição: "Dijon na região de Burgundy" (que o locutor lê com sotaque francês). Burgundy é o nome inglês da Borgonha (Bourgogne), o que também mostra a negligência com que tudo isto é feito e a real ignorância de quem o faz. Deve ter utilizado uma fonte em inglês e nada sabe da França.

*

Contráriamente a JPP creio que o que mais sobressai nos noticiários das várias estações de TV em Portugal não é tanto o alinhamento político ou ideológico (embora este também exista), mas sobretudo a preguiça intelectual e a ignorância dos redactores. Na maior parte dos casos as notícias limitam-se a transcrever o conteúdo dos noticiários internacionais. Muitas vezes mal (como mostra a nota de JPP sobre a referência à região "Burgundy").

O noticiário da SIC abria hoje com a notícia sobre mais uma noite de incidentes retomando a alegoria da "escumalha". Curiosamente algumas horas antes no canal 5 da TV francesa ficava-se a saber através de algumas testemunhas oculares que as afirmações do ministro tinham sido retiradas do contexto (na realidade o ministro respondia a uma interpelação duma habitante que reclamava contra a impunidade de que beneficiava a "escumalha"). Embora fazendo eco dos protestos da oposição contra o ministro do Interior (Sarkozy) o noticiário da SIC ignorou a luta intestina que atravessa o governo (e o partido de Jacques Chirac) e que tem como principais protagonistas Sarkozy e o actual primeiro ministro (Villepin).

(Carlos Oliveira, Luxemburgo)

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: POLÍTICA NOS CÉUS



Nos arredores de Saturno não há esquerda nem direita, há os de cima (Tetis) e os de baixo (Dione).

Um fã da luta de classes: "... é o que chega, os de cima são da direita, os de baixo, os da esquerda."

Simplicius: "... há um pequeno problema..."

O fã da dita: "qual problema, qual quê. Os de baixo vão-se revoltar e deitar os de cima para baixo e subir para cima."

Simplicius: " ... há dois pequenos problemas..."


O fã: "diz já quais são, já me estás a irritar e os de baixo quando se irritam fazem estragos..."

Simplicius: " ... há três pequenos problemas..."

O fã: [impróprio num blogue bem educado]

Simplicius: "O primeiro é que não vais gostar da resposta, o segundo vem em Hegel e é o da "negação da negação", e o terceiro é que de vez em quando Dione fica em cima, e Tetis em baixo, porque a sociedade dos arredores de Saturno é muito bem ordenada, segue as leis de Kepler e não as da luta de classes..."

O fã: "... e eu sou um revolucionário, não quero saber das leis..."

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INTENDÊNCIA

Actualizada a nota A ESPANTOSA COMPLACÊNCIA.

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LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA



Há pequenas coisas que revelam tudo. Uma é o que se inclui ou não, em que secção do jornal, em particular o que se deixa para a política, agora intitulada no Diário de Notícias e no Público como "nacional", e o que se coloca fora dela, em mais pacíficas secções como "Media" ou "Sociedade".

O problema não é só de cá e espelha as background assumptions dos jornalistas, que na Europa tendem a uniformizar-se pelo politicamente correcto (ah! sim, o politicamente correcto existe mesmo e está de boa saúde...) No Libération de hoje está um bom exemplo, com a inclusão do noticiário sobre os casseurs de Paris na secção "sociedade". Então o que fez essa parte da "sociedade" francesa ontem à noite: "Quelque 400 voitures brûlées, un dépôt de bus incendié, les voyageurs d'un RER dépouillés… " Os "voyageurs d'un RER" são eles próprios gente pobre e de vida difícil, mas foram roubados pelos "jovens em revolta" e não contam como excluídos porque trabalham duramente, não pegam fogo aos carros e querem ordem nas ruas . Este é o caldo de cultura a que Le Pen vai buscar votos.

Sobre isto um duro e certeiro editorial de José Manuel Fernandes (que não está em linha...) contrasta com um típico produto do politicamente correcto, neste caso das piores ideias da esquerda, de Eduardo Dâmaso no Diário de Notícias. Nele não há uma única nota de distanciação face às violências,poupando os "jovens marginalizados pela crise económica e por uma sociedade em crise de valores" a qualquer censura (se fossem membros de uma claque de futebol ou neo-nazis teriam certamente outro tratamento), que sobrou, como é evidente, para Sarkozy:

"A única resposta que Sarkozy consegue dar é a da repressão pura. Nada conseguirá, como nunca nenhum antes dele conseguiu. Nada se consegue neste campo estigmatizando o protesto e instrumentalizando a polícia. Nada se consegue desinvestindo na integração social ou entregando-o apenas à velha lógica misericordiosa da piedade católica."

Assino por baixo do que escreve José Manuel Fernandes:

"Na mesma noite em que dois jovens morreram electrocutados em circunstâncias que permanecem nebulosas (mas de que logo se responsabilizou a polícia), um homem de 50 anos era morto ao pontapé por delinquentes perante a passividade de dezenas de pessoas. O presidente da câmara local entendeu dever acorrer ao funeral dos jovens, mas ignorou o da vítima do banditismo. Este gesto contém uma clara mensagem política que valoriza a suspeição, não provada, sobre um eventual exagero da polícia, e desvaloriza o vandalismo mais bárbaro.

O imenso falhanço da "integração" reside exactamente nestes tipo de equívocos, nesta total confusão de valores. Se se aceita e justifica os que vivem desafiando a lei, acaba-se no caos. E se não se promovem os valores da tolerância e do trabalho, acaba-se na segregação. Pior só acrescentando um clima político inquinado, como aquele que a França vive."

Acrescentaria à "crise de valores" a que José Manuel Fernandes atribui (na sequência de teses que têm sido muito divulgadas por João Carlos Espada), uma importância central e que não é o meu cup of tea, um outro elemento mais terra à terra, o papel do islamismo radical como factor de diferenciação cultural e civilizacional, que o "multiculturalismo" dominante impede de combater.

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COISAS COMPLICADAS


Helena Almeida, Seduzir

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EARLY MORNING BLOGS 638

SIRVENTÊS

Do que sabia nulha rén non sei,
polo mundo, que vej’assi andar;
e, quand’i cuido, ei log’a cuidar,
per boa fé, o que nunca cuidei:
ca vej’agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí.

Aqueste mundo, par Deus, non é tal
qual eu vi outro, non á gran sazon;
e por aquesto, no meu coraçon,
aquel desej’e este quero mal,
ca vej’agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí.

E non receo mia morte poren,
e, Deus lo sabe, queria morrer,
ca non vejo de que aja prazer
nen sei amigo de que diga ben:
ca vej’agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí.

E, se me a min Deus quisess’atender,
per boa fé, a pouca razon,
eu post’avia no meu coraçon
de nunca já mais neun ben fazer,
ca vej’agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí.

E non daria ren por viver i
en este mundo mais do que vivi.

(Pero Gomez Barroso)

*

Bom dia!

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3.11.05


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 18

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TEMAS PRESIDENCIAIS (2ª SÉRIE)



(No Público.)

Deriva presidencialista
- A existência de uma "deriva presidencialista" da "direita" é o mais presente fantasma desta campanha. Criado por Vital Moreira, que aparece como um dos principais ideólogos desta campanha de Soares (juntamente com Medeiros Ferreira e Mário Mesquita, nenhum um típico socialista), tem sido por ele alimentado com desvelo. Vital passa todo o tempo a denunciar uma "deriva presidencialista", que encontra essencialmente em dois autores que pouco têm a ver com a campanha de Cavaco (artigos de Rui Machete e uma entrevista de Nuno Morais Sarmento, aliás de natureza bem diferente), e depois, referindo-se ao que ele próprio escreve e aos seus ecos, pergunta: "Mas por que razão se está agora a discutir pela primeira vez os poderes do Presidente?" E responde, fazendo o mal e a caramunha, porque a "direita" tem um plano conspirativo para a presidência Cavaco. Assim não adianta discutir, porque o mero facto de se citar que o candidato Cavaco nada disse que justificasse tal "deriva", bem pelo contrário, já é contribuir para a discussão, cuja mera existência alimenta a suspeita de Vital Moreira. É um círculo vicioso, à volta de um fantasma.

Deriva presidencialista 2 - Claro que há uma vaga forma humana no fantasma da "deriva", mas essa está nos olhos dos que a vêem: percebe-se medo, não de qualquer deriva presidencialista, mas de uma presidência forte, legitimada por um resultado eleitoral inequívoco, que se fará sobre a quebra da hegemonia socialista, e, no caso de Soares, de uma fracção de socialistas, sobre uma parte do establishment nacional onde dominam, quase incontestáveis, há mais de duas décadas. Mas isso é do domínio do político, dos efeitos políticos inevitáveis pela forma como foi lançada a candidatura Soares e pouco tem a ver com os poderes presidenciais. A polémica da "deriva presidencial" preenche o desejo imaginário de esconjurar esta realidade, de não querer perceber que os tempos mudaram.

A melhor frase da campanha vinda do lado de Soares - Se eu raciocinasse como Vital Moreira faz a propósito da "deriva presidencialista", encontraria na frase insuspeita de Mário Mesquita - Cavaco despertará o "pior" de Sócrates e Soares o "melhor" - uma interessante demonstração de como é de Soares que virá a instabilidade política para o Governo e não de Cavaco. Porque o que Mesquita está a dizer, preto no branco, é que Cavaco ajudará Sócrates a prosseguir uma política de austeridade, com medidas difíceis, e que Soares o "moderará".

Comissões de honra - Entre Soares e Cavaco há mais de mil nomes nas comissões de honra, o retrato da elite portuguesa, os financeiros, os empresários, o alto funcionalismo, os embaixadores, os militares de alta patente na reforma, os gestores públicos, os advogados de negócios, os responsáveis pelas fundações, os "patrões" universitários, da medicina, da investigação, os pequenos, médios e grandes intelectuais, as "figuras da cultura", os desportistas, por aí adiante. A comparação que tem sido feita entre ambas vai no sentido de contrastar o apoio dos meios económicos a Cavaco e dos meios da cultura a Soares. Admitamos que assim é, embora seja já bastante menos evidente a hegemonia absoluta que Soares tinha nesses meios, perdendo para Alegre e Cavaco.

O que é politicamente mais interessante é a efectiva redução do espaço político de Soares ao centro e no centro-esquerda. O MASP III é mais socialista, quase nada social-democrata, e as candidaturas de Alegre e Louçã impediram-no de ser mais esquerdista, O que as sondagens revelam mostra-o as muitas centenas de nomes da comissão de honra de Mário Soares: um acantonamento da influência.

Político profissional -- É a mais estéril das polémicas, mas menos fastasmática do que a da "deriva presidencialista". De facto, há elementos do discurso de Cavaco que abrem caminho para uma ambiguidade sobre o carácter da acção política em democracia. É a percepção dessa ambiguidade que levou Mário Soares a dar as melhores das suas respostas na apresentação do seu manifesto de candidatura (a resposta sobre a negação do "suprapartidarismo" e sobre a entrega ou não entrega do cartão de militante). Aqui há de facto um choque entre duas culturas políticas, que reproduz em parte o choque com o "eanismo".

Político profissional 2 - Se entendermos que um "político profissional" significa que se dedica à política uma intervenção continuada, tendo-se ou não cargos, Soares e Cavaco são ambos "políticos profissionais". Se se entende que ser "político profissional" é fazer política com uma dedicação "profissional" e não amadora, Soares e Cavaco são ambos "profissionais". Ambos manejam os instrumentos simbólicos e de poder da política, com destreza. Ambos utilizam mecanismos de convencimento específicos da política, ambos recorrem a profissionais de técnicas modernas como o marketing e a publicidade, a organização de eventos, especialistas de imagem, mostrando em plenitude o seu profissionalismo.

Se se entende que ser "político profissional" é ter como "profissão" a política e nada mais, Soares é mais um "político profissional" do que Cavaco. O papel da profissão em Cavaco é maior do que em Soares, e pode com mais facilidade entrar e sair da política activa, tanto mais que não tem o envolvimento partidário de Soares.

Registe-se que, de todos, no seu envolvimento com a política, só Louçã rivaliza com Soares, seguindo-se Jerónimo de Sousa (cuja profissão é ser funcionário de um partido) e Alegre, que "ganha" mais como escritor do que como político. Se fizermos esta hierarquia, percebemos que é o envolvimento no quotidiano partidário, mais do que o exercício de cargos políticos, que faz a diferença de Cavaco. Cavaco parece menos comprometido com a política "profissional", porque as suas rupturas com a acção política o afastam dos cargos e do partido.

Linhas de ataque (Cavaco contra Soares) 3 - A linha de ataque de Cavaco é não haver linha de ataque. Esta linha de ataque é favorecida pelo facto de Mário Soares ter apresentado como explicações genéticas da sua candidatura o "impedir o passeio na avenida" de Cavaco, nesta ou noutra variante, o que tornou a sua candidatura muito redutora.

Linhas de ataque (Cavaco contra Soares e vice-versa) 4 - Esta linha de ataque resulta enquanto as questões permanecerem fantasmáticas - como é o caso da "deriva presidencialista" - ou ficarem circunscritas ao universo interno da agenda das outras candidaturas. Mas a questão das reformas recebidas por Cavaco é um exemplo de linhas de ataque (de Soares) mais eficazes, porque se situam no universo interior da própria candidatura e da sua imagem, que nunca sofreu o desgaste do ataque populista e demagógico.

Soares já tem todos os anticorpos a esse tipo de ataques, Cavaco não tem e confia na sua robustez, na sua imagem de homem impoluto e honesto, que não beneficia da actividade política para proveito próprio. Mas à falha de outras questões, haverá sempre a tentação de mergulhar Cavaco no mesmo caldo de cultura de suspeições e desprestígio em que está o grosso da política portuguesa. Isso fará resvalar a campanha para um terreno feio, mas o desespero é mau conselheiro.

Manuel Alegre - Posso estar enganado, mas tenho muita dificuldade em raciocinar como sendo Manuel Alegre o outro pólo da bipolarização presidencial. É verdade que as sondagens lhe dão marginalmente esse papel; no entanto, se elas forem tomadas à letra, então terá que se concluir que o que acontece é que não há mesmo pólo nenhum, porque estão todos tão abaixo dos números de Cavaco, que não há verdadeira bipolarização. Por muitas razões, de que exponho apenas algumas, penso que é o confronto Cavaco-Soares o confronto central destas eleições e que só esse pode impedir Cavaco de passar à segunda volta. Se ele não se verificar, não me parece que haja segunda volta.

O apoio do PS a Mário Soares pode ser renitente e forçado, mas, mesmo assim, será um factor decisivo a favorecer Soares versus Alegre. Depois virá a política, a história e a afectividade, em particular a negativa, a antipatia entre os dois. Ambos têm uma história conflitual comum, que é relevante para a contenda presidencial, em particular a experiência do segundo mandato de Soares. Por fim, os dois, Cavaco e Soares, são o verdadeiro contraditório, afastados pela mundividência, gostos, vida, irritações, feitio. Como tudo isto é bem conhecido dos portugueses, favorecerá na primeira volta a bipolarização Cavaco-Soares, marginalizando Alegre. Vamos ver.

(Continuaremos com outras questões: partidos políticos e candidaturas presidenciais, "suprapartidarismo", "eanismo" e "cavaquismo", Portas, PSD e PS, etc.)

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A ESPANTOSA COMPLACÊNCIA



Basta haver um ar de revolta social contra o “sistema”, um ar de “multiculturalismo” revolucionário dos “deserdados da terra” contra os ricos (os que têm carro, os pequenos lojistas, os stands de automóveis, os pequenos comércios), para a velha complacência face à violência vir ao de cima. Fossem neo-nazis os autores dos tumultos e a pátria e a civilização ficavam em perigo, mas como são jovens muçulmanos da banlieue, já podem partir tudo. Não são vândalos, são “jovens" reagindo à “violência policial”, são “vítimas” do desemprego e do racismo dos franceses, justificados na sua "revolta", e têm que ser tratados com luvas verbais e delicadeza politicamente correcta. Os maus são as forças da ordem, os governantes, os polícias, os bombeiros e todos os que mostram uma curiosidade indevida pelos seus bairros de território libertado.

No fundo, não é novidade nenhuma. Há muitos anos que é assim, que estas questões são tratadas com imensa vénia, não vão os “jovens” zangarem-se e vingarem-se. A culpa é nossa, não é?

*

Os media europeus sao horríveis. Absolutamente horríveis, quem ouvir ou ler um noticiário europeu fica com a impressão que os policias sao uns malandros, que perseguiram dois pobres inocentes desgraçados e que os encostaram aos cabos eléctricos e os mataram propositadamente…

Estas são as mesmas pessoas que culpam Bush pelo atentados em Londres, que culparam Aznar e Bush pelos atentados em Madrid, que querem que os EUA negoceiem com Bin Laden (Soares e outros), são pessoas que passeiam as suas opiniões de “peace and love” mas que não oferecem alternativa quando algo de errado acontece. Para eles a pobreza desculpa tudo, as pessoas sao pobres por isso organizam-se em gangs, pegam em armas, roubam, saqueiam, destroem, cometem actos de terrorismo, etc. Não tem outra alternativa, são desgraçados, descriminados, e tem de cometer crimes para sobreviver. Mas então e as pessoas que são pobres e que trabalham honestamente para que os seus filhos possam estudar e ter um futuro melhor? E os portugueses em Franca e noutros locais do mundo que abrem pequenos restaurantes, que trabalham na construção civil que comem o pão que o diabo amassou para que os seus filhos tenham um futuro melhor? Alguém os ve cometer crimes? Será’ que porque alguém faz parte de uma minoria isso e’ um bilhete directo para a violência e roubo?

Revolta-me isto que eu gosto de chamar a “cultura do pobrezinho e do desgraçadinho”. E’ revoltante! As regras de sociedade sao para cumprir, e sao para cumprir por todos, minorias inclusive’.

(Carlos Carvalho, Ottawa, Canadá)
*


... também na banlieue há poesia.
(S.)
*

«A culpa é nossa, não é?»

Claro! E o jornalista da RTP não se esqueceu de rematar a reportagem no local com uma patacoada em que a ideia era: «As forças policiais também são acusadas dos distúrbios por aparecerem ostensivamente».

(C. Medina Ribeiro)
*

Acabei de ver o noticiário das 24h na SIC Notícias, onde o jornalista chamava aos vandalizadores "manifestantes". O que é espantoso é que um acontecimento destes, que se prolonga há mais de uma semana num dos maiores centros da Europa, não mereça sequer que um jornalista se desloque ao local. Estamos a 2h30 da notícia e temos que aturar um "locutor" sentado numa redacção em Carnaxide a comentar as imagens que passam da TF1, da BBC ou da France Press.
Já não falo na péssima análise jornalistica, tão influenciada pela complacência sociológica, o que me repugna neste jornalismo é que uma pessoa que pretende transmitir uma notícia já nem sequer se desloca ao local para saber esta coisa simples: o que se passa? Porquê? E isto passa-se aqui no "centro", como confiar nestes profissionais para transmitir o que quer que seja sobre o Iraque, o Afeganistão ou os EUA?

(João Lopes)
*

Parece-me que num caso ou no outro há excessos. Não podemos partilhar de extremos que, por um lado culpabilizam a polícia e, por outro lado, culpabilizam aqueles jovens. Se há necessidade de um culpado, de algo ou alguém que assume todas as culpas, tem que se procurar na História da Argélia, Tunísia, Marrocos, tem que se procurar na fúria da construção das cidades nos arredores de Paris nos anos 70, para eliminar os chamados "Bidons-ville" que também existiram na cidade das luzes. Cometem-se sempre erros. Alguém alguma vez visitou os subúrbios de Paris? as tais "Banlieues", como são referidas ( e bem! posto que não têm nada que ver com os nossos subúrbios.)..La Courneuve...Blanc-Mesnil... Aulnay-sous-Bois... Clichy-sous-Bois... Montfermeil. Não vejo televisão, recuso essas imagens de que todos falam. Desejo um olhar que seja apenas meu, um olhar que não esteja contaminado, o que é praticamente impossível, posto que quer queiramos, quer não, estamos sempre submetidos às imagens divulgadas pelas televisões que fazem parte do mobiliário estetizante de todos os cafés e restaurantes, pela imprensa, etc., presumo que são quase as mesmas. Apesar de ter sido privilegiada e ter sempre vivido em Paris, quer na prestigiada "Rive Gauche", quer na mais popular Goutte D'or, conheci os subúrbios de Paris e de outras cidades francesas de passagem, assim como alguns dos seus habitantes, e acreditem que não é um sitio onde se pode viver, não é um sítio onde se deseja viver. São sítio chamados "cités", cidades? Não me parece serem estas as cidadesdesejadas.... assemelham-se mais a guetos, dormitórios, capoeiras construídas para amontoar os menos integrados, os mais pobres, os que não pertencem ao modelo dos 3 Bs, aqueles que não são nem Belos, nem Brancos, nem Bons...

Quanto à comparação entre estes jovens muçulmanos, nascidos em França, e os portugueses, temos que ter em conta que a vida social e a postura dos portugueses em França é muito diferente da dos muçulmanos. Não podemos comparar. Em primeiro lugar porque os portugueses imigrantes, ou filhos de imigrantes com a nacionalidade francesa ocupam espaços físicos e sociais específicos e depois, porque a diferença está definitivamente marcada na pele, na cor da pele, nos cabelos, na linguagem que desenvolveram nas mesmas "cités", na História de ambos os povos e no que motivou a sua migração . Por outro lado, se os políticos franceses têm esta postura é porque desejam acalmar uma situação previsível, que têm vindo a degradar-se desde Dezembro 2004. A única solução imediata, mas não permanente, é fazer exactamente o que estão a fazer.

Dizer que há por um lado os maus e por outro lado os bons, "os coitadinhos", não me parece ser a melhor forma de perceber o profundo mau estar social que tem vindo a instalar-se em França (e em vias de acontecer noutros países). Este mau estar é o espelho dos espaços construídos para os homens sem serem à imagem dos homens. Parece-me que isto levanta uma questão de dignidade. Haverá dignidade possível para todos neste mundo?

(Ana da Palma)

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BIBLIOFILIA: LUTA DE CLASSES


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LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA



Uma análise "automática" da imprensa, imediatamente antes e durante o período eleitoral de Fevereiro de 2005, feita pela Cyberlex "uma empresa editora que se dedica à Gestão da Informação e do Conhecimento e à Gestão Electrónica de Documentos e Pastas".

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Democracia por editorial, uma nota sensata no Retórica e Persuasão.

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A entrevista de Mário Soares à TVI foi muito interessante, porque revela o melhor e o pior de Soares. O melhor é a naturalidade, com os ódios à flor da pele, o movimento todo de uma pessoa sem censura, que impulsionado pelo que realmente pensa, chama a Sócrates o "anti-Guterres", trata Cavaco de ignorante e preparava-se para continuar a fazer aquilo que faz muito bem, a contar histórias. Foi pena que a entrevista terminasse no momento em que Soares ia por si dentro, pelas suas memórias, pelos seus gostos e antipatias. Soares não pode hoje ser entrevistado a correr, precisa de tempo, e nele o tempo gasto vale a pena. Não há muitos políticos assim, a falar próximo do que pensam. Expondo-se.

O reverso é o que Soares pensa, a sua agressividade de castelão que vê o rendeiro comprar as terras que teve que vender porque esbanjou os seus bens, a sua superioridade cultural face aos parvenus que não sabem comer à mesa, ou distinguir Pomar de uma Menez (aqui engana-se porque Cavaco tem um belo quadro da Menez) um quase direito natural a ser superior, a mandar, a classificar o mundo, que, tenho insistido nisso, é tipicamente uma marca social. Na sua vida turbulenta e corajosa, ele ficou sempre o menino bem e mimado, que entende ter um direito natural a mandar, que trata Portugal e os portugueses como se lhe pertencessem. O drama que o atravessa nestes dias é perceber que, afinal, já não são dele, são doutro. E, humanamente, responde sendo agressivo e subindo a parada e perdendo ainda mais o "ar do tempo" que já não compreende.

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EARLY MORNING BLOGS 637

Nevoeiro


A cidade caía
casa a casa
do céu sobre as colinas,
construída de cima para baixo
por chuvas e neblinas,
encontrava
a outra cidade que subia
do chão com o luar
das janelas acesas
e no ar
o choque as destruía
silenciosamente,
de modo que se via
apenas a cidade inexistente.


(Carlos de Oliveira)

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Bom dia!

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2.11.05


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: LIVROS, BIBLIOTECAS



É a biblioteca do Trinity, em Dublin, na Irlanda, país que gosta de ser visitado e referido como algo a comparar. E sem duvida que é. Limpa, asseada, e bonita, merece uma visita quanto mais não seja pelo book of Kells.

Manuel Santos



Diogo Lopes, um alfarrabista de Lisboa

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COMUNICAÇÃO SOCIAL E CANDIDATURAS



Cavaco tem sido beneficiado por um melhor tratamento comunicacional, mas tem feito por isso. Soares tem-se exposto demasiado nas suas fragilidades, mas, mesmo assim, beneficia de velhos silêncios e cumplicidades. O que joga hoje mais contra Soares, é infelizmente uma velha pecha da nossa comunicação social: gosta de estar com quem ganha e tende a diminuir quem está na mó de baixo. Antes, Soares beneficiou deste factor, hoje é prejudicado por ele.

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1.11.05


COISAS SIMPLES


Peter Henry Emerson, Gathering Water Lilies, 1885

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EARLY MORNING BLOGS 636

A Mão no Arado



Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua

É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solidário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã

Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente

Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente


(Ruy Belo)

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Bom dia!

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© José Pacheco Pereira
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