ABRUPTO

10.7.04


APOLOGIA DA DIVERSIDADE DO MUNDO


Christian Gottlieb Geissler

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EARLY MORNING BLOGS 248

É inútil dizer o que se pensa.
Se é frouxa a frase, é nada; e é vã se é intensa
Cada um compreende só o que sente,
E entre alma e alma a estupidez é imensa”
.

(Fernando Pessoa, lembrado por Pedro Marques Lopes)

*

Chegados à fase do “que fazer?”, vamos começar a falar do que é possível fazer, na sequência que se usava nas velhas reuniões associativas: “Informações. Análise da situação. Medidas a tomar”. É só um começo.Bom ânimo!

Bom dia!

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9.7.04


AMANHÃ

voltarei a falar dos TEMPOS DUROS que aí estão.
Adeus, silêncio.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Sobre a ICONOLOGIA DA FUTEBOLÂNDIA

"A “blusa patriótica da Senhora do Presidente”: reacção minha um pouco tardia, agora que já ninguém se lembra. Euro quê? E andava JPP preocupado com a síndrome de abstinência! Agora são transferências, contratações, mudanças de camisolas, medalhas, lavar de roupa suja, e todo o frenesim da pré-época!
Fiquei mais tranquila por ter percebido que não fui a única a estremecer de emoção com a visão de tão subtil gesto patriótico e respectivo adereço, (não vá o diabo tecê-las e ter sido criação personalizada, especialmente para o evento, do Augustus). Qual “suspense” para saber que criação levaria a Senhora em causa ao Casamento Real Espanhol! Nas meias-finais e na final do Euro, as nossas expectativas foram amplamente recompensadas e creio que não deixou nenhuma alma lusitana indiferente. Nada é deixado ao acaso nesta espontaneidade que o Futebol convida!

(Há casos em que nem com treino, nem com educação, nem com os dois!)

(não, não é maldade… antes fosse…)
"

(JPC)

*

Sobre TEMPOS DUROS

Le peuple avait sur la Convention une fenêtre ouverte, les tribunes publiques, et, quand la fenêtre ne suffisait pas, il ouvrait la porte et la rue entrait dans l´assemblée.» Victor Hugo, Quatrevingt-treize.

Vão longe os tempos da Convenção.

Vivemos em tempo de abulia, só os interesses corporativos determinam alguns movimentos e fazem barulho. Mas os interesses corporativos são, por natureza, reaccionários. O acantonamento dos discursos à esquerda e à direita não vai se não separar as claques, cada vez mais fanatizadas e menos esclarecidas. Fora delas, a multidão, continuará indolente. Como separar as manas siamesas e marcar a demagogia?

Compete-nos escolher, claro, mas a demagogia lá estará a pegar na mão de muita gente.


(Rui Fonseca)

*

Exacto; e é preciso não esquecermos a "pergunta de Croce" ( de Benedetto Croce), citada por Bobbio: " se dall'uso di un certo metodo nasce un certo sistema, cadendo il sistema, resta valido il metodo?" (Norberto Bobbio, "Dal fascismo alla democrazia; il regimi, le ideologie, le figure e le culture politiche", Baldini&Castoldi, Milano 1997 pp224).

(Filipe Nunes Vicente)

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EARLY MORNING BLOGS 247

Como el viento


Como el viento a lo largo de la noche,
Amor en pena o cuerpo solitario,
Toca en vano a los vidrios,
Sollozando abandona las esquinas;

O como a veces marcha en la tormenta
Gritando locamente,
Con angustia de insomnio,
Mientras gira la lluvia delicada;

Sí, como el viento al que un alba le revela
Su tristeza errabunda por la tierra,
su tristeza sin llanto,
su fuga sin objeto;

Como él mismo extranjero,
Como el viento huyo lejos.
Y sin embargo vine como luz.


(Luis Cernuda)

*

Bom dia!

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8.7.04


TEMPOS DUROS

Aproximam-se tempos duros na nossa vida política, seja qual for a decisão do PR. Haverá um maior radicalismo no discurso político, efeito da deserção do centro e do reforço dos extremos. Os alinhamentos, parte artificiais, parte naturais, das “esquerdas” e das “direitas” em blocos trarão mais veneno ideológico do que clarificação. Todos vão falar uma linguagem do passado, que é a que vem ao de cima quando o debate se faz debaixo das bandeiras da “esquerda” e da “direita”, num mundo cuja complexidade está para além do legado da revolução francesa e da revolução industrial que construíram essa dualidade arcaica. Depois da Bomba, depois do Holocausto, depois do Gulag, depois da globalização, depois da revolução mediática (no sentido de McLuhan), depois da Rede e das redes, depois do terrorismo apocalíptico, depois de tanta coisa, ainda tendemos a sentar-nos na Convenção como descrevia Victor Hugo no Quatre-vingt-treize:

“Qui voyait l'Assemblée ne songeait plus à la salle. Qui voyait le drame ne pensait plus au théâtre. Rien de plus difforme et de plus sublime. Un tas de héros, un troupeau de lâches. Des fauves sur une montagne, des reptiles dans le marais. A droite, la Gironde, légion de penseurs; à gauche, la Montagne, un groupe d'athlètes."


Todos vão acentuar a identidade dos extremos, que passarão a falar por dentro dos grandes partidos, adormecidos e acomodados, presos ao poder pela clientelização interna. O PP e o BE serão os fiéis de partidos que, ao abandonarem o centro político, perdem a possibilidade de terem maiorias estáveis de governo, maiorias absolutas. Nem o Diabo tem capacidade para escolher.
Temos que ser nós.

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INGENUIDADES

Existe em certos sectores da direita e da esquerda intelectual portuguesa a ilusão que um governo Santana Lopes será um governo que prosseguirá políticas liberais, ou, como pejorativamente agora se diz, “neo-liberais”. Enganam-se completamente. Se há coisa que em Portugal sofrerá com o populismo é o discurso genuinamente liberal. O populismo é nacionalista, defensor da closed shop, “social” e clientelar. O populismo será alicerçado em duas coisas muito próximas na vida política portuguesa: um discurso social, que pode mesmo chegar a ser socializante, e na gestão de clientelas. É uma fórmula muito eficaz em Portugal, potenciada agora pela forma como actuam os media.

Aliás a experiência de Santana Lopes na área da cultura é disso um bom exemplo. Não difere, a não ser nas clientelas e na simbólica cultural, da de Manuel Maria Carrilho. Um falava para as "vanguardas" outro para as "rectaguardas", ambos subsidiavam activamente. Basta ver como Eduardo Prado Coelho, um bom barómetro nos momentos decisivos, hesitou em condena-la, como num celebre debate - comício sobre a reconversão do Parque Mayer que passou na televisão há uns anos. É uma política à Malraux / Lang, com uma forte componente estatista e proteccionista, feita a favor da glória do estado, e pela glória dos governantes, a forma mais eficaz da propaganda moderna.

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ARTIGO DO PÚBLICO

Está publicado truncado da primeira frase:

"CRISE? QUE CRISE?

Não. Não é sobre a crise, nem sobre futebol, nem sobre Santana Lopes. Sobre todas estas coisas já disse o que tinha a dizer para já. É sobre o que está atrás, ao lado, em cima, à frente. Nós, os portugueses. Onde está o meu casal que protestava na Ponte 25 de Abril, há exactos dez anos?

*

Mais velho, certamente." (O resto está lá.)


Estou à procura a ver se coloco no Abrupto o artigo sobre o casal que atravessa a Ponte, publicado há dez anos. O casal é o mesmo, mudado pelo tempo. A crise também é a mesma, mudada pelo tempo.


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EARLY MORNING BLOG 246

Déserts où j'ai vécu dans un calme si doux


Déserts où j'ai vécu dans un calme si doux,
Pins qui d'un si beau vert couvrez mon ermitage,
La cour depuis un an me sépare de vous,
Mais elle ne saurait m'arrêter davantage.

La vertu la plus nette y fait des ennemis ;
Les palais y sont pleins d'orgueil et d'ignorance ;
Je suis las d'y souffrir, et honteux d'avoir mis
Dans ma tête chenue une vaine espérance.

Ridicule abusé, je cherche du soutien
Au pays de la fraude, où l'on ne trouve rien
Que des pièges dorés et des malheurs célèbres.

Je me veux dérober aux injures du sort ;
Et sous l'aimable horreur de vos belles ténèbres,
Donner toute mon âme aux pensers de la mort.


(François Maynard)

*

Bom dia!

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7.7.04


EARLY MORNING BLOGS 245

País de la ausencia
extraño país,
más ligero que ángel
y seña sutil,
color de alga muerta,
color de neblí,
con edad de siempre,
sin edad feliz.

No echa granada,
no cría jazmín,
y no tiene cielos
ni mares de añil.
Nombre suyo, nombre,
nunca se lo oí,
y en país sin nombre
me voy a morir.

Ni puente ni barca
me trajo hasta aquí,
no me lo contaron
por isla o país.
Yo no lo buscaba
ni lo descubrí.

Parece una fábula
que yo me aprendí,
sueño de tomar
y de desasir.
Y es mi patria donde
vivir y morir.

Me nació de cosas
que no son país;
de patrias y patrias
que tuve y perdí;
de las criaturas
que yo vi morir;
de lo que era mío
y se fue de mí.

Perdí cordilleras
en donde dormí;
perdí huertos de oro
dulces de vivir;
perdí yo las islas
de caña y añil,
y las sombras de ellos
me las vi ceñir
y juntas y amantes
hacerse país.

Guedejas de nieblas
sin dorso y cerviz,
alientos dormidos
me los vi seguir,
y en años errantes
volverse país,
y en país sin nombre
me voy a morir.


(Gabriela Mistral)


*

Bom dia!

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6.7.04



Klimt

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: "O SEU PORTUGAL É DIFERENTE DO MEU"

"O seu Portugal é diferente do meu. O seu Portugal é diferente daquele que nestas últimas 3 semanas fez um povo soltar-se e esquecer-se de querelas e rixas políticas. Dito isto, parecerá certamente que sou mais um daqueles jovens que desprezam a política e não estão devidamente alertados para a sua importância. Interesso-me por política, milito num partido e mesmo assim não consigo compreender as suas críticas incessantes contra o futebol. Chego até a perder algum tempo formulando possíveis explicações para tamanho répúdio. Aconselho-o a repensar a sua infância, procurar algum especialista, para ajudá-lo a desembaraçar-se de uma qualquer frustração que o leva a lançar sobre o futebol o anátema de indignidade. Sei que me vai dizer que não, que não é o futebol em si que é indigno, mas sim a atenção excessiva - a seu ver - que merece por parte da comunicação social e especialmente pelo tal "serviço público", como faz questão de notar ou da tão afamada promiscuidade futebol-política. Mas não é só isso. O Sr. não gosta mesmo de futebol. Mas repare, as pessoas já perceberam. Escusa de insistir. Escusa de se lamentar pelo estado pretensamente sub-desenvolvido do país, que para si, se manifesta na paixão desenfreada dos portugueses pelo Futebol. Fale do que sabe. A análise sociológica nunca foi o seu forte.
Aposto que terá sido um daqueles que mais torceu para que Portugal perdesse no dia 4. Seja sincero. Não escamoteie a verdade. O que o senhor gosta é de um povo deprimido e enconchado numa realidade pacata e tacanha. Deixe o povo sonhar (o futebol é algo que tende a propiciá-lo).

Relembrando agora um artigo seu no Público.. COISAS QUE TÊM QUE (LHE) SER DITAS

- Seja coerente. Criticar tudo e todos não é solução. Defina-se. Uma crítica pressupõe a adopção de uma solução contraposta, de um modelo que contrarie o criticado. A continuar assim, arrisca-se a ser comparado ao Miguel Sousa Tavares. Ser sempre do contra não o credibiliza. Procure ser a favor de alguma coisa. (Tanto espírito contestário poderá inclusive ser conotado com um comunismo letárgico ou até com experiências mais radicais, como p. ex., o anarquismo). Não quero que me reveja num qualquer Luís Filipe Menezes (abomino o personagem), mas cumpre perguntar: dê-me o nome de um líder do PSD que não tenha contestado?

- Deixe de estudar o comunismo. Acho ridículo. É algo que nunca percebi: um homem que se assume de centro-direita perder tanto tempo a estudar aquilo que mais veementemente critica. Fizesse antes uma biografia séria sobre Sá Carneiro, ao invés daquela que fez sobre Álvaro Cunhal, e teria tido um muito maior reconhecimento. Não sei se se conseque aperceber, mas a esquerda começa a gostar de si. Vê em si um aliado.

- Aprenda qualquer coisa com o Lobo Xavier.

- Os esoterismos não ficam bem a um homem, para mais ainda, de direita.

- Se não sente o país como o resto dos portugueses, não se esforce muito. Não queira ser mais um fleumático incompreendido, por estar "acima do seu tempo". Acredite: não é. "

(Tiago Geraldo)

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: O QUE É ISTO?



Não sei. Não se sabe. Ninguém sabe muito bem como interpretar as primeiras imagens do solo de Titã, a Lua de Saturno que parece viva. Gelo puro, parece haver. Lagos de metano, não aparecem. Continua a não se descobrir nenhum líquido fora da terra. Nuvens com uma composição química estranha, moléculas grandes de mais, também há. Água, parece haver, “misturada com outras coisas”, disse um cientista. “Outras coisas”? “Parece um gelado a derreter-se” disse outro. Uma espécie de congelador com as matérias primordiais, disse outro.

Magnífico, estamos bem.Sempre a abrir.

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EARLY MORNING BLOGS 244

La Fortune et le jeune Enfant


Sur le bord d'un puits très profond
Dormait étendu de son long
Un Enfant alors dans ses classes.
Tout est aux Ecoliers couchette et matelas.
Un honnête homme en pareil cas
Aurait fait un saut de vingt brasses.
Près de là tout heureusement
La Fortune passa, l'éveilla doucement,
Lui disant : Mon mignon, je vous sauve la vie.
Soyez une autre fois plus sage, je vous prie.
Si vous fussiez tombé, l'on s'en fût pris à moi ;
Cependant c'était votre faute.
Je vous demande, en bonne foi,
Si cette imprudence si haute
Provient de mon caprice. Elle part à ces mots.
Pour moi, j'approuve son propos.
Il n'arrive rien dans le monde
Qu'il ne faille qu'elle en réponde.
Nous la faisons de tous Echos.
Elle est prise à garant de toutes aventures.
Est-on sot, étourdi, prend-on mal ses mesures ;
On pense en être quitte en accusant son sort :
Bref la Fortune a toujours tort.


(La Fontaine)

*

Bom dia! Como diz a fábula: fiem-se na Virgem e não corram...

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5.7.04


POBRE PAÍS

o nosso.
No dia em que o Primeiro-ministro se demite, e em plena crise política, todos os noticiários da televisão, trinta minutos depois, só falam de futebol. Mastigam e mastigam e mastigam. Particularmente escandaloso no chamado “serviço público”, onde tudo o que é importante para Portugal e o mundo passa envergonhadamente na faixa de baixo a correr.
Vai ser bonito ver como vai funcionar a síndrome de abstinência, quando, pela enésima milionésima vez, já não se puder falar de futebol.

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PONTO SEM RETORNO


Eugene Delacroix, Prise de Constantinople par les Croisés

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES


"Segunda-feira perguntem aos jovens que apitam a noite toda por uma vitória num jogo de futebol “o que é Portugal?”

Segunda-feira saberemos um pouco menos o que é Portugal.
"

(João Miguel Amaro Correia)

*

"Decorrente do “essencial e acessório” (é impressionante como estes conceitos todos parecem unir-se num só, mas essa reflexão fica para os filósofos da linguagem) vou referir brevemente o “ser e parecer”. Hoje o que parece é, e um dos exemplos, entre tantos outros que poderia dar, mais gritante deste equívoco na nossa sociedade são os “famosos”. Habituámo-nos a olhar para os famosos como exemplos de algo conquistado, de mérito e esforço, ou do puro “glamour” que justificava a fama daqueles cuja profissão os expunha aos olhos de todos (locutores de televisão, actores, cantores, etc). Hoje é com alguma pena, senão mesmo com desdenhosa indiferença, que olhamos para os “famosos” que a sociedade fabrica. Não são famosos que se impõem por terem conquistado ou feito algo de relevo, não o são por mérito, nem sequer têm “glamour”. São de uma banalidade confrangedora, e em vez de fazerem “sonhar” alto com o seu trabalho, conquista, mérito ou “glamour”, a sua “igualdade” desperta sentimentos baixos de maledicência e inveja. Os famosos por mérito próprio estão nessa amálgama da “fama” que já não faz ninguém sonhar alto. Hoje qualquer pessoa é mediatizada e fabricam-se famosos a uma velocidade alucinante, que também rapidamente caiem no esquecimento. Também aqui a fasquia dos “critérios de qualidade” desce para essa noção de “ficarmos todos mais iguais”.

(JPC)

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EARLY MORNING BLOGS 244

Sonnet XVI: To the Lord General Cromwell


On the proposals of certain ministers at the Committee for Propagation of the Gospel

Cromwell, our chief of men, who through a cloud
Not of war only, but detractions rude,
Guided by faith and matchless fortitude,
To peace and truth thy glorious way hast plough'd,

And on the neck of crowned Fortune proud
Hast rear'd God's trophies, and his work pursu'd,
While Darwen stream with blood of Scots imbru'd,
And Dunbar field, resounds thy praises loud,

And Worcester's laureate wreath; yet much remains
To conquer still: peace hath her victories
No less renown'd than war. New foes arise

Threat'ning to bind our souls with secular chains:
Help us to save free Conscience from the paw
Of hireling wolves whose gospel is their maw.


(Milton)

*

Bom dia realidade!

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4.7.04


ELOGIO DO ALMOCREVE DAS PETAS



Este é o logótipo dos blogues de que eu gosto mais. Não gosto das letras, mas sim do fundo.

Que mais me interessa. Que mais me lembra. Quem já viveu em casas antigas reconhece aquele sótão, aquelas paredes, aqueles papéis, aquele ar, aquela poeira que está em cima de tudo. Reconhece o que aquilo é, os restos de vidas outras. Tudo aquilo já teve outro sentido. Já foi novo. Aqueles restos de jornais já foram lidos com interesse. Aqueles restos de mobílias, cadeiras a que falta uma perna, mármores de toucador partidos, camas de ferro enferrujadas, pequenas demais para os gigantescos adolescentes de hoje, espelhos sem espelho. Coisas que não servem, nem ninguém quis deitar fora. Até um dia.

Que mais Luz tem naquela luz. Que não me deixa parar de olhar. A Luz é platónica, é a luz da caverna: olhamos mas não vemos nada. Brilha demais.

O autor anónimo do Almocreve é um homem “antigo”, percebe-se. Iniciado, percebe-se. Alimentado por aquela Luz, percebe-se. As leituras, percebem-se. O sítio de Lisboa, percebe-se. Os alfarrabistas, percebe-se. Aquela mistura de surrealismo com bibliofilia, percebe-se. Aquela mistura de radicalismo político com memória, percebe-se. O bom observador percebe quase tudo daquele anonimato, mas não interessa. O homem sabe o que é um “almocreve”, sabe o que são “petas” e sabe o que é o “Almocreve das Petas”. E produz uma fala única, uma mistura única, uma leitura única.

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ICONOLOGIA DA FUTEBOLÂNDIA (Actualizado)

(Subsídios para um livro da Taschen)

1) A gravata da sorte do Primeiro-ministro.

2) O balneário como local onde se aprisionam os demónios do azar.

3) As meninas a cantarem o “Com uma força” transformado em “come-me à força”.

4) Uma portuguesa segura uma estátua de N. S. de Fátima com um cachecol da selecção.

5) A bandeira com os pagodes chineses.

6) A blusa patriótica da Senhora do Presidente da República.

7) O Presidente a chorar quando entregava as medalhas aos jogadores.

(Continua)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES : A GRAVATA DO PRIMEIRO MINISTRO, A IDA PARA O BALNEÁRIO DE GILBERTO MADAIL E , PORQUE NÃO, ESCREVER PARA O ABRUPTO

"Se bem me lembro era este o nome de um daqueles primeiros programas revolucionários da SIC, que louvam o realismo emotivo, igualitário e massificador e que, “por junto” e incluindo zapping, não devo ter conseguido ver mais de 5 minutos! Hoje roubo-lhe o título! Como sub-título proponho o “In vain have I struggled” (para citar o herói de Jane Austen in “Pride and Predjudice”).

Fica aqui um duplo pedido de perdão: por tornar o Abrupto “cúmplice” dos meus impulsos de irracionalidade, e por tentar explicá-los. Quando da primeira vez que exprimi o desejo de uma vitória futebolística da nossa Selecção numa nota para aí, para além da vontade natural de que ela ocorresse, andava mesmo nauseada com tanto tronco nu de inglês de cerveja na mão. Mas Portugal venceu! Da segunda vez que escrevi para aí essa intenção de vitória, foi “por brincadeira” e ela ia atrelada a uma outra nota. Mas Portugal venceu! Quando me lembrei que dessas duas vezes tinha escrito para aí, e Portugal tinha ganho, disse para comigo: “Não! Não vou ficar presa a essas tretas sem nexo nem objectividade; nem nada nem ninguém tem que aturar tais pseudo-superstições. Não volto a escrever essa intenção!” Repeti esta resolução (só não digo mantra porque é muito palavrosa e devo ter variado os vocábulos) várias vezes, para tentar apaziguar a exaltação emotiva e irracional que é o rasto deixado pelo futebol em nós. Tentei.

Mas hoje cedo de manhã, pouco após aquele mágico momento que é o “gathering oneself together”, já só tinha um pensamento e uma preocupação: encontrar oportunidade de, sem vergonha, para aí escrever: Espero que Portugal vença!

Porque se, por acaso, Portugal perder, que não seja por eu não ter cumprido o meu “ritual” e não ter exprimido a minha “fé” (até coro ao escrever esta palavra: isto sim, isto é que é pecado!) A irracionalidade venceu! E a vergonha na cara (que nunca está ausente por muito tempo) obrigou-me a estas explicações.
"

(JPC)

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EARLY MORNING BLOGS 243

La fortune de l'Hermaphrodite


Les dieux me faisaient naître, et l'on s'informa d'eux
Quelle sorte de fruit accroîtrait la famille,
Jupiter dit un fils, et Vénus une fille,
Mercure l'un et l'autre, et je fus tous les deux.

On leur demande encor quel serait mon trépas
Saturne d'un lacet, Mars d'un fer me menace,
Diane d'une eau trouble, et l'on ne croyait pas
Qu'un divers pronostic marquât même disgrâce.

Je suis tombé d'un saule à côté d'un étang,
Mon poignard dégainé m'a traversé le flanc,
J'ai le pied pris dans l'arbre, et la tête dans l'onde.

Ô sort dont mon esprit est encore effrayé !
Un poignard, une branche, une eau noire et profonde
M'ont en un même temps meurtri, pendu, noyé.


(François Tristan L'Hermite)

*

Bom dia!

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© José Pacheco Pereira
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