ABRUPTO

8.12.03


TRISTEZA SUBTERRÂNEA 2

Entro no metro em Rogier, nó central dos subterrâneos. Estão temperaturas negativas lá fora e mais gente desce a estes interiores. Piranesi gostaria de aqui estar, nestes modernos Carceri d'Invenzione, neste centro comercial de andares desconexos dando para ruas com níveis diferentes, onde nada comunica – escadas que só unem dois andares, lojas que cortam a passagem, elevadores intermediários, trajectos confusos.

O frio acentua a grosseria das roupas pobres, as pessoas parecem embrulhos. Uma muito jovem mãe, desajeitada, empurra um carrinho de bebé, sem mãos para uma árvore de Natal made in China, e com outro filho a transportar uns fios dourados para a árvore e um pacote de leite. A criança cansa-se e pousa o pacote de leite e o grupo afasta-se aos solavancos, deixando o leite no meio do chão. Ninguém diz nada.

Na parte da cidade subterrânea , niveau metro, há uma rixa entre dois grupos de negros. Questões de território. De um sítio para comer (como lhe chamar? Snack bar? Restaurante? Café?), onde se preparam waffles que deixam um cheiro adocicado à toda a volta, levanta-se um grupo de mulheres como uma mola para ver a rixa como se lhes dissesse respeito. Se calhar dizia. Eram todas brancas, embora também fossem imperfeitamente brancas. Antilhesas? Hispânicas, de qualquer longínqua Espanha? Os corredores subterrâneos enchem-se de impropérios num francês alto e grosso e musical. De todos os lados começam a correr seguranças para separar os grupos. São todos mais pequenos que os negros. As coisas acalmam-se.

Cá em baixo, tenho que escolher entre o 56 Debussy e o 55 Silence. Escolho Silence, mas conto sair bem antes de lá chegar.

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© José Pacheco Pereira
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