ABRUPTO

31.3.05


NO MEIO

de milhares de quilómetros de mar para todo o lado, em cima de uma rocha de lava, aberto a um vento pouco ameno, é nestes dias escrito o Abrupto. Amanhã descerei a uma cratera, depois de amanhã sentirei o enxofre noutra, depois de depois de amanhã apanharei uma pedrinha de basalto como sinal de que não me esqueço. A obra ao negro.

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29.3.05


AR PURO


C. Monet

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EARLY MORNING BLOGS 461

Brumes et pluies

Ô fins d'automne, hivers, printemps trempés de boue,
Endormeuses saisons ! je vous aime et vous loue
D'envelopper ainsi mon coeur et mon cerveau
D'un linceul vaporeux et d'un vague tombeau.

Dans cette grande plaine où l'autan froid se joue,
Où par les longues nuits la girouette s'enroue,
Mon âme mieux qu'au temps du tiède renouveau
Ouvrira largement ses ailes de corbeau.

Rien n'est plus doux au coeur plein de choses funèbres,
Et sur qui dès longtemps descendent les frimas,
Ô blafardes saisons, reines de nos climats,

Que l'aspect permanent de vos pâles ténèbres,
- Si ce n'est, par un soir sans lune, deux à deux,
D'endormir la douleur sur un lit hasardeux.

(Baudelaire)

*

Bom dia!

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28.3.05


PREPARANDO-ME DE NOVO

para os caminhos de basalto, para onde o ar, a terra e o mar são turbulentos, fervem por dentro, crescem e baixam, porque a terra é viva. Cada um escolhe a chuva com que se molha. Haverá notícias vulcânicas, em breve.

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AR PURO


C. Monet

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EARLY MORNING BLOGS 460


Ma chaumière


Ma chaumière aurait, l'été, la feuillée des bois pour
parasol, et l'automne, pour jardin, au bord de la fenêtre,
quelque mousse qui enchâsse les perles de la pluie, et
quelque giroflée qui fleure l'amande.

Mais l'hiver, - quel plaisir, quand le matin aurait secoué
ses bouquets de givre sur mes vitres gelées, d'apercevoir
bien loin, à la lisière de la forêt, un voyageur qui va
toujours s'amoindrissant, lui et sa monture, dans la neige
et la brume !

Quel plaisir, le soir, de feuilleter, sous le manteau de
la cheminée flambante et parfumée d'une bourrée de geniè-
vre, les preux et les moines des chroniques, si merveil-
leusement portraits qu'ils semblent, les uns jouter, les
autres prier encore !

Et quel plaisir, la nuit, à l'heure douteuse et pâle, qui
précède le point du jour, d'entendre mon coq s'égosiller
dans le gelinier et le coq d'une ferme lui répondre faible-
ment, sentinelle juchée aux avant-postes du village endormi.,

Ah ! si le roi nous lisait dans son Louvre, - ô ma muse
inabritée contre les orages de la vie ! - le seigneur
suzerain de tant de fiefs qu'il ignore le nombre de ses
châteaux ne nous marchanderait pas une chaumine !


(Aloysius Bertrand)


*

Bom dia!

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UMA FORMA PARTICULAR DE DESERTO

cresce nestes dias. A normalidade? O fim dos problemas? O governo finalmente ideal? A graça do estado de graça? Os noticiários televisivos dedicam-se às doenças, entre o alarmismo e o caso humano. Uma lontra nasce em directo. Volta-se ao circo, agora a sério, pelo pitoresco. Os ecologistas assumem o primeiro plano dos grandes problemas nacionais: os animais do circo são maltratados? Três golfinhos apareceram mortos numa praia. Crime ou petróleo? Lá para o Norte fazem-se os folares, lá para o Sul a chuva acabou com a seca. O futebol continua sempre com o mesmo interesse, parece que também normalizado.

Pobres daqueles que duvidam de tanta fartura. Deviam era estar contentes e fazer férias longe, esquecer o fim do Pacto de Estabilidade, esquecer a "tenebrosa" directiva Bolkestein, esquecer as estranhas manobras à volta da Alta Autoridade para a Comunicação Social acerca da compra do grupo Lusomundo, entregar o país ao humor e às “celebridades”. O reino do bem voltou. Mostrem-se agradecidos e dediquem-se às lontras bebés.

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27.3.05


COISAS SIMPLES


Kuzma Petrov-Vodkin

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EARLY MORNING BLOGS 459

E eu te encontrei, num alcantil agreste,
Meia quebrada, ó cruz. Sozinha estavas
Ao pôr do Sol, e ao elevar-se a Lua
Detrás do calvo cerro. A soledade
Não te pôde valer contra a mão ímpia,
Que te feriu sem dó. As linhas puras
De teu perfil, falhadas, tortuosas,
Ó mutilada cruz, falam de um crime
Sacrílego, brutal e ao ímpio inútil!
A tua sombra estampa-se no solo,
Como a sombra de antigo monumento,
Que o tempo quase derrocou, truncada.
No pedestal musgoso, em que te ergueram
Nossos avós, eu me assentei. Ao longe,
Do presbitério rústico mandava
O sino os simples sons pelas quebradas
Da cordilheira, anunciando o instante
Da ave-maria; da oração singela,
Mas solene, mas santa, em que a voz do homem
Se mistura nos cânticos saudosos,
Que a natureza envia ao Céu no extremo
Raio de sol, pasmado fugitivo
Na tangente deste orbe, ao qual trouxeste
Liberdade e progresso, e que te paga
Com a injúria e o desprezo, e que te inveja
Até, na solidão, o esquecimento!


(Alexandre Herculano)

*

Bom dia!

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26.3.05


INTENDÊNCIA

Continuo com a minha saga bibliográfica nos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO, onde continua a polémica sobre o lado mítico de Catarina Eufémia a que Helena Matos faz hoje referência no seu artigo do Público.

Coloquei também nos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO uma carta inédita que o dirigente do PCP nos anos trinta Cansado Gonçalves, já falecido, me escreveu em 1983, relatando um episódio envolvendo o jovem Cunhal.

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COISAS SIMPLES


Matisse

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EARLY MORNING BLOGS 458

The Middle Age


Between TV and computer screens
counterfeiting a dragon glow in our mouths agog
and fundamentalists dreaming up real
fire and smoke to transmogrify the U.S.A.,

we may be on our way to something else,
as people in the Middle Ages sensed the decay
of the feudal system. Little orange mushrooms
sprouted from castle mortar and lilies

festered, till BOOM, the Gutenberg Bible
blew the roof off the church. The big party
(individualism) began, and the bare naked
rodeo we now call the Renaissance

gave us—let's face it—the best art ever;
In 1620 F. Bacon posited three
inventions as the high tech hocus-pocus
behind society's sea change: printing, gunpowder,

and the magnet. That's right, the magnet.
Used in compasses, it made heavenly bodies
obsolete, thus exploration of the New
World easy as pie. I mention in passing

Columbus's packs of mastiffs and greyhounds
trained on human flesh (brown), but the main
needle that guides my life is the needle
of debt. True North: My Mortgage. I find myself

thinking of Las Vegas, where I might
bathe in lilac neon and wander
palaces, tickled by the bickering
roulette wheels and the final clicks.

And get free drinks. And catch a lion act.
And I would turn my back on all that,
sagely, and walk out in the desert,
letting my crow's feet crinkle ironically.

Out in the desert at sunset
the wind must sequin up a sandgrain
or two, and the prodigal prune-face moon
appear above a dune. Beautiful.

Poignant as hell. And I bet you can hear,
far-off, barking Lotto numbers
the Beast of the Apocalypse. Yes, yes,
a Vegas vacation might be just the thing. Yes,

but I recall my childhood most keenly:
Hansel and Gretel's predicament: luminous
breadcrumbs one by one blinking out, a bird
too dark to be seen.



(Roger Fanning)

*

Bom dia!

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25.3.05


INTENDÊNCIA


Continua a actualização da bibliografia dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO. Fazer uma bibliografia deve ser o equivalente à renda de Bilros. Em pior, porque nunca mais acaba.

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ACORDE O VELHO TELEGRAFISTA QUE HÁ EM SI

Parte da minha correspondência tem sido em Morse, por culpa de Janus o bifronte que produziu aquela que deverá ser a primeira nota escrita num blogue nos pontos e tracinhos do código, o que, convenhamos, não é muito habitual. Velhos capitães da Marinha, gente das cifras, e outros nostálgicos do rádio amadorismo, escreveram para o Abrupto usando Morse. Outros, mais expeditos nestas coisas da rede, usando o Java Code Morse Translator. Ainda bem .- ... ... .. -- / --- / -- --- .-. ... . / -. --- / ..-. .. -.-. .- / ... --- / .--. .- .-. .- / .- / .- .-. --.- ..- . --- .-.. --- --. .. .- --..-- / -- .- ... / .--. --- -.. . / ... . -- .--. .-. . / ... . .-. ...- .. .-. / .--. .- .-. .- / .--. . -.. .. .-. / ... --- -.-. --- .-. .-. --- / -. --- ... / .-. --- -- .- -. -.-. . ... / .--. --- .-.. .. -.-. .. .- .. ... / . / --..-- / - .- .-.. ...- . --.. --..-- / -. .- / ...- .. -.. .- / .-. . .- .-.. .-.-.-
porque, para além do mais, sempre pode ouvir esta nota do Abrupto.

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: "ADMOVERE OCULIS DISTANTIA SIDERA NOSTRIS"



Esta é uma fotografia da lente do telescópio que Huygens utilizou para descobrir as luas de Saturno. Na lente está escrito um verso de Ovídio que contém um anagrama anunciando a descoberta de Titã. Toda a história desta lente aqui.

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EARLY MORNING BLOGS 457

Himno (I) (A la luz)


Oh la hermosura de la luz,
que habla
sin palabras, y toca
sin llegarse, y nos sabe
aromar sin ser jara ni de rosa
forma o tinta mostrar. Oh la frescura
de la luz, río ancho,
lago profundo, alta
cascada, arroyo armónico
de sombra y de trinos
de hojas verdes
y alguna que se cae
marchita. Oh la ternura
de la luz que, pudiendo
cegarnos, sus profundos
ojos anida entre su propia alada
cabellera inmortal, que nuestro paso
aligera, pudiéndonos dejar
marchitos en el valle, que nos cura
los recuerdos más próximos
para que la podamos saludar
junto ala muro caído. Oh la cordura
de la luz, que nos deja desvariar
mientras ella sonríe
en el verde del junco, de la avena
en el ramo inclinado, y llora un poco
en la plata que arrastra
la brisa; que prefiere
repartirse en lo claro de lo oscuro
de la sazón. Oh la dulzura
de la luz que se aparta
al paso de la muerte
y, al punto, es más sustento
y más sabor –abeja
intangible y discreta
que de sí hace su miel-. Oh la figura
invisible y cambiante
de la luz, vista siempre
hacerse más y más
hermosura, más luz entre su luz.

(Angel Crespo)


*

Bom dia!

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24.3.05


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: JANUS FALANDO EM MORSE - TRAÇO, PONTO, TRAÇO



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INTENDÊNCIA

Continua a actualização da bibliografia dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.Já vai em mais de 150 páginas de texto e está longe do fim.

No mesmo sítio há também uma polémica interessante, com gente que sabe do que está a falar, sobre Catarina Eufémia, a história e o mito.

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COISAS SIMPLES


Félix Valloton

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EARLY MORNING BLOGS 456

Retrato



Esta es mi cara y ésta es mi alma: leed.
Unos ojos de hastío y una boca de sed...
Lo demás, nada... Vida... Cosas... Lo que se sabe...
Calaveradas, amoríos... Nada grave,
Un poco de locura, un algo de poesía,
una gota del vino de la melancolía...
¿Vicios? Todos. Ninguno... Jugador, no lo he sido;
ni gozo lo ganado, ni siento lo perdido.
Bebo, por no negar mi tierra de Sevilla,
media docena de cañas de manzanilla.
Las mujeres... -sin ser un tenorio, ¡eso no!-,
tengo una que me quiere y otra a quien quiero yo.

Me acuso de no amar sino muy vagamente
una porción de cosas que encantan a la gente...
La agilidad, el tino, la gracia, la destreza,
más que la voluntad, la fuerza, la grandeza...
Mi elegancia es buscada, rebuscada. Prefiero,
a olor helénico y puro, lo chic y lo torero.
Un destello de sol y una risa oportuna
amo más que las languideces de la luna
Medio gitano y medio parisién -dice el vulgo-,
Con Montmartre y con la Macarena comulgo...
Y antes que un tal poeta, mi deseo primero
hubiera sido ser un buen banderillero.
Es tarde... Voy de prisa por la vida. Y mi risa
es alegre, aunque no niego que llevo prisa.



(Manuel Machado)

*

Bom dia!

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23.3.05


DE REGRESSO

pouco a pouco. Até breve.

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22.3.05


AR PURO


Constantin Somov

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EARLY MORNING BLOGS 455

Litany


This is a litany of lost things,
a canon of possessions dispossessed,
a photograph, an old address, a key.
It is a list of words to memorize
or to forget–of amo, amas, amat,
the conjugations of a dead tongue
in which the final sentence has been spoken.

This is the liturgy of rain,
falling on mountain, field, and ocean–
indifferent, anonymous, complete–
of water infinitesimally slow,
sifting through rock, pooling in darkness,
gathering in springs, then rising without our agency,
only to dissolve in mist or cloud or dew.

This is a prayer to unbelief,
to candles guttering and darkness undivided,
to incense drifting into emptiness.
It is the smile of a stone Madonna
and the silent fury of the consecrated wine,
a benediction on the death of a young god,
brave and beautiful, rotting on a tree.

This is a litany to earth and ashes,
to the dust of roads and vacant rooms,
to the fine silt circling in a shaft of sun,
settling indifferently on books and beds.
This is a prayer to praise what we become,
"Dust thou art, to dust thou shalt return."
Savor its taste–the bitterness of earth and ashes.

This is a prayer, inchoate and unfinished,
for you, my love, my loss, my lesion,
a rosary of words to count out time's
illusions, all the minutes, hours, days
the calendar compounds as if the past
existed somewhere–like an inheritance
still waiting to be claimed.

Until at last it is our litany, mon vieux,
my reader, my voyeur, as if the mist
steaming from the gorge, this pure paradox,
the shattered river rising as it falls–
splintering the light, swirling it skyward,
neither transparent nor opaque but luminous,
even as it vanishes–were not our life.


(Dana Gioia)

*

Bom dia!

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21.3.05


AR PURO / ÁGUA PURA


Constantin Somov

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A LER / A VER


No Público , Parte 3 de Fernando Ilharco, pensando na Bombardier, e como o "choque tecnológico" e a "estratégia de Lisboa" são maneiras de não ver o que se passa à nossa volta, estratégias de resistência e de recuo, de velhas sociedades perdidas no seu conforto imediato e incapazes de assegurar a reprodução desse conforto.

E na SIC a notável reportagem, de alta craveira em todo o mundo, de Henrique Cymerman sobre os "homens-bomba" de Bit Furik. A registar os notáveis comentários paralelos vindos da academia israelita e do imã do Hamas na mesquita de Bit Furik, sobre o "paraíso" dos muçulmanos, falando daquilo que, por detrás do nosso ecrã "politicamente correcto", não queremos ver: o papel do sexo e da masculinidade no mundo árabe e, por reverso, o papel da mulher como património sexual do homem.

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EARLY MORNING BLOGS 454

Hatteras Calling


Southeast, and storm, and every weathervane
shivers and moans upon its dripping pin,
ragged on chimneys the cloud whips, the rain
howls at the flues and windows to get in,

the golden rooster claps his golden wings
and from the Baptist Chapel shrieks no more,
the golden arrow into the southeast sings
and hears on the roof the Atlantic Ocean roar.

Waves among wires, sea scudding over poles,
down every alley the magnificence of rain,
dead gutters live once more, the deep manholes
hollo in triumph a passage to the main.

Umbrellas, and in the Gardens one old man
hurries away along a dancing path,
listens to music on a watering-can,
observes among the tulips the sudden wrath,

pale willows thrashing to the needled lake,
and dinghies filled with water; while the sky
smashes the lilacs, swoops to shake and break,
till shattered branches shriek and railings cry.

Speak, Hatteras, your language of the sea:
scour with kelp and spindrift the stale street:
that man in terror may learn once more to be
child of that hour when rock and ocean meet.


(Conrad Aiken)

*

Bom dia!

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20.3.05


OUVINDO O ROBIM DOS BOSQUES


A música de Korngold para o "Robin Hood" com Errol Flynn, um dos melhores "Robin" de sempre. As fanfarras do filme parecem saídas da Guerra das Estrelas. Tudo salta à minha volta. Excelente para fazer bibliografias.

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EARLY MORNING BLOGS 453


Chansons Innocentes: I


in Just-
spring when the world is mud-
luscious the little
lame balloonman

whistles far and wee

and eddieandbill come
running from marbles and
piracies and it's
spring

when the world is puddle-wonderful

the queer
old balloonman whistles
far and wee
and bettyandisbel come dancing

from hop-scotch and jump-rope and

it's
spring
and
the
goat-footed

balloonMan whistles
far
and
wee



(E. E. Cummings)

*

Bom dia!

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19.3.05


AR PURO


Repin

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EARLY MORNING BLOGS 452

The Czar's Last Christmas Letter: A Barn in the Urals



You were never told, Mother, how old Illya was drunk
That last holiday, for five days and nights

He stumbled through Petersburg forming
A choir of mutes, he dressed them in pink ascension gowns

And, then, sold Father's Tirietz stallion so to rent
A hall for his Christmas recital: the audience

Was rowdy but Illya in his black robes turned on them
And gave them that look of his; the hall fell silent

And violently he threw his hair to the side and up
Went the baton, the recital ended exactly one hour

Later when Illya suddenly turned and bowed
And his mutes bowed, and what applause and hollering

Followed.
All of his cronies were there!

Illya told us later that he thought the voices
Of mutes combine in a sound

Like wind passing through big, winter pines.
Mother, if for no other reason I regret the war

With Japan for, you must now be told,
It took the servant, Illya, from us. It was confirmed.

He would sit on the rocks by the water and with his stiletto
Open clams and pop the raw meats into his mouth

And drool and laugh at us children.
We hear guns often, now, down near the village.

Don't think me a coward, Mother, but it is comfortable
Now that I am no longer Czar. I can take pleasure

From just a cup of clear water. I hear Illya's choir often.
I teach the children about decreasing fractions, that is

A lesson best taught by the father.
Alexandra conducts the French and singing lessons.

Mother, we are again a physical couple.
I brush out her hair for her at night.

She thinks that we'll be rowing outside Geneva
By the spring. I hope she won't be disappointed.

Yesterday morning while bread was frying
In one corner, she in another washed all of her legs

Right in front of the children. I think
We became sad at her beauty. She has a purple bruise

On an ankle.
Like Illya I made her chew on mint.

Our Christmas will be in this excellent barn.
The guards flirt with your granddaughters and I see...

I see nothing wrong with it. Your little one, who is
Now a woman, made one soldier pose for her, she did

Him in charcoal, but as a bold nude. He was
Such an obvious virgin about it; he was wonderful!

Today, that same young man found us an enormous azure
And pearl samovar. Once, he called me Great Father

And got confused.
He refused to let me touch him.

I know they keep your letters from us. But, Mother,
The day they finally put them in my hands

I'll know that possessing them I am condemned
And possibly even my wife, and my children.

We will drink mint tea this evening.
Will each of us be increased by death?

With fractions as the bottom integer gets bigger, Mother, it
Represents less. That's the feeling I have about

This letter. I am at your request, The Czar.
And I am Nicholas.


(Norman Dubie)

*

Bom dia!

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MEMÓRIA CURTA

A facilidade com que o “pack journalism” funciona só pode surpreender os incautos. A rapidez com que se tiram conclusões de fundo de meia dúzia de sinais ainda incipientes e pouco testados é notável. É o caso da ideia de que o “comportamento de Sócrates é comparável ao de Cavaco Silva” (presente no Expresso da Meia Noite da SIC Notícias, no Público de hoje e em meia dúzia de comentários avulsos sobre a gestão do silêncio).

É um estilo? Talvez seja e se o for é positivo. No entanto, tanto louvor só pode vir da diferença com o passado imediato e não de uma qualquer memória sólida que permita tirar conclusões para além de ontem. Entre ontem e hoje, estou de acordo, a diferença é significativa. Mas quanto a anteontem?

Acaso já se está esquecido de que o mesmo louvor se passou com outros governos como o de Guterres e Barroso e, pasme-se, com o de Santana. Se não tivéssemos uma memória pública que nem um mês mantém presente na cabeça, lembraríamos que a formação do governo de Santana foi elogiada também por não ter sido feita na praça pública…

É evidente que vindo depois de quem vem, tudo em Sócrates parece discrição, recato, rigor e dedicação. Não admira que a mera normalidade seja um enorme alívio depois da perturbação sôfrega de todos os dias. Mas não é prudente ir para além disso, porque ainda não se sabe se é um estilo consolidado e sustentado – são as dificuldades a prova dos nove e ainda não houve nenhuma, tem sido tudo um mar de rosas – e acima de tudo, um estilo não é um política, e de política sabemos muito pouco ou de menos.

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18.3.05


OUVINDO AS VÉSPERAS


de Veneza. Um Sol débil parte a meio a Praça, e os canais estão mais cinzentos do que o costume.

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EARLY MORNING BLOGS 451


Of Politics, & Art


--for Allen

Here, on the farthest point of the peninsula
The winter storm
Off the Atlantic shook the schoolhouse.
Mrs. Whitimore, dying
Of tuberculosis, said it would be after dark
Before the snowplow and bus would reach us.

She read to us from Melville.

How in an almost calamitous moment
Of sea hunting
Some men in an open boat suddenly found themselves
At the still and protected center
Of a great herd of whales
Where all the females floated on their sides
While their young nursed there. The cold frightened whalers
Just stared into what they allowed
Was the ecstatic lapidary pond of a nursing cow's
One visible eyeball.
And they were at peace with themselves.

Today I listened to a woman say
That Melville might
Be taught in the next decade. Another woman asked, "And why not?"
The first responded, "Because there are
No women in his one novel."

And Mrs. Whitimore was now reading from the Psalms.
Coughing into her handkerchief. Snow above the windows.
There was a blue light on her face, breasts and arms.
Sometimes a whole civilization can be dying
Peacefully in one young woman, in a small heated room
With thirty children
Rapt, confident and listening to the pure
God rendering voice of a storm.


(Norman Dubie)

*

Bom dia!

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17.3.05


MEMÓRIAS DE BIBLIOTECAS (9ª série)



(Jan Lievens)

Ao ler episódios das Memórias das Bibliotecas veio-me a ligação com as Cooperativas Livreiras de Estudantes que nasceram entre nós nos anos 60. A LIVRELCO, em Lisboa, a UNICEPE, no Porto e a UNITAS em Coimbra.
Para além de algum papel que desempenharam na resistência contra a ditadura, foram âncoras importantes no desenvolvimento cultural e até profissional dos jovens de várias gerações.
Comungando dos ideais do "velho" cooperativismo de Rochedale, eram geridas pelos estudantes, procurando-se fugir aos circuitos comerciais tradicionais e assim fazer contribuir para que o livro pudesse ser uma mercadoria mais acessível a camadas com reduzido poder de compra.
Para além de que, correndo inevitáveis e óbvios riscos, furar o cerco da censura e da figura do "livro fora do mercado" era possível nesses redutos tolerados pelo regime de então, mas sempre vigiados e perseguidos.

Fui dirigente da UNICEPE durante alguns anos (creio que a cooperativa ainda que penosamente, subsiste). O Pacheco Pereira era sócio e por lá o via com alguma frequência. E outros, como o Vasco Graça Moura, o Armando de Castro, o Mário Viegas, para só falar de alguns que me vieram de imediato à memória. Eram tempos de algum idealismo e porventura de alguma utopia. Mas eram também tempos de inconformismo e de afirmação.

(António Moreira)


*

A mim poucas memórias emergem das bibliotecas. Filho de pais humildes, a quem os livros de estudo eram inclusivamente oferecidos por alguém que conhecia editores, só já espigadote comecei a frequentar a biblioteca da mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto (longe realmente vão os tempos que deram origem a estes epítetos...). No entanto nunca me esquecerei dos longos momentos que gastei a ler nos emergentes supermercados da altura (já lá vão trinta e muitos anos e estas unidades de comércio já faziam furor). Sem ter dinheiro para comprar esses criadores de sonhos, aproveitava a "impessoalidade" desses estabelecimentos comerciais, como felizmente ainda hoje frequentemente encontro algumas crianças, para instalado num canto qualquer me deliciar e me ausentar deste mundo ao entrar por exemplo no mundo delicioso e de aventura de Enid Blyton; e se alguém me oferecia um livrito (o que raramente acontecia) e se gostava dele, lá ficava eu a lê-lo até às tantas, com a luz do quarto apagado (já que a energia eléctrica, apesar de bem apregoado e facilitado o seu uso pelo Dr. Salazar, era cara) e uma lanternita acesa debaixo dos lençóis. Para meu castigo tenho um filhote, que apesar de muito estimulado, a leitura parece ser tortura de Guantanamo. Como é injusta a vida.

(Abel Gomes)

*

A propósito do deslumbramento confessado por Amf perante um milhão de volumes ao alcance físico da sua mão das 7h às 24h, na biblioteca de uma universidade americana, lembro a extrema necessidade de repensar os horários das nossas bibliotecas, a começar pela Biblioteca Nacional. Frequentadora regular da BN nos últimos anos, senti muitas vezes a dificuldade de conjugar a investigação que realizava para o doutoramento com o meu horário de trabalho na escola onde sou professora. Tive mais sorte na preparação do mestrado, beneficiando de inúmeros serões e fins de semana passados na belíssima biblioteca da Universidade de Hong Kong, onde até as diversas máquinas fotocopiadoras espalhadas pelas salas de leitura funcionavam com o cartão que servia de passe para o metro e autocarro.

(Helena Rodrigues)

*

Este texto foi feito a pedido do “Jornal de Coimbra” para a rubrica: O LIVRO QUE NÃO EMPRESTO

Não consigo imaginar-me a recusar emprestar um livro. Não me é fácil, sequer, pensar nessa possibilidade pois, embora me veja a mim mesma como uma leitora compulsiva, nunca fetichizei os livros ou a sua posse. Se, como toda a gente, prefiro ler um livro novo a um muito usado, são-me, contudo, bastante indiferentes os aspectos exteriores ao próprio conteúdo do livro, o que talvez se explique pelo modo como principiou, o que não posso deixar de considerar, como a minha frutuosa carreira de leitora.
Corria o ano de 1958, andava eu na 2ª classe, quando a Fundação Calouste Gulbenkian pôs a funcionar o seu plano de bibliotecas itinerantes. A família acorreu a inscrever-se (pai, mãe, avô, tia e eu, com a toda a importância de uma recém letrada - com cartão e tudo). Durante muitos anos lá ia eu à biblioteca, todas as semanas, levantar os "meus" cinco livros, o número máximo que permitia o estimado professor Armindo Pega. Não foi preciso passar muito tempo para que eu e as minhas duas irmãs lêssemos, cada uma, 15 livros por semana! Ali-Bábá não entrava na sua caverna, cheia de tesouros, e não a olhava com mais êxtase do que nós ao subir para aquela carrinha, cheia de livros usados, prontos a serem emprestados.
As minhas prendas de criança foram sempre livros. Tive esse privilégio, o de ter nascido numa família onde não passava pela cabeça de ninguém que livros não fossem o melhor presente a dar "às miúdas". Devo ao meu Tio Abel livros como "O Feiticeiro de Oz", refulgente nas suas duras e grandes capas amarelas ou "Os Cinco na Ilha do Tesouro", de Enid Blyton, o qual inaugurou, uma sucessão de naufrágios que tornaram o mar da minha infância particularmente enxameado de piratas.
Um dos meus preferidos era a "Ilha do Tesouro" de Robert Louis Stevenson, mas também "Dois Anos de Férias", "Os Filhos do Capitão Grant" ou a "Ilha Misteriosa" de Júlio Verne. A este grupo juntava-se ainda o "Robinson Crusoe" de Daniel Defoe, "Um Robinson Suíço" e os "Robinsons dos Galápagos". Apelando fortemente para a imaginação, com ou sem naufrágio, com ou sem piratas, nestes livros, as personagens são sempre confrontadas com os mil perigos e todos os riscos de meios desconhecidos e adversos e, numa altura em que os programas de física e química ensinavam a fazer sabão, pólvora ou vidro (tudo coisas úteis, especialmente numa ilha deserta) eu passava horas a ficcionar as minhas lutas, vitoriosas (está bem de ver!), contra todas as ciladas que a natureza ou os homens pudessem armar...
A fase dos piratas e das aventuras, desenvolveu-se em paralelo com clássicos da literatura infantil e juvenil. Nomes como Louise May Alcott (Mulherzinhas), Frances Burnett (O Jardim Misterioso), Elizabeth George Speare (A Feiticeira de Blackbird Pond) ou Selma Lagërlof (A Viagem Maravilhosa de Nils Holgersson) constituem, ainda hoje, referências que tenho tentado passar às minhas filhas. O período que imediatamente se segue é marcado não só por autores como Charles Dickens (quilos!), Walter Scott (ainda mais quilos!), Jorge Amado, ou John Steinbeck, mas muito especialmente por Jane Austen e Charlotte Brontë a que sucede, já estudante universitária, o deslumbramento com os "Cem Anos de Solidão", de Gabriel Garcia Marquez ou "L'écume des Jours" de Boris Vian.
Ainda do tempo do liceu, Miguel Torga, cujos livros de contos li pelos quatorze, quinze anos e, antes deste, logo pelos dez, doze anos, o queridíssimo Júlio Diniz. Associarei sempre aos anos 70 autores como Nuno Bragança, Herberto Helder, Jorge Luís Borges, Aquilino Ribeiro, Carlos de Oliveira, José Régio, Ferreira de Castro. Houve autores que li, de rajada, tudo o que deles consegui encontrar como foi o caso de Jorge de Sena, Eça de Queiroz ou o caso mais recente de Philip Roth. Outros que vou acompanhando ao ritmo das suas publicações: Agustina Bessa Luís, António Lobo Antunes, José Saramago e, até há pouco, José Cardoso Pires e Sofia de Melo Breyner.
Tal como ao entrar em certos cafés, em Coimbra, me lembro das "cadeiras" que aí "fiz", quando olho para a minha vida vejo-a sempre pontuada por livros e autores, numa associação automática e imediata. E se dá perversidades como ligar Marguerite Yourcenar e as suas "Memórias de Adriano" à Praia da Rocha, também faz de 1964 o ano de "Servidão Humana" e "O Fio da Navalha" de Somerset Maugham, de 1971 o ano de "Exercícios de Estilo" de Luís Pacheco, de 1972 o ano de "Novas Cartas Portuguesas", de 1973 o ano de "A La Recherche du Temps Perdu", de Proust, ou de 2004 o ano de “A arte de viajar” de Alain de Botton
Poderia continuar a falar de livros ou de autores por muito mais tempo, um prazer que as presentes limitações de espaço não permitem. Um livro não se esgota na sua leitura, permenece, a vibrar, em nós e nas relações que estabelecemos com os outros. Tenho a sorte de partilhar este gosto com muitos amigos e pessoas de família, como a minha Mãe, com os quais participo numa rede informal de empréstimos. É com esse apoio que me mantenho no meu estado habitual de "empresto-dependência" assumido, e que continuo (quase) à altura das minhas médias de criança.
Qual o livro que não empresto? Provavelmente, só mesmo o que estou a ler no momento (no caso presente "A noite do oráculo" de Paul Auster).

(Ana Pires)

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OUVINDO FRANK SINATRA JAZZ!!!


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EARLY MORNING BLOGS 450

ROMANCE DEL REY DON SANCHO


-¡Rey don Sancho, rey don Sancho!, no digas que no te aviso,
que de dentro de Zamora un alevoso ha salido;
llámase Vellido Dolfos, hijo de Dolfos Vellido,
cuatro traiciones ha hecho, y con esta serán cinco.
Si gran traidor fue el padre, mayor traidor es el hijo.
Gritos dan en el real: -¡A don Sancho han mal herido!
Muerto le ha Vellido Dolfos, ¡gran traición ha cometido!
Desque le tuviera muerto, metiose por un postigo,
por las calle de Zamora va dando voces y gritos:
-Tiempo era, doña Urraca, de cumplir lo prometido.


*

Bom dia!

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: NO FIO DA NAVALHA


onde estão suspensas as pequenas luas de Saturno.

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16.3.05


A LER

De Pedro Caeiro, A "NOVA" DIREITA no Mar Salgado.

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15.3.05


COISAS SIMPLES / SCRITTI VENETI


J. Singer Sargent

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EARLY MORNING BLOGS 449

Semântica Electrónica


Ordeno ao ordenador que me ordene o ordenado
Ordeno ao ordenador que me ordenhe o ordenhado
Ordinalmente
Ordenadamente
Ordeiramente.
Mas o desordeiro
Quebrou o ordenador
E eu já não dou ordens
coordenadas
Seja a quem for.
Então resolvo tomar ordens
Menores, maiores,
E sou ordenado,
Enfim --- o ordenado
Que tentei ordenhar ao ordenador quebrado.
--- Mas --- diz-me a ordenança ---
Você não pode ordenhar uma máquina:
Uma máquina é que pode ordenhar uma vaca.
De mais a mais, você agora é padre,
E fica mal a um padre ordenhar, mesmo uma ovelha
Velhaca, mesmo uma ovelha velha,
Quanto mais uma vaca!
Pois uma máquina é vicária (você é vigário?):
Vaca (em vacância) à vaca.
São ordens...
Eu então, ordinalmente ordeiro, ordenado, ordenhado,
Às ordens da ordenança em ordem unida e dispersa
(Para acabar a conversa
Como aprendi na Infantaria),
Ordenhado chorei meu triste fado.
Mas tristeza ordenhada é nata de alegria:
E chorei leite condensado,
Leite em pó, leite céptico asséptico,
Oh, milagre ordinal de um mundo cibernético!


(Vitorino Nemésio)

*

Bom dia!

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14.3.05


FALTA DE …., OLHEM, FALTA DE TUDO

de sentido de estado, de boa educação, de respeito mínimo por todos.
É o que significa esta história da Câmara de Lisboa.

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ESTRANHO

O momento e o lugar e o livro e a música. Junto a um cemitério de aldeia, alto, escuro do granito, espraiado por um pequeno planalto, sem casas perto. O livro ocasional, o Post Office do Bukowski. A música ocasional, Charles Ives. Nada que especialmente me interessasse, comprados por excesso: o livro por curiosidade, porque não gosto muito do autor; a música por curiosidade, porque o disco recebera um prémio da Grammophon e eu não conhecia a peça (engano, afinal já a tinha ouvido, um pouco Promm…). Quem juntou esta improvável mistura, por si só bizarra, excessivamente intelectual, foi a Grande Ceifeira, a que cria o inesperado, e que me apanhou entre um morto, um disco adiado e um livro improvável. Tudo o que tinha , na altura, por acaso, no momento que não se espera. Não soprava vento nenhum. Nada batia certo e na cabeça sempre este Eliot, também improvável:

LET us go then, you and I,
When the evening is spread out against the sky
Like a patient etherised upon a table;
Let us go, through certain half-deserted streets,
The muttering retreats
Of restless nights in one-night cheap hotels
And sawdust restaurants with oyster-shells:
Streets that follow like a tedious argument
Of insidious intent
To lead you to an overwhelming question …
Oh, do not ask, “What is it?”
Let us go and make our visit.


Os intelectuais são insuportáveis. Não têm inocência, arrastam coisas a mais.

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INTENDÊNCIA

Continua a actualização da bibliografia dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO. Já foi colocado o equivalente a cerca de 80 páginas de texto, o que obrigou à sua divisão em duas entradas, Prevejo que, no final, terá o dobro do tamanho actual, ficando a ser a mais completa bibliografia sobre este assunto jamais feita.

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: A PRESENÇA DO FARMACÊUTICO.

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AR PURO


Renoir

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: A PRESENÇA DO FARMACÊUTICO

(...) volto a escrever-lhe sobre o assunto após o discurso do PM na tomada de posse do Governo. Ou eu não ouvi bem ou as televisões e as rádios não prestaram muita atenção ao que disse o PM. Até o Professor Marcelo que costuma estar tão atento não tocou na questão fundamental. José Socrates disse que uma das primeiras medidas do Governo seria colocar os medicamentos, para os quais não é necessária receita médica, à venda em outros estabelecimentos comerciais que não apenas as farmácias. Mas não disse apenas isto como querem fazer querer as notícias que depois vieram a público sobre o assunto. O PM disse explicitamente que essa medida incluía a presença de um farmacêutico no ponto de venda. E é neste ponto que a medida se torna absurda. Das duas uma, ou os medicamentos chamados de venda livre são vendidos nos hipermercados, ponto final. Ou se está lá um farmacêutico, porque é que os outros medicamentos não podem ser vendidos também? Por alguma razão o local de venda tem influência sobre a competência técnica do farmacêutico?

Além disso, se tivermos em atenção o país para além de Lisboa e Porto, onde, insisto, não há um verdadeiro problema de acessibilidade, que supermercados vão suportar o custo de um farmacêutico para vender apenas alguns medicamentos? No fundo, para o Portugal mais pobre, a medida corre sérios riscos de se tornar inócua. Há duas coisas neste caso que me incomodam. A primeira e mais grave é a falta de preparação e estudo na tomada de certas medidas. O falar antes de pensar e reflectir sobre todos os aspectos que envolvem determinadas decisões, o que me preocupa sobretudo para o futuro do país. A segunda que me chateia mas não me surpreende é a falta de rigor com que os meios de comunicação tratam estas questões.

(Ricardo Sousa)

*
É a primeira vez que lhe escrevo, mas perante um post colocado no seu blogue, e conhecendo o seu discurso em relação à deturpação noticiosa, que eu subscrevo totalmente, não consegui ficar "calado". Diz o leitor Ricardo Sousa que, "O PM disse explicitamente que essa medida incluía a presença de um farmacêutico no ponto de venda". Eu ouvi o discurso e não me pareceu que ele tivesse dito tal.
Consegui no sítio da TSF uma transcrição do discurso que refere, em relação à venda de medicamentos em outros locais que não as farmácias: «Desde que reunam as condições técnicas exigíveis de qualidade e segurança, nomeadamente o controlo técnico por um farmacêutico, nada justifica que esta situação se mantenha a não ser numa legislação obsoleta» Isto é substancialmente diferente. Não faz referência a que o farmaceutico tenha que estar no local de venda, o que seria um absurdo, mas refere-se ao controlo técnico, que, obviamente, não exige uma permanência constante e efectiva no local de venda. Já chega de inventar, pondo na boca das pessoas aquilo que elas não disseram.
(Paulo Viegas)

*
Eu sei que o Abrupto não é um fórum. Mas o que significa controle técnico de um farmacêutico? Não é com certeza a verificação da composição quimica do medicamento, pois isso é feito nos locais de produção e não de venda. O controle técnico de um farmacêutico quer dizer obviamente a sua presença no local para aconselhar o consumidor e prestar esclarecimentos a quem compra.
(Ricardo Sousa)

*
Escrevo este texto preocupado com as recentes declarações do actual primeiro ministro José Sócrates sobre a possível liberalização da disponibilização de medicamentos de venda livre em superfícies comerciais.

Quando nos referimos à presença técnica de um farmacêutico, tal não implica que este se encontra no local de venda ao público para acoonselhar e controlar a venda dos referidos medicamentos. Segundo legislação comunitária existente sobre o medicamento e a actividade farmacêutica, a presença «técnica» de um licenciado em ciências farmacêutica deve ser levada a cabo na produção, distribuição, armazenamento, acondicionamento e cedência ao público do medicamento; assim, o discurso de José Sócrates acaba por não ser esclarecedor ao não referir como o farmacêutico exercerá o seu papel de agente de saúde pública no processo de venda de medicamentos de venda livre nas grandes superfícies.
Não vejo qual o problema de se vender um Betadine, um Halibut ou um antiácido num supermercado; contudo, existem medicamentos de venda livre que devido às suas graves contra-indicações e às suas reacções intermedicamentosas não devem ser vendidos como se vende uma peça de fruta; neste âmbito, referi-mo por exemplo à vulgar Aspirina, que não pode ser ingerida por indivíduos com problemas gástricos ou que estejam a ser tratados com anticoagulantes.
A função de agente de saúde pública do farmacêutico não tem sido reconhecida pela sociedade nas últimas décadas, desde que as farmácias perderam a sua função oficinal, sendo este vistos frequentemente como um comerciante. Contudo, o farmacêtico é sempre o primeiro ou o último elo de ligação entre o médico e o doente, pelo que o seu papel enquanto especialista do medicamento no aconselhamento e controlo é fundamental.
Não vejo quaisquer benefícios na medida anunciada pelo Primeiro- Ministro, e passo a justificar a minha opinião: os preços dos medicamentos de venda livre são muito regulados pelo que não irão baixar significativamente; no interior é mais fácil aceder a uma farmácia do que a uma superfície comercial, e nas grandes cidades o número de farmácias é elevado, pelo que não acredito que o acesso ao medicamento seja facilitado; esta medida constitui mais um golpe num dos sectores do comércio tradicional português.
Se há quem olhe para a Associação Nacional de Farmácias como um lobby, então que dizer dos grandes grupos económicos que estão a exercer uma enorme pressão para a liberalização total das farmácias? Se essa mesma liberalização ocorresse, só sairiam beneficiados uns escassos grupos económicos ligados às grandes superfícies comerciais, prejudicando centenas, senão milhares, de proprietários de farmácias e entregando a um trabalho com condições mais precárias centenas de farmacêuticos.
Nos países onde ocorre a venda de medicamentos de venda livre nas grandes superfícies, segundo referiu o Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, o número de intoxicações por via medicamentosa tem aumentado, bem como a automedicação, pelo que numa população iletarata e com graves carências de conhecimentos científicos a imitação do modelo norte-americano e britânico seria um acto de grande irresponsabilidade. A própria venda de vitaminas, que já ocorre em estabelcimentos que não farmácias, levanta sérias questões de saúde pública, pois podem ocorrer intoxicações de consequeências graves pela ingestão excessiva de certas vitaminas e sais minerais.
Se o nosso Primeiro-Ministro quer demonstrar que sabe combater os interesses instalados então tome medidas como a alteração do modelo de financiamento das autarquias (em 2001 segundo o Eurostat eramos o país da UE com maior percentagem de área urbanizada) ou a alteração da lei que se refere ao sigilo bancário, mas não tome medidas que se não forem bem estudadas podem conduzir a problemas graves, silenciosos e ocultos.
(Luís Frederico Gonçalves Rosa, Estudante de Ciências Farmacêuticas, Representante de Portugal no Forum da Ciênca de Londres em 2002 e 2005)

*
Nos EUA os medicamentos, ditos de venda livre, são na verdade vendidos em supermercados, estando expostos em prateleiras como qualquer outro produto. O seu preço entre supermercados varia conforme as leis da concorrência directa, chegando a haver promoções.Se em Portugal não houver concorrência no preço, não vejo qual a vantagem de comprar os referidos medicamentos em lojas que não Farmácias.
Quanto ao perigo de sobredosagem, se a sua compra não fôr feita na Farmácia, é daquelas coisas que só lembrará a quem vê os seus interesses postos em causa.
Para terminar, os farmacêuticos teriam toda a razão se vendessem só medicamentos, agora vendendo perfumes,cosméticos, sapatos, almofadas, colchões, etc, creio que perdem a razão para manter o seu monopólio.
(Pedro Diniz)


*
Controlo de medicamentos não prescritos

É abusivo afirmar que das declarações do PM JS se possa inferir a exigência de um farmacêutico por prateleira.

Controlo técnico pode significar:


* A compra, preparação, armazenamento e supervisão da venda de medicamentos atentos os princípios técnicos inerentes ao consumo de medicamentos.

* Garantir o correcto funcionamento do sector , nomeadamente no que diz respeito à gestão dos medicamentos: distribuição , prazos de validade, condições de armazenamento, encomendas, concursos de aquisição, gestão de stocks, etc.

· Assegurar a segurança da exposição dos produtos face ao consumidor.

· Supervisionar a informação mínima dos assistentes do sector.

...

Por acaso o actual Director Técnico das farmácias aconselha ? Será que as farmácias em relação a medicamentos não prescritos já não funcionam como supermercados ?
(JBM)

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EARLY MORNING BLOGS 448

At Melville's Tomb


Often beneath the wave, wide from this ledge
The dice of drowned men's bones he saw bequeath
An embassy. Their numbers as he watched,
Beat on the dusty shore and were obscured.

And wrecks passed without sound of bells,
The calyx of death's bounty giving back
A scattered chapter, livid hieroglyph,
The portent wound in corridors of shells.

Then in the circuit calm of one vast coil,
Its lashings charmed and malice reconciled,
Frosted eyes there were that lifted altars;
And silent answers crept across the stars.

Compass, quadrant and sextant contrive
No farther tides . . . High in the azure steeps
Monody shall not wake the mariner.
This fabulous shadow only the sea keeps.


(Hart Crane)

*

Bom dia!

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11.3.05


MEMÓRIAS DE BIBLIOTECAS (8ª série)



Alguma da liberdade que conquistei ao longo da vida veio dos livros que li.
Ainda hoje, e com muita regularidade, exilo-me em páginas onde o pensamento ou a realidade descrita superam o espaço onde me movo, seja no meio dos outros ou quando estou simplesmente comigo mesmo.
Existem quatro bibliotecas de referência na minha vida: a extinta biblioteca Calouste Gulbenkian de Fafe, lugar onde na infância ia buscar os livros que me obrigavam ler, pois não me conseguia relacionar com objectos que não me pertencessem e, nisso, os livros não eram excepção. Nessa idade apenas gostava dos livros que comprava ou que me ofereciam, os que eram só meus e que se não devolviam.

A biblioteca municipal do Porto, em frente ao jardim de São Lázaro, onde tardes sem conta me dediquei à escrita e à leitura de poesia para fugir a um enfadonho curso de Direito que então frequentava, aprofundando o amor que ganhei às palavras de Eugénio e de Al Berto.

A Biblioteca da Fundação Gulbenkian em Lisboa, onde conheci um dos melhores significados da leitura e do silêncio, da pacificação e do misticismo do tempo, por ser um local belíssimo, calmo, onde a leitura se espraiava para lá da sala de leitura com vista para os jardins. Na Gulbenkian, as coisas aconteciam-me em catadupa: a leitura livre e quase casual dos livros, as sucessivas visitas aos quadros de Eloy e de Almada, pelo menos uma vez por mês, tal e qual como se fossem gente, e o almoço encantador na cantina da Fundação em horas mortas para que as poucas pessoas que restavam na sala pudessem significar.

A Biblioteca Nacional, contudo, teve e tem um enorme fascínio. A Nacional é o meu espaço de uma leitura de confronto, de aprendizagem, de estatuto. Quando leio lá o que quer que seja, tenho a sensação de estar a fazer algo de extraordinária importância, fruto do trabalho e da dedicação seríssima, não só do autor, mas de toda aquela gente que guarda religiosamente o espólio impresso da nação.
Fiz-me sociólogo na Biblioteca Nacional. Saía dos Barcos do Barreiro às 7 da manhã para, às 9, estar de café tomado e alma pronta, na porta da B.N.. Há uns meses regressei lá para pesquisar uma bibliografia sobre as Rodas dos Expostos e tive que me reinscrever como leitor. Foram à minha ficha e perguntaram-me se eu era estudante de Sociologia, se morava no Barreiro, etc. Confesso que foi um choque bom ouvir falar outra vez de tudo aquilo. Eu que já sou professor de sociologia, que entretanto já morei uns anos em Lisboa e que há mais anos ainda regressei a Fafe; Eu que já perdi cerca de um terço do cabelo que tinha na fotografia da primeira inscrição e que devo pesar uns quinze quilos a mais. Eu que já sou pai de dois filhos, um dos quais já quase lê. Mas sobretudo o eu que queimou as fitas todas que tinha para queimar e que olha para aquela casa com uma saudade tremenda de quando lá passava as manhãs ou as tardes, de quando esperava ansiosamente por saber que raio de homem seria no futuro, enfim, um eu tão perdidamente apaixonado pelos dias que se preenchiam com a atribulada vida de estudante entre a leitura, a aprendizagem e a convivência sem horas, nem receios ou limitações. Voltar à sala de leitura e aos ficheiros da Biblioteca Nacional é voltar a uma parte de mim que não morre, que se não deteriora, uma parte tão bem guardada como os livros que lá li e, sobre os quais, outros farão o mesmo vida adiante, muito depois de nós, da nossa vida, da nossa única e magnífica vida por esses lugares!

(Pompeu Martins)

*

Nascido em casa sem livros, a minha dívida perante as carrinhas da FG é enorme e gostaria também de a deixar aqui registada.

Aproveito para deixar nota da total disfuncionalidade da biblioteca do Iscef em que me formei, na segunda metade dos anos sessenta, mau grado a simpatia eficaz do velho Senhor Estêvão.

E, já agora, para registar a boa surpresa , para não dizer o choque ( não tecnológico) que experimentei, poucos anos volvidos na Universidade americana em que fiz o MBA e constatei que a biblioteca era o edifício mais imponente de todo o campus. Já deslumbrado com quase um milhão de volumes ao alcance físico da minha mão, das 7 às 24h, obtive a informação de que na outra Universidade da cidade, o número se aproximava dos dois milhões e funcionava 24horas por dia. E que estava também à nossa disposição, porque, sendo do Estado, estava à disposição de toda a Comunidade…

(Amf)

*

Fascinada. Fascinada, é a palavra que transmite todo este encantamento na leitura das viagens pela bibliotecas. E que me fez partir à descoberta da resposta para esta interrogação, colocada interiormente: Como é que nasceu a minha viagem?
E dei comigo, pequenita e interrogativa a olhar para as lombadas dos livros do meu pai, livros alinhados nas estantes sem ordem nem sequência, livros que já eram velhos era eu ainda tão novinha, livros que na altura só falavam comigo pelo cheiro do papel e pelas cores dos titulos....E dei ainda comigo e ainda pequenita a soletrar esses títulos, sem saber ainda, que pouco mais tarde os devoraria numa velocidade vertiginosa de leitura, às escondidas porque o pai não deixava que eu lesse O Menino de Engenho, Usina, Capitães de Areia...à mistura, já mais velha, com Pitigrilli que por lá também andava. E dei comigo, já com sorrisos na alma, a lembrar-me das horas que passei, sentada no chão, a ver, fascículo a fascículo, A Selva, do Ferreira de Castro e a ficar chocada, sem perceber porquê, porque a minha mãe destacava esta e aquela gravura e mandava emoldurar para pendurar nas paredes do corredor. E, ao correr desta escrita, ainda dou comigo a recordar os folhetins literários que eram publicados diariamente no Diário de Notícias, jornal lá de casa, onde a aventura e os romances se misturavam aos folhetins de cordel, dramalhões de faca na liga e lágrimas abundantes, que nos eram colocados por baixo da porta das traseiras uma vez por semana, por um preço que já em le lembro....
Ainda conservo a quase totalidade da biblioteca do meu pai, com livros incompletos que o tempo lhes levou as folhas...Juntei-lhes, qual sal e pimenta da minha vida, os que encontro nos alfarrabistas daqui e dali e dos que vou comprando pelas livrarias, apesar de terem preços pecaminosos...

(Fernanda Maria Gouveia)

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INTENDÊNCIA

Continua o preenchimento da bibliografia dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO, que vai demorar séculos, mas anda...

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EARLY MORNING BLOGS 447

A DON LUIS DE GÓNGORA


¿Qué firme arquitectura se levanta
del paisaje, si urgente de belleza,
ordenada, y penetra en la certeza
del aire, sin furor y la suplanta?

Las líneas graves van. Mas de su planta
brota la curva, comba su justeza
en la cima, y respeta la corteza
intacta, cárcel para pompa tanta.

El alto cielo luces meditadas
reparte en ritmos de ponientes cultos,
que sumos logran su mandato recto.

Sus matices sin iris las moradas
del aire rinden al vibrar, ocultos,
y el acorde total clama perfecto.


(Vicente Aleixandre)

*

Bom dia!

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SINAIS

Vai ser interessante ver como o governo do PS vai organizar a sua “central de comunicação” e tentar alargar o seu espaço de tranquilidade na comunicação social. Alguns preliminares já são visíveis para quem esteja atento aos sinais.

A ofensiva contra os comentadores políticos que lhes podem ser hostis ou criar problemas já está em curso, só que não é feita da forma grosseira como o governo Santana a fez, mas sim mais sofisticada, baseada em critérios “jornalísticos” ou “institucionais”. Já se nota poder novo no ar...

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10.3.05


BIBLIOGRAFIA SISTEMÁTICA SOBRE O PCP, OS MOVIMENTOS COMUNISTAS E RADICAIS E A OPOSIÇÃO POLÍTICA E SOCIAL ATÉ 25 DE ABRIL DE 1974 (Em organização)

nos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO

Ainda de uma forma experimental vou começar a organizar uma bibliografia sistemática sobre o PCP, o movimento comunista e radical (incluindo a extrema-esquerda), e a oposição política e social à ditadura. Trata-se de ir progressivamente actualizando todo um trabalho bibliográfico que foi iniciado nos Estudos sobre o Comunismo (em papel), na Análise Social e no Boletim de Estudos Operários, e depois retomado nos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO. Dado que se trata de lidar com centenas de referências bibliográficas e para não privar os interessados de tudo aquilo que possa de imediato ser inserido nesta bibliografia, ela será continuamente alimentada por módulos.

São bem-vindas todas as colaborações para este trabalho, pela sua própria natureza muito complexo.

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INTENDÊNCIA

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.

Como as primeiras discussões sobre o novo governo se vão concentrar na política externa, coloquei um artigo publicado no Público, em Novembro de 2002, intitulado "Os "conselhos" europeus aos EUA" no VERITAS FILIA TEMPORIS. O artigo foi escrito a pensar em posições como as de Mário Soares e de Freitas do Amaral.

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A QUADRATURA DO CÍRCULO

O programa mais conservador desta nossa terra, que não quer mudar, nem quer ter novidades, mas não pode infelizmente impedir a terra de mudar à sua volta nem o PS de ter ido para o governo. E lá se vai o José Magalhães para uma pasta incompatível com a discussão. Boa sorte! Virá o Jorge Coelho na sua vez para quatro anos de inferno, mas ele aguenta bem. Seja bem-vindo!

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COISAS SIMPLES


Kuzma Petrov-Vodkin

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EARLY MORNING BLOGS 446

ROMANCE DE DOÑA ALDA


En París está doña Alda, la esposa de don Roldán,
trescientas damas con ella para bien la acompañar:
todas visten un vestido, todas calzan un calzar,
todas comen a una mesa, todas comían de un pan.
Las ciento hilaban el oro, las ciento tejen cendal,
ciento tañen instrumentos para a doña Alda alegrar.
Al son de los instrumentos doña Alda adormido se ha;
ensoñado había un sueño, un sueño de gran pesar.
Despertó despavorida con un dolor sin igual,
los gritos daba tan grandes se oían en la ciudad.
—¿Qué es aquesto, mi señora qué es el que os hizo mal?
—Un sueño soñé, doncellas, que me ha dado gran pesar:
que me veía en un monte en un desierto lugar:
y de so los montes altos un azor vide volar;
tras dél viene una aguililla que lo ahincaba muy mal.
El azor con grande cuita metióse so mi brial,
el águila con gran ira de allí lo iba a sacar;
con las uñas lo despluma, con el pico lo deshace.
Allí habló su camarera, bien oiréis lo que dirá:
—Aquese sueño, señora, bien os lo entiendo soltar:
el azor es vuestro esposo que de España viene ya,
el águila sedes vos, con la cual ha de casar,
y aquel monte era la iglesia, donde os han de velar.
—Si es así, mi camarera, bien te lo entiendo pagar.
Otro día de mañana cartas de lejos le traen:
tintas venían de fuera, de dentro escritas con sangre,
que su Roldán era muerto en la caza de Roncesvalles.
Cuando tal oyó doña Alda muerta en el suelo se cae.

*

Bom dia!

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9.3.05


MEMÓRIAS DE BIBLIOTECAS (7ª série)

Ao ver uma imagem de uma carrinha das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian no seu blogue, explodi em memórias e, ao correr da tecla, quero declarar que muito de quem sou culturalmente, o devo a essa lata com rodas que ia visitar a minha terra, uma pequena vila sem direito a concelho a dez quilómetros de Coimbra, onde nos anos sessenta tive o direito a formar-me, graças aos conselhos de um notável bibliotecário-motorista, cujo nome não registei, mas que pegando num miúdo de dez anos me orientou bibliograficamente até à minha entrada na Universidade. Graças a ele, formei-me em marxismo quase clandestinamente logo aos catorze anos, o que foi uma adequada vacina, e talvez uma desilusão para o formador, mas agradeço, sobretudo, a perspectiva estética que me deu, sobretudo o Arrabal e a fundura daquele magnífico boletim inspirado por António Quadros que me trouxe a filosofia portuguesa, o Leonardo Coimbra, o Álvaro Ribeiro e o Agostinho da Silva. E eis como o meu bibliotecário, misto de surrealista e marxista, produziu em mim uma complexidade formativa deslumbrante, bem como o acesso a um mundo de sociedade aberta que as janelas e as portas fechadas do salazarismo elevavam à esquizofrenia. Bendita biblioteca que a tantos fez este bem de nos dar a liberdade de escolher. Bem gostaria de saber o nome de tal benfeitor, para o homenagear. Se alguém me souber dizer quem era esse empregado da Gulbenkian que percorria a zona rural de Coimbra nos anos sessenta, agradecia.

(José Adelino Maltez)

*

Não feche o assunto “bibliotecas” sem lembrar as bibliotecas de associações culturais e recreativas do Barreiro nos anos 40: “Franceses”, Penicheiros” e “ Fut. Clube Barreirense”.

Repositórios públicos de livros de fronteira, entre o que era permissível ler e o que era proibido, cheios de “coleção azul”, de Blasco Ybanez, Emílio Salgari, mas também detentores de livros guardados, que só eram acessiveis a poucos “iniciados” ; estantes secretas (o meu tio Armando, bibliotecário dos “Franceses” e serralheiro extraordinário, tinha feiro uma dupla, com rolamentos, que podia abrir-se e tinha, no “lado falso”, Marx, Lenine, Engels, Jorge Amado – “Os subterrâneos da Liberdade” – John dos Passos, Bakunine, os que mais vêm à memória).

Nessas bibliotecas, o “proletariado” discutia, lia, conspirava.

Foi na do Barreirense que conheci Julio Verne; foi na dos “Franceses” que li “Estes dias tumultuosos”, do Pierre Van der Passen (onde paras, livro?!) e “O Processo Histórico” e a História Universal do César Cantu em 20 volumes, que haveria de adquirir em Cascais, num alfarrabista, há 15 anos, por 8 contos!

Eram salas grandes, com mesas e cadeiras de madeira envernizada, incómodas e ingénuas como nós.Que saudades!

Parafraseando Eça “Eramos assim, em 1948!”, antes do relatório Kruschev e da repressão na Hungria.

Quantas horas e quantas saudades da emoção, da sinceridade ingénua, da indignação verdadeira, alimentada diariamente pelos desfiles diários da cavalaria da GNR, com o capitão Homero de Matos à frente, de monóculo e “pingalim”… Foi lá que criei este amor perene pelos livros e pela leitura.

(Luis)

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A minha "biblioteca" era uma livraria na Av. de Roma, em Lisboa, a Livraria Barata. Na altura, era um espaço minúsculo, com uma secção infantil de duas ou três prateleiras, tutelada pelo Sr. Barata e pelo Sr. Afonso.

Lembro-me de aí ter passado incontáveis fins de tarde a ler, acocorada a um canto. Sempre que exagerava no tempo de leitura, o Sr. Afonso vinha "apanhar-me" e pôr-me na rua.

Mais circunspecto e sempre triste, o Sr. Barata fingia não me ver.

Mas nada me intimidava e todos os dias voltava, para continuar a ler o livro na página onde o deixara.

Hoje, já quarentona, sempre que encontro o Sr. Afonso na rua me dá vontade de rir: ele nem sonha, certamente, que foi uma das figuras mais temidas da minha infância.

(GA)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: PARA TERMINAR COM A LÍNGUA ALEMÃ E EDUARDO PRADO COELHO

Esta indicação de José Carlos Santos do texto The Awful German Language de Mark Twain.

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Hoje deparei com um conjunto de comentários glosando o mérito e o demérito das observações de EPC a propósito da língua alemã. Sem desprimor pela qualidade opinativa dos leitores interrogo-me sobre o interesse do tema e sobre o que a ele se pode acrescentar. Talvez lembrar que sendo a coerência e a permanência da opinião geralmente saudada como traço de carácter, em não menor medida o deve ser a flexibilidade e a capacidade regeneradora daqueles que conservam coragem e fulgor para mudar de opinião quando o erro ou a precariedade se tornam evidentes.

(GC)

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A língua alemã - que EPC não conhece - não produziu apenas cânticos militares ou vozes de comando. Aliás, quem provar Zarah Leander, não voltará mais às"lamechisses" cançoneteiras das Piaf, dos Aznavour ou dos Lama. A língua francesa é pleno artifício, sacrificando a inteligência e o raciocínio à forma.
O francês compraz-se com a sonoridade, o embelezamento e a graça. É, decididamente, uma excelente língua para salões literários ou convívios de senhoras.
Continuamos ainda a pagar pesada factura da absoluta rendição de sucessivas gerações portuguesas às letras francesas. Um dos mais persistentes problemas da inautencidade e inutilidade da universidade portuguesa será uma das muitas sequelas dessa hegemonia que a cultura francesa deteve. Quem ouve hoje a música francesa, quem conhece os autores franceses vivos, quem vê cinema francês.
Encurralados num autismo lancinante, os francófilos esbracejam pateticamente num mundo dominado pelo inglês e pelo castelhano. Quanto ao alemão, transformou-se em língua incontornável para os estudos filosóficos e politológicos. Longe vai o "século de Sartre", muito mais longe ainda os séculos de Voltaire e Hugo.

(Mig ACBF)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: ALEXANDRE HERCULANO, O ALEMÃO E O INGLÊS

Vasco Graça Moura recordou-me nas Lendas e Narrativas "as páginas em que o A. Herculano refere as características do inglês, do alemão (1 e 2) e do francês (3 e 4)..." "a propósito de uma viagem de barco, de Jersey a também não sei onde, tem uma página "notável" comparando as belezas do alemão com as perfídias do inglês..."

Aqui fica um pequeno fragmento de "De Jersey a Granville"



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UMA OBSERVAÇÃO SOBRE A MEMÓRIA DAS BIBLIOTECAS

Ninguém, em tantos textos e memórias, se referiu à Biblioteca Nacional que parece não suscitar a nostalgia biográfica e afectiva de muitas outras bilbiotecas...

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MEMÓRIAS DE BIBLIOTECAS (6ª série)

Ver o comentário de Desidério Murcho a estas "memórias", lembrado por Nuno Coelho.

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Curioso como nos esquecemos de algumas pequenas coisas que nos ajudaram a crescer. Aqui fica um pequeno relato da minha experiência como utente da Biblioteca Itinerante Calouste Gulbenkian.

Uma visita por mês era o que a minha vila tinha direito. Para uma miúda da beira interior com uma enorme curiosidade e muita vontade de ler, a carrinha da Gulbenkian era a melhor coisa do mundo!

Às sete da noite lá estava ela, a carrinha Citroën, serie H, cinzenta, de chapa canelada, com taipais. Interessante como a memória funciona, lembro-me perfeitamente da primeira vez que lá fui com a minha mãe, devia ter cinco anos, também ela fora frequentadora assídua da carrinha da Gulbenkian, nos seus tempos de escola.

A carrinha era conduzida por dois senhores, que estacionavam sempre no mesmo sitio, junto ao restaurante 'O Julio', quando chegavam fosse Verão ou Inverno já a canalha se acotevala para ver quem ficava a frente na bicha (era bicha que se dizia!). Pois isso significava ser o primeiro a entrar e a descobrir quais eram os 'novos' livros. O ritual era igual todos os meses, a janela da porta direita abria-se e um dos senhores pedia-nos o cartão e os livros que requisitamos no mês passado. A carrinha no interior estava forrada a livros do chão ao tecto, ao fundo havia uma bancada para se preencher a referência dos livros requisitados no cartãozinho previamente fornecido pelo funcionário da Gulbenkian. Uma vez lá dentro era o ver se te havias, porque não tinha muito tempo para procurar os três livros (máximo possível), e depois havia o condutor/bibliotecário, que mais parecia o polícia das fitas adesivas! Uma das coisas que me irritava era que só podia levar livros com fita adesiva verde, e está claro os de cor laranja ou, pior ainda, vermelha, os das prateleiras de cima eram precisamente os que queria levar. Muitos foram os livros que li durante os 12 anos que religiosamente visitei a carrinha da Gulbenkian.
Recordo-me agora particularmente do livro 'Beatriz e o Plátano' de Ilse Losa.
Os meus pais incutiram-me o gosto pela leitura mas foi definitivamente a carrinha da Gulbenkian que ajudou a cultivá-lo. A carrinha não só abriu as portas para o mundo da leitura mas criou também em mim um sentido de responsabilidade, e civismo e orgulho, pois quando se entregavam os livros a tempo e horas e estimados, podia eventualmete aceder-se aos tão desejados livros 'laranja' e 'vermelhos'.

Mais tarde na minha vida de estudante visitei muitas bibliotecas; a Biblioteca Nacional com o seu hipnotisante painel de Tapeçaria de Portalegre de Guilherme Camarinha, a desactualizada Bibiloteca do Palácio das Galveias, no Campo Pequeno e a mãe de todas as bibliotecas para uma estudante de Arte em Lisboa, a Gulbenkian. Mas o cocktail de sentimentos causado pela carrinha da Gulbenkian, esse até hoje nunca foi superado.
É com nostalgia que do alto dos meus 28 anos penso neste serviço que ajudou a fazer de mim o que sou hoje. Grata ao Sr. Gulbenkian e a quem iniciou e pôs em prática este serviço.

(Sofia Gonçalves)

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Tive o previlégio de nascer no seio de uma família onde os livros - e a leitura - eram centrais no nosso quotidiano familiar. O meu pai, funcionário publico, de poucas posses, tinha a paixão pelos livros e tudo fez para partilhar esse amor. Quer eu, quer o meu irmão, fomos brindados com livros, desde sempre.
A leitura tem sido sempre marcante na minha vida. Quase morri no preciso momento em que, aos cinco anos, descobri que sabia ler. Nesse dia, acordei com febre e fiquei na cama, com direito a que a minha mãe me lesse e contasse todas as histórias que eu já sabia de cor. Sempre que adoeciamos, era certo que, à hora de almoço, o pai trazia livros novos para nos ajudar a passar o tempo. Com esse entusiasmo, consegui soletrar o titulo de um livro... mas só me restou o tempo eminente para gritar «oh, mãe, eu leio...»! Fiquei roxa e perdi os sentidos. Diziam os meus pais que o médico, chamado à pressa, diagnosticou uma paragem cardíaca, levada pela febre e pela emoção.
Naquela época, lia-se tudo aquilo que nos aparecia à frente. Numa cidade de província, sem meios para partir para férias, o verão transformava-se no território de todos os perigos! No calor da noite, lia-se na cama até nascer o dia. Foi assim que desbravei a biblioteca do pai, sem grandes interdições. No entanto, o peso da época fazia com que eu e o meu irmão fossemos mestres a desenvolver estratégias de clandestinidade, na forma como escondíamos algumas leituras, um do outro e dos próprios pais. Foi assim que, pelos meus treze anos, guardei só para mim, a leitura secreta de «O Amante de Lady Chattterley» de DH Lawrence ou «A Romana» de Morávia.
Outro marco interessante deste percurso foi sem dúvida as caminhadas entusiasmantes para a Biblioteca do Museu Tavares Proença, em Castelo Branco. Lembro sobretudo as vezes que lá fui e que me via forçada a regressar acompanhada da minha mãe, para poder requisitar obras de Camilo ou de Eça. Embora já a frequentar os 3º ou 4º anos do liceu, a minha idade não permitia algumas aventuras.
Não posso ainda deixar de salientar a importância das livrarias, no tempo em que, também elas, tinham umas trazeiras recônditas onde se guardavam os livros proibidos, apenas disponíveis para clientes especiais. Em Castelo Branco, a Livraria do Sr. Feijão era um local de eleição. Devo a essas leituras o bom domínio da língua francesa, dado que muitos desses livros não se publicavam em Portugal.
E que dizer da galáxia de emoções que nos avassalam quando chega o momento de nos confrontarmos com a morte de uma biblioteca! Dois anos após a morte dos pais, tive de desfazer a casa e vi-me assim confrontada com a morte de um entidade única - a biblioteca dá casa de meus pais. Nela residia o designio de uma unicidade afectiva, que respirava um espaço e um tempo irrepetíveis. Uma biblioteca familiar é sempre uma caixa de surpresas e um esconderijo de outras memórias: anotações, papéis com citações, bilhetes de cinema, cartas de amor, postais de viagens, panfletos clandestinos, folhas secas, fotografias. Arrumados em caixotes, todos os livros vieram para a minha casa em Lisboa, onde talvez possam ganhar outra vida. Vive-se e morre-se nestas andanças! Nós somos o que fica das leituras sôfregas desse tempo... sem tempo!

(Júlia Matos Silva)

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Existem bibliotecas marcantes para qualquer um de nós, no meu caso o mundo das letras abriu-se com a biblioteca municipal de Lagos e com as carrinhas itenerantes de marca – julgo – Citroen que passavam junto á minha casa, naquela que eu chamava a minha rua. A banda desenhada com que aí contactei era fabulosa, muito para além das edições Mirim brasileiras. À medida que o tempo passava fui perdendo os desenhos e conquistando as letras, a tal ponto que fiquei fascinado com a Filosofia. Foi assim que cheguei à Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, e aí á Biblioteca Universal João Paulo II. Esta, apesar de ser fruto, fundamentalmente, das necessidades bibliográficas que as faculdades que a compõem, e dos seus consequentes corpos docentes, faz jus à designação de Biblioteca Universal, especialmente nos domínios da Filosofia, da Teologia e do Direito. É sem dúvida um elemento preponderante para a escolha da instituição de ensino que se pretende frequentar, dadas as magníficas instalações e qualidade do seu conteúdo. É sem dúvida um exemplo que se afirma pela quantidade de investigadores, professores e alunos das mais variadas proveniências, exteriores à Católica, que a ela recorrem.

(Luis Loia)

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Há referências muito fortes à "lembrança" nos posts dos seus leitores. Lembrança da infância e tentativa de recuperação de memórias idas. Como se hoje a azafama diária não permitisse a frequência de bibliotecas. O António Lobo Antunes agradeçe mesmo o tempo que os leitores lhe dedicam, depois de trabalho, transportes e lida da casa. Embora tal seja mais fazível na adolescência, quando as tardes são livres e se pode contar com os longos meses de férias de verão para se esperar e procurar, vejo que algumas bibliotecas estão repletas de gente aos fins-de-semana. É o caso da belíssima Biblioteca Almeida Garrett sita nos jardins do Palácio de Cristal no Porto. Casa de livros, revistas, filmes e CD's, as duas últimas classes ainda um pouco depauperadas, tem também uma excelente biblioteca para crianças, onde o barulho é permitido e o convívio entre adultos e crianças é estimulado.

Uma nota também para a biblioteca de arte do Museu de Serralves, onde nos perdemos, aprendemos e surpreendemos com livros e paisagem.

(PPM)

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INTENDÊNCIA

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: A LÍNGUA ALEMÃ E EDUARDO PRADO COELHO.

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.

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GRANDES NOMES: "O POSSO [sic] INESGOTÁVEL DE PASPALHICES"

Ou seja, eu, segundo um sr. José Da Silva que enviou um comentário ao Correio da Manhã do seguinte teor:

"Este indivíduo excede-se em despautérios e inconsistência. O pior é q de quando em vez, lá temos q ouvi-lo. Qdo, por falta de protagonismo é repelido ao segundo plano, logo temos uma investida, mostrando q é um posso inesgotável de paspalhices. Fazia um grande bem a nação, se se quedasse pelo silêncio."

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8.3.05


AR PURO


A. Dürer

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INTENDÊNCIA

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO e inseridos na VERITAS FILIA TEMPORIS alguns textos da série A Lagartixa e o Jacaré, publicada na Sábado, sobre as eleições, o PP e o BE, a morte da Irmã Lúcia, e o comportamento dos jornais, entre outras coisas.

Entre hoje e amanhã publicarei uma nova série, a última, com novas Memórias de Biliotecas.

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EARLY MORNING BLOGS 445


¡Cal as nubes no espazo sin límites
errantes voltexan!
Unhas son brancas,
outras son negras;
unhas, pombas sin fel me parecen,
despiden outras
luz de centela...

Sopran ventos contrarios na altura
i á desbandada,
van levándoas sin orden nin tino,
nin en sei pra onde,
nin sei por que causa.

Van levándoas, cal levan os anos
os nosos ensoños
i a nosa esperanza.

(Rosalia de Castro)

*

Bom dia!

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: A LÍNGUA ALEMÃ E EDUARDO PRADO COELHO

Eduardo Prado Coelho, no Clube dos Jornalistas, RTP2, dissertou sobre a língua alemã: língua marcial (sem a graça, a leveza, a elegância do Francês ou do Italiano), ao ouvi-la ouvem-se as botas e os tanques vêm atrás... Como é possível, meu Deus! (em momentos destes, quase nos tornamos crentes), como é possivel que alguém como ele diga tais coisas? Talvez ele não seja como ele... Os Alemães não escrevem cartas de amor? Como se pode pensar que uma língua humana (que, portanto, diz as coisas) não é capaz de exprimir a delicadeza? Que pensar então de Vogelweide, de Goethe, de Heine, Schiller, Lessing, Celan, Thomas Mann, Brecht, etc. Por que escolheu Schubert poemas de Goethe? E Grieg? E aqueles textos que têm a bota em passo-de-ganso, têm os Panzer, a brutalidade germânica, mas como realidades negadas?...

(Carlos David Botelho)

*
Não ouvi a dissertação de E.P.C. sobre a língua alemã mas li o comentário de Carlos Botelho e, a ser verdade, também eu me insurjo veementemente: como é possível alguém com as responsabilidades do dito professor fazer afirmação tão facciosa e esterotipada? Concordo plenamente com os argumentos aduzidos a favor da musicalidade do alemão e penso também que o achar uma língua "bonita" ou "feia" é uma questão de gosto pessoal. O som cantante do italiano, por exemplo, vem-lhe da profusão de vogais, própria das línguas românicas, em contraste com as germânicas, em que abundam as consoantes. Mas o que mais me impressiona é o que a afirmação de E.P.C. revela, o que parece estar subjacente à referència às "botas"e aos "tanques" citados por C.B. E sem querer cair num processo de intenção, veio-me à memória os comentários várias vezes feitos por alunos forçados por razões de currículo escolar a aprender alemão: "é a línguas dos nazis". Será que para E.P.C. o povo alemão ainda é o povo dos nazis?
(Maria Emília Malta)

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Pode discordar-se do que diz Eduardo Prado Coelho e pode gostar-se imenso da língua alemão, utilizá-la em casa para as canções de embalar que se murmuram enquanto se deitam os bebés ; para dizer coisas dulcíssimas às namoradas, quando estamos deitados na relva dos Jerónimos, à frente do Tejo ; para agradecer com ternura, no final dos almoços de domingo que já não há, às nossas avós que nos prepararam o cozido tradicional ; para saudar, gentilmente, os nossos chefes (para não dizer líderes!), à chegada ao escritório, estremunhados ainda antes do café matinal ; ou simplesmente, como parece implicar Prado Coelho, para dar ordens naquela forma martelada a que nos habituaram os filmes sobre os oficiais alemães. Ou pode não se gostar nada dela, preferir-se a graça musical do italiano, a modularidade cartesiana do francês, a clareza sintética do inglês – e porque não a estranheza gutural do chinês e do japonês ; e já agora a leveza incompreensível do hindu. Pode até gostar-se do catalão ou do basco ; ou preferir-se um dos muitos dialectos que ainda se falam por essa Europa fora: o mirandês que desaparece, o «breton» que quase já desapareceu...

Agora, o que me parece é que estas críticas a Eduardo Prado Coelho, com o tom que têm (Eduardo é faccioso ; Eduardo é destemperado ; Eduardo é estereotipado ; talvez Eduardo não seja como Eduardo – embora eu não perceba bem o que se quer dizer com isto!) esquecem que, mal ou bem, ele tem o direito de não gostar do alemão (que digo eu? ele tem o direito de detestar o alemão) e de ver, por detrás das palavras de amor, as botas e os tanques, como outros têm o direito de ver nessa língua principalmente as palavras de Schiller ou de Rilke

Sempre que nos indignamos com o facto de outrem exprimir uma opinião – o que é diferente de nos indignarmos com as opiniões expressas – restringimos o nosso espaço de liberdade. É a «political correcteness» que desponta por detrás de bem pensantes opiniões.

Isto posto, também eu não concordo com a opinião de Eduardo Prado Coelho a propósito do alemão. Recomendo-lhe, quando à musicalidade, qualquer boa colectânea de «lieder» de Schubert: um qualquer disco com Dietrich-Fischer Dieskau a cantar deve ser suficiente. Mas isso é outro problema.
(José Pedro Pessoa e Costa)

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7.3.05


BIBLIOFILIA: NÃO HÁ LIVROS PACÍFICOS

Este parece um normal livro sobre campismo, mas as actividades de “ar livre” foram fomentadas e popularizadas em Portugal pelos comunistas e pela oposição que lhe era próxima. Militantes como Joaquim Campino tiveram papel destacado na história associativa do campismo, e os acampamentos eram um local privilegiado para realizar encontros políticos clandestinos.

Este volume da célebre Biblioteca Cosmos, organizada por Bento de Jesus Caraça, é um exemplo dessa influência. Escrito por Mário Mendes de Moura, estudante de agronomia, depois engenheiro, militante do MUDJ, membro da sua Comissão Central, preso em 1948, posteriormente exilado na Venezuela e no Brasil, e actualmente editor, não escondia no seu prefácio a sua preocupação com os “trabalhadores”. O mesmo tipo de interesses era partilhado pelo ilustrador Daniel Morais, ele próprio também membro do MUDJ e preso na mesma altura de Mário Moura, cujas ilustrações “citam” a linguagem gráfica das publicações comunistas.

(Nota mais detalhada sobre o campismo e a oposição está nos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.)

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VASCO GRAÇA MOURA: EX-LIBRIS



(apresentação para um livro de depoimentos sobre livros que ainda não saiu e não sei se chegará a sair...)

Em 28 de Agosto de 1819, Keats escrevia a sua irmã Fanny, “dêem-me livros, fruta, vinho francês e bom tempo e uma musiquinha lá fora, tocada por alguém que eu não conheça”... Francamente, eu prefiro este princípio de prazer, ligado ao trato com os livros, a uma série de profundas considerações sobre a sua importância e utilidade, ou à especulação sobre o livro como símbolo onde se inscreve a imagem do mundo, que, da Bíblia a Jorge Luís Borges, passando por Ernst Robert Curtius, determina muita da nossa ontologia na matéria. Que têm a sua importância, sim, mas nós não temos de passar a vida a fazer congeminações simbólicas.
Dêem-me livros, ameixas pretas secas, um vinhito português (do Douro, claro!) e uma musiquinha. Não estou preocupado com o tempo que faz e na música há muitas opções aceitáveis para o meu hedonismo egoísta e concentrado quando pego num livro. Mas é bom que haja uma poltrona para quem lê se espolinhar devidamente. E, no Inverno, uma boa lareira. E, na cama, uma boa almofada e um bom candeeiro.

Há também outros prazeres, tácteis em certas encadernações e qualidades encorpadas das folhas e em certos livros, sobretudo antigos, impressos em papel de linho, cujas páginas parecem crepitar ao serem percorridas nos bordos do corte com um toque do polegar; visuais, ligados ao formato, ao aspecto, à tipografia, à mise-en-page, à ilustração; enfim, intelectuais ligados ao que se tem debaixo dos olhos, a esse pastar da vista, sôfrego ou tranquilo, envolvido ou reflexivo.
Porque não há receitas para pegar num livro ou para amar um livro. Há vícios bem-aventurados. Ler é um deles. Outro, afim, é o dos livros, enquanto livros, daqueles objectos paralelipipédicos que se encostam uns aos outros na estante e começam logo por dar o prazer de serem muitos e ordenáveis de muitas e desvairadas formas, o dos livros como matéria de forro do espaço doméstico, o dos livros que vemos em casa dos amigos, o dos livros como objectos que se encontram nos lugares de peregrinação que são as livrarias e as bibliotecas, o dos livros que se leram de uma assentada, o dos livros que se fecharam para serem retomados mais tarde, até o dos livros que se esqueceram, até o dos livros que são mostrados em revistas de livros ou de decoração, nestas, quando calha haver uma secção dedicada a bibliotecas, sem falar no dos livros que recomendamos e que oferecemos, no dos que lemos nos transportes públicos, e assim por diante.

Há mais um prazer, só possível para quem alguma vez foi editor, embora arremedável por quem adquira um livro para levar para casa: o do exercício do jus primae noctis, o da primeira noite que se passa deitado e deleitado com o primeiro exemplar de um livro acabado de chegar da tipografia...

Já uma vez escrevi, no boletim de informação bibliográfica da Oiro do Dia (e o texto também vai agora arquivado neste conjunto), sobre Aby Warburg, o erudito alemão, fundador da Iconologia como disciplina histórica e interpretativa, que, em finais do século XIX, sendo primogénito de uma família de banqueiros judeus, renunciou à primogenitura por contrato com os irmãos, que ficaram com a administração do banco e se obrigaram a comprar-lhe todos os livros que ele quisesse ao longo da vida. E às vezes, dou comigo a pensar porque é que o meu pai não foi banqueiro, para eu poder saciar a minha fome de livros e para os meus irmãos acabarem a perceber que afinal não teriam feito propriamente um negócio da China com tão volumoso prato de lentilhas... (Era de Warburg a "lei da boa vizinhança" - Gesetz der guten Nachbarkeit - que pode enunciar-se assim: o livro de que precisas não é aquele de que andas à procura, mas sim o que está ao lado dele na estante).

Não, ai de mim, a minha relação com os livros na perspectiva da aquisição deles não tem nada de “warburgiano”: começou ainda no tempo dos calções curtos, comigo a juntar moedas de vinte e cinco tostões da semanada para comprar este ou aquele volume que ia aparecendo no Jomar da Foz, ali à entrada da Rua da Senhora da Luz, a preços entre os dez e os quinze escudos. Antes, era a razoável biblioteca familiar, o ar pausadamente entretido da minha mãe a abrir as folhas de algum volume que chegava, o que ela gostava muito de fazer e eu detesto, e sobretudo o forte estímulo paterno, que me atraía para eles e que muitas vezes citava o Castilho: “há livros que, semelhantes a barquinhas milagrosas, vogando no oceano das ideias”... Nunca tive grande paciência para o Castilho, salvo nas análises sobre “estilo e preconceito” do Fernando Venâncio. Nunca encontrei (nem procurei) a página em que ele diz isso e que, se estou bem lembrado, começava enfaticamente: “A leitura, meus amigos, sabeis vós bem o que é a leitura?...”. Mas devo-lhe, através do meu pai, essa síntese metafórica do livro como barca milagrosa que me tem acompanhado e em que tenho vogado e vagado ao longo da vida. Eram também noites inteiras de leitura devoradora, por vezes clandestina, para que não se pensasse haver prejuízo no levantar cedo para ir para o colégio. Era o que não se percebia à primeira no que se lia, mas depois acabava por se perceber.

O grande problema da minha relação com os livros é o da vertigem de tudo o que nunca li. Não o de tudo o que nunca chegarei a ler, hélas!. Mas o daquilo que sei que ainda hei-de ler e continua a ser uma compulsão, talvez a verdadeira utopia dos amanhãs que cantam na palavra escrita dos livros.

Este volume recolhe textos de índole muito diversa, alguns de autêntica "poética do livro" (por exemplo, Albano Martins, Ramos Rosa, Eugénio de Andrade, Rebordão Navarro), outros mais preocupados com a sua importância para o desenvolvimento do ser humano e das sociedades (por exemplo, Álvaro Cunhal), outros pondo a tónica no testemunho autobiográfico de uma relação com o livro estruturada desde a infância e para toda a vida (por exemplo, Eugénio Lisboa, João Bigotte Chorão, Miguel Veiga, Maria Alzira Seixo), outros dando conta de deambulações, fascinações, vagabundagens e achamentos por alfarrabistas e livreiros, bibliotecas, catálogos e repertórios bibliográficos (por exemplo, Armando Castro, Cunha Freitas, Jacinto Baptista, Rúben de Carvalho, José-Augusto França). Em quase todos, a relação pessoal com o livro, não apenas intelectual, mas também táctil, visual, afectiva, doméstica, terna, poética e até irónica, emaranha-se, organizando um labirinto de percursos que acaba por reconduzir-nos ao arquétipo da biblioteca e um caleidoscópio de impressões que encontra homologia com um célebre filme de Chris Marker sobre Toute la mémoire du monde.
A este conjunto valeria a pena agregar, quanto mais não fosse para fins de contraposição, o soneto um tanto ou quanto pessimista que o venerável António Ferreira escrevia em 1557 e que veio depois a ser incluído por seu filho Miguel Ferreira, em 1598, como primeiro texto dos Poemas Lusitanos:

Livro, se luz desejas, mal te enganas.
Quanto melhor será dentro em teu muro
Quieto, e humilde estar, inda que escuro,
Onde ninguém t'impece, a ninguém danas!

Sujeitas sempre ao tempo obras humanas
Coa novidade aprazem; logo em duro
Ódio e desprezo ficam: ama o seguro
Silêncio, fuge o povo, e mãos profanas.

Ah! não te posso ter! deixa ir cumprindo
Primeiro tua idade; quem te move
Te defenda do tempo, e de seus danos.

Dirás que a pesar meu foste fugindo,
Reinando Sebastião, Rei de quatro anos:
Ano cinquenta e sete: eu vinte e nove.


Enfim, com tanta variedade de testemunhos como a que se encerra neste livro “sobre os livros”, creio que neles se abordam muitas coisas que eu deixo por abordar para evitar repetições ou até, aqui e ali, dessintonias. Com certeza que há, em muitas outras páginas, um semelhante comprimento de onda. É interessante e importante que os escritores falem sobre a sua relação com os livros que não escreveram, mas que em grande medida determinaram o que eles são. Porque nunca não há nada de verdadeiramente novo, a não ser nos livros que continuam a ler-nos por dentro.

Vasco Graça Moura

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© José Pacheco Pereira
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