ABRUPTO

1.3.04


POEIRA

Muita poeira, muito gesto perdido, muita palavra completamente gasta, muita insensata convicção adâmica.

Tolstoy, por exemplo, hoje, há cento e cinquenta e três anos, escreveu no seu diário:

“Regra. Em circunstâncias difíceis, actuar sempre com base nas primeiras impressões.”

Nunca actuou. Era ingénuo e calculista, uma mistura complicada.

Melhor fez, hoje, há setenta e nove anos, em Paris, Anaïs Nin. Anaïs passeava com Hugh Guiller no Bois. Começou a chover. Mães, criancinhas, criadas, amas, namorados, tudo fugiu. Hugh disse-lhe: “I’m Scottish, I love to walk in the rain”. Anaïs disse: “Também eu.” Continuou a chover e parou de chover, caiu uma neblina. Alugaram um barco e foram ao pequeno restaurante da ilha, que está no meio do lago. Pediram chocolate e bolos. “Before us stretched brilliant wet grass and mist-enveloped trees, from which come the cooing and twittering of birds.” Choveu outra vez, a água do lago ficou negra, atravessada apenas pela brancura dos cisnes. “We dreamed together”.

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]