Basta haver um ar de revolta social contra o “sistema”, um ar de “multiculturalismo” revolucionário dos “deserdados da terra” contra os ricos (os que têm carro, os pequenos lojistas, os stands de automóveis, os pequenos comércios), para a velha complacência face à violência vir ao de cima. Fossem neo-nazis os autores dos tumultos e a pátria e a civilização ficavam em perigo, mas como são jovens muçulmanos da banlieue, já podem partir tudo. Não são vândalos, são “jovens" reagindo à “violência policial”, são “vítimas” do desemprego e do racismo dos franceses, justificados na sua "revolta", e têm que ser tratados com luvas verbais e delicadeza politicamente correcta. Os maus são as forças da ordem, os governantes, os polícias, os bombeiros e todos os que mostram uma curiosidade indevida pelos seus bairros de território libertado.
No fundo, não é novidade nenhuma. Há muitos anos que é assim, que estas questões são tratadas com imensa vénia, não vão os “jovens” zangarem-se e vingarem-se. A culpa é nossa, não é?
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Os media europeus sao horríveis. Absolutamente horríveis, quem ouvir ou ler um noticiário europeu fica com a impressão que os policias sao uns malandros, que perseguiram dois pobres inocentes desgraçados e que os encostaram aos cabos eléctricos e os mataram propositadamente…
Estas são as mesmas pessoas que culpam Bush pelo atentados em Londres, que culparam Aznar e Bush pelos atentados em Madrid, que querem que os EUA negoceiem com Bin Laden (Soares e outros), são pessoas que passeiam as suas opiniões de “peace and love” mas que não oferecem alternativa quando algo de errado acontece. Para eles a pobreza desculpa tudo, as pessoas sao pobres por isso organizam-se em gangs, pegam em armas, roubam, saqueiam, destroem, cometem actos de terrorismo, etc. Não tem outra alternativa, são desgraçados, descriminados, e tem de cometer crimes para sobreviver. Mas então e as pessoas que são pobres e que trabalham honestamente para que os seus filhos possam estudar e ter um futuro melhor? E os portugueses em Franca e noutros locais do mundo que abrem pequenos restaurantes, que trabalham na construção civil que comem o pão que o diabo amassou para que os seus filhos tenham um futuro melhor? Alguém os ve cometer crimes? Será’ que porque alguém faz parte de uma minoria isso e’ um bilhete directo para a violência e roubo?
Revolta-me isto que eu gosto de chamar a “cultura do pobrezinho e do desgraçadinho”. E’ revoltante! As regras de sociedade sao para cumprir, e sao para cumprir por todos, minorias inclusive’.
(Carlos Carvalho, Ottawa, Canadá)
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... também na banlieue há poesia.
(S.)
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«A culpa é nossa, não é?»
Claro! E o jornalista da RTP não se esqueceu de rematar a reportagem no local com uma patacoada em que a ideia era: «As forças policiais também são acusadas dos distúrbios por aparecerem ostensivamente».
(C. Medina Ribeiro)
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Acabei de ver o noticiário das 24h na SIC Notícias, onde o jornalista chamava aos vandalizadores "manifestantes". O que é espantoso é que um acontecimento destes, que se prolonga há mais de uma semana num dos maiores centros da Europa, não mereça sequer que um jornalista se desloque ao local. Estamos a 2h30 da notícia e temos que aturar um "locutor" sentado numa redacção em Carnaxide a comentar as imagens que passam da TF1, da BBC ou da France Press. Já não falo na péssima análise jornalistica, tão influenciada pela complacência sociológica, o que me repugna neste jornalismo é que uma pessoa que pretende transmitir uma notícia já nem sequer se desloca ao local para saber esta coisa simples: o que se passa? Porquê? E isto passa-se aqui no "centro", como confiar nestes profissionais para transmitir o que quer que seja sobre o Iraque, o Afeganistão ou os EUA?
(João Lopes)
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Parece-me que num caso ou no outro há excessos. Não podemos partilhar de extremos que, por um lado culpabilizam a polícia e, por outro lado, culpabilizam aqueles jovens. Se há necessidade de um culpado, de algo ou alguém que assume todas as culpas, tem que se procurar na História da Argélia, Tunísia, Marrocos, tem que se procurar na fúria da construção das cidades nos arredores de Paris nos anos 70, para eliminar os chamados "Bidons-ville" que também existiram na cidade das luzes. Cometem-se sempre erros. Alguém alguma vez visitou os subúrbios de Paris? as tais "Banlieues", como são referidas ( e bem! posto que não têm nada que ver com os nossos subúrbios.)..La Courneuve...Blanc-Mesnil... Aulnay-sous-Bois... Clichy-sous-Bois... Montfermeil. Não vejo televisão, recuso essas imagens de que todos falam. Desejo um olhar que seja apenas meu, um olhar que não esteja contaminado, o que é praticamente impossível, posto que quer queiramos, quer não, estamos sempre submetidos às imagens divulgadas pelas televisões que fazem parte do mobiliário estetizante de todos os cafés e restaurantes, pela imprensa, etc., presumo que são quase as mesmas. Apesar de ter sido privilegiada e ter sempre vivido em Paris, quer na prestigiada "Rive Gauche", quer na mais popular Goutte D'or, conheci os subúrbios de Paris e de outras cidades francesas de passagem, assim como alguns dos seus habitantes, e acreditem que não é um sitio onde se pode viver, não é um sítio onde se deseja viver. São sítio chamados "cités", cidades? Não me parece serem estas as cidadesdesejadas.... assemelham-se mais a guetos, dormitórios, capoeiras construídas para amontoar os menos integrados, os mais pobres, os que não pertencem ao modelo dos 3 Bs, aqueles que não são nem Belos, nem Brancos, nem Bons...
Quanto à comparação entre estes jovens muçulmanos, nascidos em França, e os portugueses, temos que ter em conta que a vida social e a postura dos portugueses em França é muito diferente da dos muçulmanos. Não podemos comparar. Em primeiro lugar porque os portugueses imigrantes, ou filhos de imigrantes com a nacionalidade francesa ocupam espaços físicos e sociais específicos e depois, porque a diferença está definitivamente marcada na pele, na cor da pele, nos cabelos, na linguagem que desenvolveram nas mesmas "cités", na História de ambos os povos e no que motivou a sua migração . Por outro lado, se os políticos franceses têm esta postura é porque desejam acalmar uma situação previsível, que têm vindo a degradar-se desde Dezembro 2004. A única solução imediata, mas não permanente, é fazer exactamente o que estão a fazer.
Dizer que há por um lado os maus e por outro lado os bons, "os coitadinhos", não me parece ser a melhor forma de perceber o profundo mau estar social que tem vindo a instalar-se em França (e em vias de acontecer noutros países). Este mau estar é o espelho dos espaços construídos para os homens sem serem à imagem dos homens. Parece-me que isto levanta uma questão de dignidade. Haverá dignidade possível para todos neste mundo?