ABRUPTO

4.11.05


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA 2
(Actualizado)




De novo, o noticiário das 13 horas da RTP1 transformou-se numa versão "noticiosa" de um panfleto do Bloco de esquerda, a propósito dos incidentes de Paris. De novo, é pena que o texto das notícias não esteja disponível em linha, para que todos possam julgar. Já não basta o modo como se tratou o Katrina, nunca rectificando as informações falsas que foram dadas, coisa que todos pediram (e bem) para ser feito com o "arrastão", mas que ninguém exige quanto ao Katrina. Agora é uma "interpretação" do que acontece em Paris inteiramente conducente à justificação da violência. Preto no branco, uma justificação da violência, que nada tem a ver com notícias ou com jornalismo, mas com um digest de pseudo-sociologia politizada e grosseira. Por que razão é que eu tenho como contribuinte que pagar os exercícios de propaganda política de um grupo de senhores jornalistas que são maus profissionais e que nos querem apascentar?

Os que estão sempre a pedir exemplos concretos e que depois nunca os querem discutir, têm aqui um exemplo mais que preciso - noticiário das 13 horas da RTP1. Coloquem-no no papel para lermos com distanciação e vejam lá se o que resulta é jornalismo ou é opinião política disfarçada de notícias.

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Aqui vai a transcrição da peça do Jornal da Tarde de ontem acerca dos distúrbios de Paris. A gravação vídeo desse programa está integralmente disponível aqui (tocável com o Real Player)

(João Fraga)
"O ataque pelo ataque. A violência pela violência. Um dos alvos da última noite foi um infantário. «Porquê um infantário? Porquê um carro, porquê uma escola? Não há resposta. É a violência cega» (depoimento de um cidadão)

É a resposta de uma juventude que se sente marginalizada, discriminada, remetida para guetos de cimento e, muitas vezes, tratada de forma diferente só por uma questão de preconceito rácico.

«Quando vemos os automobilistas que são interpelados, se virmos a cor de pele, podemos fazer certas perguntas... A cor de pele, a idade, também...» (depoimento de uma cidadã politicamente engagé)

Pergunta-se, também, como foi possível, por exemplo, entrar numa mesquita numa altura tão sensível como esta. Samir (?) é uma peça nos meios muçulmanos e considera que esse foi um tiro no pé por parte das autoridades. O episódio incendiou ainda mais os ânimos. Trouxe para o terreno o factor religioso, mesmo que mal interpretado. Assim, noite após noite, grupos de jovens vêm para a rua e desafiam a Polícia quase cara a cara. Nunca são mais do que dez a quinze elementos por bando, e escapam facilmente por labirintos que conhecem como ninguém. Um agente comentava mesmo que chegam a divertir-se com a atrapalhação policial. Os prejuízos, esses vão se agravando. Mais de 300 carros queimados. O medo instalado. «Podemos recear que a propagação deste tipo de reacção intolerável chegue a outras cidades.» (depoimento de um responsável político não identificado na reportagem)

Dijon, na região de Burgundy, Sudeste da França, viveu também horas de verdadeiras loucura. E os cidadãos exigem do governo uma resposta eficaz.

«Vamos destacar, a partir de agora, duas mil pessoas para reforçar a segurança nos nossos bairros. Aplicaremos a lei, senhoras e senhores senadores, em toda a parte» (declarações de um político, uma vez mais não identificado na reportagem, no Senado)

Os franceses percebem a tolerância zero, mas sabem que o problema não se resolve apenas com a repressão. Por isso, Governo e municípios apostam, no imediato, no diálogo com os líderes das comunidades imigrantes."
(Sublinhados meus nas frases que considero inadmíssíveis numa notícia e que induzem o telespectador a favor de uma opinião preconcebida.)

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Reparei apenas agora na transcrição: "Dijon na região de Burgundy" (que o locutor lê com sotaque francês). Burgundy é o nome inglês da Borgonha (Bourgogne), o que também mostra a negligência com que tudo isto é feito e a real ignorância de quem o faz. Deve ter utilizado uma fonte em inglês e nada sabe da França.

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Contráriamente a JPP creio que o que mais sobressai nos noticiários das várias estações de TV em Portugal não é tanto o alinhamento político ou ideológico (embora este também exista), mas sobretudo a preguiça intelectual e a ignorância dos redactores. Na maior parte dos casos as notícias limitam-se a transcrever o conteúdo dos noticiários internacionais. Muitas vezes mal (como mostra a nota de JPP sobre a referência à região "Burgundy").

O noticiário da SIC abria hoje com a notícia sobre mais uma noite de incidentes retomando a alegoria da "escumalha". Curiosamente algumas horas antes no canal 5 da TV francesa ficava-se a saber através de algumas testemunhas oculares que as afirmações do ministro tinham sido retiradas do contexto (na realidade o ministro respondia a uma interpelação duma habitante que reclamava contra a impunidade de que beneficiava a "escumalha"). Embora fazendo eco dos protestos da oposição contra o ministro do Interior (Sarkozy) o noticiário da SIC ignorou a luta intestina que atravessa o governo (e o partido de Jacques Chirac) e que tem como principais protagonistas Sarkozy e o actual primeiro ministro (Villepin).

(Carlos Oliveira, Luxemburgo)

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© José Pacheco Pereira
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