ABRUPTO

27.12.03


ALL THE COMPLICATED DETAILS


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EARLY MORNING BLOGS 105

Para as minhas árvores, “wise trees”, preparadas para o inverno, de William Carlos Williams este poema:

All the complicated details
of the attiring and
the disattiring are completed!
A liquid moon
moves gently among
the long branches.
Thus having prepared their buds
against a sure winter
the wise trees
stand sleeping in the cold.

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IMAGENS

Foram-se atrasando por estes dias. Aqui fica a lista no sentido em que se lê o blogue: do presente para o passado:

Os barcos saindo (para as Américas?) são para Caspar David Friedrich, “Lebenstufen”, as idades da vida. Pintou-os (as) em 1830.

De Flores van Dijck , natureza morta com queijos, que foi a nossa mesa de Natal.

O velho que se afasta é uma cena de primavera na Jutlândia de A. L. Ring de 1892. Skagen de novo.

O pequeno almoço à Hockney é um postal de série de P. Renaud / P. Buisson, bonitinho com as cores estivais, decorativo mas sem grande valor.

O Tamisa em Chiswick, “the quiet river” , de Victor Pasmore de 1942-3, mostra a tardia presença de Whistler , ou a impossibilidade da paisagem inglesa sem Turner.

O patinador é o Reverendo Robert Walker, pintado por Henry Raeburn no final do século XVIII, a planar num lago qualquer da Escócia. No Guardian saiu um artigo sobre esta pintura irónica.

As flores de boas festas são de um bordado a seda de Jean Revel, feito em Lyon por volta de 1735.

Num pequeno porto de pesca, o “velho cais” St. Andrews é de Myles Birker Foster.

A lareira com objectos é de Ann Redpath e foi pintada por volta de 1944. Como o quadro de Pasmore, um anacronismo.

A cara riscada é de Arnulf Rainer, Gloria, 1971.

E, por fim, a noite estrelada de Van Gogh de 1888. Já não há estrelas assim.

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26.12.03


"UTENTE"

Mas que nome mais absurdo para chamar a uma pessoa que está doente e que precisa de tratamentos médicos, e que por isso vai a um hospital! Esta dos "utentes" e das "comissões de utentes" é puro PCP, que as usa como um prolongamento da acção política e sindical, em particular dirigida contra os hospitais privados. Os hospitais que tratem bem dos doentes, e deixem lá os "utentes": os doentes são pessoas, os "utentes" são consumidores ...

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UM ESTADO QUE NÃO SE TOMA A SÉRIO

A espantosa ineficácia do nosso Estado, onde ele devia funcionar para proteger o bem público, está patente numa série de reportagens passadas a esta hora pela RTP2, intitulada Planeta Azul, e cujo responsável é António Marques . Os filmes são notáveis pela sua moderação, nada de radicalismo ambientalista, imagens e comentário sereno e informado.

Trata-se de uma série de filmes sobre a completa ilegalidade e impunidade de actividades como as pedreiras e os areeiros não autorizados, diante dos olhos de toda a gente, pura economia paralela, sem impostos nem lei, destruindo recursos naturais, e deixando o ambiente alterado, a paisagem devastada, as águas poluídas. Ninguém parece responsabilizar-se por uma actividade pesada, feita com escavadoras e camiões de muitas toneladas, em pleno dia, tão evidentemente ilegal que as autoridades ouvidas apenas balbuciam de conivência ou impotência. Depois de ver estes filmes, como pode alguém alegar desconhecimento? Câmaras? Direcções-gerais e burocracia do Estado? Polícias? Finanças? Governo? Não podem.

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A DIREITO


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CABEDELO, FOZ DO DOURO, 25 DE DEZEMBRO, 9 HORAS

O Douro é o meu rio, e uma vez por ano aqui venho ganhar força moral. Nem pensamentos, nem sensações, nem “viagens interiores”, força moral, se é que eu sei o que isso é. Olha-se o rio, no fim do seu curso turbulento, a acabar aqui, como quem não quer a coisa, e enche-se o corpo de determinações, deveres, obrigações. Cruel, não é, este Douro?

Este é o meu rio. Devia ir ver o Eugénio, mas não fui.

Está uma luz imensa, o brilho do inverno brilhando sem limites, transportado pelo frio. A maré está muito baixa, acho até que nunca a vi tão baixa. As pedras traiçoeiras, que mataram muita gente na barra do Porto, estão à vista com o seu dorso negro. Não há uma gota de vento, se o vento fosse água estava todo bem dentro do rio. No céu, um enorme X feito pelos aviões, um dos braços perdia-se para o lado das Américas. É o braço do desejo.

As pessoas são as mesmas de sempre, os fiéis do Cabedelo. Um pai, passeando muito devagar com um filho, tentando que o olhar dele passe pela mão para o corpo pequeno que disciplinadamente alinha o passo com o corpo grande. Depois, o povo das casas pequenas, o povo envelhecido do Douro Faina Fluvial, que ainda se encontra nos cafés da Foz, empurrado pelos condomínios de luxo que, de cima, da colina, vão pouco a pouco tomando conta de tudo. Pescadores de fim de semana que vão para o molhe, os velhos pescadores da Foz do Douro, os antigos carpinteiros e calafates do pequeno estaleiro que havia junto ao rio. Não há mulheres no Cabedelo, e os homens do sítio conhecem-se à distância pela cara e pelas mãos: cara cortada pelo vento, nariz corroído pelo álcool, mãos que já pegaram em tudo.

Hoje, quem vê este rio, calmo, pequeno pela maré baixa, não diz nada do que ele vale. Rio sinistro, rio profundo, rio mortal, rio primordial. Para o ano, se houver rio, voltarei.

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EARLY MORNING BLOGS 104

Uma manhã shakespeareana para recomeçar de novo o quotidiano, após esta excepção perturbadora do Natal:


Full many a glorious morning have I seen
Flatter the mountain-tops with sovereign eye,
Kissing with golden face the meadows green,
Gilding pale streams with heavenly alchemy;

Anon permit the basest clouds to ride
With ugly rack on his celestial face
And from the forlorn world his visage hide,
Stealing unseen to west with this disgrace.

Even so my sun one early morn did shine
With all-triumphant splendour on my brow;
But out, alack! he was but one hour mine;

The region cloud hath mask'd him from me now.
Yet him for this my love no whit disdaineth;
Suns of the world may stain when heaven's sun staineth.


(Shakespeare)

*

Bom dia!

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24.12.03


BOM NATAL




Com os simples, para os simples.

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EARLY MORNING BLOGS 103

Tardios, mas neste dia de pré-Natal, fiéis à única coisa que nunca acaba: o tempo. De João Cabral de Melo Neto,


A mão daquele martelo
nunca muda de compasso.
Mas tão igual sem fadiga,
mal deve ser de operário;

ela é por demais precisa
para não ser mão de máquina,
a máquina independente
de operação operária.

De máquina, mas movida
por uma força qualquer
que a move passando nela,
regular, sem decrescer:

quem sabe se algum monjolo
ou antiga roda de água
que vai rodando, passiva,
graçar a um fluido que a passa;

que fluido é ninguém vê:
da água não mostra os senões:
além de igual, é contínuo,
sem marés, sem estações.

E porque tampouco cabe,
por isso, pensar que é o vento,
há de ser um outro fluido
que a move: quem sabe, o tempo.


*

Bom dia! Bom Natal!

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23.12.03


PARA FORA


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MORRER FORA DA LUZ PÚBLICA

Muitos dos mais originais e interessantes portugueses, loucos ou perseverantes, excêntricos ou normalíssimos, morrem sem sequer nós sabermos que morreram. Fora da luz pública, fora das celebridades de quinze minutos, fora das revistas de todas as modas, em particular das literárias e culturais, vidas inteiras desaparecem num esquecimento, nem sempre desejado. Foi o que aconteceu, perante a ignorância e a indiferença geral, a Orlando Vitorino e ao embaixador Humberto Morgado.

Não conheci o primeiro pessoalmente, mas recordo-me de uma entrevista televisiva em que ele respondia com grande rigor teórico e lexical aos disparates de uma jornalista, com um mau feitio soberbo e magnífico que Vitorino cultivava. A coisa acabou mal, como não podia deixar de ser, com o homem que era uma combinação de reaccionário e anarquista tão radical que dificilmente comunicava com o comum dos mortais. Adepto da “filosofia portuguesa”, acabou candidato à Presidência da República sem honra nem glória. Soube, por um testemunho, que nos seus últimos dias continuava completamente lúcido e articulado, só que o que pensava e dizia nada tinha a ver com qualquer realidade actual, como se tivesse ficado numa espécie de limbo a-histórico por cima de todas as nuvens. Se calhar foi toda a vida assim, só que ninguém deu por ela. Talvez ele.

O embaixador Morgado conheci nos trabalhos para o livro sobre Cunhal, com a fama de “embaixador vermelho”, elegante como só os homens antigos, falando com uma voz suave e senhor de uma memória claríssima. Falava da sua geração, apanhada nos dilemas políticos dos anos trinta, ele que fora membro do Bloco Académico Anti-Fascista, e dos factos de que tinha sido uma rara, senão única, testemunha portuguesa, como a guerra civil chinesa entre comunistas e nacionalistas. Sentia-se nele uma nostalgia muito calma, quase diríamos diplomática, como se negociasse com as suas memórias juvenis um qualquer tratado de apaziguamento, uma mansidão procurada, que prescindia de revolta com a injustiça que sentia no fim prematuro da sua carreira.

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A SENHORA DOS SAPATOS

O ContraFactos & Argumentos tem a seguinte entrada :

"Contas secretas em Portugal: the recent trip of Imelda Marcos to European destinations in October was not due to medical reasons but to check on her family’s deposits in European banks. [...] the Marcos family still maintains several secret accounts in European banks, particularly in London and Portugal."

Acontece que eu viajei recentemente com a senhora Marcos, numa viagem de avião a partir de Lisboa, em que, com a minha excepção, ela e a sua corte ocupavam a classe executiva. Era um espectáculo digno de se ver. A senhora vinha acompanhada por um senhor alto e com porte militar, ambos muito discretos e sem praticamente falarem nem um com o outro, nem com ninguém. A Senhora dos Sapatos é uma figura marcante, imponente, daquelas pessoas que se percebe estarem habituadas a mandar como quem respira. Atrás vinham duas aias, ou damas de companhia, ou criadas, e um segurança. Não se percebia bem a qualidade das senhoras, mas a dama levantava um dedo e uma ia logo falar-lhe e fazer qualquer coisa que ela pedia. Era uma cena oriental ou antiga, na Europa já não há disto.

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TELEVISÃO COMO ERSATZ DA VIDA TODA

Uma coisa que nunca tinha visto: numa festa televisiva na cadeia, é João Baião que anuncia a um grupo de presos que eles vão ser libertados. Já se namora, se casa, se vive (no Big Brother), se nasce (o ultimo filho da Ágata esteve para nascer em directo), se julga, se reconcilia parentes desavindos ou perdidos, se prende, se faz tudo dentro de um programa de televisão. Ainda não se morre porque se presume que só terá audiências a primeira vez, mas mesmo isso virá. A televisão como ersatz é o prenúncio das vantagens da virtualidade como "realidade" para os pobres. Os pobres farão tudo "virtualmente", os ricos poderão pagar a realidade. O problema é saber quanto tempo falta até sermos incapazes de distinguir.

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MANHÃ GLORIOSA


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EARLY MORNING BLOGS 102

Uma manhã tecida pelos galos de João Cabral de Melo Neto, para esta brilhante manhã de pré-Natal, com um céu muito azul e sem réstia de vento:

TECENDO A MANHÃ

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã,desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


João Cabral de Melo Neto

*

Bom dia!

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BIBLIOFILIA 6



Li um muito interessante ensaio de Eduardo Pitta que saiu recentemente em opúsculo intitulado A Fractura. A condição homossexual na literatura portuguesa contemporânea, Angelus Novus Editora, 2003. O autor identifica os momentos e os autores, homossexuais ou não, em que a homossexualidade surge na literatura portuguesa. E são bastantes: Pessoa, Sá Carneiro, Botto, Eugénio de Andrade, Gaspar Simões, Cesariny, Luiz Pacheco, Al Berto, António Franco Alexandre, Joaquim Manuel Magalhães, Frederico Lourenço, entre outros. Faltam alguns que teria interesse ver analisar como, por exemplo, Pedro Homem de Mello, um poeta com uma obra irregular mas em que brilham meia dúzia de grandes poemas de clara inspiração homossexual.

Escrito numa linguagem mais tensa do que é habitual num ensaio literário, formulando uma tese inicial que depois fica diluída no texto (sobre a dificuldade de aplicar ao caso português o padrão da literatura gay americana), o ensaio enuncia as relações do relato homossexual na literatura com uma “ética da desobediência”, a pretexto de Cesariny. Revela também alguns temas favoritos do desejo homossexual nacional, como o do “magala”, dando primazia à tropa de chão em vez da do mar, tradicionalmente com mais presença na literatura da homossexualidade. Vale a pena ler.

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22.12.03


MANHÃ, PARA MUITA GENTE


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EARLY MORNING BLOGS 101

Hoje, mais leve, depois do Larkin, Wednesday Morning, 3. AM, de Simon e Garfunkel:

I can hear the soft breathing
Of the girl that I love,
As she lies here beside me
Asleep with the night,
And her hair, in a fine mist
Floats on my pillow,
Reflecting the glow
Of the winter moonlight.

She is soft, she is warm,
But my heart remains heavy,
And I watch as her breasts
Gently rise, gently fall,
For I know with the first light of dawn
I'll be leaving,
And tonight will be
All I have left to recall.

Oh, what have I done,
Why have I done it,
I've committed a crime,
I've broken the law.
For twenty-five dollars
And pieces of silver,
I held up and robbed
A hard liquor store.

My life seems unreal,
My crime an illusion,
A scene badly written
In which I must play.
Yet I know as I gaze
At my young love beside me,
The morning is just a few hours away.


Bom dia!

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BIBLIOFILIA 5






Estou a ler, de Gore Vidal, Inventing a Nation. Washington, Adams, Jefferson, editado pela Yale University Press. No fim, direi alguma coisa menos impressionista, mas o livro é desde já recomendável. Para além de ser escrito sobre um grupo de pessoas a todos os títulos excepcional, a iconoclastia de Vidal é, como dizem os ingleses, refreshing. A política de Vidal é um pouco como a de Michael Moore, mas Vidal escreve muito bem, o que faz toda a diferença.

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21.12.03


EARLY MORNING BLOGS 100

Chegamos aos cem. Tudo começou por esse mecanismo do nosso pensar que vem do nosso sentir, e que é a associação de ideias. Dos “early morning blues” para os “early morning blogs”. Representava uma entrada matinal sobre os mais interessantes blogues e notas do dia anterior. No entanto, estava-se então numa fase particularmente zangada na blogosfera, com o tumulto do crescimento rápido a perturbar quem estava, e a excitar quem entrava com grandes esperanças. O território, sempre escasso (talvez o factor singular mais importante para perceber o nosso país e a sua vida intelectual, é que estamos sempre em cima uns dos outros, salvo seja) levava a guerras de fronteira, influência e bandeira. Não me apeteceu participar e, sem deixar de louvar o que me parecia interessante, passei para outra.

Começou pelas letras das músicas matinais e pela procura da letra perdida do “Early Morning Blues” de Nat King Cole, de que tenho um disco em que ele canta, mas em que penso que há um erro na numeração das canções. O meu leitor Jiminy Cricket fez aliás consultas a vários locais especializados e não encontrou nada. Nat King Cole só tocava e não cantava e por isso, desde o início, por ironia, os “early morning” assentam num equívoco de números.

Das canções passou-se para os poemas, e a manhã, triste e gloriosa, marcava a aurora destas pequenas letras electrónicas. Muitos leitores colaboraram e colaboram na sua escolha e há poemas para mais cem manhãs. Os “early morning blogs” continuarão, desviando ocasionalmente para todos os lados, semper fidelis a uma constância e persistência dos actos, que faz parte da “filosofia da alcova” do autor.

Hoje há um belo e duro poema, Aubade de Philip Larkin. Por coincidência, falei sobre ele, no exílio da semana passada, com VGM, e um leitor dedicado, João Costa, enviou-o. Para servir os augúrios da coincidência, aqui está, “work has to be done”.

Aubade


I work all day, and get half-drunk at night.
Waking at four to soundless dark, I stare.
In time the curtain-edges will grow light.
Till then I see what's really always there:
Unresting death, a whole day nearer now,
Making all thought impossible but how
And where and when I shall myself die.
Arid interrogation: yet the dread
Of dying, and being dead,
Flashes afresh to hold and horrify.
The mind blanks at the glare. Not in remorse
- The good not done, the love not given, time
Torn off unused - nor wretchedly because
An only life can take so long to climb
Clear of its wrong beginnings, and may never;
But at the total emptiness for ever,
The sure extinction that we travel to
And shall be lost in always. Not to be here,
Not to be anywhere,
And soon; nothing more terrible, nothing more true.

This is a special way of being afraid
No trick dispels. Religion used to try,
That vast, moth-eaten musical brocade
Created to pretend we never die,
And specious stuff that says No rational being
Can fear a thing it will not feel, not seeing
That this is what we fear - no sight, no sound,
No touch or taste or smell, nothing to think with,
Nothing to love or link with,
The anasthetic from which none come round.

And so it stays just on the edge of vision,
A small, unfocused blur, a standing chill
That slows each impulse down to indecision.
Most things may never happen: this one will,
And realisation of it rages out
In furnace-fear when we are caught without
People or drink. Courage is no good:
It means not scaring others. Being brave
Lets no one off the grave.
Death is no different whined at than withstood.

Slowly light strengthens, and the room takes shape.
It stands plain as a wardrobe, what we know,
Have always known, know that we can't escape,
Yet can't accept. One side will have to go.
Meanwhile telephones crouch, getting ready to ring
In locked-up offices, and all the uncaring
Intricate rented world begins to rouse.
The sky is white as clay, with no sun.
Work has to be done.
Postmen like doctors go from house to house.


Philip Larkin


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© José Pacheco Pereira
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