ABRUPTO

4.11.05


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA



Há pequenas coisas que revelam tudo. Uma é o que se inclui ou não, em que secção do jornal, em particular o que se deixa para a política, agora intitulada no Diário de Notícias e no Público como "nacional", e o que se coloca fora dela, em mais pacíficas secções como "Media" ou "Sociedade".

O problema não é só de cá e espelha as background assumptions dos jornalistas, que na Europa tendem a uniformizar-se pelo politicamente correcto (ah! sim, o politicamente correcto existe mesmo e está de boa saúde...) No Libération de hoje está um bom exemplo, com a inclusão do noticiário sobre os casseurs de Paris na secção "sociedade". Então o que fez essa parte da "sociedade" francesa ontem à noite: "Quelque 400 voitures brûlées, un dépôt de bus incendié, les voyageurs d'un RER dépouillés… " Os "voyageurs d'un RER" são eles próprios gente pobre e de vida difícil, mas foram roubados pelos "jovens em revolta" e não contam como excluídos porque trabalham duramente, não pegam fogo aos carros e querem ordem nas ruas . Este é o caldo de cultura a que Le Pen vai buscar votos.

Sobre isto um duro e certeiro editorial de José Manuel Fernandes (que não está em linha...) contrasta com um típico produto do politicamente correcto, neste caso das piores ideias da esquerda, de Eduardo Dâmaso no Diário de Notícias. Nele não há uma única nota de distanciação face às violências,poupando os "jovens marginalizados pela crise económica e por uma sociedade em crise de valores" a qualquer censura (se fossem membros de uma claque de futebol ou neo-nazis teriam certamente outro tratamento), que sobrou, como é evidente, para Sarkozy:

"A única resposta que Sarkozy consegue dar é a da repressão pura. Nada conseguirá, como nunca nenhum antes dele conseguiu. Nada se consegue neste campo estigmatizando o protesto e instrumentalizando a polícia. Nada se consegue desinvestindo na integração social ou entregando-o apenas à velha lógica misericordiosa da piedade católica."

Assino por baixo do que escreve José Manuel Fernandes:

"Na mesma noite em que dois jovens morreram electrocutados em circunstâncias que permanecem nebulosas (mas de que logo se responsabilizou a polícia), um homem de 50 anos era morto ao pontapé por delinquentes perante a passividade de dezenas de pessoas. O presidente da câmara local entendeu dever acorrer ao funeral dos jovens, mas ignorou o da vítima do banditismo. Este gesto contém uma clara mensagem política que valoriza a suspeição, não provada, sobre um eventual exagero da polícia, e desvaloriza o vandalismo mais bárbaro.

O imenso falhanço da "integração" reside exactamente nestes tipo de equívocos, nesta total confusão de valores. Se se aceita e justifica os que vivem desafiando a lei, acaba-se no caos. E se não se promovem os valores da tolerância e do trabalho, acaba-se na segregação. Pior só acrescentando um clima político inquinado, como aquele que a França vive."

Acrescentaria à "crise de valores" a que José Manuel Fernandes atribui (na sequência de teses que têm sido muito divulgadas por João Carlos Espada), uma importância central e que não é o meu cup of tea, um outro elemento mais terra à terra, o papel do islamismo radical como factor de diferenciação cultural e civilizacional, que o "multiculturalismo" dominante impede de combater.

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© José Pacheco Pereira
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