ABRUPTO

6.3.04


VER A NOITE

Se puderem vão lá fora e vejam a Lua magnífica com um planeta em cima. Vale a pena. Agora.

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POEIRA 3 / "I SHALL NEVER SURRENDER OR RETREAT"

Hoje, há cento e sessenta e oito anos, 187 texanos e americanos, morreram na missão fortificada de Alamo em San António, Texas, após terem morto cerca de 1500 mexicanos das forças de Santa Anna. Não escapou ninguém que estivesse dentro da missão a não ser uma mulher, uma criança e um escravo negro. Não foi um combate foi um massacre, mas não foi um massacre foi mesmo um combate. Morreram a combater. Anunciaram que iam morrer a combater. Travis, o comandante, enviou esta última mensagem:

To the People of Texas and all Americans in the World-- Fellow Citizens and Compatriots
I am besieged by a thousand or more of the Mexicans under Santa Anna--I have sustained a continual Bombardment and cannonade for 24 hours and have not lost a man--The enemy has demanded a surrender at discretion, otherwise the garrison are to be put to the sword, if the fort is taken--I have answered the demand with a cannon shot, and our flag still waves proudly from the walls--I shall never surrender or retreat. Then, I call on you in the name of Liberty, of patriotism and everything dear to the American character, to come to our aid with all despatch--The enemy is receiving reinforcements daily and will no doubt increase to three or four thousand in four or five days. If this call is neglected, I am determined to sustain myself as long as possible and die like a soldier who never forgets what is due to his own honor and that of his country--Victory or Death.”


Dentro do forte, na lista dos mortos, está toda a América das fronteiras. Estava Davy Crockett, estavam os aventureiros que viviam da caça, das peles, de guiar os comboios de pioneiros. Estavam os pais dos soldados da guerra civil, dos sulistas de Lee, dos yankees de Grant. Estava a América.

A poeira que caiu, caiu também sobre mim. O fio dessa história foi obviamente o filme de John Wayne, com a ajuda discreta de John Ford. Eu queria ser como eles, como Davy Crockett e os seus Tennessee Mounted Volunteers, queria ser Jim Bowie, queria ser todos os personagens do filme. Também queria ter morrido com um sorriso nos lábios em Álamo, grande como aquelas figuras da épica. Não sei se depois cresci. É suposto.

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POEIRA 2

A propósito da sua "POEIRA" de 6/03, referente a Mendeleïev e à tabela periódica, veio-me à memória uma passagem de um livro do químico Peter Atkins , Galileo's Finger: The Ten Great Ideas of Science, da Oxford University Press, que li recentemente e que transcrevo: "... the periodic table is a portrayal of the solutions of Schrödinger's equation.", pág. 161. É esta a melhor síntese do significado da tabela. No entanto, não deixa de curioso (tanto como recorrente na história da ciência?), o facto da descoberta do "retrato" ter precedido, em mais de meio século, a descoberta do objecto retratado.



Página do Jornal de Química (Zeitschrift für Chemie) onde em 1869 Mendeleïev publicou a sua tabela.

(Filipe Medeiros Rosas)

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POEIRA

Hoje, há cento e trinta e cinco anos, Dimitri Ivanovich Mendeleïev, então com trinta e cinco anos, fez uma conferência na Sociedade Química russa. Redigida numa letra firme e com os arabescos da caligrafia do século, apresentou uma bela imagem da ordem possível do mundo. Mais tarde percebeu que a ordem tinha hiatos e silêncios, lugares vazios na arquitectura das coisas. Refez a sua tabela com esses lugares. Mesmo com alguns desses lugares hoje ocupados, esta é uma das maravilhas do nosso escasso conhecimento das coisas.



Hoje, há cinquenta e nove anos, um inglês de mau feitio, Evelyn Waugh, anotava no seu diário, a propósito de uma carta “ofensiva” escrita por uma mulher católica americana:

I returned it to her husband with the note; `I shall be grateful if you will use whatever disciplinary means are customary in your country to restrain your wife from writing impertinent letters to men she does not know.'

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Tradução do Cântico dos Cãnticos de Renan, edição F.L. Schmied, 1925

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FIM DA LUNA, 106.2 FM, MONTIJO

As coisas que fazemos bem , mesmo quando são simples, escassas de meios, mas no bom sentido, têm uma elevada mortalidade. A rádio Luna, a “rádio calma”, que trazia a Lisboa, à volta de Lisboa, o som mais puro da música clássica, vai acabar. Tantas vezes alternativa à excessiva loquacidade da Antena 2 – tanto se fala naquela rádio! – desaparece sem se perceber com que proveito ou vantagem, a não ser para o negócio das frequências.

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EARLY MORNING BLOGS 153

Agora con la aurora se levanta
mi Luz; agora coge en rico nudo
el hermoso cabello; agora el crudo
pecho ciñe con oro, y la garganta;

agora vuelta al cielo, pura y santa,
las manos y ojos bellos alza, y pudo
dolerse agora de mi mal agudo;
agora incomparable tañe y canta.

Ansí digo y, del dulce error llevado,
presente ante mis ojos la imagino,
y lleno de humildad y amor la adoro;

mas luego vuelve en sí el engañado
ánimo, y conociendo el desatino,
la rienda suelta largamente al lloro.


(Atribuído a Frei Luis de León)

*

Bom dia!

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VER A NOITE

A Lua brilha com uma luz ameaçadora de néon. De repente, sem prevenir, o damasqueiro está coberto de flores brancas. Vai começar a feira das vaidades da natureza. Os tempos perturbantes.

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5.3.04


POEIRA

Hoje, há cento e sessenta e cinco anos, Charlotte Brontë escreveu ao Reverendo Henry Nussey, informando-o de que não aceitava casar com ele. Na carta dizia ao Reverendo que

"I am not the serious, grave, cool-hearted individual you suppose; you would think me romantic and eccentric."

Ou seja, não servia para o Reverendo. Na verdade, achava-o muito aborrecido.

Aborrecida não era certamente Anaïs Nin. Hoje, há setenta e dois anos, Henry Miller escrevia a Anaïs Nin, de uma mesa do Café Chez les Vikings: "I love you....I am in a fever." Acabara de a conhecer.

Hoje, há cinquenta e oito anos, um antigo primeiro-ministro inglês, que ganhara a guerra e perdera as eleições, faz um discurso no Westminster College em Fulton. O velho político, Winston Churchill, partiu uma loiça que ninguém queria então partir. Depois de ter elogiado o “valente povo russo” e afirmado a sua “admiração” pelo “seu camarada da guerra Marechal Staline”, afirmou que iria falar por dever ("It is my duty, however, to place before you certain facts about the present position in Europe.”). Que factos eram esses? Que

de Stettin no Báltico a Trieste no Adriático uma cortina de ferro desceu sobre o continente”.

Atrás dela tinha ficado Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sofia.

As reacções ao discurso foram frias. Churchill voltava a ser visto, à semelhança de 1939, como um belicista incorrigível.

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John Henry Twachtman, Arques-la-Bataille

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4.3.04


EARLY MORNING BLOGS 152

Apressados, mas dedicados.

École de guerre

Que la vie est ennuyeuse
à cinq heures et demie
de ce petit matin en berne

Les dianes contagieuses
se propagent dans les casernes
comme une douce épidémie

Dieu que ce coq de cuivre est triste
l'ange cycliste
sort de la crèche
pour envoyer mille dépêches

La pauvre Diane s'enroue
dans cette énorme bâtiment
Réveillez-vous frileusement
voyageurs de la Grande Roue


(Jean Cocteau)

*

Bom dia!

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AVIÃO "EUSÉBIO" E AVIÃO "VIANA DA MOTTA"

Recebi muita correspondência sobre a troca dos nomes dos aviões, incluindo esclarecimentos da TAP sobre um novo avião, um A310 que voará nas linhas fora da Europa, que receberá o nome de "Viana da Motta". Estou a organizar esse grupo de correspondência, para o publicar.

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3.3.04


PEREGRINAÇÃO

Agora que começo de novo o que nunca acabo:

The Passionate Man's Pilgrimage

Give me my scallop-shell of quiet,
My staff of faith to walk upon,
My scrip of joy, immortal diet,
My bottle of salvation,
My gown of glory, hope's true gage,
And thus I'll make my pilgrimage.


(Walter Raleigh)

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CULTURA DA DESCULPA

O pior no episódio Ferreira Torres, repetindo o que se passou com uma agressão de João Pinto, com a destruição do balneário em França, e com mil e um incidentes deste género, nem é o que se passa nos campos, exemplos menores, amplificados por terem sido filmados, de uma violência habitual. São as desculpas, é a nuvem de desculpas vindas sempre da mesma gente, políticos, dirigentes desportivos e populares, que são socialmente mais perniciosas do que os actos. A justificação da violência dessas desculpas comunica com a aceitação de outras violências: a violência contra as mulheres, a violência racista, a violência familiar. Elas são parte do mesmo pacote de atitudes sociais.

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POEIRA

Hoje, há trezentos e quarenta e três anos, .Samuel Pepys depois de jantar resolveu ir ao teatro. Em Londres funcionavam vários, pelo que ele tinha escolha. Eram pouco mais que pardieiros, sujos, mal iluminados, e nalguns casos, era difícil sequer ver o que se passava no palco. O primeiro a que foi tinha pouca gente, e desistiu suspeitando que a peça não seria muito boa. O segundo, Salsbury Court, estava cheio. Representava-se “The Queen’s Maske”, uma comédia (?) sobre a guerra de Tróia. Pepys anotou no diário "a good jeer to the old story of the Siege of Troy, making it to be a common country tale." Mas o que verdadeiramente o espantou foi um rapazinho que fazia de Cupido e que era "muito novo". Quanto, não sabemos.

"Then home and to bed." Prazeres simples? Também não sabemos.

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2.3.04


BOA VIAGEM


Rosetta, para o teu cometa frio.

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POEIRA

Hoje, há sessenta e quatro anos, Hermione, Condessa de Ranfurly, uma típica aristocrata aventureira, estava na Palestina. A Condessa era uma recém-casada quando a guerra rebentou. Quando soube do início da guerra, estava a Condessa com o marido, Dan, e o mordomo-criado-cozinheiro Whitaker, e travaram este diálogo absolutamente inglês:

Whitaker - 'To the war my Lord?'

Dan - 'Yes'.

Whitaker - 'Very good, my Lord.”

Como se Dan tivesse pedido um café”, comentou a Condessa no seu diário.

Hermione seguiu o seu marido para a Palestina, o que não era muito comum para as mulheres de oficiais, e só se conseguia forçando as autoridades militares. A Condessa fez tudo para lá chegar, e hoje chegou. De repente, quando menos esperava, vê o marido e não poupa as palavras:

“Tall, bronzed by the Sun, wearing Khaki shorts and tunic, marvellously good-looking… I stood and watched him, spellbound”.

Imaginem o resto.

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CAMINANTE VIEJO / QUE NO CORTAS LAS FLORES DEL CAMINO


Hans Thoma

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EARLY MORNING BLOGS 151

Me dijo un alba de la primavera:
Yo florecí en tu corazón sombrío
ha muchos años, caminante viejo
que no cortas las flores del camino.

Tu corazón de sombra, ¿acaso guarda
el viejo aroma de mis viejos lirios?
¿Perfuman aún mis rosas la alba frente
del hada de tu sueño adamantino?

Respondí a la mañana:
Sólo tienen cristal los sueños míos.
Yo no conozco el hada de mis sueños;
ni sé si está mi corazón florido.

Pero si aguardas la mañana pura
que ha de romper el vaso cristalino,
quizás el hada te dará tus rosas,
mi corazón tus lirios.


(Antonio Machado)

*

Bom dia!

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ESTÁ TUDO DOIDO?

Não sabia, vim agora a saber por uma referência de Medeiros Ferreira, que o avião da TAP que tinha o nome de “Viana da Motta” foi rebaptizado “Eusébio”. Já não há vergonha nenhuma, ou está tudo doido? Eu bem sei que neste país de trituradora já ninguém sabe quem foi Viana da Motta, um dos últimos alunos de Liszt, grande pianista e razoável compositor, que marcou como “mestre” na sua arte toda uma geração de músicos portugueses. Como muitos grandes pianistas anteriores às técnicas modernas de gravação, a qualidade da sua execução só existe na memória dos testemunhos e relatos da época, mas o homem existiu, não existiu? A Luísa Todi também existiu, não existiu?
Pobre país que não se respeita a si próprio.

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VER A NOITE

Está uma noite muito fria, e o frio tem uma transparência essencial. A Lua já manda em tudo, com um brilho de néon. Contei cerca de 100 estrelas visíveis em três quartos de horizonte. Muito pouco. Alguns planetas muito brilhantes. Mas talvez o catálogo das constelações tenha sido feito num céu destes e não no esplendor dos milhares de luzes, porque as constelações estão reduzidas ao essencial, à sua forma, à sua simplicidade. Escorpião, Orionte, a Ursa Maior, rodam pouco a pouco na sua ficção de movimento. Por onde começo? Por onde acabo?

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1.3.04



Carl Spitzweg

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POEIRA

Muita poeira, muito gesto perdido, muita palavra completamente gasta, muita insensata convicção adâmica.

Tolstoy, por exemplo, hoje, há cento e cinquenta e três anos, escreveu no seu diário:

“Regra. Em circunstâncias difíceis, actuar sempre com base nas primeiras impressões.”

Nunca actuou. Era ingénuo e calculista, uma mistura complicada.

Melhor fez, hoje, há setenta e nove anos, em Paris, Anaïs Nin. Anaïs passeava com Hugh Guiller no Bois. Começou a chover. Mães, criancinhas, criadas, amas, namorados, tudo fugiu. Hugh disse-lhe: “I’m Scottish, I love to walk in the rain”. Anaïs disse: “Também eu.” Continuou a chover e parou de chover, caiu uma neblina. Alugaram um barco e foram ao pequeno restaurante da ilha, que está no meio do lago. Pediram chocolate e bolos. “Before us stretched brilliant wet grass and mist-enveloped trees, from which come the cooing and twittering of birds.” Choveu outra vez, a água do lago ficou negra, atravessada apenas pela brancura dos cisnes. “We dreamed together”.

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CADERNOS DE CAMUS

Em actualização.

ESTUDOS SOBRE COMUNISMO

A actualizar em breve.

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AS LEIS QUE NÃO SÃO PARA TODOS

Porque é que um arruaceiro e um hooligan que faz as coisas que Ferreira Torres, presidente da CM do Marco e membro do Senado do PP (o órgão apresentado com pompa no último Congresso, para as autoridades “morais” do partido), fez diante de toda a gente, incluindo agressões físicas a pessoas, tentativa de destruição de bens, etc., em público, resistindo à autoridade, não foi imediatamente preso pelos guardas que o agarraram? Aqui está uma pergunta a fazer ao MAI. É um bom teste sobre a bondade da atitude dura do Governo face à violência no desporto.

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A HISTÓRIA CENSURADA DA TSF

Foi ainda com alguma surpresa – a gente mantém um resto de ingenuidade que se recusa a ir embora - que pude ver no disco comemorativo dos 16 anos da TSF, ontem distribuído pelo Diário de Notícias, que o Flashback, desaparecera do mapa. Há uma faixa 13 com o título “TSF: Cadeia Nacional, Flashback, Exame, Grande Júri, Fórum”, cujo título é enganador. A não ser que o meu disco esteja estragado, do Flashback há um excerto da introdução sonora sem uma palavra sequer acerca do que se trata, contrastando como o spot seguinte sobre Marcelo. A sistemática omissão da história da TSF de tudo o que de significativo diga respeito a Carlos Andrade é também reveladora duma infinita pequenez.

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EARLY MORNING BLOGS 150

Quando o mundo era simples, falava-se assim, pela manhã :


Al alba venid, buen amigo,
al alba venid.

Amigo el que yo más quería,
venid al alba del día.

Amigo el que yo más amaba,
venid a la luz del alba.

Venid a la luz del día,
non traigáis compañía.

Venid a la luz del alba,
non traigáis gran compaña.


*

Bom dia!

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29.2.04


NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE: NOSTALGIA E HEIMATLOS

Hoje, a Carla Hilário Quevedo fala da etimologia da palavra “nostalgia”:

Nostalgía não é uma palavra antiga, mas "nóstos" e "álgos" são. "Nóstos" significa o regresso a casa ou a viagem e trata-se de um vocábulo que apareceu na Odisseia de Homero, pois onde havia de ser? "Álgos", significa dor de alma, desgosto e terá sido Sófocles quem primeiro escreveu a palavra (o que também me parece credível). "Algía" é o plural do neutro "álgos". A nostalgia será a dor pelo regresso a casa. Há quem lhe chame a saudade de casa. É isso, mas mais forte, mais profundo e não só.

Há uma outra palavra alemã, de alguma maneira intraduzível, que exprime um sentimento próximo: heimatlos. Nostalgia e heimatlos não são a mesma coisa , mas são dois sentimentos antigos a merecerem ser analisados nas notas sobre as sensibilidades.

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Nicolas de Staël, Paysage de Provence

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POEIRA

Hoje, neste dia para acertar o calendário com a máquina do Universo, há oitenta e quatro anos, Katherine Mansfield, escrevia no seu diário uma premonição da morte:

Oh, I failed today; I turned back, looked over my shoulder, and immediately it happened, I felt as though I too were struck down. The day turned cold and dark on the instant. It seemed to belong to summer twilight in London, to the clang of the gates as they close the garden, to the deep light painting the high houses, to the smell of leaves and dust, to the lamp-light, to that stirring of the senses, to the langour of twilight, the breath of it on one's cheek, to all those things which (I feel to-day) are gone from me for ever . . . I feel today that I shall die soon and suddenly: but not of my lungs.”

Morreu três anos depois, com 35 anos, mesmo de tuberculose.

Hoje, também num ano destes com um dia a mais, há trinta e dois anos, Paul Morand colecciona as “petites naivetés”, as incongruências de Proust. Numa altura no Swann, disse que o corpo de Odette era perfeito, mais à frente fala da sua “imperfeição”, etc., etc. Se Morand fizesse o mesmo exercício com a nossa Agustina ocupava metade do diário.

Depois anota que os ingleses pontuam a sua conversação com “See what I mean? Get me? Do you understand?” “como se se dirigissem a imbecis". See what I mean?

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NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE: A “VANESSA”

da Ana Sá Lopes, no Público, é um muito interessante e conseguido exemplo do tumulto superficial que passa hoje por ser o protótipo das relações afectivas modernas. Milhares de “Vanessas” animam-se com o debate para pensarem que estão vivas. Só dão por ela do seu estado quando envelhecem, porque as "Vanessas" envelhecem mal. Já se nota.

Para o mesmo retrato de comportamentos, a "Sofia" e o "Sebastião" do sex in lisbon são também protótipos interessantes.

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NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE: ALDOUS HUXLEY

Para o debate sobre as formas de sensibilidade, MCP envia uma citação de Aldous Huxley, de Sobre a Democracia e Outros Estudos. A citação é interessante para se perceber como os que vencem acham sempre que perdem. Exactamente quando o sentimentalismo se torna o padrão dominante, empurrado pela sensibilidade romântica, Huxley fala do “exílio dos sentimentos”… pelo capital, pelo negócio.

"Já mencionei os nossos êxitos modernos em coordenar as tendências naturais no sentido da violência. A organização dos desportos como substituto de encontros mais sangrentos, a consagração social do êxito desportivo e a sujeição dos jogos à moralidade são feitos notáveis. Em comparação o nosso fracasso em tratar adequadamente do sexo ou das emoções, parece-nos ainda mais extraordinário. Nem o sexo nem as emoções conduzem ao êxito profissional. Na verdade, elas militam muitas vezes contra ele. O nosso método de tratar o sexo é ainda o método tradicional católico. Mas houve razões transcendentes para a instituição católica do matrimónio e do celibato. Nós não temos tais razões. O melhor que podemos dizer é que a moderação em assuntos sexuais é desejável porque qualquer intemperança no sentido do amor ou da luxúria interfere com a nossa capacidade para o negócio, qualquer infracção ao código comummente aceite é um estorvo na corrida para o êxito. É o mesmo com as emoções. Há muito pouca utilidade profissional para o sentimento. Daí a revivescência dessa estranha ideia dos estóicos, de que o sentimento é de algum modo intrinsecamente efeminado, que é uma função inferior da mente, que deve ser, em todas as circunstâncias suprimido. Do séc. XVIII em diante, apenas com uns breves intervalos, o puramente razoável tem sido o homem ideal. Os sentimentos foram exilados para uma escuridão exterior"


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São Cabrita

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“FORÇA GUTERRES!”

Ao colocar Sousa Franco como cabeça de lista nas europeias, o PS inicia uma operação de reabilitação política do governo Guterres (com implicações ou não para as presidenciais). Sousa Franco é um dos principais responsáveis pelo descalabro das finanças públicas, talvez o factor singular mais importante na derrota do PS nas eleições legislativas. Esta reabilitação causará problemas ao PS, porque trará ainda mais confusão para a (já confusa) posição do PS sobre o défice, que nunca ninguém assumiu como virtuoso. Sousa Franco fará isso contra os “mineiros” e “cavadores”, que sabem muito bem porque razão o PS perdeu as eleições e quererão esquecer esse governo o mais depressa possível.

O resto é também previsível: escolhendo Sousa Franco, o PS só vai discutir política interna, usando como pretexto europeu a “Cimeira de Lisboa”. Também, a seu modo, fará o seu “Força Portugal!”. O que ninguém quer mesmo discutir é a situação da UE e o papel de Portugal na Europa, a Constituição Europeia e as suas opções, o directório a fazer-se e o sistema de alianças nacional. O consenso europeu torna tabu estas discussões.

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“FORÇA PORTUGAL!”

É uma frase mais que desapropriada para uma campanha europeia. Vejam só como ela soa se viesse de outro país: gostam de “Força Alemanha!” , ou “Força França!”, ou “Força Espanha!”? Parece grito de claque de futebol, ainda por cima nacionalista, e pouco europeu. É aqui que se vê a mão do PP.

Tomada a sério, não significa nada. Tomada à letra, significa várias coisas perigosas e enganadoras. O programa europeu unificador de PSD, PS e PP (pelas razões de oportunidade conhecidas) é o da Constituição Europeia: maior integração política, cedências de soberania, mais Europa, menos Estados-nações. Onde é que está o “Força Portugal!”? O que é que significa? O contrário do que parece.


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TRADUÇÕES

Alguns leitores do Abrupto queixam-se dos poemas em inglês e pedem traduções. À medida do possível, haverá traduções em português. Segue esta, cortesia de Vasco Graça Moura, do poema de Larkin Talking in Bed dos “Early Morning Blogs 139”:

Falar Na Cama

Falar na cama devia ser de resto,
o mais fácil, deitados remonta tão atrás,
como emblema de um par a ser honesto.

Mas passa mudo o tempo em seus vagares.
Lá fora, o vento, não de todo lesto,
Faz e dispersa nuvens pelos ares.

Ao longe, em seu negrume há as cidades. Não,
nada cuida de nós. Nada a mostrar
porque é que a tal distância do isolamento são

ainda mais difíceis de encontrar
palavras doces e verdadeiras prestes,
ou não inverdadeiras nem agrestes.


(Philip Larkin)

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CHOISIRAI-JE LE NORD / OU LE PAYS DES VIGNES?


Max Slevogt

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EARLY MORNING BLOGS 149

Há poemas que seduzem o viajante, mesmo que não sejam sobre viagens. “Et si je redeviens / Le voyageur ancien”, para onde irei? Partirei de novo, isso é certo. Parto sempre por fidelidade à viagem. Talvez um dia nalguma “vieille Ville”, chegue.

Le Pauvre Songe

Peut-être un Soir m'attend
Où je boirai tranquille
En quelque vieille Ville,
Et mourrai plus content :
Puisque je suis patient !

Si mon mal se résigne,
Si j'ai jamais quelque or,
Choisirai-je le Nord
Ou le pays des Vignes ?...
- Ah, songer est indigne

Puisque c'est pure perte !
Et si je redeviens
Le voyageur ancien,
Jamais l'auberge verte
Ne peut bien m'être ouverte.


(Rimbaud)

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© José Pacheco Pereira
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