ABRUPTO

28.2.09


ÍNDICE DO SITUACIONISMO (55):
QUANDO A IMPRENSA "ASSUMIA", COMO QUEREM AS REVISTAS DO CORAÇÃO...



A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.



A sidonista Situação.

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ESPÍRITO DO TEMPO: "Доброго вам трудового дня!"



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)



Ontem em S. Luís (Odemira). (Irene Lima)



O Porto e o Douro hoje. (José Carlos Santos)



"Доброго вам трудового дня!" - Feliz dia de trabalho!
Fábrica de aparelhos eléctricos, cidade de Pskov. (João Tiago Santos)

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ÍNDICE DO SITUACIONISMO (54): TOMAR AS DORES DO PODER


A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.

Sequência nos noticiários da TSF: voz de Santos Silva respondendo a alhos com bugalhos, sobre a falta do Primeiro-ministro à reunião europeia contra a crise; voz de Manuela Ferreira Leite criticando o Primeiro-ministro por trocar uma festa de encerramento de um congresso pela ida à reunião. A sequência cronológica é a inversa, mas pode justificar-se O que não se justifica é o que se passa a seguir. A quem é que a TSF dá a última palavra neste assunto? Imaginem? Francisco Louçã, numa intervenção jocosa sobre a pouca importância do assunto e a irrelevância da reunião da UE... O balanço final é que é o PS a ter razão, dada por Louçã, num tom jocoso e de desprezo para Manuela Ferreira Leite...É assim que se trata um assunto claramente incómodo para o PS e Sócrates.

.SITUACIONISMO +5

*

(Continua)

porque esta foi uma grande semana para o situacionismo. Quando as coisas apertam, há que aliviar as dores do poder.

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 28 de Fevereiro de 2009.

Se, em vez de nos distrairmos com incidentes como o do quadro de Courbet, pequenina censura que se dissipou aos primeiros raios de Sol, déssemos atenção ao Congresso do PS e ao que diz Sócrates, grande censura vinda do poder político, sombria e agressiva, aplaudida, silenciada, perigosa? Muito perigosa, até porque é tratada com uma excessiva indiferença por uma comunicação social que, pelos vistos. acha normal que seus pares sejam atacados em palavras de comício violentas, destinadas a limitar a nossa liberdade de discutir matérias cívicas, destinadas a que não se possa discutir o caso Freeport, sem ser nos termos que convém ao Primeiro-ministro?

Não. É inaceitável que não se possa discutir o caso Freeport para além da discussão que interessa ao governo, que é a das fugas de informação. O caso Freeport tem entre outras coisas uma polícia estrangeira a investigar o Primeiro-ministro português por suspeitas de corrupção. Basta isso e nós não o podemos discutir? Não podemos discutir o que se passou quando o Primeiro-ministro, que usa o Freeport como arma de arremesso político à mais pequena oportunidade, se recusa a esclarecer o que deve, e que é muito? Quando estamos num país em que se pode, na Assembleia da República, inquirir sobre o BPN, e não passa pela cabeça de ninguém inquirir sobre o caso Freeport? Vejam lá se o BE tão lesto em pegar sempre nestas coisas, não vem sempre proteger Sócrates... E a oposição, se no início manteve silêncio e bem sobre o caso, não pode agora continuar calada quando Sócrates o transforma numa estratégia eleitoral. Discutir o caso Freeport é um dever cívico por muito que incomode o Primeiro-ministro, mesmo com base em fugas de informação, que só exigem prudência no seu uso e não censura do seu conteúdo.

É verdade que há uma investigação criminal (no caso do BPN também e isso não foi óbice), mas não é exigível civicamente saber-se o que se passou e o que se passa numa investigação criminal que põe seriamente em causa a justiça e a sua relação com o poder político? Não se pode inquirir sobre um licenciamento estranhíssimo de um grande empreendimento numa zona especialmente protegida numa comissão parlamentar? Não se pode discutir o que se sabe, porque alguma coisa (longe de ser a mais importante) que se sabe tem origem em fugas de informação? Desde quando é que o PS se inibiu alguma vez de discutir fosse o que fosse apenas porque teve origem em fugas de informação? Se for o BPN podemos discutir com base em fugas sem encher as páginas de "alegados", se for o Freeport é "alegados" às centenas...

Quando o Primeiro-ministro usa o caso Freeport para conduzir uma luta política, ao mesmo tempo que pretende chantagear quem o discute substantivamente ( e meus caros amigos há matéria para o fazer e não é pouca), não se pode ficar silencioso, que é o que ele quer. Nem se pode nomear a TVI e o Público como querendo "governar" o país fazendo um complot contra o governo e as excelsas virtudes do Primeiro-ministro, sem perceber que este homem quer amordaçar o mais pequeno vislumbre de irreverência e independência da comunicação social. Estivesse esta mais viva e menos situacionista e as palavras de Sócrates ontem dariam origem a uma indignação que nos faz falta em nome da liberdade. Porque este homem é perigoso, demasiado perigoso.

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COISAS DA SÁBADO: CASAMENTOS E ARGUMENTOS


Régulo Sene Sadé com a família.

A introdução de argumentos ad terrorem num debate normalmente estraga-o, sem esclarecer coisa nenhuma. No debate sobre o “casamento dos homossexuais”, a questão da proibição do incesto é um desses argumentos ad terrorem, embora quem diga que a lei nada deve ter a ver com a biologia, como fazem alguns defensores desse “casamento”, permita esse excesso. E, no limite, saber onde deve terminar a consanguinidade que impede o casamento entre parentes próximos, também já levanta complicações à simplicidade da recusa.

Pelo contrário, a questão da poligamia, ou se se quiser, do casamento poligâmico, já não pode ser considerada ad terrorem, mas tem sentido ser discutida no mesmo plano. Os defensores do casamento entre homossexuais recusam com veemência que a instituição do casamento possa estar associada à procriação, argumentando que há casamentos mesmo quando essa procriação é impossível ou improvável ou indesejada. Tal acontece no caso dos casais que não querem ter filhos, ou não os podem ter por razões médicas ou de idade. Mas, se na verdade o casamento se pode dissociar da procriação, como defendem os partidários do casamento homossexual, também se pode conceber o casamento sem ser monogâmico, como fazem os mormóns, ou os muçulmanos.

Se retirarmos a instituição do casamento do seu contexto religioso, histórico, cultural e civilizacional, que deixa ainda hoje abundantes traços no direito e nas políticas (a favor da família assente no casamento e na sua relação com a natalidade, na adopção, etc., etc.) nos países “ocidentais” e o tornarmos como mais uma forma de união de facto com outro nome, então a instituição do casamento pode assumir todas as formas livremente desejadas pelos “nubentes”, nem sei como lhes posso chamar. O casamento passa a ter “geometria variável” e toda a sociedade na sua estruturação também. Não é nada que já não aconteça, mas tem consequências que convinha discutir antes de embarcarmos em mais formas de “engenharia social”.

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EARLY MORNING BLOGS

1496 - On a Tree Fallen Across the Road

(To hear us talk)

The tree the tempest with a crash of wood
Throws down in front of us is not to bar
Our passage to our journey's end for good,
But just to ask us who we think we are

Insisting always on our own way so.
She likes to halt us in our runner tracks,
And make us get down in a foot of snow
Debating what to do without an ax.

And yet she knows obstruction is in vain:
We will not be put off the final goal
We have it hidden in us to attain,
Not though we have to seize earth by the pole

And, tired of aimless circling in one place,
Steer straight off after something into space.

(Robert Frost)

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27.2.09


COISAS DA SÁBADO: DUAS EUROPAS, A DOS GRANDES E A DOS PEQUENOS

Por falar em “geometria variável”, um típico eufemismo dos nossos dias, eu acho muito bem que o ministro Luis Amado proteste com a mesma aplicação de “variabilidade” das reuniões da UE, uma maneira politicamente correcta para dizer que passou a haver reuniões de primeira e de segunda, e Portugal está só nas de segunda. Só que não pode alegar surpresa e desconhecimento, porque muito do que aconteceu no processo europeu desde que se entrou na via fracassada e perigosa da Constituição e depois do Tratado de Lisboa, apontava para esta situação. Os defensores de “motores” e “cooperações reforçadas” também não se podem queixar, assim como os que aceitaram a institucionalização de directórios e maiorias demográficas em cada vez maior número de decisões.

O pior dos enganos será pensar que tudo isto acontece porque não há Tratado. Na verdade aquilo de que se queixa o finlandês Alexander Stubb, de que se está a “destruir o método comunitário” de decisão e a criar um sistema “intergovernamental”, foi o principio orientador de muitas mudanças inscritas no Tratado, onde a igualdade dos estados é posta em causa, onde a Comissão perde poderes a favor do Conselho e do Parlamento e onde figuras como um presidente da UE competiriam com o presidente da Comissão. Não admira pois que os “poderosos” decidam entre si sem consultar os “fracos” e que o Presidente da Comissão vá às reuniões de órgãos informais que não existem nos tratados de que é guardião, para dar cobertura ao que lá se dedide. Queriam um upgrade da UE e tiveram um downgrade. Não foi por falta de serem prevenidos.

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24.2.09


EARLY MORNING BLOGS

1495 - Am stram gram

Am stram gram
Pique et pique et colégram
Bourre et bourre et ratatam
Am stram gram

(Cantilena anónima)

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23.2.09


APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA

O Apóstolo Santiago, naquela sua eloquentíssima Epístola, compara a língua ao leme da nau e ao freio do cavalo. Uma e outra comparação juntas declaram maravilhosamente a virtude da rémora, a qual, pegada ao leme da nau, é freio da nau e leme do leme. E tal foi a virtude e força da língua de Santo António. O leme da natureza humana é o alvedrio, o piloto é a razão: mas quão poucas vezes obedecem à razão os ímpetos precipitados do alvedrio? Neste leme, porém, tão desobediente e rebelde, mostrou a língua de António quanta força tinha, como rémora, para domar a fúria das paixões humanas. Quantos, correndo fortuna na nau Soberba, com as velas inchadas do vento e da mesma soberba que também é vento), se iam desfazer nos baixos, quejá rebentavam por proa, se a língua de António, como rémora, não tivesse mão no leme, até que as velas se amainassem, como mandava a razão, e cessasse a tempestade de fora e a de dentro? Quantos, embarcados na nau Vingança, com a artilharia abocada e os bota-fogos acesos, corriam enfunados a dar-se batalha, onde se queimariam ou deitariam a pique, se a rémora da língua de António lhe não detivesse a fúria, até que composta a ira e ódio, com bandeiras de paz se salvassem amigavelmente? Quantos, navegando na nau Cobiça, sobrecarregada até às gáveas e aberta com o peso por todas as costuras, incapaz de fugir, nem se defender, dariam nas mãos dos corsários com perda do que levavam e do que iam buscar, se a língua de António os não fizesse parar, como rémora, até que, aliviados da carga injusta, escapassem do perigo e tomassem porto? Quantos, na nau Sensualidade, que sempre navega com cerração, sem sol de dia, nem estrelas de noite, enganados do canto das sereias e deixando-se levar da corrente, se iriam perder cegamente, ou em Cila, ou em Caribdis, onde não aparecesse navio nem navegante, se a rémora da língua de António os não contivesse, até que esclarecesse a luz, e se pusessem em vista?

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CAÇA E RECOLECÇÃO (21): QUEM MANDA NAS PALAVRAS, MANDA EM NÓS

Este interessante panfleto inglês do tempo da II Guerra mostra a luta entre ingleses e alemães por quem manda nas palavras (*). Um dos homens envolvido neste combate foi George Orwell que, no 1984, mostrou o papel fundamental do poder político totalitário e da propaganda em acabar com o oldspeak a favor do newspeak.
By 2050—earlier, probably—all real knowledge of Oldspeak will have disappeared. The whole literature of the past will have been destroyed. Chaucer, Shakespeare, Milton, Byron—they'll exist only in Newspeak versions, not merely changed into something different, but actually contradictory of what they used to be. (...) The whole climate of thought will be different. In fact there will be no thought, as we understand it now. Orthodoxy means not thinking—not needing to think. Orthodoxy is unconsciousness.
Poucos livros são mais actuais do que o 1984 para compreender como no mundo de hoje falamos cada vez mais newspeak, substituimos a linguagem do real (eu sei que o termo é ambíguo, mas nós também sabemos muito bem o que ele pretende dizer e tem a ver com essa palavrinha maldita nos nossos dias, a "verdade") pela da propaganda, do marketing e da publicidade. Por detrás do newspeak, que domina a comunicação social e a política dos nossos dias, está a travar-se um dos últimos combates do oldspeak, combate que está muito longe de se traduzir apenas pelo domínio do político, mas é também do domínio do cívico, da democracia. Da qualidade da democracia, da espessura da democracia. Os partidários do newspeak querem reduzir a linguagem às "percepções" mediáticas e os do oldspeak a um velho, antiquado e pouco mediático conceito de verdade, ou melhor, para não nos enredarmos em filosofias, numa vontade de verdade.

Veja-se o contraste entre o que dizem Manuela Ferreira Leite e Passos Coelho sobre a mesma coisa:
1

- É difícil falar verdade aos portugueses?

- Eu admito que seja difícil mas é gratificante. E é difícil porque a verdade é algo que leva mais tempo a assimilar do que a mentira bem montada. Eu não falarei nunca nem em mentiras bem montadas nem pouco montadas. É evidente que a linguagem da verdade nem sempre é aquilo que as pessoas querem ouvir e os políticos têm muito a tentação para dizer aquilo que as pessoas querem ouvir e não aquilo que é a verdade. Nesse sentido é mais difícil. (Manuela Ferreira Leite)

2
- É por a actual liderança ser fraca que é importante haver uma alternativa sempre presente?

É um jogo de percepções. Se a sociedade em geral percepcionar como mais relevante a actividade daquele que não ganhou, isso significa que o que ganhou não está a fazer o que deve. (Pedro Passos Coelho)
No Mar Salgado, Filipe Nunes Vicente percebeu-o muito bem:
2009 vai opor uma encenação para o poder ( Sócrates e Passos Coelho) a uma conquista da cidade ( MFL). Vamos ver.
Vamos ver. Também eu vou ver, porque, contrariamente ao newspeak dos nossos dias, não entendo as coisas em termos do sobe e desce, de setinhas para cima ou para baixo, nos jornais. Uma coisa eu sei, é o "bom combate". Como o destas caricaturas:





(*) Este panfleto faz parte do espólio de Joaquim Barros de Sousa que foi oferecido pelo próprio para o meu arquivo.

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EARLY MORNING BLOGS

1494

There was a Young Lady of Dorking,
Who bought a large bonnet for walking;
But its colour and size,
So bedazzled her eyes,
That she very soon went back to Dorking.

(Edward Lear)


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22.2.09


PLATÃO, A CAVERNA E O "PACTO"


Imagina uma caverna subterrânea que tem a toda a sua largura uma abertura por onde entra livremente a luz e, nessa caverna, homens agrilhoados desde a infância, de tal modo que não possam mudar de lugar nem volver a cabeça devido às cadeias que lhes prendem as pernas e o tronco, podendo tão-só ver aquilo que se encontra diante deles. Nas suas costas, a certa distância e a certa altura, existe um fogo cujo fulgor os ilumina, e entre esse fogo e os prisioneiros depara-se um caminho dificilmente acessível. Ao lado desse caminho, imagina uma parede semelhante a esses tapumes que os charlatães de feira colocam entre si e os espectadores para esconder destes o jogo e os truques secretos das maravilhas que exibem. (Platão)
Só faltava mais esta do "pacto". Num destes dias de ficção comunicacional, vivemos sob o espectro do "pacto". Vitalino Canas terá dito ao Jornal de Negócios que "hoje em dia, tendo em conta as dificuldades, seria obviamente importante haver o maior consenso possível", a partir de uma putativa interpretação de palavras de Manuela Ferreira Leite. Seja como for, a comunicação social tomou as palavras como sendo a sério e transformou-as num caso que durou um dia. Durou um dia, mas durou. E num dia que tem significado para se perceber como funciona a vida política hoje no grande palco mediático, onde personagens não muito diferentes das do Second Life passeiam num jogo de luz e escuridão que pouco tem a ver com a cidade que está lá em baixo. Onde há cada vez mais sombra, tanta mais sombra quanto já quase nada mais vemos do que aquilo que os holofotes dos media querem que vejamos, por dolo ou por show business, vai dar quase ao mesmo. É uma coisa de caverna, de gente que tem umas grilhetas que os fazem ver apenas fantasmas e não o Sol, que se passeia "twitando" e "blogando" imbecilidades uns aos outros, distraídos pela intensidade do espectáculo, e condenados a viver na "opinião comum", a doxa dos gregos. Platão, claro. Platão, what else?, diria Clooney à volta da máquina dos cafés.



Um dos órgãos de comunicação social que se centraram no "pacto" foi a TSF, que lhe dedicou um Fórum. Uma avalanche de palavras para nada, mas é assim que nós estamos cada vez mais, niilistas. O nada tem sempre boa imprensa. Na abertura e durante o tempo que quis, o ministro Santos Silva (que tem sempre o tempo que quer e quando quer nos órgãos de comunicação social, a começar por aqueles que tutela) que é o mais agressivo ministro político deste Governo, depois do primeiro-ministro, ele que conduz quase sempre as operações políticas de ataque à oposição, dedicou-se inteiramente à sua função. Para lhe responder, do outro lado, com uma pequena faca, diante da metralhadora, ninguém.

Santos Silva não se colocou fora da possibilidade retórica de um "pacto", mas explicou o que ele significava: apoio e subordinação do PSD às políticas do Governo face à crise. Utilizou uma linguagem hábil, na qual o Governo deixava de ser o sujeito da política, antes o sendo as "empresas, as famílias e as pessoas". O PSD deveria "apoiar as empresas, as famílias e as pessoas" a combaterem a crise. Como? Apoiando as políticas que estão no terreno para ajudar "as empresas, as famílias e as pessoas", ou seja, as políticas do Governo, assim transformadas num intangível facto que só os homens maus e pérfidos da "política" e dos "partidos" podiam pôr em causa. Como é que alguém pode contestar tal bondade de "apoiar as empresas, as famílias e as pessoas"? Ninguém, a não ser os que querem o mal "às empresas, às famílias e às pessoas", ou seja, ao Governo que tão bem cuida dos seus interesses nestes dire straits. Tudo funciona em círculo vicioso e fora desse círculo só pode haver erro e maldade.

As políticas do Governo não têm contestação, como também não se pode questionar se elas serão certas ou erradas - impossível, este Governo nunca erra -, se chegam tarde de mais - chegam sempre quando têm que chegar -, se são suficientes - são sempre suficientes, mesmo quando se têm que somar mais milhões a uma política que há quinze dias era "suficiente" -, e se tem rumo e direcção - têm sempre, mesmo quando são guiadas pelas estrelas.


A linguagem é viciosa - Santos Silva sabe muito bem do valor das palavras, como afirmou numa nova entrevista à RTP no dia seguinte ao Fórum - e é fantasmática. Orwell explicou bem este processo: quem manda nas palavras manda em nós e o ministro Santos Silva manda muito bem nas palavras e, fora do seu círculo vicioso, não há realidade. Estamos na caverna, obviamente, de costas para o conhecimento e virados para a propaganda. Sofisticada, hábil, mas semelhante à retórica dos sofistas que Platão queria combater, sem ofensa para os sofistas. Uma vez mergulhados na escuridão, tomando as sombras pelas coisas, não sabemos sequer como escapar. Como é que podemos saber, se nunca as vimos?
Que julgas tu que responderia se lhe dissessem que até então apenas vira fantasmas e que agora tem ante os olhos objectos mais reais e mais próximos da verdade? Se lhe mostrarem imediatamente as coisas à medida que se forem apresentando, e se for obrigado, à força de perguntas, a dizer o que é cada uma delas, não ficará perplexo e não julgará que aquilo que dantes via era mais real do que aquilo que agora se lhe apresenta? (Platão)
O universo mediático-político em que vivemos, usando o vocabulário comum, com a distanciação do real, a obsessão pela imagem e pela encenação, empobrecido e devastado pela crescente ignorância dos seus actores, políticos e jornalistas, ofuscado pela espectacularidade, tornou-se um poderoso ecrã que se interpõe entre a nós e a realidade. Às vezes duvido se haverá essa coisa subtil que é o real, mas recordo sempre, quando me lembro - ah! estas reminiscências! - de que há pobreza, desemprego, vidas difíceis, insegurança, doença e morte. Lá fora.

Voltemos ao "pacto", a nossa distracção desta semana. O problema com estas histórias de "pactos" é que basta falar deles e fica muita gente a salivar pavlovianamente. Uma das doenças da nossa vida pública, tardio e serôdio resto do nosso pós-salazarismo, é a mania do "consenso", dito em linguagem vulgar, "não percebo por que é que os partidos (ou os políticos) não se entendem e trabalham todos juntos para o bem do país". Como estamos numa enorme crise e ainda a vamos ter maior do que enorme, esta vontade de que nos "entendamos" todos é uma força poderosa. Fala-se em "pacto" e quem o propõe fica no andar de cima e quem o recusa, na cave.

O ministro Santos Silva sabe muito bem disto. Sabe muito bem que por muito que as elites namorem a ideia da "ruptura" e do "confronto" - na verdade, mais namorem do que pratiquem - do que toda gente gosta é que nos entendamos. E sabe muito bem que as democracias não foram feitas para que nos "entendamos", mas para que nos confrontemos pelas regras do debate público e que decidamos pelas regras da democracia e da lei. Noutro contexto, para justificar o seu "malhar na direita", ele disse-o e bem. Mas, aqui, ficou doce que nem um passarinho. Querem vir connosco na arca bíblica de Noé, a única que nos dá a salvação e nós vos abrimos os braços; querem ficar de fora, chuva e vento e raios vos esperam. Ou estão condenados a Sodoma e Gomorra, embora falar destas cidades de vícios precisos não seja hoje muito politicamente correcto.
Pois, meu querido Glauco, é essa, precisamente, a imagem da condição humana. A caverna subterrânea é este mundo visível; o fogo que a ilumina, a luz do Sol; o prisioneiro que ascende à região superior e a contempla é a alma que se eleva até à esfera do inteligível. (Platão)
E andamos assim, de dia para dia, na ficção e no nada, sem um debate público que sirva a vida pública, mandados pelo poder, cujas palavras "mandam" mais porque vêm do local certo, com uma democracia doente, imersa num espectáculo pobre com maus actores e pior enredo.

(Versão do Público de 21 de Fevereiro de 2009.)

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EXTERIORES: CORES DE HOJE



Fim da tarde. (RM)



Hoje de manhã na Foz do Douro. (José Carlos Santos)

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BIOGRAFIAS DO NADA: "QUERIA COISAS MAIS DIRECTAS"

A mania muito portuguesa do dropping names para mostrar cultura dá como resultado o Concerto para Violino de Chopin e as mesas de cabeceira sempre cheias de Eça de Queiroz. Passos Coelho em mais uma entrevista do nada, - o mais significativo da entrevista é o acto de dá-la na pose de "candidato" -, resolveu atribuir-se também uma biografia do nada. Esta lista de leituras tem um pequeno problema para além da sua implausibilidade, é que não existe nenhuma Fenomenologia do Ser de Sartre, que eu saiba. Basta percorrer a lista de obras de Sartre para ver que não há nenhum livro com esse título, a não ser que seja um obscuro artigo que desconheço. "Fenomenologias" só conheço as de Hegel e de Husserl, nenhuma das quais na sua espessura e linguagem são livros que alguém, a não ser os especialistas de filosofia, podem dizer ter "lido". O subtítulo do O Ser e o Nada de Sartre é "Essai d'ontologie phénoménologique" e remete para a obra de Heidegger que também tem lá um "ser", mas, de novo, nenhuma destas obras são algo que alguém diga que se senta numa cadeira, pela fresca da tarde, a ler os "tijolos" de Sartre e Heidegger, porque tem "interrogações existenciais". Só quando não se faz a mínima ideia do que são estas obras, é que se pode falar assim delas, mesmo das inexistentes.

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COISAS SIMPLES



(Max Liebermann)

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EARLY MORNING BLOGS

1493 - Words

The world does not need words. It articulates itself
in sunlight, leaves, and shadows. The stones on the path
are no less real for lying uncatalogued and uncounted.
The fluent leaves speak only the dialect of pure being.
The kiss is still fully itself though no words were spoken.

And one word transforms it into something less or other--
illicit, chaste, perfunctory, conjugal, covert.
Even calling it a kiss betrays the fluster of hands
glancing the skin or gripping a shoulder, the slow
arching of neck or knee, the silent touching of tongues.

Yet the stones remain less real to those who cannot
name them, or read the mute syllables graven in silica.
To see a red stone is less than seeing it as jasper--
metamorphic quartz, cousin to the flint the Kiowa
carved as arrowheads. To name is to know and remember.

The sunlight needs no praise piercing the rainclouds,
painting the rocks and leaves with light, then dissolving
each lucent droplet back into the clouds that engendered it.
The daylight needs no praise, and so we praise it always--
greater than ourselves and all the airy words we summon.

(Dana Gioia)

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21.2.09


ÍNDICE DO SITUACIONISMO (53):
O PEDIDO DE DESCULPAS DO EMPREGADO AO PATRÃO


A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.

Poucas atitudes dizem mais da governamentalização da RTP do que este pedido de desculpas ao Ministro Santos Silva, o ministro que manda na casa. É que é tão pouco comum um órgão de informação pedir desculpas por este tipo de coisas, (desconheço aliás qualquer outro caso semelhante), como, se se considera que isto foi um erro, a RTP tem muitos mais pedidos de desculpas a fazer a muita gente. Por exemplo, a quem coloca a imagem e as declarações no ecrã e uma frase crítica que as contraria no rodapé.

Fosse outro o interlocutor e outras as circunstâncias, o queixoso levava com uma sarabanda a dizer que os jornalistas não tem que dar explicações dos seus critérios editoriais e que a distinção entre aquilo que diz Santos Silva como Ministro e o que diz como dirigente do PS não pode ser aceite por um órgão de comunicação como ele desejaria que acontecesse. Porque é suposto que o Ministro dos Assuntos Parlamentares não fale aquela linguagem nem num sítio nem no outro, e porque, tanto quanto se saiba, ele não padece da disfunção do Dr. Jekyll e do Senhor Hyde. Uma coisa sabemos ao certo, é que quem foi entrevistado pela RTP foi o patrão da RTP.

..SITUACIONISMO +5

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COISAS COMPLICADAS



(Max Liebermann)

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EARLY MORNING BLOGS

1492 - Georgia Beach

In winter the beach is empty
but south, so there is no snow.

Empty can mean either
peaceful or desolate.

Two kinds of people walk here:
those who think they have love
and those who think they are without it.

I am neither one nor the other.

I pick up the vacant shells,
for which open means killed,
saving only the most perfect,
not knowing who they are for.

Near the water there are skinless
trees, fluid, grayed by weather,
in shapes of agony, or you could say
grace or passion as easily.
In any case twisted.

By the wind, which keeps going.
The empty space, which is not empty
space, moves through me.

I come back past the marsh,
dull yellow and rust-colored,
which whispers to itself,
which is sad only to us.

(Margaret Atwood)

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20.2.09


EXTERIORES: CORES DE HOJE



Ensaio na Casa da Música. (MJ)

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ÍNDICE DO SITUACIONISMO (52):
A QUESTÃO FREEPORT NA COMUNICAÇÃO SOCIAL (22)


A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.

Agora que há um claro upgrade no processo Freeport, com arguidos por "corrupção activa", a RTP volta a colocar o caso num alinhamento secundário do telejornal das 13 horas. A SIC e a TVI abriram com o caso Freeport, a RTP não. Gostava de saber que critério jornalístico explica a razão pela qual a RTP desvaloriza sistematicamente este caso e se recusa a ter uma atitude de investigação activa, ignorando o que já todos os outros órgãos noticiam sobre os arguidos do processo, andando sempre várias notícias atrasadas, quando as dá, o que nem sempre acontece.

*
No Mar Salgado:

A abertura do noticiário da RTP das 13 horas é sobre uma greve de enfermeiros. As outras televisões abrem, e bem, com a notícia do dia: Manuel Pedro e Charles Smith foram constituídos arguidos no caso Freeport. Depois venham queixar-se do Pacheco Pereira.
Ainda mais ranço: quando as notícias do caso Freeport eram favoráveis ao governo - estou a lembrar-me das declarações da senhora Procuradora -, o mesmo telejornal abriu com elas. A única coisa boa é que isto já é às claras.
No Cachimbo de Magritte:

Imagino que, a esta hora, está o João Marcelino a marinhar pelas paredes, 'estarrecido' em choque patriótico. Então não é que os telejornais da SIC e da TVI estão, há já três ou quatro longos minutos, numa orgia de 'ódio e perseguição', a passar peças e reportagens em directo a respeito da audição, hoje, de "suspeitos" no "caso" Freepor(t)?... E atrevem-se mesmo, neste momento estarrecedor em que escrevo, a mencionarem um "tio do p*******-m*******" ou referem mesmo o antigo ministro do Ambiente de Guterres pelo seu nome! Não acredito nos meus olhos: o 'delírio justiceiro' chegou ao ponto de estarem a incomodar José S*******, imerso num apressado labor governativo, pedindo-lhe comentários e, vejam só, fazendo-lhe perguntas - isto é, insultos.

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EXTERIORES: CORES DE HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)




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COISAS DA SÁBADO:
CORRUPÇÃO, FORTUNAS INEXPLICÁVEIS, TEMPOS DE CRISE




A corrupção, o enriquecimento ilícito, o tráfico de influências e qualquer dos crimes associados ao exercício de cargos públicos, ganha uma especial acuidade na consciência popular nos momentos em que muitos portugueses estão a sofrer uma drástica quebra da sua qualidade de vida. O mesmo acontece quando, mesmo sem haver condenação judicial de crimes, o comportamento de responsáveis políticos não é claramente explicado, sem vitimizações nem conspirações, face a factos que levantam legítimas suspeitas. Vivemos hoje um ambiente desse tipo, e todos os dias as notícias alimentam uma perigosa sensação de impunidade dos poderosos e de ineficácia, quando não de complacência, da justiça. Os magistrados queixam-se que o “sistema é garantista” em demasia e de que é quase impossível levar um corrupto a tribunal e condená-lo. Outros dizem que existe uma geral incompetência na justiça, quando não a sua “captura” (a palavra é interessante no seu eufemismo) dessa mesma justiça pelos interesses, principalmente a nível local e a nível nacional quando se trata das mais altas esferas do estado. Seja como for não estamos bem. Estamos mesmo muito mal.

Nos últimos dias a colheita de notícias sobre malfeitorias na banca, com relevo para o BPN, envolvendo figuras do PSD, e no caso Freeport envolvendo o Primeiro-ministro, soma-se agora o que o Correio da Manhã tem publicado sobre Mesquita Machado e a sua família em Braga. A base dos trabalhos do jornal é uma investigação da PJ que foi arquivada por falta de provas, mas o manancial de factos referidos merece reflexão porque mostram a existência de bens, rendimentos, fortuna longe de estarem explicados. E, do ponto de vista do debate público numa democracia, isto deve ser discutido e não tenho dúvidas que em Braga se discute e muito. Braga está no centro de uma das zonas mais deprimidas pela crise, com inúmeras famílias atingidas pelo desemprego e o autarca em causa é um dos mais conhecidos do PS. O caso não é local é nacional e sabe-se há muito que o ambiente de autoritarismo e perseguição, assim como o controlo da comunicação social, são a regra em Braga, atingindo a esquerda e a direita da cidade que se queixam perante a indiferença nacional.

O que se passa hoje é que nos encontramos cada vez mais com factos e cada menos com “provas”. Eu sei que o caminho entre uma coisa e outra é fundamental para haver estado de direito e para a presunção de inocência, um valor fundamental. Sei também que os políticos não são cidadãos menores nos seus direitos e que são alvos de muitas injustiças e vinganças, que destroem reputações e vidas sem qualquer outra razão do que suspeitas mais ou menos manipuladas. Mas sei também esta verdade simples e que repito: não se pode enriquecer na vida pública. Repito: não se pode enriquecer na vida pública com os salários, mesmo com as regalias, mesmo com uma gestão cuidadosa de salários que são mesmo assim acima dos de muitos portugueses, mas não são salários milionários. Dão para viver bem, mas não dão para enriquecer. Por isso, não havendo fortuna pessoal ou fonte conhecida de rendimentos e bens, a aquisição de verdadeiras fortunas durante o exercício de cargos públicos é matéria de escândalo público e devia ser matéria de justiça.

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ÍNDICE DO SITUACIONISMO (51):
A "CAMPANHA NEGRA" NO CARNAVAL DE TORRES VEDRAS DE 2006


A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.



Para ser vista pelos editorialistas indignados com a "campanha negra" do cartaz da JSD. Imagem aqui num conjunto de fotografias do Carnaval de Torres Vedras de 2006... Será que este ano pode ser proibida?

(Em complemento de outros exemplos de "campanhas negras".)

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ÍNDICE DO SITUACIONISMO (50):
QUEM SE METE COM OS JORNAIS LEVA


A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.

Não é só quem se mete com o PS que "leva", na interessante frase de Jorge Coelho. É também quem se mete com os jornais que "leva" igualmente. O problema é que quem lê os jornais (ouve rádio, vê televisão) muitas vezes não consegue distinguir as notícias normais dos momentos em que o jornal "dá" nos que se metem com eles. O nível de vingança disfarçada e de pequenos ajustes de contas nos jornais é elevado e escapa à percepção pública. Umas vezes é em secções tipo "Gente", outras na maneira como sistematicamente o reporting sobre uma determinada personagem ou organização é negativo, depreciativo ou mesmo hostil.


As capas entusiasmadas com Elisa Ferreira do Público e do Jornal de Notícias e as outras capas do mesmo dia.

O Público e o Jornal de Notícias têm conflitos antigos com Rui Rio. Em nenhum destes jornais o reporting sobre o Porto (feito pela redacção do Porto do Público e pela redacção do Jornal de Notícias) deixou de o combater de mil e uma maneiras. Agora rejubilam com a candidatura de Elisa Ferreira, dando-lhe um tratamento entre o muito simpático e o apologético. Basta comparar as capas e o interior dos jornais, desde as setas para cima, até às múltiplas afirmações de apoio à candidata, a sua valorização em termos de suporte eleitoral (mundo da "cultura", futebol, Pinto da Costa, etc.) e de cuidado tratamento gráfico. Muito bem, aqui está um caso em que se justificava, pelo respeito aos seus leitores, um apoio editorial que nos esclarecesse que o jornal tinha tomado uma posição favorável a Elisa Ferreira e ao PS e hostil a Rio e ao PSD. Os leitores merecem isso, em vez de apoios disfarçados de notícias. Sempre terei muita curiosidade em ver a que candidatos autárquicos o Público e o Jornal de Notícias vão dar o mesmo tratamento de favor.

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© José Pacheco Pereira
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