ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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7.6.03
NO OUTRO BLOG
Nos Estudos sobre o Comunismo há informações novas e elementos para a história do trotsquismo e do maoismo em Portugal . (url) 6.6.03
UM MÊS
O Abrupto tem um mês . Teve nas últimas três semanas trinta mil “pageviews” ( os contadores divergem um pouco para mais ou para menos , alguém me pode dizer qual lhe parece o mais fiável ? ) , foi saudado , referido , comentado e atacado em dezenas de outros blogs , e , na bolsa virtual dos blogs , as “acções” subiram de 0.25 cêntimos , para 20.86 dólares . É certamente o efeito da novidade , e passará , mas quem escreve ou dá a sua opinião , gosta de ser lido . O resto é hipocrisia . A modo de agradecimento a todos , o Abrupto , fá-lo com mais um poema de Sá de Miranda , sob cuja égide começou : Comigo me desavim, Vejo-me em grande perigo; Não posso viver comigo, Não posso fugir de mim. Antes que este mal tivesse, Da outra gente fugia. Agora já fugiria De mim se de mim pudesse. Que cabo espero ou que fim, Deste cuidado que sigo, Pois trago a mim comigo, Tamanho imigo de mim. Etiquetas: Abrupto (url)
AGENDA
De vez em quando ajuda-me a organizar o blog fazer uma espécie de agenda. Ao mesmo tempo aviso os meus leitores do que aí vem , ou do que , com muito optimismo , me interessa vir a tratar . Depois se verá se não há demasiada fome … Até agora tenho conseguido cumprir a maioria das anteriores agendas, embora ainda haja matéria em falta : 1. Cinema francês : continua em falta, mas já comprei alguns dos filmes que me foram recomendados e que não tinha visto . Como não quero responder aos meus críticos sem conhecimento de causa, terá que esperar . 2. Continuação da conversa com a Montanha Mágica . 3. Notas sobre o jornalismo político em Portugal : falta uma nota sobre a “Escola do Independente”, a que acrescentarei uma adenda sobre a influência desta “escola” nos blogs. 4. Actualização da série dos objectos em extinção e da “leitura duas vezes” com as contribuições que tem chegado . 5. Uma nota sobre intimidade, privacidade e exposição pública . 6. Um texto sobre a utopia dos blogs, na sequência de outras utopias sobre a rede . 7. Voltar à análise do MyLifeBits , o programa da Microsoft que se destina a permitir o armazenamento da memória , um backup da vida toda . Escrevi um artigo no Público que foi um dos que menor resposta teve, mas o assunto continua a interessar-me muito e tem relação com a questão do tempo . 8. Nota sobre a tradução de Frederico Lourenço da Odisseia – coisa magnífica! 9. Continua a haver muito correio atrasado . Peço paciência aos que esperam … (url)
SOBRE O ARTIGO DO PÚBLICO
Acompanhei algum debate nos blogs sobre o artigo que escrevi para o Público de ontem sobre o Preâmbulo do projecto da Constituição Europeia . Tive também uma animada conversa sobre o artigo com um grupo de meus colegas socialistas do PE , que a greve dos controladores aéreos franceses atirou à última hora para o mesmo avião que tomei em Bâle . O avião é um daqueles pequenos jactos brasileiros da Portugália pelo que viemos todos literalmente em cima uns dos outros , com o Público e o 24 Horas como food for thought . O que eu queria precisar era o seguinte : a referência ao papel histórico do cristianismo é indispensável num texto que parte da herança clássica greco-latina para chegar ao Século das Luzes . Omitindo-se o cristianismo , a referência solitária ao Século das Luzes ganha um outro relevo e só pode explicar-se numa lógica de exclusão . O que defendo é a inclusão de uma referência histórica insubstituível, tão insubstituível como a referência ao mundo greco-latino . Ora nestes termos esta referência não quer dizer que só pode estar na Europa quem for cristão . Bem pelo contrário , penso que nenhuma razão religiosa deve excluir países de maioria muçulmana e defendo a entrada da Turquia quando cumprir plenamente as condições de adesão , principalmente em matérias como os direitos humanos e a protecção das minorias . (url) 5.6.03
DEZINFORMATZIA
De novo , continuam as falsificações deliberadas de declarações e entrevistas de dirigentes americanos na lista negra dos anti-americanos europeus . De novo , continuam os exercícios de desonestidade intelectual . De novo , o que disse Wolfowitz é falsificado . Aqui está o que ele disse e o contexto : "The United States hopes to end the nuclear standoff with North Korea by putting economic pressure on the impoverished nation, U.S. Deputy Defense Secretary Paul Wolfowitz said Saturday. North Korea would respond to economic pressure, unlike Iraq, where military action was necessary because the country's oil money was propping up the regime, Wolfowitz told delegates at the second annual Asia Security Conference in Singapore." "The country is teetering on the edge of economic collapse," Wolfowitz said. "That I believe is a major point of leverage." "The primary difference between North Korea and Iraq is that we had virtually no economic options in Iraq because the country floats on a sea of oil," he said. Wolfowitz did not elaborate on how Washington intends to put economic pressure on North Korea, but said other countries in the region helping it should send a message that "they're not going to continue doing that if North Korea continues down the road it's on." No Público , que tinha obrigação de ser mais rigoroso , isto transforma-se nisto "Número dois" do Pentágono Wolfowitz admite que petróleo justificou guerra contra o Iraque Pedro Caldeira Rodrigues O "número dois" do Pentágono, Paul Wolfowitz, disse ontem que o principal motivo da acção militar contra o Iraque foi o petróleo. O secretário de Estado adjunto da Defesa, que já tinha fragilizado a posição do chefe do Governo britânico, Tony Blair, sobre a polémica em torno das armas de destruição maciça (ADM) ao descrevê-las como "justificação burocrática" para a guerra, foi agora mais longe ao afirmar que a invasão militar pode ser justificada pelo facto de o Iraque "nadar" em petróleo. De acordo com a edição "online" do jornal "The Guardian", Wolfowitz emitiu estas declarações quando discursava perante delegados numa cimeira sobre segurança na Ásia e que decorreu em Singapura no passado fim-de-semana. Ao ser questionado pelo facto de uma potência nuclear como a Coreia do Norte merecer uma abordagem diferente do Iraque, o "falcão" do Pentágono admitiu que a principal diferença entre os dois países "é que economicamente não tínhamos escolha no Iraque. O país nada num mar de petróleo". Parecido , não é ? (url)
PORQUÊ ?
O avanço do processo de paz entre israelitas e palestinianos só pode ser saudado por todos os que genuinamente desejam a estabilidade , a paz e a justiça naquela parte do mundo . Não adianta ser optimista , mas talvez se possa ser menos pessimista , o que já não é mau . Apesar disso , o tema do dia de ontem e do de hoje , na agenda dos jornalistas que aqui estão era outro : o não aparecimento das armas de destruição massiva . Porque não ? Eu também penso que tudo deve ser esclarecido ; se existiram e ainda não foram encontradas , se existiram e foram destruídas , ou se não existiam e havia erros nas informações , ou se essas informações foram deturpadas para justificar os objectivos de guerra . São diferentes hipóteses e todas devem estar em aberto . Algumas tem sérias consequências para a credibilidade dos EUA e Reino Unido . Não adianta iludi-lo , mas ainda é prematuro tirar conclusões . Mas porque carga de água este é o tema mais excitante na agenda internacional ? Tenho pouca inocência sobre a razão porque isso acontece : trata-se de esconder ou minimizar que a situação no Médio Oriente está bem longe de ser a que foi prevista por toda a esquerda portuguesa e a direita que se lhe uniu . É por isso que penso , que muita da indignação sobre o conflito israelo-palestiniano lhes serviu de pretexto , e que nem sequer contribuem para a esperança da sua resolução . Recordam-se de alguém , dos opositores ao conflito iraquiano em Portugal , saudar o processo de paz ? Não me lembro de ninguém (url) 4.6.03
BREVES
1. O poema do Vasco que se encontra antes destas "breves" é quase de certeza o primeiro em português a usar a palavra blog no seu texto . O Vasco tem outros recordes e premières como o de ser o poeta português que mais decassílabos escreveu , contando com os mais de 14000 da tradução da Divina Comédia e os cerca de 8000 da tradução ainda inédita do Canzoniere de Petrarca . Mais do que Camões . 2. Epidemia do "arraso" . Estamos perante outra epidemia do verbo "arrasar" nos jornais , fenómeno periódico e altamente contagioso . "João Soares arrasa Ferro" deve ter sido o doente original deste novo surto . Depois foi "relatório de não sei de quê arrasa política de não sei de quê" , "relatório da UE arrasa agricultura portuguesa" , etc , etc. Eu conheço a doença porque também já fui "arrasado" . Muito gostam eles de "arrasar" , do Diário de Notícias ao Público , porque esta é uma doença da imprensa escrita . Ninguém se interroga sobre o uso deste verbo tão pouco descomprometido pelos jornalistas ? Porque razão não escrevem "criticar" , mesmo qualificando a dureza da crítica ? Agora "arrasar" implica um julgamento de valor , sugere a eficácia ou a razão do "arrasador" . Para quem lê fica de imediato uma impressão indelével de desequilíbrio entre quem "arrasa" e quem é "arrasado" . 3. Seguindo a iniciativa do Valete Frates , também cito o texto original da entrevista de Wolfowitz à Vanity Fair , objecto de uma típica operação de desinformação , seguida depois por flagrantes exibições de desonestidade intelectual , Aqui fica citada a partir da transcrição oficial da gravação : "Q: Was that one of the arguments that was raised early on by you and others that Iraq actually does connect, not to connect the dots too much, but the relationship between Saudi Arabia, our troops being there, and bin Laden's rage about that, which he's built on so many years, also connects the World Trade Center attacks, that there's a logic of motive or something like that? Or does that read too much into -- Wolfowitz: No, I think it happens to be correct. The truth is that for reasons that have a lot to do with the U.S. government bureaucracy we settled on the one issue that everyone could agree on which was weapons of mass destruction as the core reason, but -- hold on one second -- (Pause) Kellems: Sam there may be some value in clarity on the point that it may take years to get post-Saddam Iraq right. It can be easily misconstrued, especially when it comes to -- Wolfowitz: -- there have always been three fundamental concerns. One is weapons of mass destruction, the second is support for terrorism, the third is the criminal treatment of the Iraqi people. Actually I guess you could say there's a fourth overriding one which is the connection between the first two. Sorry, hold on again. Kellems: By the way, it's probably the longest uninterrupted phone conversation I've witnessed, so -- Q: This is extraordinary. Kellems: You had good timing. Q: I'm really grateful. Wolfowitz: To wrap it up. The third one by itself, as I think I said earlier, is a reason to help the Iraqis but it's not a reason to put American kids' lives at risk, certainly not on the scale we did it. That second issue about links to terrorism is the one about which there's the most disagreement within the bureaucracy, even though I think everyone agrees that we killed 100 or so of an al Qaeda group in northern Iraq in this recent go-around, that we've arrested that al Qaeda guy in Baghdad who was connected to this guy Zarqawi whom Powell spoke about in his UN presentation. " (url) 3.6.03
VASCO GRAÇA MOURA INÉDITO PARA OS LEITORES DO ABRUPTO
Quando , há quinze dias , no Mil Folhas do Público , a Isabel Coutinho falou do Abrupto , escreveu : "só me apetecia que o Vasco Graça Moura também aderisse à moda dos blogs" . O pedido teve eco nalguns blogs , na Janela Indiscreta por exemplo . Eu falei ao Vasco Graça Moura e pedi-lhe um poema "de resposta" no Abrupto . O Vasco não se limitou ao poema para o blog , mas faz a divulgação "em première mundial" de um poema seu trilingue . Aqui fica uma nota do Vasco , o poema para o blog e a " aretnap a pantera " . ____________________________ "Há meia dúzia de anos traduzi "A pantera", uma das peças mais célebres dos Neue Gedichte do Rilke, tendo-a incluído em apêndice à minha tradução dos Sonetos a Orfeu. Há poucas semanas, o Joaquim-Francisco Coelho escreveu-me de Harvard, onde é professor, a enviar-me a sua própria tradução da mesma pantera. Achei que o facto de ele ser brasileiro e eu português tinha alguma influência nas nossas versões. E dias depois fiz o ciclo que lhe envio para o seu blog, em première mundial (!!!), por me parecer que corresponde a algumas das solicitações que recebeu a meu respeito... Trata-se afinal de um espelhar e contra-espelhar de ironias, em que às tantas o próprio Rilke escreve a Lou Andréas-Salomé, conversa com Rodin, engendra um soneto e "posa" para a pantera... A qual, se estivesse na Internet, por certo se poria também a fazer um soneto. Qualquer coisa deste tipo: não há nada no mundo que me pague para aqui estar. não há nada que jogue e nada que responda ou faça blague por eu, panteramente, estar no blog. não há verso do rilke que me afague, por mais que o vgm aqui dialogue com o jpp, quer me embriague, quer passe fome, ou me espreguice e drogue. sou a pantera fora da internet. passo lá por acaso. depois saio e volto às grades onde alguém me mete. e rujo e rosno e mordo e não me ensaio nada nas piruetas da disquette de apagá-la depois. só me distraio. Saudações ao seu público bloguista. Vasco Graça Moura _____________________________ aretnap a pantera (para Joaquim Francisco Coelho, por termos ambos traduzido “Der Panther”, de Rainer Maria Rilke) 1. fomos os dois à caça da pantera que estava já da jaula sob o tecto; na mesma língua e em cada idiolecto, apanhá-la inteirinha, quem nos dera! mas clonado, que fosse não se espera dorso verbal em músculo inquieto, e ao lê-lo, eu me felino e me arquitecto, pois me pantero, e mais, se reverbera noutro registo a língua subtil que, de cada vez que a dupla se faz frente, é jogo especular no abismo, acaso devíamos levar a rainer rilke esta parelha opaca e transparente à trela, quando formos ao parnaso. 2. as três irmãs, não digo as de tchekov, as três panteras, sendo uma mais velha que sempre as outras duas vê de esguelha e a quem a semelhança não comove, vêm rosnar-me à cabeça, sem que prove seu coração, nem musa, voz, centelha, céu, chão, mar, bicho, flor, fruto, bodelha, nem quando faz calor, ou venta, ou chove. são pura indiferença que imagino saída da retina e da rotina que em oxímoro as veja e traga e leve, e afirme e negue o seu verbal destino que mesmo no que afina, desafina: panteras podem ser da cor da neve. 3. as feras vivem junto de um reboco sombrio de argamassa com o mundo e o seu próprio rugir é vagabundo, como se à noite fosse apenas troco de o coração, notado num bloco, a quente, a frio, fúnebre e jocundo, dever vazar o sangue até ao fundo dos muros do silêncio. e o tempo invoco para que esse rugir, ao dar a volta, e ao rasgar-se nas farpas de uma vala, se faça um pó distante amortecido e volte a concentrar-se e, posto à solta, se transforme em angústia e a dispará-la venha o seu cavo eco em meu ouvido. 4. atrás das barras lia-se o felino, e eram catorze, próprias do soneto, entrecortando o ágil dorso preto, elástico, estirado, repentino. depois, quando ao papel cabeça inclino, alargo da prisão o esqueleto e quando desarmado nela a meto, já quase sem cautelas me rotino. porém, não esperava ver, após este preliminar de uma abordagem, que tanto pedigree ali se espere, a reunir pantera e albatrós e tigre e cotovia, em homenagem, a rilke, borges, keats, baudelaire. 5. quando a pantera, liebchen, és tu, feita distância concentrada em mim, e entre anestesia e frenesim não sei que te dizer em paris, lou, se nada de mim ponho agora a nu e dentro apenas quero, de marfim e arte nova, o ser que digo assim, em arabesco, opalas e bambu. talvez estejas farta, eslava minha, por isso que a pantera te recorde relâmpagos da alma nas estepes e a própria solidão nadando asinha nas veias da pantera que te morde os tornozelos quando ao dorso trepes. 6. volto a fechar a jaula e não me iludo: três panteras assim não são demais, geram-se umas às outras nos sinais, podem multiplicar o seu veludo, e como no xadrês, como no judo, jogo e real são sempre desiguais. a uma, à sorte, as frases cordiais: o que é para ela o nada? o que é o tudo? que deuses esmaltaram os seus dentes? mandando o seu leitor se faire foutre em mudos arremedos evidentes, de que carne da alma então se nutre? ou acaso desfaz, como um abutre, um fígado já solto das correntes? 7. num pesadelo, quando a vi, ao calhas, pantera de palavras, traduzi-a e com o óleo de uma almotolia no pêlo, escorregou por entre as falhas; comeu na ida todas as migalhas que o sono em sobressaltos produzia automáticamente na teoria da tradução e em muitas outras tralhas. puta pantera, não abandonavas a língua de partida e o lampejo com que na tua pele a recitavas, mesmo que a de chegada, em teu bocejo, não te poupasse ao oco das aljavas e dele te fizesse um quase arpejo. 8. ah, espreitar na selva entre lianas, para entrever o brilho amarelado de uns olhos que podia ter pintado rousseau, douanier cheio de ganas! ah, coração modelo para as manas brontë, ou para um petrarca desolado que expôs da humana fera um bom bocado até camões cantar tigres hircanas! e era o luto na vida, diz pessoa, que não sabia nada de panteras, nem de jaula que a luz furtiva acoite se na fenda das pálpebras se coa, trazendo à nossa era as outras eras, assassinando e dando vida à noite. 9. vai-se a pantera em sombra, extravagando. secaram as palavras no seu fojo. ficaram só as expressões de nojo de alguém poder morrer, sem saber quando o bicho voltará, agoniando as vísceras e a alma. e havendo bojo, esconderijos, luras, silvas, tojo, que se usam para a ir camuflando, não se sabe em verdade onde ela está: pode voltar ou não. pode rugir, fugir, morder o tempo atrás das barras. pode vir pela noite. e oxalá não fique feita em pedra a encardir. e despedace a lira em suas garras. 10. - chez vous, la forme s'ouvre, mon cher maître, au vrai insaisissable. je voudrais en faire autant, pourtant un coup de dès ne perce ni les bêtes, ni leur être... - la post-modernité avant la lettre, vos mots pourront peut-être en dire assez, laissez-les miroiter, pétrissez-les... - mais je veux m'effacer et disparaître pour n'exprimer que leur an sich dans leur existence pure et leurs élans... - si un chat est un chat, mon cher poète, il sera chatoyant, mais grâce à vous... - ich weiss, monsieur rodin, merci beaucoup. la panthère! paris est une fête! 11. Der Panther befand sich in der Leere tief des gesteinerten Herzens. Da verbrannte kein Blut mehr. Zwar nur die geahnte traurige Enttäuschung des Daseins rief. In seinen Augen langsam verschlief des Tiers Erinnerung, vielleicht die sogenannte Regenbogenwelt, vielleicht die gespannte Muskelkraft, die dann um nichts griff. Der Raum ist begrenzt und lautlos. Hast Du den Panther, o Gott, mit der Leier noch einmal gejagt und geschlagen? Ach, singe nicht mehr, mach die Augen zu, hör mal dieses Geräusch, der Lüge zur Feier: damit wird der Überträger übertragen. 11. no oco fundo onde a pantera estava do coração de pedra, não ardia o sangue já. triste se pressentia o apelo do existir que se enganava. devagar em seus olhos se ensonava a lembrança animal, talvez um dia o mundo do arco-íris; dir-se-ia que a força muscular nada agarrava. o espaço é limitado e mudo. tu, acaso o bicho agora com a lira, caçaste, ó deus, deixando-o aturdido? não cantes mais e fecha os olhos no ruído que celebra tal mentira: assim o tradutor é traduzido. 12. farta de ver um homem de olhos claros e bigode mongol parado em frente às grades, a pantera astutamente concebeu um poema. nos preparos foi notando de cor os termos raros, dando sinais que fossem passar rente, mas sem melancolia, ao vulto em gente, especado e mordido com aparos de poeta em cursivo. esse retrato, sem subjectividade de animal, no vulto atrás das grades intuiu. e o ponto de visão dela era exacto: equidistante às barras de metal era um e outro. e ela desistiu. 13. nunca ao pêlo das sílabas escape alguma malha feita pelas sete letras reordenadas: aretnap, panrate, terapan ou naparet, ou, se se preferir, mesmo etarnap: em anagramas vários se reflecte (já agora samargana) o chape-chape em que o real no verbo se derrete. mas não sendo a pantera um leopardo, nem lince da malcata, quando não odrapoel ou ecnil seria, o arbítrio de seu nome é sem resguardo, ãv palavra vã no espelho vão, sonoridade a silabar bravia. 14. para encontrar oculta a simetria além do espelho, uivando pelas luas, não penses que a pantera individuas tendo em conta o que sabes. a ironia tecnicamente ruge e acrobacia não põe à vista quando faz das suas, a devorar também as carnes cruas dos nomes às avessas. sangraria o engano em trompe l'oeil, curto-circuito, relâmpago inefável? o que for aqui perde o sentido. é só fortuito. as outras qualidades lhe vai pôr, regulando a medida a seu intuito, e desmedindo-a, o próprio tratador. 15. e voltámos da caça, remoendo efeitos de prosódia e de sintaxe. cada pantera é assim: primeiro dá-se a ver, quando ninguém a está vendo. talvez deitar-lhe à pele algum remendo que a noite porventura facultasse, quando a palavra a mais a esburacasse mas buracos a menos fosse tendo... que importa? ficará fotografia da expedição: armados de canetas e com um pé no dorso do animal. há uma pantera tensa em cada dia, um ser que é de florestas e provetas, todo em literatura ocidental. dois subprodutos capriccio a “pan-pan-te-te-te-te-ra”, gaguejava um epí-pí-pí-pí-pí-go-gono triste, “a con-con-di-di-ção es-cra-cra-cra-va, al-gu-gu-gu-ma vez sen-tis-tis-tis-te? ven-do o chi-chi-chi-co-co-tem ris-ris-te que o tra-tra-tra-tra-dor des-des-tra-tra-va? a tu-tu-tu-a fau-fau-ce bra-bra-va quan-quan-quan-tas ve-ve-zes a-bris-bris-te? é cer-to-to-to que eu ga-ga-gue-gue-jo, to-to-da-vi-vi-via pre-ve-ve-jo que-que vais mor-mor-der o en-go-go-go-do e à noi-noi-noi-te fi-fi-fi-carás so-sob o bi-bi-co de ga-ga-gás, pois ten-ten-tens o tem-tem-po-po todo”. capriccio b o verso errado, marília, tem uma sílaba a menos, alguma a mais, ou, mesmo duas sendo, às doze ou treze chega, e é sempre assim, quando ora escorrega de nove para dez ou onze e também se desmede das medidas em que porém quando acerta fora do sítio e sem saber técnicas heróicas que emprega, ou sáficas, sem quarta, oitava sílaba, nega o verso regular que lhe convém. cruzes canhoto, que mais difícil é fazer mal do que fazer bem e aqui é tempo de desculpar a pantera, que assim desmelodiosa, posta à ré, não faz sentido nenhum e nem a vi, nem revi, nem trevi, nem tetr... (bolas!) como era. VASCO GRAçA MOURA (url)
NOTAS EUROPEIAS
1. Ontem , à chegada a Estrasburgo, o tempo estava de tempestade . Quente e húmido , denso . Estou feito , como os meus colegas, animal de carga puxando uma mala com rodas na transumância para a Alsácia . È fácil aos locais identificar os membros daquele grupo de mala de rodas que cai aqui uma vez por mês e , só cai à força , porque os franceses , prevenidos , colocaram nos tratados europeus a obrigação de vir a Estrasburgo doze vezes ao ano e o Parlamento não tem o poder de escolher a sua sede . Imagino Sir David Attemborough , dependurado numa cornija , a gozar com a "exotic species" destas aves e os seus estranhos hábitos. 2. À entrada do edifício estava um grupo folclórico alemão ou austríaco , dos muitos que visitam a "instituição" . Como as bandas filarmónicas portuguesas , vem da província profunda , vestidos de azul e branco e chapelinhos tiroleses , com majoretes e cornos de caça , fazendo um grande fragor com os metais e percussão , enchendo de barulho o pátio de entrada . Quem conheça o Parlamento em Estrasburgo sabe que é uma espécie de bunker prisional (parece que o arquitecto que o fez era especialista em prisões ) e esse pátio sem vistas é o centro de uma oval de betão e vidro , triste e cinzenta (castanha) . Apesar de tudo , a banda azul e branca ( parecia o FCP ) era a única alegria e o som marcial animava as paredes . Do mal o menos . 2. Hoje está um sol radioso em Estrasburgo e estas cidades do Norte mostram uma capacidade para se virar para a luz , que não existe em Portugal . De repente tudo muda , tudo vem para a rua , tudo se solta . Passo pelos livros . Estrasburgo tem várias boas livrarias e alfarrabistas ; a Kleber é a melhor , a FNAC muito de província , a Quai des Brumes forte na literatura , muito francesa , muito Tel Quel , a Oberlin , forte da sua idade , nascida em 1817 , e a Bouquinerie des Soeurs e L' Insomniaque , bons alfarrabistas . Nas rua há também muitas bancas de livros . Eu e o Vasco fazemos verdadeiros saques , a mais das vezes nos alfarrabistas , porque a edição francesa é prolixa mas nem sempre interessante . 3. No entanto , há especialidades estrasburguesas como a teologia , em que todas as livrarias e alfarrabistas são bons . Estrasburgo é uma cidade católica , protestante e judaica , típica de uma "velha Europa" que , para os lados de lá da fronteira , Hitler destruiu . Tem uma célebre Faculdade de Teologia Protestante e uma tradição sólida de pensamento protestante , mas há muitos e bons livros de teologia judaica e católica . Daqui a uns anos não faltará a teologia islâmica , se se tiver em conta que , em cidades como Mulhouse , onde trabalham muitos portugueses , a segunda religião é a muçulmana . A taxa de natalidade fará o resto . 4. Para cá chegar passei pela fronteira franco-suiça , em pé de guerra por causa do G8 . Os manifestantes anti-globalização versão "anarquista" (suspeito que esta designação é incorrecta e desculpabilizante , porque muitos são apenas esquerdistas radicais e membros das organizações anti-globalizadoras com face mais pacífica ) entretém-se a destruir lojas em Genebra e Lausana . A amplitude dos conflitos é grave , mas há uma estranha complacência com estes "casseurs" . Se fossem da extrema-direita , quantos editoriais inflamados se escreveriam , quantos gritos que a Republica estava em perigo se ouviriam ? 4. Se entrarmos num gabinete de um dirigente regionalista alemão de um dos länder , estarão três bandeiras : da Alemanha , da UE e da região , o mesmo na Itália . Mas se fizermos idêntica visita na Catalunha ou no País Basco estarão apenas duas : da UE e da região . É por isto que a ideia de uma "Europa das regiões" , implicando uma relação directa das instâncias europeias com as regiões , tem todos os riscos . Sublinhe-se de passagem , que o federalismo alemão é muito aberto quanto à soberania nacional , mas não admite que se toque , com um dedo sequer , nos poderes dos länder . (url) 1.6.03
UMA HISTÓRIA RUSSA
Esta é uma história que ocorreu comigo em Moscovo, nos últimos anos da URSS e nos primeiros da Rússia, uma história exemplar das atitudes das pessoas comuns, que usei a semana passada numa sessão mais ou menos oficial, exactamente para ilustrar esse ponto de “bom senso” económico. Com pequenas alterações aqui fica. Vivia-se então um período de transição caótico. Uma parte da nomenklatura soviética estava a apropriar-se dos bens que tinham qualquer valor e que controlavam enquanto burocratas. Ou seja a máfia russa estava a formar-se. Num desses anos fui a um restaurante na periferia de Moscovo que tinha acabado de abrir, e que pertencia certamente a esse novo grupo social emergente, entre a criminalidade e o negócio. Funcionando numa antiga residência académica, (no sentido russo de pertencer à Academia) de propriedade vaguíssima, o espaço tinha todos os sinais do novo-riquismo: veludos, baixelas de qualidade, um menu realista (o que era raro porque na URSS nunca havia qualquer relação entre o menu e o que se podia comer) e um serviço garantido por antigos estudantes cubanos de engenharia nuclear, que tinham ficado desamparados em Moscovo quando o projecto soviético de uma central nuclear em Cuba foi interrompido por Gorbachov. Era um sítio curioso e uma população curiosa . Quando me sentei , e durante quase todo o jantar , não estava ninguém a não ser uma mesa longínqua em que um homem taciturno comia ao mesmo tempo que tomava notas num bloco . À sua frente uma rapariga muito jovem e bonita comia também em perfeito silêncio . Apesar de ambos estarem em frente um do outro , não falavam . Periodicamente vinha o cozinheiro da cozinha e trocava duas ou três palavras com o homem taciturno, a seguir um criado, depois outro e, frequentes vezes, uma senhora que fazia o papel de chefe de mesa. Os contactos eram brevíssimos, regulares, reverenciais e discretos. Presumi e bem que quem mandava era o homem. Imaginem pois qual a minha surpresa quando a senhora que chefiava o serviço das mesas se identificou, sem saber que falava com um conterrâneo, como portuguesa. Ali, no meio dos súburbios moscovitas, já na transição com a floresta russa, estava uma vianense, saída da sua Viana de Castelo para ir para Paris e de Paris saindo para viver com o georgiano que era essa a novel nacionalidade do taciturno. Este “possuía” o restaurante e um ou dois casinos flutuantes em Odessa, um património sobre o qual, o mínimo que se possa dizer, é que era bizarro. Mas a história verdadeiramente começa aqui. Contente como eu de encontrar um patrício no mais imprevisto dos lugares, sentou-se na mesa e começou a contar das suas dificuldades em gerir o restaurante e deu-me a melhor lição que jamais aprendi não só sobre a economia soviética, mas sobre como as atitudes comuns, que nos são muitas vezes invisíveis, que nós não nos apercebemos, porque não temos distanciação, são as traves mestras do progresso ou do atraso económico. Ao mesmo tempo, mostrava-me como era díficil mudar aquilo que chamamos habitualmente as “mentalidades”. Ela explicou-me primeiro a razão porque escolhera ter empregados cubanos e não russos. Os russos, dizia ela, habituados a trabalhar num contexto altamente burocratizado, sem qualquer incentivo para se esforçarem mais ou melhor, faziam o mínimo possível. Os cubanos estavam numa situação difícil, sem dinheiro, e acima de tudo queriam voltar para Cuba. Presumo que trabalhavam à margem de qualquer protecção social, mas isso era visto como trivial. Nessa altura, as leis em vigor eram apenas um meio suplementar e pretextual de rapina por parte dos burocratas que as aplicavam conforme o seu interesse próprio, os subornos que recebiam ou não. Como à volta da portuguesa não havia estado, era a máfia que fazia esse papel. Depois, na conversa, somava pormenor sobre pormenor sobre o seu desespero em conseguir que a cozinha funcionasse bem. O cozinheiro que fazia as compras entendia que era irrelevante comprar produtos de qualidade – para ser mais barato comprava maçãs e batatas de fraca qualidade – e o restaurante pretendia ser um restaurante de luxo e caro e já tinha de competir com outros do mesmo tipo. Batatas de má qualidade não eram poupança eram desperdício, mas o cozinheiro não compreendia. Depois havia todo um conjunto de velhos hábitos soviéticos muito difíceis de mudar – por exemplo o cozinheiro teimava em fazer café de novo somente quando acabava o anterior, o que significava que havia cerca de quinze minutos em que ninguém tinha café para servir no restaurante. Os seus problemas não se limitavam ao restaurante. No mesmo edifício havia também um “hotel”, também uma antiga residência onde os académicos da província podiam ficar quando vinham a Moscovo. Não se sabia quem geria o hotel, embora eu suspeitasse que alguns dos académicos, que tinham deixado de receber salários e perdido os privilégios tinham naturalmente “privatizado” o edifício. Ora a nossa portuguesa tinha conseguido uns milhares de garrafas em miniatura de bebidas para colocar nos quartos (não havia frigoríficos claro, mas havia uns armários), só que não conseguia, um ano depois de as ter conseguido, um acordo sobre percentagens de lucro. Ao lado, numas lojas que havia, não conseguia que as empregadas percebessem que as vitrinas se destinavam a mostrar os produtos para fora, para a rua, e não para servirem para serem pintadas com desenhos de pombas e cosmonautas, tornando tudo mais escuro. Assim mostrava-se para a rua apenas a parte de trás de armários e estantes de exposição, virados para dentro. A ideia que uma loja comercial existia para servir os seus clientes era alheia à cultura local – uma loja destinava-se a ser um espaço confortável para as suas empregadas e permitir-lhes com facilidade controlar a mercadoria, posta bem longe do cliente entre um balcão a parede. Tudo eram facilidades para o pessoal, tudo eram dificuldades para o cliente. E por aí adiante. Não sei onde estará hoje a minha vianense moscovita, espero que bem, mas estou-lhe muito grato pela sua lição, naquela noite que durava desde as quatro da tarde, no mais improvável dos lugares. (url)
POUCA HISTÓRIA 2
1. Comentando uma observação que fiz no dia 22 de Maio sobre as razões porque há tão pouca meditação sobre história nos blogs , a Aurora do Da Província avança com uma opinião : “A natural estratificação da população que acede à internet ( mais jovem, com elites menos cultas ); a História ser um tema "frio", no sentido de se poder fazer menos aquilo que os portugueses tanto gostam: ser treinador de bancada; o "agora e já" ser um fenómeno de "adição" do nosso tempo ( o tempo em que já não há Tempo) que não permite tertúlias pouco mais que superficiais na Internet ( do género troca de cromos...); a esmagadora maioria dos portugueses (…) não ter a (…) informação (…) para - de forma construtiva - pronunciar-se sobre temas de História; o Passado ser inamovível, no sentido de já não podermos intervir - o que contraria o umbiguismo nacional.” As observações da Aurora tem um ponto que me interessa para o debate : o facto da história não ser “interactiva” torna-a desapropriada para um meio e para a cultura dos seus habitantes , essencialmente motivados pelas vantagens de este ter um carácter opinativo e imediatista sobre os eventos do presente . Há outra razão e essa tem a ver com o diminuto papel que a história , enquanto percepção do tempo e da cronologia , tem no actual sistema de ensino . A influência do estruturalismo em disciplinas como a literatura , a filosofia e mesmo a história , desvalorizou a componente cronológica do saber . Há um artigo recente de Luc Ferry sobre os efeitos devastadores do estruturalismo nos conteúdos dos programas escolares franceses. Logo que tenha a ligação , caso esteja em linha , incluo-a nesta nota . 2. A Susana , o Heitor e o Diogo da Psicossomática responderam assim à pergunta : «Porque razão entre os temas dos blogs e das mensagens neles afixadas há tão pouca presença da história?» Porque João Benard da Costa escreve apenas uma vez por semana no Público, ou seja, porque para o ler é preciso parar, prescindir da pressa, virar para fora, para o que de dentro dele sai por palavras perfeitas. O que queremos dizer com este exemplo precioso é que não basta contar com a presença da história, é fundamental saber como contá-la. Pensamos que raros são os que tendo o gosto pela história não caem no poço seco dos factos sobre factos, datas e links sem acrescentar a forma literária à «coisa» contada provavelmente por uma questão de tempo ou falta deste. É fundamental, cada vez mais, escrever muito bem sendo que escrever muito bem é muito mais do que estar de acordo com a gramática. Estamos a falar de literatura, sim! Não recear as voltas que a língua dá e dar mais do que aquilo que todos os manuais de história têm dado aos estudantes. Por exemplo e que raio de exemplo tão adequado. É que não há manual de história que não seja um repositório de textos sem chama, tristes e bisonhos como triste e bisonho é o ensino da história transformado em axioma sem vida. Que, de facto, a morte é o que temos de certo e o passado está cheio de mortos que a maioria dos historiadores não desenterra, não mexe nem deixa mexer ou toca ao de leve. Levemente. É preciso, diríamos, não recear o erotismo, a sensualidade que encontramos nos textos de Benard da Costa ou Agustina. Seria preciso conquistar os historiadores para a literatura e a disponibilidade que esta exige. Que a literatura começa onde a cabeça tem corpo e o mostra, roça, passa pelos factos e os agarra com as mãos. Não há nada de animal que os animais deixem passar ao lado. A história não deveria ter escapado aos sentidos. Contudo, lá foi escapando. Trata-se, portanto, de uma questão de vida e morte. A «pouca presença da história» não será só a ausência disto, das ding, dessa «coisa» estranha que não se entranha porque só se procura por aquilo que se sabe e reconhece. Sem a pressa com que hoje todos falamos de tudo. Sem medo do ar do tempo que sopra a correr por todo o lado. E todo o lado é de mais. Não?" (url)
OBJECTOS EM EXTINÇÃO 7
1) A Aurora do Da Província ,lembra o “Ovo amarelo ( aquele autocolante com um 90 inscrito, que se colocava na traseira dos carros), a fisga, a combinação ( aquele vestido fininho de alças para colcocar debaixo da roupa de senhora). " e acrescenta , muito apropriadamente , a "vergonha na cara ", mas não é um objecto.” 2) Maria P. inclui o radiomadorismo “ontem, estava a ver um filme na televisão sobre um radio-amador e comecei a pensar se isto das comunicações na net não tem muito de radio-amadorismo, sem, no entanto, a magia da voz. Só espero é que a net não venha tornar obsoleta essa outra forma de comunicar à distância por ondas hertzianas, que eu nunca experimentei mas que sempre me fascinou. “ 3) Pedro F. lembrou a existência de um Catalogue of Obsolete Entertainments referido numa nota do Salon 4) O Critico Musical inclui o soneto “por provocação” , e , talvez para provar que já não se fazem destas coisas , no blog transcreve Petrarca “Mando-lhe por graça um objecto imaginário, do campo das artes, um objecto que ainda não existe porque é uma abstracção de algo que ainda não foi criado, uma obra que vai desaparecendo, porque ninguém (ou quase) a pratica: o soneto. Claro que não me refiro à leitura do soneto, Shakespeare deixou-nos esse objecto, aliás vivo, mais vivo que os garfos que vi no museu da idade média, no Boulevard de Saint Germain.” 5) Roberto Trindade lembra o “ tipo de chumbo e antimónio, usado pelos tipógrafos, que serviu durante séculos para se (re)produzirem grandes obras literárias.” (url)
LER DUAS VEZES 2
Ler duas vezes o Mau Tempo no Canal de Nemésio por Rita Maltez “Por um lado, as sensações que temos ao relermos um livro podem ser diferentes consoante o nosso próprio estado de espirito do momento ou em função de alterações mais estruturais na nossa forma de pensar, ver, elaborar, problematizar e até sentir . E até em função da nossa própria abertura a novas sensações. Reli há pouco tempo o Mau Tempo no Canal. Talvez 20 anos depois de o ter lido a primeira vez. E desta vez, mais do que a história, e sem prejuizo dela, dei comigo a admirar a forma como é contada, o modo como são magistralmente usadas as palavras. E ia pensando: "Bem .. a história, é vulgar, a pobre rapariga enclausurada na ilha, com sonhos e aspirações, corajosa, voluntariosa, etc , etc.... . A forma de a contar é que é diferente. Isso é que marca a diferença deste livro." Quando, na minha primeira leitura, o que me agradou foi exactamente o enredo. E confesso que nem lembro de ter reparado na forma. Talvez nem soubesse reparar nela. Fui eu que mudei. (e reeditei, sem querer, o velho problema de saber se o que conta na arte é a forma ou ou conteúdo)” Ler duas vezes Clareiras no Bosque da Zambrano , Rui Magalhães Paixões e Singularidades , Herberto Helder e Ruy Belo por Maria P. "Clareiras no bosque" da Zambrano (musa das minhas parcas escritas, o livro não a autora, claro!!) e o apaixonado ensaio do Rui Magalhães "Paixões e Singularidades" (Angelus Novus). Depois a poesia toda do HH e do Ruy Belo, a que volto e revolto e não esgoto. O acto de reler nasce daqueles livros que nos provocam a "entrar pela janela"; que nos deixam a sensação de haver vários graus de leitura a explorar; nesses livros, a primeira leitura é muitas vezes um retirar a tampa, sem, ainda, colocar a mão no doce (ou no amargo). é fabulosa essa sensação de se estar a ler a mesma coisa e parecer que ela é sempre nova, que se renova aos nossos olhos. “ (url)
© José Pacheco Pereira
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