ABRUPTO

13.12.03


COMO MUITAS VEZES ACONTECE

voltamos aos textos que ouvimos e lemos e reparamos em coisas novas, ou num novo brilho das palavras, ou num novo saber, ou apenas num esplendor renovado da mesma beleza. Desta vez, foi uma pergunta que se tornou insistente, exigente.

Estava a ler o texto do Requiem Alemão de Brahms, mas o texto bíblico soa sempre diferente noutra língua:

Jacobi 5,7

So seid geduldig. / Assim, então, tende paciência.
Denn alles Fleisch ist wie Gras / Pois toda carne é como a erva
und alle Herrlichkeit des Menschen / e toda a glória do homem
wie des Grases Blumen. / é como as flores do campo.
Das Gras ist verdorret / A erva seca
und die Blume abgefallen. / e a flor murcha.

Petri 1,25

Aber des Herrn Wort bleibt in Ewigkeit. / Mas a palavra do Senhor perdura eternamente.

É apenas um frgamento, nem sequer dos mais importantes e dramáticos do texto, e o que me interessou foi a frase “toda carne é como a erva”. A pergunta que me fiz , nem sequer muito presa ao sentido do texto, foi: quantos nazis, quantos torcionários, ouviram este Requiem com emoção, sentiram estas palavras, marteladas na nossa memória cristã desde a infância? Com genuína emoção? Certamente muitos.

Há qualquer coisa de errado na feitura dos humanos. Um bug, uma linha solta do programa, mesmo no sítio mais crucial, não no logos, mas no ethos.

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EARLY MORNING BLOGS 96

A caminho do centenário. Pela manhã “should I not pause in the light to remember God? “, perguntava Aiken? Não sei. Fica com todos esta “morning song” difícil de definir, um retrato de uma porta que se abre “on the winds of space for I know not where” todos os dias. Passamos para qualquer lado? Não sei, também.


Morning Song Of Senlin

It is morning, Senlin says, and in the morning
When the light drips through the shutters like the dew,
I arise, I face the sunrise,
And do the things my fathers learned to do.
Stars in the purple dusk above the rooftops
Pale in a saffron mist and seem to die,
And I myself on a swiftly tilting planet
Stand before a glass and tie my tie.

Vine leaves tap my window,
Dew-drops sing to the garden stones,
The robin chips in the chinaberry tree
Repeating three clear tones.

It is morning. I stand by the mirror
And tie my tie once more.
While waves far off in a pale rose twilight
Crash on a white sand shore.
I stand by a mirror and comb my hair:
How small and white my face!--
The green earth tilts through a sphere of air
And bathes in a flame of space.
There are houses hanging above the stars
And stars hung under a sea. . .
And a sun far off in a shell of silence
Dapples my walls for me. . .

It is morning, Senlin says, and in the morning
Should I not pause in the light to remember God?
Upright and firm I stand on a star unstable,
He is immense and lonely as a cloud.
I will dedicate this moment before my mirror
To him alone, and for him I will comb my hair.
Accept these humble offerings, cloud of silence!
I will think of you as I descend the stair.

Vine leaves tap my window,
The snail-track shines on the stones,
Dew-drops flash from the chinaberry tree
Repeating two clear tones.

It is morning, I awake from a bed of silence,
Shining I rise from the starless waters of sleep.
The walls are about me still as in the evening,
I am the same, and the same name still I keep.
The earth revolves with me, yet makes no motion,
The stars pale silently in a coral sky.
In a whistling void I stand before my mirror,
Unconcerned, I tie my tie.

There are horses neighing on far-off hills
Tossing their long white manes,
And mountains flash in the rose-white dusk,
Their shoulders black with rains. . .

It is morning. I stand by the mirror
And surprise my soul once more;
The blue air rushes above my ceiling,
There are suns beneath my floor. . .

. . . It is morning, Senlin says, I ascend from darkness
And depart on the winds of space for I know not where,
My watch is wound, a key is in my pocket,
And the sky is darkened as I descend the stair.
There are shadows across the windows, clouds in heaven,
And a god among the stars; and I will go
Thinking of him as I might think of daybreak
And humming a tune I know. . .

Vine-leaves tap at the window,
Dew-drops sing to the garden stones,
The robin chirps in the chinaberry tree
Repeating three clear tones.


Conrad Aiken (Senlin: A Biography)

*

Bom dia!

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12.12.03


DESACORDOS – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

“O GOVERNO TEM QUE EXPLICAR MELHOR AS SUAS POLÍTICAS”

"Não é costume, mas estou em desacordo absoluto.

Um governo que explique o que faz pode ter a adesão de mais gente que compreende o problema. Isto pode levar a que a agitação social seja menor e que, por isso, o tempo e energia gastos com o assunto sejam aproveitados noutras coisas mais úteis.
(e também nos poupava aos constantes sobressaltos mediáticos, o que já não é pouca coisa).

Por outro lado, se as políticas se explicam a si próprias, como compreender que o PS tenha governado como governou? Governou bem? Se António Guterres não se tivesse ido embora, o PS teria governado, pelo menos, oito anos. Ao fim de quanto tempo se impõem as políticas?
(positivas ou negativas, tanto faz).

Não haverá aqui o risco de a demagogia prevalecer, para que se possam ganhar eleições? Não é a isso que se chama "navegar à vista"? seguir políticas de curto prazo, ainda que erradas, para obter a satisfação imediata do povo e a manutenção do poder?

E se as pessoas não acreditarem nos governantes por não entenderem as politicas? Votam noutro, claro. Mas isso nem sempre quer dizer que as politicas estivessem erradas.
Vale a pena? Para no fim poder dizer:" Se queres, toma! se não vou-me embora". Será isto o "interesse nacional"?
Ou será antes interpretado como a história do passarinho e da gaiola de Mário Soares?
A quem aproveita?

E como é que se ganha a confiança enquanto as políticas impopulares não dão os resultados pretendidos? Com agitação social?

A explicação não deve substituir a confiança, mas sim ajudar a criar a confiança (sem demagogias...)."

(JA Lencastre)


MASOQUISMO ACTIVO

"Ciclo de debates organizados pelo PÚBLICO"

1- Ao contrário do que escreveu, a resposta à pergunta do primeiro debate não foi "ninguém". Bem pelo contrário. Bastava conhecer o trabalho desenvolvido por um dos participantes (Sobrinho Simões) e percebia logo que nunca poderia tirar essa conclusão.

2- Quanto a perguntas que já contêm em si as respostas, cito duas do seu artigo de hoje no "PÚBLICO": "Tem sentido suscitar a questão presidencial nos dias de hoje?"; "Tem sentido dramatizar a relação com o Presidente da República?".

3- É evidente que não há perguntas inocentes. As do ciclo de debates com a Católica também não são. Como elemento da "redacção do Porto", digo-lhe que essas interrogações são aquelas que são colocadas por qualquer cidadão do Porto minimamente interessado pela qualidade de vida do sítio onde trabalha e/ou reside. Basta ver os resultados do estudo encomendado pela própria Câmara do Porto, hoje divulgado na imprensa, para perceber que "os xiitas" não estão só radicados na redacção de um jornal.

4- Não sei onde quer chegar com a frase "quase que apostaria, dobrado contra singelo, que foi a redacção do Porto que escolheu as perguntas", mas posso-lhe garantir que a formulação das perguntas é tanto da responsabilidade dos "xiitas" como da dos "católicos".



(Raposo Antunes)

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BLOGOSFERA PORTUGUESA NO TECHNORATI



Há, neste momento, três blogues portugueses na lista do Top 100 da Technorati: o Abrupto em 69, o Gato Fedorento em 75 e O Meu Pipi em 100. É um acontecimento muito significativo , se se tiver em conta que são acompanhados 1.359.000 blogues e as limitações do espaço da Internet em língua portuguesa. Penso que não tem precedentes para nenhum endereço português.

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11.12.03


EARLY MORNING BLOGS 95

Saio da noite com Thoreau, quase para o dia. De facto, a luz da noite

is more proportionate to our knowledge than that of day. It is no more dusky in ordinary nights than our mind's habitual atmosphere, and the moonlight is as bright as our most illuminated moments are.

Com olhos de mocho, caminho de novo.

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VER A NOITE

Lá fora está uma “harvest moon”, ainda mais brilhante através do frio. Como as árvores perderam a folha, mais luz chega ao chão intacta. Apenas o pó da humidade impede que tudo fique branco.

O melhor texto que conheço sobre noites como esta foi escrito por Henry David Thoreau, chama-se “Night and Moonlight” e foi publicado em The Atlantic Monthly Magazine, em Novembro de 1863. É assim a lua :

Great restorer of antiquity, great enchanter! In a mild night, when the harvest or hunter's moon shines unobstructedly, the houses in our village, whatever architect they may have had by day, acknowledge only a master. The village street is then as wild as the forest. New and old things are confounded. I know not whether I am sitting on the ruins of a wall, or on the material which is to compose a new one. “

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10.12.03


MAIS OPINIÕES SOBRE O VÉU ISLÂMICO (Segunda série) – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES



Um testemunho muito interessante em Blog-sem-nome.

Há evidentemente vários ângulos sob os quais se pode observar esta questão, mas, no essencial, não se tratará de um exemplo flagrante daquela velha tensão entre a Liberdade e a Igualdade?
Do lado dos defensores da Igualdade - geralmente de Esquerda - é maior a tendência para a proibição; existem razões válidas para se discutir isso, mas o que me recordam em primeiro lugar é uma famosa frase de Rousseau, segundo a qual, o Homem deve ser libertado, ainda que seja contra a sua vontade.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: parece-me evidente haver situações nas quais deva ser suprimido o uso do véu, ou, pelo menos, haja a necessidade de poder identificar visualmente um cidadão; de resto, porque não poderão as pessoas andar vestidas como bem lhes apeteça? O facto de o Estado ser laico, não implica, como às vezes se confunde, que deva ser ateu (uma outra forma de religião), e que imponha esse ateísmo a todos. A minha liberdade e os meus direitos, não são minimamente beliscados pelo facto de uma mulher muçulmana usar burka. Se o faz contra a sua vontade, aí aplica-se a lei geral do país, mas convém, pelo menos, perguntar. Não vale a pena tentar reparar o que não está estragado...


(Ricardo Peres)

“Sempre que se abordam assuntos deste tipo fico sempre com a ideia de que se enunciam princípios teóricos muito meridianos, muito politicamente correctos, mas nunca se tiram as consequências práticas desses princípios. Se há igualdade religiosa num país europeu como Portugal como é que se justifica a existência de feriados religiosos cristãos? Seguindo os mesmos meridianos princípios não devíamos abolir os feriados religiosos cristãos em Portugal? Ou então não deveriam ser celebrados os feriados muçulmanos, hindus, judaicos,...? Pode dizer-se é pela tradição, também era tradição muito coisa que hoje é considerada ilegal!

Há cerca de um mês em Itália, um muçulmano pôs uma escola pública em tribunal (num estado que defende a separação da Igreja do Estado e que considera a igualdade das religiões), pois mantinha um crucifixo na sala de aulas do filho. Perante a letra da lei, perante o espírito da lei, o juiz tomou a única decisão razoável, mandou retirar o crucifixo... penso que o juiz foi suspenso, houve grande agitação das consciências, não sei se houve recurso, se o crucifixo ainda lá está ou não...

Perante os princípios teóricos muito meridianos e muito politicamente correctos, sorrio ao pensar qual seria a posição se os governos decidissem acabar com os feriados religiosos cristãos na Europa, eu pessoalmente sou religioso e sou cristão (e sou contra os feriados religiosos), as minhas crenças são minhas e só minhas, são um assunto privado e ponto final, e se lhes dou algum valor, mesmo sem feriados, terei de arranjar tempo na minha agenda para, por exemplo, celebrar o Corpo de Deus. Não sou mulher, mas penso poder ser defensável um ponto de vista em que o véu possa passar a ser usado como símbolo de resistência contra a diferença de tratamento.

É verdade que a vida não é preto e branco, e que há muitas cambiantes de cinza, mas gostava que todos (cidadãos e governos) assumissem sem subterfúgios as consequências das ideias que defendem, a atmosfera seria mais saudável e quem profere sentenças (como esta) teria de equacionar todas as relações de causa efeito.”


(Carlos Pereira da Cruz)

O véu ou a burka é a metáfora da invisibilidade da mulher nos regimes islâmicos. Proibir o seu uso nos regimes democráticos ocidentais terá efeitos nulos pois a Lei para um muçulmano é o Corão e não qualquer conjunto de leis que regulamentam as nossas sociedades ocidentais.
A premissa da qual partem os nossos legisladores é a de que a lei tem carácter universal, ou seja, é aplicável a todos os cidadãos de um determinado Estado. Este "contracto" entre os Estado legislador o os seus cidadãos é uma das bases dos regimes democráticos tais como os entendemos actualmente. Para um muçulmano (quer viva ou não na Europa) este "contracto" não tem validade,é sem efeito.
Para ele, esta discussão nem sequer faz sentido pois à mulher (seja ela muçulmana ou não) é vedado qualquer acesso à cidadania. Neste debate, a mulher muçulmana permanece invisível. É , por isso mesmo, um debate impossível.


(João Costa)

Relativamente ao seu texto sobre o véu islâmico, parece-me que deviamos ter presente que o véu pode ser:
- um símbolo político de uma certa interpretação do islão;
- um símbolo cultural e/ou religioso.

Por outro lado não devemos confundir o véu com a burka; o primeiro pode ser um elemento de vestuário feminino de acrescida beleza; a última é claramente símbolo de uma sociedade quase medieval.

Quanto à utilização do véu como símbolo político, é perfeitamente natural que este nos cause apreensão. São vários os grupos (sociais, politicos e
religiosos) de natureza intolerante que se têm desenvolvido no Ocidente à sombra da nossa tolerância. Muito facilmente esses grupos passam da intolerância à violência.

A grande dificuldade é distinguir claramente que tipo de utilização se faz do véu. Convinha evitar juízos precipitados e generalizações.

Um homem que use kippa poderá ser acusado de ser um judeu radical? Um homem com pele escura e turbante colorido será necessáriamente um militante sikh fanático?

Parece-me que estamos perante uma encruzilhada...”


(Marco António Oliveira)

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“O GOVERNO TEM QUE EXPLICAR MELHOR AS SUAS POLÍTICAS”

sempre me pareceu um falso problema. O governo tem é que governar melhor, não “explicar melhor”. As boas políticas explicam-se a si próprias e as políticas impopulares tem sucesso quando os seus autores têm credibilidade. As pessoas torcem o nariz, protestam, mas, ou acreditam nos governantes ou não. Não há marketing que, a prazo, transforme uma má política numa boa, nem “explicação” que substitua a confiança.

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ZEFIRO TORNA



"Zefiro torna, e di soavi odori
l'aer fa grato, e'l pie discioglie a l'onde,
e mormorando tra le verdi fronde,
fa danzar al bel suon su'l prato i fiori."

Fica só o início do soneto de Ottavio Rinuccini , mas há música de Claudio Monteverdi para as palavras.

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MASOQUISMO ACTIVO

O ciclo de debates organizados pelo Público intitulado "Conversas Cruzadas sobre o Porto" (em que participei), assenta numa série de fabulosas perguntas. Todas são exemplares pelo facto de, sem excepção, já conterem em si a resposta e não serem por isso verdadeiras perguntas. Eis a série autopunitiva e gloriosamente masoquista:

"A quem serve a ciência que se faz no Porto?"

"Que influência política tem hoje o Porto no contexto nacional?"

"Cultura: há vida para além de Serralves?"

"Porto, capital do trabalho ou de coisa nenhuma?"

"Economia: o Porto perdeu velocidade ou parou no tempo?"


As respostas dentro das perguntas são respectivamente: a ninguém, nenhuma, não há, de coisa nenhuma, perdeu velocidade e parou no tempo. Os autores parecem os xiitas auto-flagelando-se ao ritmo das perguntas. Quase que apostaria, dobrado contra singelo, que foi a redacção do Porto que escolheu as perguntas.

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ESPERANÇA, DESESPERANÇA, SEM ESPERANÇA – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS ELEITORES

Mas a verdadeira coragem está no 'sem esperança', ser capaz de não ter esperança, de viver sem esperança, aí sim é difícil. Os clássicos achavam que era assim que se vivia mais feliz. O que é que eles sabiam, que nós não queremos aprender?" (JPP)

Talvez a diferença esteja no Cristianismo. E nesse caso a questão não está no que os clássicos sabiam, mas no que nós sabemos (e estamos a desaprender)."


(José Luiz Ferreira)

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MAIS OPINIÕES SOBRE O VÉU ISLÂMICO – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES




"Eu diria mais, é um sinal de resistência de comunidades islâmicas à nossa ideia civilizacional e aos valores que a sustentam. É também um problema da condição da mulher no Islão. "

Não concordo com o ponto de vista desta leitora. E se concordasse também diria que os hábitos judeus de uma certa forma de vestir e a utilização de certos adornos seriam uma imposição daquela comunidade às restantes. Nos EUA e em outros paises, onde certas comunidades judias se regem por valores mais conservadores e tradicionais, não há leis jacobinas que impoem aos judeus vestirem-se à ocidental. Como disse em anteriror mail, não acho que tenhamos o direito de dizer a terceiros o que é certo ou errado. De facto, muitas mulheres islâmicas querem seguir alguns desses costumes culturais ou religiosos e não somos nós que devemos interferir na sua liberdade como eles/elas não têm direito de o fazer na nossa. No entanto, não quero eu dizer com isto que não concorde com a "igualdade e pluralismo" para ambos os sexos mas compete-nos a nós fazer isso em outros países? Porque não olhamos para a nossa realidade onde a religião dominante preserva o papel da mulher como secundário?"


(Nuno Figueiredo)


Gostaria de fazer alguns reparos 'a discussão sobre o véu islâmico na Alemanha, pais onde vivo há cerca de 8 anos. A discussão alema, embora por vezes use argumentos semelhantes aos da discussão francesa, e' na raiz algo diferente. E' que embora os alemães nÃo sejam profundamente religiosos, ha' na Alemanha, sobretudo no ocidente, uma consciência de identidade crista que contrasta com o laicismo (ideológico) francês. A separação entre estado e religião nao anda aqui na ponta das línguas. O argumento mais usado diz respeito ao facto de o véu ser um símbolo de repressão sobre a mulher no Islão. O argumento mais calado e' uma certa antipatia pela comunidade de dois milhões e meio de turcos, muitos dos quais nÃo se integraram no grau que seria desejável.

Ao contrario do que afirma a leitora Ana Aguiar, o véu e' proibido nalguns lugares de trabalho, por exemplo em certos armazéns que consideram que uma vendedora de veu afasta os clientes. No entanto o caso mais mediático, que se arrastou pelos tribunais nos últimos anos, e' o de uma professora de origem iraniana no estado de Baden-Wuerttemberg que faz questão de dar aulas de véu, tendo a oposição dos pais dos alunos, da escola e do dito estado. Curiosamente, existem algumas dezenas de professoras na Renânia do Norte-Vestefalia que usam o véu, sem que tal tenha sido posto em causa.

Num programa televisivo de humor alguém observou que "agora as únicas mulheres de véu que podem entrar naquela escola são as empregadas da limpeza". Eu nunca proibiria o véu. Uma muçulmana com um curso superior e a exercer um emprego e' na minha opinião emancipada o suficiente para não precisar de ser defendida pelo estado de símbolos de repressão. (Note-se que na Alemanha mais de 50% das mulheres são donas de casa, em Portugal menos de 30%.) Tenho notado que muitas muçulmanas com estudos superiores usam o véu como símbolo cultural ou forma de protesto, da mesma forma que muitos "verdes" usam cachecóis coloridos, cabelos desgrenhados e so' comem vegetais. Ou seja, de símbolo de repressão social o véu parece ter passado a símbolo contra a repressão social.

O argumento de que símbolos religiosos devem ficar fora da sala de aula e' algo que também não posso aceitar pela minha condição de católico. Sou a favor de uma freira poder dar aulas de véu e de cruz ao pescoço, como acontece em muitas escolas em Portugal. Também não tenho medo de que uma professora muçulmana converta a minha filha ao Islão pelo simples facto de usar o véu, nem acredito que tal fenómeno aconteça regularmente.

Sou da opinião de que nenhum estado tem o direito de perguntar porque e' que uma professora usa um pano na cabeça. Seja por opção religiosa, como símbolo cultural, porque acha que lhe fica bem, porque tem o cabelo ralo ou faz quimioterapia, o estado não tem nada a ver com isso. O que interessa e' saber se e' boa professora ou não."


(Filipe Paccetti Correia)

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IMAGENS

dos últimos dias, incluem um cachimbo, em “Pipe er Formes Academiques” de Marcel Broodthaers, de 1969-70 e outro Rik Wouters “mulher deitada”, de 1912.

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SOBRE O VÉU ISLÂMICO – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES



"Tenho uma pequena divergência sobre uma opinião tua a propósito da tolerância nos costumes religiosos muçulmanos na Europa. Acho que tudo o que implique violência, física ou moral sobre as mulheres ( neste caso, residentes europeias), deve ser corajosamente combatido.
Mesmo que isso implique ir contra os princípios do Islão ou do Thora! Como, no passado, houve quem lutasse contra as restrições que a mulher/Mãe sofria nos direitos e liberdades e garantias ( é assim que se diz, não é?) devido a certas leituras "machistas"dos Evangelhos, temos que manter a mesma "batalha". Acho que o Governo francês faz bem quando proíbe a sinistra burkha ( na escola e em qualquer espaço público). A Europa claudicará se , a bem da tolerância na diversidade de costumes, deixar que jovens ou menos jovens, só porque se inserem em comunidades de raíz islâmica , tomem atitudes que choquem a cultura de liberdade de expressão em que felizmente se vive na Europa.
"

(Rui Carp)

A questão do véu é uma à qual costumo prestar bastante atenção, quanto mais não seja por ter sido o tópico do meu primeiro (e penúltimo...) artigo publicado num jornal. Agradou-me bastante a sua posição, por dizer que se inclina para um dos lados (não proibir o uso do véu) mas sem deixar de ver os problemas que isso pode acarretar. Algo que, a meu ver, envenena muitos debates consiste na incapacidade que muitas pessoas revelam em admitir que, ao contrário do que acontece nos filmes, o Bem, a Verdade e a Justiça nem sempre estão do mesmo lado e que, muitas vezes, princípios que consideramos fundamentais entram em conflito. Foi o que se passou, por exemplo, com as «touradas de morte» em Barrancos (designação particularmente idiota, pois todas as touradas são de morte): os que as defendiam só mencionavam a tradição sem levarem em conta os direitos dos animais e os que as atacavam faziam exactamente o contrário.

Especificamente sobre a questão do véu, devo dizer que a considero secundária se a compararmos com o facto de essas alunas se recusarem, muitas vezes, a ter aulas de educação física e de Biologia. E quero pôr ênfase no «se recusarem», pois é falsa a ideia muito espalhada segundo a qual esses comportamentos são sempre impostos pelos pais. Não me esqueço que, quando teve lugar a primeira polémica em França sobre o uso do véu, o pai de uma das alunas disse aos jornalistas algo como «vou ver se a convenço, mas não estejam à espera que lhe bata só para ela parar de usar o véu».


(José Carlos Santos)

Há duas décadas que (tanto quanto me consigo lembrar) as primeiras fricções mediáticas a propósito dos costumes islâmicos na Europa atingiram as manchetes dos jornais e da opinião pública. Vivia eu nesse período em Inglaterra quando se falou das raparigas de origem paquistanesa que após a puberdade passavam a ficar em casa impedidas de frequentar a escola e outros locais onde se cruzassem com rapazes. Também se falaram nos carneiros que se imolavam (de acordo com as precisas recomendações do Islão) nas ruas, perante o olhar escandalizado e atónito do mais comum inglês, para a festa religiosa que acontece umas semanas após o fim do Ramadão e cujo nome de momento não me recordo.

O problema do véu, como diz JPP, não é simples. E não é simples porque não é um problema de véu! É um problema cultural e de aculturação (embora tenha sempre problemas com este conceito), ou neste caso de não aculturação, das comunidades islâmicas na nossa sociedade ocidental e dos valores que nala estão subjacentes; por exemplo, os direitos humanos. Se o véu fosse um problema de moda, aí estaria totalmente de acordo com JPP com a crítica que faz às autoridades francesas (ou outras). Porque, e como também reconhece JPP, o véu não é um problema de moda. Eu diria mais, é um sinal de resistência de comunidades islâmicas à nossa ideia civilizacional e aos valores que a sustentam. É também um problema da condição da mulher no Islão. Só que esta "nossa" civilização é aquela que, em a quase esmagadora maioria, escolheu e escolhe todos os dias viver, trabalhar, enriquecer e aproveitar.

Sem querer ser reducionista creio que não nos faria mal lembrar a velha máxima: "Em Roma sê romano", pois parece-me que estamos demasiado tímidos na defesa dos nossos valores mais básicos da igualdade. Hoje é o véu, depois a impossibilidade das raparigas frequentarem escolas mixtas, praticarem desporto, serem atendidas por médicos homens no hospital, até um dia serem repatriadas contra a sua própria vontade para casarem com familiares desconhecidos no Paquistão no Bangladesh em Marrocos. A muitos destes factos temos fechado os olhos, os ouvidos e a boca.

Creio que um debate sério e desapaixonado se impõe para que a autoridade não surja nem como jacobina nem como aleatória. É no entanto minha convicção que, para o hoje de muitas mulheres islâmicas"cá" e para o amanhã de todos (homens e mulheres de "cá" e de "lá"), a nossa legislação seja clara e firme na preservação da igualdade e pluralismo.
Se não vejo solução fácil, sei no entanto o que não quero para o futuro da minha filha e do meu filho.


(Joana Pereira de Castro)


Não sei ate que ponto e conhecedor da língua alemã, nem se le os diários ou semanários alemães, mas o comentário em relação a discussão sobre o véu não esta correcto. O Die Zeit, o FaZ e a revista Spiegel publicaram na altura (Agosto, Setembro) muitas reportagens de background e artigos de opinião, alem das noticias em si.

O véu não e proibido em lado nenhum. Encontra-se muita gente em restaurantes e lojas que trabalham de véu. Em serviços mais "formais" (nao sei como lhes chamar) tipo seguradoras e bancos e raro. Não e proibido, mas acho que nunca vi nenhum em 4 anos em Berlim. Em atendimento ao público em serviços do estado nunca vi. Acho que muita gente não ia gostar.
Quanto as escolas, não há professoras a ensinar de véu. Chegou este ano ao fim o caso de uma professora muçulmana de Baden-Würtenberg a quem foi recusado um lugar a dar aulas se insistisse no uso do véu. Este caso ja se arrastava ha 2 ou 3 anos. A professora processou o estado Baden-Würtenberg por não a deixar dar aulas de véu, baseando-se no direito a livre exercício de uma religião garantido na constituição.

Varios (2 ou 3) tribunais nao lhe deram razão, ate que este ano chegou ao Bundesverfassungsgericht - BVG -, o TC alemão. O BVG não deu razão a ninguém. A decisão foi que não e inconstitucional proibir por lei a exibição de símbolos religiosos; mas para impedir a professora de dar aulas, tem de existir essa lei. Tudo baseado no conflito de 2 artigos da Constituição: o que protege o direito ao livre exercício da religião, e o que define o estado como laico. Basicamente, passou a batata quente outra vez para os estados. Que também não sabem muito bem o que hão-de fazer.

Já houve há uns tempos uma discussão semelhante por causa das cruzes nas escolas da Baviera, que também e um estado laico, teoricamente. Na altura o BVG decidiu que as cruzes podem estar nas salas de aula, desde que ninguém se queixe. Quer dizer, um aluno ou pai pode requerer que as cruzes sejam retiradas, alegando que se quer exige uma educação laica.
Que na pratica nao funciona, e outra historia...

O que eu acho? Os muçulmanos não são obrigados a usar véu. ou seja, podem ser muçulmanos sem o usar. Custa-me a crer que uma mulher que acredite que Deus a "obriga" a andar de cabeça coberta e nunca se perguntou porque nao exige o mesmo aos homens vá ser capaz de tratar raparigas e rapazes numa escola de maneira igual, e de lhes ensinar a todos que são iguais, ou seja, tem em geral potencialidades iguais e direitos iguais. Mas aceito que isto e discutível (nao a igualdade) e so ate certo ponto defensável...

A maior parte das pessoas com quem falei disto, mulheres e homens, não sabem muito bem o que pensar, com agir, sem ferir direitos nem liberdades deles próprios e dos outros."


(Ana Aguiar)

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SENTIDO DE ESTADO

Segundo os jornais, Paulo Portas disse que Mário Soares terá “sofrido recentemente «três derrotas». A saber: «João Soares (filho) perdeu as eleições para a Câmara Municipal de Lisboa; Maria Barroso (mulher) não se manteve à frente da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP); Jorge Sampaio é o Presidente da República.»

Portas, como dirigente partidário, pode falar do primeiro e do último facto como “derrotas”, nunca do segundo, o afastamento de Maria Barroso da Cruz Vermelha, pelo Ministro da Defesa, ele próprio. Porque, se é assim, as razões para o afastamento de Maria Barroso foram motivos políticos e por ser esposa de Mário Soares, e isso configura um acto de retaliação inaceitável num estado democrático. Pela boca morre o peixe.

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9.12.03


O VÉU

Em França discute-se intensamente o véu islâmico nas escolas. Nos debates televisivos só falta passarem a vias de facto. Entretanto, os franceses já perceberam que o problema não se fica pelas escolas, mas alastra aos hospitais, onde uma parte da comunidade muçulmana exige regras de atendimento que "respeitem" os seus valores religiosos. Na Alemanha, o problema do véu já não se coloca apenas entre os estudantes, - embora a questão não tenha a intensidade da França que vê posta em causa a tradição republicana da "laicidade" -, mas nas professoras muçulmanas da escola pública que dão aulas de véu. Na Suécia, onde não há qualquer restrição quanto ao véu, surgiu o problema quando apareceram duas alunas de burka. A sua presença na escola, assim vestidas, foi proibida com o argumento que o professor para ensinar precisa de ter "contacto visual" com os seus estudantes. O problema avoluma-se e, mais cedo ou mais tarde, cá chegará.

Não é um debate simples, nem tem soluções simples. Pessoalmente sou a favor da maior liberdade na maneira como as pessoas querem afirmar a sua identidade, logo acho que a via francesa de legislar proibindo o véu nas escolas, é autoritária e tipicamente jacobina. Mas não posso esquecer que há um problema com a condição da mulher no Islão, que implica um conflito de valores com a nossa ideia civilizacional de igualdade e dignidade humana, que o véu não é hoje apenas um forma de vestir segundo um código religioso, mas transporta uma simbologia política e que o pluralismo cultural não se sobrepõe no sistema de valores à liberdade e à sua ética.

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EARLY MORNING BLOGS 94

Hoje, pela manhã e para a manhã, chega a cavalaria pesada: “Morning at the Window “de T.S. Eliot,

They are rattling breakfast plates in basement kitchens,
And along the trampled edges of the street
I am aware of the damp souls of housemaids
Sprouting despondently at area gates.
The brown waves of fog toss up to me
Twisted faces from the bottom of the street,
And tear from a passer-by with muddy skirts
An aimless smile that hovers in the air
And vanishes along the level of the roofs.”


Bom dia!

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8.12.03


TRISTEZA SUBTERRÂNEA 2

Entro no metro em Rogier, nó central dos subterrâneos. Estão temperaturas negativas lá fora e mais gente desce a estes interiores. Piranesi gostaria de aqui estar, nestes modernos Carceri d'Invenzione, neste centro comercial de andares desconexos dando para ruas com níveis diferentes, onde nada comunica – escadas que só unem dois andares, lojas que cortam a passagem, elevadores intermediários, trajectos confusos.

O frio acentua a grosseria das roupas pobres, as pessoas parecem embrulhos. Uma muito jovem mãe, desajeitada, empurra um carrinho de bebé, sem mãos para uma árvore de Natal made in China, e com outro filho a transportar uns fios dourados para a árvore e um pacote de leite. A criança cansa-se e pousa o pacote de leite e o grupo afasta-se aos solavancos, deixando o leite no meio do chão. Ninguém diz nada.

Na parte da cidade subterrânea , niveau metro, há uma rixa entre dois grupos de negros. Questões de território. De um sítio para comer (como lhe chamar? Snack bar? Restaurante? Café?), onde se preparam waffles que deixam um cheiro adocicado à toda a volta, levanta-se um grupo de mulheres como uma mola para ver a rixa como se lhes dissesse respeito. Se calhar dizia. Eram todas brancas, embora também fossem imperfeitamente brancas. Antilhesas? Hispânicas, de qualquer longínqua Espanha? Os corredores subterrâneos enchem-se de impropérios num francês alto e grosso e musical. De todos os lados começam a correr seguranças para separar os grupos. São todos mais pequenos que os negros. As coisas acalmam-se.

Cá em baixo, tenho que escolher entre o 56 Debussy e o 55 Silence. Escolho Silence, mas conto sair bem antes de lá chegar.

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7.12.03


LA STORIA NON È POI / LA DEVASTANTE RUSPA CHE SI DICE


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INCOMODIDADE DE SÁ CARNEIRO

No PSD toda a gente é “sá carneirista” e a invocação a Sá Carneiro serve para tudo, mesmo para justificar políticas que ele explicitamente recusou nos seus textos (por exemplo, quando Sá Carneiro explica com clareza, em plena AD, como é que o CDS tinha tido que “abandonar” o seu “conservadorismo” para permitir a coligação; esta, que eu saiba, não caiu por isso). Por isto mesmo, a obra de Sá Carneiro, que, com distanciação, merece um tratamento histórico, permanece ignorada, e às vezes ocultada.

A publicação dos seus textos em manhosas edições partidárias já antigas, ou em álbuns de luxo, torna-os efectivamente inacessíveis. Apesar de haver um jornal do partido e um Instituto Francisco Sá Carneiro, ninguém tomou a iniciativa, normal para tanto “sá carneirismo”, de fazer um local na Internet que agrupe os seus textos, tanto quanto possível integrais, mas que podem ser complementados por uma escolha de citações mais acessíveis. A essas páginas podiam-se acrescentar alguns ensaios sérios sobre a história da personagem e da sua acção política, testemunhos, documentos. A existência de um local destes seria uma contribuição para a nossa história contemporânea, de valor acrescentado muito para além do PSD.

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EARLY MORNING BLOGS 93

De volta à língua italiana, faltava Eugenio Montale. Dele fica aqui um poema sobre a história, logo também sobre o tempo. Lição? Não há lição, apenas a de que o tempo nos submete: “la storia non è intrínseca /perché è fuori. “ E 'fora' não mandamos nós.

La storia

I

La storia non si snoda
come una catena
di anelli ininterrotta.
In ogni caso
molti anelli non tengono.
La storia non contiene
il prima e il dopo,
nulla che in lei borbotti
a lento fuoco.
La storia non è prodotta
da chi la pensa e neppure
da chi l'ignora. La storia
non si fa strada, si ostina,
detesta il poco a paco, non procede
né recede, si sposta di binario
e la sua direzione
non è nell'orario.
La storia non giustifica
e non deplora,
la storia non è intrinseca
perché è fuori.
La storia non somministra
carezze o colpi di frusta.
La storia non è magistra
di niente che ci riguardi.
Accorgersene non serve
a farla più vera e più giusta.

II

La storia non è poi
la devastante ruspa che si dice.
Lascia sottopassaggi, cripte, buche
e nascondigli. C'è chi sopravvive.
La storia è anche benevola: distrugge
quanto più può: se esagerasse, certo
sarebbe meglio, ma la storia è a corto
di notizie, non compie tutte le sue vendette.

La storia gratta il fondo
come una rete a strascico
con qualche strappo e più di un pesce sfugge.
Qualche volta s'incontra l'ectoplasma
d'uno scampato e non sembra particolarmente felice.
Ignora di essere fuori, nessuno glie n'ha parlato.
Gli altri, nel sacco, si credono
più liberi di lui.

(Eugenio Montale, Satura)

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NEM TUDO O QUE PARECE


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SOBRE MARIA LAMAS

fiz uma nota nos Estudos sobre o Comunismo, a pretexto do dossier que o Público hoje publicou, de autoria de São José Almeida, e que inclui uma interessante entrevista com a filha de Maria Lamas.

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© José Pacheco Pereira
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