ABRUPTO

30.3.14


PONTO / CONTRAPONTO: NOVO HORÁRIO DA NOVA SÉRIE
  aos domingos às 20 horas na SICN.
  Se o caos do futebol não lhe alterar mais uma vez o horário

HOJE:

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29.3.14


OS LIVROS QUE NOS CHAMAM






Nas livrarias descubro, embora infelizmente cada vez menos nas livrarias portuguesas, quase todas iguais, cheias de papel pintado com o mesmo grafismo, o mesmo estilo de capas e com os livros razoáveis e bons afogados por centenas de títulos que não duram uma semana de exposição, e que são, por regra, pouco mais que modas. Por outro lado, a proximidade com a edição portuguesa, o conhecimento do que vai sair, retira muito o factor surpresa e por isso, os livros de que vou falar são em inglês e na sua maioria comprados em livrarias estrangeiras.


Para um frequentador compulsivo de livrarias essa voz dos livros não é estranha, mas nunca me tinha perguntado sobre as suas razões e, em cada caso, há razões. Como quase tudo o que é interessante na vida é movido a curiosidade, o grande motor intelectual de sempre. Surpreende-me aliás o pouco que se escreve sobre a curiosidade, dado o papel que ela tem no modo como nos movemos pela cabeça e pelo corpo. Pode-se assistir a dezenas de colóquios e debates sobre o conhecimento, a inovação, a aprendizagem, a escola, as empresas, a arte, a literatura, e embora haja referências à curiosidade, de um modo geral está subvalorizada. Posso-me enganar, mas sem curiosidade é-se pouco mais do que um idiota especializado, com ênfase no idiota.


Como é que funciona, como é que funciona em mim? Funciona pela consciência da ignorância, da vontade de saber mais, mas funciona também pelos fragmentos do que já se sabe e nos “puxam”, ou funciona por uma certo jogo lúdico com uma frase, ou uma imagem ou uma ideia. Muitas vezes é puramente irracional, manifestação dos mecanismos obscuros do gosto, outras resultado da inteligência do marketing. Sim, também. A carne é fraca.


Que livros comprei que não contava comprar? Começo por dizer que nenhum dos livros de que vou falar foram lidos, mais do que o rosto e o verso, e mais uma ou duas páginas folheadas na livraria. Folheados mais do que lidos, sendo que folhear continua a ser uma actividade que só se pode ter com os livros de papel. Com os livros electrónicos pode haver procura, mas o acto de folhear é muito mais eficaz no papel, mais conforme com os nossos sentidos e com o modo associativo como pensamos, a “fuzzy logic” da cabeça das pessoas.


Suspeito que a probabilidade de muitos destes livros inesperados  acabarem por não ser lidos seja grande. Às vezes o interesse que me motivou a comprá-los entretanto passou, quando vou finalmente tentar lê-los. Resta-lhes ficar no gigantesco limbo dos livros por ler, embora tenha sempre relutância em guardá-los definitivamente. A marca da sua entrada não prevista para a minha biblioteca, deixa-os sempre no ar, como “interessantes”. A curiosidade é muito inconstante, muito vagabunda, e o seu “mercado” muito competitivo. Estão sempre a aparecer novos motivos e a deixar outros para trás. Muda com o tempo e com outras leituras, filmes, imagens e interesses. É muito coisa de autodidacta, espécie com má fama entre os tecnocratas, mas de que aprecio o lado amador. Os autodidactas nem sempre são frequentáveis e há alguns particularmente insuportáveis, aqueles que pensam que podem competir com os profissionais da matéria, ou seja, os que se esquecem que são amadores. Mas os amadores são gente curiosa e dedicada à sua curiosidade.

Vejam-se alguns exemplos recentes, destes livros inesperados. Comprei The Disappearing Spoon: And Other True Tales of Madness, Love, and the History of the World from the Periodic Table of the Elements de Sam Kean, numa livraria de Lisboa, daquelas que estão a fechar no Largo da Misericórdia, provavelmente em segunda mão. Sei porque é que o comprei e a culpa é do Professor Poliakoff e dos seus vídeos da Periodic Table of Videos feitos pela Universidade de Nottingham. Não sei se o vou ler, mas quando o comprei já conhecia o célebre truque dos químicos com o gálio que dá o título ao livro. Na verdade, o que na série um pouco caótica e, ela sim, amadora no melhor sentido da palavra, me tem interessado mais é poder ver, insisto ver, uma esmagadora maioria de elementos que conheço de nome, mas não fazia ideia de como eram. Gálio, césio, estrôncio, molibdénio, plutónio, irídio, neodímio, etc., etc. E vê-los arder, explodir, comportar-se de maneira bizarra ao ar, venenosos, perigosos, “interessantes” ou inócuos, “nobres”, logo “aborrecidos”. E ver alguns dos químicos que por lá passam olharem com a mesma curiosidade para a maioria de elementos da tabela periódica, que eles mesmo nunca tinham visto. O tenebroso flúor por exemplo. No meu liceu havia um laboratório, uns bicos de Bunsen, umas pipetas, ácido clorídrico, um frasco com sódio e pouco mais. Fiquei sempre com pena de não haver mais. Há nos livros.


Em Nova Iorque comprei, numa habitual Barnes and Noble, um livro de Thomas Healy, intitulado The Great Dissent: How Oliver Wendell Holmes Changed His Mind--and Changed the History of Free Speech in America. Aqui foi a contracapa que me levou a comprar, embora o título ajudasse. A descrição laudatória nas citações não é original. “uma história detectivesca intelectual”, mas nas badanas ia-se mais longe e o autor explicava o seu interesse em perceber por que razão um juiz, tradicionalmente desdenhoso dos direitos individuais, defendeu em 1919 uma posição sobre a liberdade de opinião, o “free speach”,  que iria moldar o pensamento jurídico americano até aos dias de hoje. De Holmes, conhecia-lhe o nome e lembrava-me de um selo com o seu retrato, nada mais. Mas como estas “mudanças de opinião” são interessantes e a liberdade, nestes dias de subjugação, me interessa, e como os americanos são melhores do que quaisquer outros a fazer estas histórias da ousadia intelectual, comprei o livro. Vamos ver se o leio.


No mesmo sítio comprei um livro de ensaios de Sloane Crosley, intitulado I Was Told Ther’d Be Cake , influenciado pela indicação de que era um New York Times Bestseller. Parece que não, mas as listas contam. Comprei também um Prémio Pullitzer, o livro de Stephen Greenblatt, The Swerve How the World Became Modern, mas parece-me ser outro campeonato. A jovem autora, muito parecida com a nossa ministra Cristas, escreve naqueles sítios onde de um modo geral se escreve bem, Salon, Village Voice, Playboy, mas sem ser mais do que isso. Li umas linhas do primeiro texto, mas duvido que vá muito mais longe. Parece-me, com o arrojo de o dizer apenas com umas linhas lidas, um tipo de escrita ligeira que tem hoje muito sucesso, trivial e engraçada, que uma multidão de discípulos de Miguel Esteves Cardoso pratica, mas que não devo ter tempo para ler. Vamos ver.


Por fim, mais um exemplo, que ainda cabe no artigo, o livro de Douglas Egerton, The Wars of Reconstruction. The Brief, Violent History of America's Most Progressive Era. Foi aquele em que fui mais longe, tendo lido praticamente um capítulo e, neste caso, tendo quase a certeza que vou continuar. Por razões de ofício e curiosidade compro muitos livros de história, mas mudo de interesse nas épocas conforme outras solicitações, outras leituras e muito do que se pode hoje ver na televisão e no iPad. As séries, por exemplo, uma revolução na televisão. Ou as aulas das universidades americanas que vejo no iPad. Neste caso, foi uma série de aulas de David Blight, dadas em Yale, sobre a guerra civil americana e o período conhecido como “reconstruction”, um dos momentos mais violentos da história americana de sempre, quando nasceu o Ku Klux Klan e onde os negros recém-libertados governaram muitas cidades e aldeias do Sul, até serem corridos com assassinatos colectivos em série.


Enquanto houver livros para ler, sei que não terei um único momento aborrecido na vida. Só isto basta para lhes dever muito.

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28.3.14


NAVIO FANTASMA: UM GIGANTESCO PASSO NOS CORTES

Substituir cortes "temporários" por cortes permanentes é um gigantesco passo na transformação da pobreza conjuntural (que é aquela que os defensores do governo apresentam como um efeito colateral do "ajustamento") por uma pobreza estrutural (o corolário da tese do "vivemos acima das nossas posses", logo temos que regressar ao lugar virtuoso da nossa pobreza otiginal).  

O tempo é o grande construtor dessa pobreza estrutural,  cada dia que passa, é um novo plano de austeridade. Transformar os cortes em permanentes remete para uma ideia sobre os portugueses, a sociedade e o estado, que vai muito para além de um "estado de emergência" gerado pela bancarrota de há dois anos. Para além disso, permanente, ou seja para sempre, mostra a vontade de "empacotar" num armário recôndito, num gueto, ou num caixão, com o menor custo  e o mais depressa possível,  a geração presente que "não presta", não é competitiva e esperar pelo desabrochar de uma nova geração empreendedora, inovadora, não-piegas, que despreza os direitos (dos outros), e que está à espera desta "justiça geracional", com uma pequena ajuda dos que mandam.

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 ENTÃO A “JUSTIÇA GERACIONAL” NÃO SE APLICA PARA TRÁS? 


Uma das ideias circulantes deste tempo cruel sem “sensibilidade” é a descoberta pelos mentores do Primeiro-ministro, que lhe escreveram a moção ao Congresso, e pela actual versão da JSD, de um abstruso e enganador termo a que chamam “justiça geracional”. O termo designa uma espécie de legitimação para atacar os rendimentos dos pais e dos avós em nome dos netos. Na verdade, os “jovens “ que o usam de modo lampeiro não estão preocupados com o seu futuro, mas com o seu presente. Roma não paga a traidores, diz-se, mas Lisboa paga aos serviçais. Aliás seria interessante ver se a ideia de “justiça geracional” serve, por exemplo, para justificar que se subam consideravelmente as reformas daqueles que começaram a trabalhar aos dez, onze, doze, treze, catorze anos, idade em que muitos dos reformados de miséria tiveram que ir trabalhar. Então nesses casos, as gerações do presente não lhes devem nenhuma “justiça”?

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24.3.14


  DE NOVO 

Ontem e hoje durante o dia mais de 1000 fotos e outros documentos das 

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23.3.14


PONTO / CONTRAPONTO: NOVO HORÁRIO DA NOVA SÉRIE
  aos domingos às 20 horas na SICN.
  Se o caos do futebol não lhe alterar mais uma vez o horário

HOJE: 
 
I'm going where there's no depression
To the lovely land that's free from care
I'll leave this world of toil and trouble
My home's in heaven, I'm going there



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 O PRECEDENTE DO KOSOVO E POLÍTICAS PERIGOSAS E INCONSEQUENTES 

 Veículos militares separando o Kosovo "albanês" do Kosovo "sérvio" na ponte de Mitrovica.

 A União Europeia e os EUA “fizeram” o Kosovo como país independente, mesmo quando uma parte desse país está praticamente autogovernado pela minoria que perdeu, neste caso os sérvios, e são precisas tropas estrangeiras permanentemente estacionadas para garantir que uma guerra civil congelada possa descongelar. E, no entanto, segundo o direito internacional, o Kosovo era território sérvio, embora com uma maioria albanesa. Ou seja, uma situação muito parecida com a da Crimeia. 

A Crimeia é parte da Ucrânia, mas tem uma maioria russa que não quer ser ucraniana, como os albaneses não queriam ser parte da Sérvia. Aviões dos EUA e ingleses, mísseis cruzeiro dos EUA, botas no chão de vários países da NATO, apoiadas na guerrilha albanesa, ocuparam o Kosovo, bombardearam Belgrado, mudaram o poder na Sérvia e prenderam alguns dos seus responsáveis e enviaram-nos ao Tribunal de Haia. Podiam ter feito o mesmo com Putin a propósito da Chechénia, mas nunca se atreveram sequer a sugerir que os russos estavam a cometar crimes de guerra no Cáucaso. Agora na Crimeia podem reclamar que os russos invadiram a Ucrânia, violando a integridade das fronteiras, mas não tem autoridade porque fizeram o mesmo no Kosovo. 

Em todos os sítios onde os EUA e a UE tocaram nos últimos anos deixaram uma embrulhada por resolver, nas Balcãs, na Líbia, na Síria, instigaram revoltas e apoiaram secessões, mas depois fizeram de conta que não era com eles e baixaram o tom, quando era preciso ser consequente e ir até ao fim. Isso implicava ou dividir nações, o que só na longínqua e pobre Etiópia se pode fazer, ou realizar ocupações militares a sério, que pudessem mudar tudo como no Japão e na Alemanha em 1945. Isso por razões geopolíticas, ou por cansaço das opiniões públicas da guerra, qualquer guerra, não podiam fazer. 

O resultado começa a ser perigoso e a dar à Rússia e a Putin a iniciativa de recompor o espaço geoestratégico da antiga URSS, que já era o do antigo império russo. É que eles têm a vontade e os meios, para travar todas guerras menos a nuclear, e os americanos e europeus hoje não tem vontade de travar nenhuma guerra, nem as pequenas, nem as médias. As guerras grandes, ou seja o conflito termonuclear, esse permanece felizmente fora de causa. Mas tudo o resto não está.

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 A POUCOS MESES DO GLORIOSO 1640 



Estamos a poucos meses do nosso glorioso 1640, ainda sem saber quem é que vai pela janela fora e quem é proclamado rei. Há demasiada política de faz de conta e muito pouca política a sério. E não se pode discutir nada. Ou melhor, pode-se discutir se for num colóquio académico, num obscuro fórum de empresários, desde que não haja qualquer consequência política, desde que o que se discuta não dê origem a propostas políticas e muito menos se essas propostas são “alternativas”, a coisa mais temida dos nossos dias pelo poder. Claro que este diktat de silêncio só funciona para o comum dos mortais, porque nos gabinetes ministeriais, nas salas da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, no FMI em Washington, nas consultoras financeiras, nos bancos, nos meios económicos e financeiros próximos do poder político, tudo está a ser discutido e decidido. Mas decidido pelos que podem e não pelos que devem, porque, sem informação e sem escrutínio, nada assusta mais do que a “irresponsabilidade” de querer saber o que se passa, discutir o que se passa e, extremo absoluto de irresponsabilidade, levar a votos o que se vai passar. 

 FOI ESTE DIKTAT DE SILÊNCIO QUE O MANIFESTO DOS 70 PERTURBOU 

Posso dar de barato que o manifesto não diz nada de novo - o que não é verdade, porque o manifesto é o seu texto e a sua oportunidade e a sua oportunidade é o seu significado político e esse introduz novidade, - e que lhe falta aquilo que Marcelo e Marques Mendes dizem que é o “essencial”: a definição de uma política para desenvolver o país. Este último pecado só pode ser visto com ironia, porque desde 2011 que este governo não tem qualquer política para desenvolver o país, isto se considerarmos que não são sérias as proclamações revolucionárias de 2011 de “mudar Portugal”. O objectivo do manifesto não foi definir essa política de desenvolvimento mas sim apontar para a criação de um espaço económico e financeiro para que possa existir qualquer política que não seja apenas de “austeridade” e que permita… pagar a dívida. No fundo, ele diz uma coisa muito simples ao governo: quando discutirem com os nossos “protectores” coloquem na mesa a opção mais realista de renegociar a dívida, com boa-fé e bons termos, em vez de aceitarem uma política de curto prazo, disfarçada de estruturante, que não tem outro eixo que não seja “pagar aos credores”. Dizem-nos que o governo já está a fazer isso. É verdade, mas é a curto prazo, muito moderadamente, com intenções eleitorais de garantir uma folga para 2015, ano de eleições, e sem ser uma política de fundo, estrutural. Ou seja, não se destina a criar espaço para algum desenvolvimento e a criação de alguma riqueza, mas apenas a permitir uma variante do 1640 aceitável pelo menos até 2015. Quem vier depois herdará o problema ainda mais agravado.

 PORQUÊ TANTA INCOMODAÇÃO E RAIVA? 

 O que afectou o establishment, que vai muito para além do governo, no manifesto dos 70, foi a questão ser colocada em termos políticos. Traduziu-se assim a consciência que qualquer pessoa pode ter, rudimentar economista que seja, de que a nossa dívida é impagável mesmo com as mais optimistas taxas de crescimento dentro do domínio da realidade e não da ficção científica. Aliás, quando perguntados à bruta, - como devem ser perguntados os governantes para não fugirem com subterfúgios, - sobre como é possível diminuir a dívida para os valores do pacto orçamental, nos prazos do mesmo pacto, ou vão para os longuíssimos prazos da economia (em que, como dizia Keynes, estamos todos mortos) ou para os impossíveis prazos da política em democracia. O Presidente fez isso e, apontando números de crescimento que todos sabem não ser realistas, chegou a mais de vinte anos do mesmo. Portanto alguma coisa tem que acontecer, a bem ou a mal. É muito provável que aconteça, na melhor das hipóteses, no contexto europeu a reboque de idênticos problemas da França e da Itália e que sobrem algumas migalhas para nós. Então essas migalhas, sob a forma de uma qualquer … restruturação da dívida, serão saudadas como sendo no “tempo certo”. No entretanto encolhemos, empobrecemos, subjugamo-nos e, como de costume, quem paga esse preço nem sequer terá tempo de vida para receber as benesses possíveis. De quê? Da restruturação da dívida concedida como uma esmola e não como uma política.

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16.3.14


PONTO / CONTRAPONTO: NOVO HORÁRIO DA NOVA SÉRIE
  aos domingos às 20 horas na SICN.
  Se o caos do futebol não lhe alterar mais uma vez o horário

HOJE: a irrupção da história. 

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SE FOSSE A VOTOS, VOTARIA A FAVOR DA UNIÃO IBÉRICA?

1. Paulo Rangel tem o mérito de ter ideias sobre a Europa, mas essas ideias são desconhecidas de muitos portugueses e estão bem longe de ter qualquer legitimação, não constando do acordo entre PSD e CDS nas próximas eleições europeias, nem correspondendo às posições conhecidas dos dois partidos. O CDS, em particular, tem aqui um problema, porque mesmo “eurocalmo” está bem longe das posições de Rangel que consideraria, se não fosse a ironicamente chamada “Aliança Portugal” como antipatrióticas. Rangel não as esconde, mas como não há verdadeiro debate público sobre a Europa, nem este debate interessa às elites europeístas porque é demasiado revelador de um vanguardismo que, trazido à praça pública, causaria reacções muito negativas. 

2. O problema é que as ideias de Rangel sobre a Europa são ideias sobre Portugal e, se elas fossem conhecidas e discutidas, coisa que não acontecerá certamente nas eleições europeias, provocariam um repúdio generalizado. A favor de Rangel posso dizer que a indiferença e um consentimento acrítico, tem levado os portugueses a aceitar tudo que lhes colocam no prato sem pestanejar e isso tem permitido muitos abusos. 

3. Para usar um argumento que pode parecer ad terrorem, mas não é, as ideias de Rangel são tão radicais que seriam o equivalente a ir a eleições em Portugal defendendo a União Ibérica, ou seja, o fim da soberania e independência nacional e a integração de Portugal em Espanha. Ou, como diriam os seus defensores, num novo país que seria a Ibéria, nem Portugal, nem Espanha. Estas ideias conheceram algum sucesso numa parte da elite republicana que considerava, com argumentos racionais, que os portugueses estariam melhor sendo ibéricos. Na verdade, o problema é que seriam espanhóis, porque a realidade dos países advém de muitos outros factores que não apenas uma versão iluminista da universalidade racional, como seja a história e a cultura, a identidade, que não é redutível apenas a puros factores racionais. Mas há modismos na história, e hoje a União Europeia, exactamente no seu momento mais crítico, em que põe em causa tudo o que lhe permitiu o sucesso, gerou também um modismo semelhante à União Ibérica, tendo aliás como protagonistas, a mesmas elites políticas e económicas. 

 4. Rangel divulgou no Público uma comunicação que apresentará em Berlim e que mostra com muita clareza o seu pensamento sobre aspectos fundamentais da relação entre Portugal e a Europa, usando para isso uma interpretação de um status constitucional que segundo diz, já existe de facto e que importa aceitar de jure. É uma teorização dos pontos de vista que o levou a saudar a decisão do Tribunal Constitucional alemão de remeter para ao Tribunal Europeu, a legalidade de decisões do Banco Central Europeu. A interpretação que dá da decisão alemã parece-me forçada, mas é coerente com a posição ainda mais clarificadora da sua intervenção desta semana. 

5. O que é que diz Rangel? Diz que existe “uma Constituição Europeia não escrita e que os tribunais constitucionais dos Estados-membros, nomeadamente o português e o alemão, a deviam reconhecer”. O modelo de comparação que Rangel usa para esta “Constituição Europeia não escrita” é o caso inglês, comparação que me parece logo à partida sem sentido porque a única coisa que as une é serem “não escritas”. De resto, e discuto do ponto de vista histórico e não jurídico, uma assenta na liberdade, na representação nacional e nos tribunais ingleses, e a outra numa vaga Constituição imanente sem qualquer legitimidade democrática. Aliás, essa Constituição inglesa “não escrita” é e vai ser um dos principais obstáculos à pseudo-Constituição Europeia, a começar porque ela defende, para usar uma terminologia antiga, a “liberdade dos ingleses” e a outra, a existir, foi a votos e foi recusada e depois foi inscrita à má-fé e de forma disfarçada num tratado cuja única lógica procedimental foi evitar ir a votos a todo o custo. 

6. Seguindo a argumentação de Rangel, existe “uma Constituição Europeia supra-estatal e deve ser reconhecida como tal: “Uma constituição material, informal, só parcialmente escrita, largamente jurisprudencial”. E a principal conclusão que tira, e aqui não há apenas reflexão política, mas oportunismo táctico, é que os Tribunais Constitucionais nacionais estão a deliberar de forma errada e passadista “muito fixados num conceito de Estado pós-westfaliano (povo, território e soberania) e num conceito de constituição escrita pós-revolução francesa”. O que Rangel está a dizer é que são tribunais europeus que devem decidir em matérias constitucionais e que os tribunais nacionais devem seguir essas normas e não as suas próprias Constituições já ultrapassadas por “um conjunto de fenómenos de natureza constitucional, com relevância constitucional, com eficácia constitucional”. 

7. Segundo Rangel a nossa verdadeira Constituição “económica” é a que resulta da nossa adesão à Europa, incorporando as “quatro liberdades fundamentais do Espaço Económico Europeu: a liberdade de movimentos de pessoas, de capitais, de produtos e de serviços” e não os “vetustos artigos do texto português” da nossa Constituição. Sendo assim “deve reconhecer-se que houve “uma alteração do sentido das normas e dos princípios, sem uma revisão formal do texto”, ou seja, deitamo-nos com a Constituição portuguesa, votada em 1976, alterada várias vezes por maioria qualificada dos deputados portugueses, e interpretada por um Tribunal Constitucional nacional, e acordamos com uma outra Constituição “não escrita” assente na jurisdição do Tribunal sediado no Luxemburgo. Tudo isto sem qualquer legitimação democrática dos portugueses (outra realidade “vetusta”), que nunca foram consultados com clareza sobre estas matérias, nem em eleições, nem em referendos de que os governos fogem como Diabo da cruz. 

 8. O que Rangel está a dizer é de uma enorme gravidade política, uma espécie de espelho invertido, ainda mais radical, das posições do PCP sobre a Europa e o euro, ambas formuladas com muito mais prudência do que o que Rangel propõe. Rangel propõe na prática um estado europeu que se sobrepõe aos estados nacionais (uma realidade “vetusta”), com o efeito de colocar em causa todos os factores decisivos da soberania e independência nacional, processo este que já está em curso com as conversas irresponsáveis sobre o “protectorado”, e a efectiva cedência do poder orçamental, essência dos parlamentos, a uma burocracia internacional e a uma governação difusa, mas alemã. 

9. A comparação com a União Ibérica tem todo o sentido, só que a “união” agora é com a União Europeia, no momento em que a sua deriva antidemocrática mais se acentua, no momento em que o domínio de interesses nacionais de países como a Alemanha moldam políticas que de europeias só tem o nome. Ou seja, uma coisa muito diferente daquela Comunidade para que Portugal entrou num passado já muito distante.

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EARLY MORNING BLOGS

"Muitos, por medo, não hesitam em beneficiar aqueles que os odeiam."
 (Esopo)

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9.3.14


PONTO / CONTRAPONTO: NOVO HORÁRIO DA NOVA SÉRIE
  aos domingos às 20 horas na SICN.
  Se o caos do futebol não lhe alterar mais uma vez o horário

HOJE: insultos e
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(C5H5) NiNO

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7.3.14


  
 ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA: FUGIR A TOMAR DECISÕES 


 O modo como a Assembleia da República está a fugir de tomar posições é bem revelado no modo como se empurrou para o eterno e adiado futuro a decisão sobre o Acordo Ortográfico. Percebe-se que a opinião dos deputados não conta para nada, mesmo havendo uma possível maioria contra o Acordo, e que apenas a força do impasse político internacional, transformada em inércia, mantém as coisas como estão. Ou seja, a língua portuguesa continua a estragar-se todos os dias, apenas porque ninguém quer saber disso nas elites políticas, nem tem coragem de dizer sim ou não. Ou não quer defrontar os interesses que explicam a manutenção de um acordo moribundo, mas deixado apodrecer no meio das palavras de uma velha língua que infecta e gangrena. Estamos assim.

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POR QUE RAZÃO O “GRAVIDADE” É CONSIDERADO UM BOM FILME?


Sou um velho amador de ficção científica e por isso boa testemunha de como as novas técnicas de efeitos especiais no cinema revolucionaram os filmes da especialidade. Elas, por si só, permitiram uma dimensão ficcional difícil de imaginar quando dos primeiros filmes com este tipo de temas. Mais: estão no âmago do cinema de ficção cientifica desde o “tiro na Lua” de Méliès, a partir de Júlio Verne. Mas não chegam, até porque se não houver outra coisa qualquer rapidamente os filmes ficam ultrapassados, porque novas técnicas surgem todos os dias. Filmes como o 2001 Odisseia no Espaço de Kubrick estão vivos não por causa dos efeitos especiais, mas porque tinham personagens como o computador Hal 9000, cuja “morte” é uma das melhores cenas do cinema de sempre. 

Vem isto a propósito do muito aclamado Gravidade de Alfonso Cuarón* que tem de facto bons efeitos especiais, sem por isso serem muito inovadores. Representam o state of the art entre o IMAX e a animação digitalizada, mas não chegam para merecer a aclamação que tem tido e os Óscares que recebeu. A “história” é miserável e sem imaginação, a milhas de muitos outros filmes de ficção cientifica, e a representação é boa, mas não é excepcional, até porque o filme não “puxa”. Estou certo que, depois de se esquecer a chuva destruidora de meteoritos, com muito bang sonoro e 3D visual, será rapidamente esquecido.

* Por erro meu no original da Sábado foi referido James Cameron como o realizador.

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6.3.14


   
 UCRÂNIA – CUIDADO COM OS “BONS” E OS “MAUS” 
 
Lá estamos nós outra vez a embarcar num ciclo entre a propaganda e a ignorância, associado a muita impotência, a pretexto da Ucrânia. Já temos os “bons”, os revoltosos da Praça Maidan, os ucranianos ocidentais, a União Europeia (imagine-se!) e os EUA, aliados às forças da “liberdade” e “democracia”, e os “maus”, os ucranianos orientais pró-russos (cujas manifestações não passam na televisão), os russos propriamente ditos, invadindo a Crimeia a pedido de um Presidente corrupto (neste caso é pura verdade). Já foi assim nos Balcãs, agora é na Ucrânia. A União Europeia, porque não lhe convém, nada diz da Geórgia, ou da Moldávia, onde partes do território estão sob “protecção russa” de governos pró-moscovitas e populações que querem os russos para os proteger dos nacionalistas pró-georgianos e pró-romenos. E, mesmo nos Balcãs, situações apodrecidas e apenas mantidas num congelador subsistem até ao próximo conflito, na Sérvia, na Croácia, na Bósnia ou no Kosovo. São o retrato de intervenções ocidentais apressadas, politicamente correctas, mas não oferecendo a esses “países” senão linhas divisórias mantidas em “paz” por forças estrangeiras. 

Uma política irresponsável da União Europeia e dos EUA face à Ucrânia, incentivando uma revolta dos ucranianos ocidentais, que nunca quiseram a hegemonia russa e tem todo o direito a não querer, conduziu a uma secessão de facto do país, solução para que a União empurrou a revolta, mas não pode sancionar juridicamente. Mas, qualquer pessoa que conheça a história ucraniana, com muito sangue à mistura, não imagina que a Ucrânia oriental aceite ser governada por radicais nacionalistas com uma genealogia complicada desde os anos vinte do século XX, que para essas populações são “fascistas”. E o termo, a julgar pela história, tem alguma razão de ser. O que mais assusta é a facilidade com que se aceita esta dualidade na comunicação social e nos governos. Escrevo isto depois de ler páginas e páginas da imprensa portuguesa, em que o “europeísmo” exacerbado leva a estas mobilizações politicamente correctas dos “bons” contra os “maus”, que acabam sempre num impasse. Veja-se a Síria. 

Em países ou áreas do mundo como é o Leste da Europa ou as Balcãs, no Cáucaso ou até no Báltico, não se podem atear fogos nacionalistas, - que é o que a muito pouco nacionalista União está a fazer, - sem estar disposto a mudar as fronteiras, a coisa mais razoável a fazer em casos em que os países foram artificialmente criados a partir de territórios muito heterogéneos. Ou mesmo sem ser capaz de aceitar deslocações de populações, que a muito civilizada Sociedade das Nações fez no século XX entre a Grécia a Turquia, e agora seria um anátema. O resultado é forçar “limpezas étnicas” feitas na guerra e na violência extrema, como aconteceu na Bósnia de que muito se fala e na Krajina sérvia dentro da Croácia, em números a mais significativa, mas de que não se fala. 

A crise ucraniana está só no seu começo. Os russos mandam tropas, alguns grupos mais radicais vão disparar no sítio errado contra a gente errada, com os habituais apoios dos serviços secretos, a União Europeia, que não tem tropas, vai ficar, como sempre, dependente dos americanos, e os americanos que estão a sair militarmente de todo o lado vão pressionar a Rússia com sanções económicas. Quem pagará o preço serão os ucranianos, de um lado ou de outro da Ucrânia.

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5.3.14


O NAVIO FANTASMA: QUEM É QUE DISSE QUE NÃO VALIA A PENA PROTESTAR?

Comunicado do Conselho de Ministros de hoje: 


"O Conselho de Ministros aprovou um diploma que reforça os montantes da comparticipação anual da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia de Segurança Pública (PSP) na aquisição de fardamento, respetivamente, pelos militares da GNR e pelo pessoal policial da PSP." 
(Os erros de ortografia são do Governo.)

Manifestação das forças policiais prevista para amanhã.
Fracos com os fortes, fortes com os fracos. 

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2.3.14



PONTO / CONTRAPONTO: NOVO HORÁRIO DA NOVA SÉRIE
  aos domingos às 20 horas na SICN.
  Se o caos do futebol não lhe alterar mais uma vez o horário

HOJE: vudu.

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1.3.14


    
MAIS UMA VEZ...
Manuscrito de um discurso de Sá Carneiro sobre o exercício do poder.

 ... as únicas políticas que estão em curso e em preparação, que são reais e não virtuais, que não dependem de uma comissão que vai estudar alguma coisa, ou de uma promessa longínqua, são mais um pacote de austeridade. Mas, como se centra nos funcionários públicos, não há problema. Sobre isto mais silêncio, ou o encolher de ombros.

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  É FÁCIL ENGANA-LOS, PORQUE ELES QUEREM SER ENGANADOS

Manuscrito de um discurso de Sá Carneiro sobre o exercício do poder.

As minhas peripécias só revelam a inexistência de qualquer análise que não seja procedimental ou anedótica, em detrimento do conteúdo. O que é que lá foi dito de relevante para a actual situação do país, que discurso traduziu as dúvidas dos militantes que antes eram críticos, ou que são críticos na televisão (para usar um argumento muito de preferência da direcção actual na luta contra os "cata-ventos")? Nada. Todos se renderam ao actual poder, entre outras coisas porque precisam dele, ou para lhes manter os lugares de nomeação governamental que detém, ou para terem o apoio do PSD nas suas ambições políticas, ou, como Aguiar Branco, para nunca ser "ex-" de coisa nenhuma. 

Depois, basta dizer meia dúzia de frases de índole social, triviais e desligadas do contexto actual, em particular desligadas da sua relação com a política do governo, para se passar a ser social democrata. Os pobres de facto tem costas largas na política, e servem para as lágrimas de circunstância. E logo a seguir, os mesmos interlocutores, passam a tecer loas ao mesmo governo que está a criar o enorme desastre social, como se se pudesse dizer tudo e o seu contrario. Poder pode e até ver a comunicação social louvar a sua "preocupação social". É de facto fácil engana-los, que, como eles precisam de novidade, querem ser enganados.

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MAS PORQUE É QUE "ELE" NÃO FOI LÁ DENTRO FAZER AS CRÍTICAS QUE FAZ CÁ FORA? 
Manuscrito de um discurso de Sá Carneiro sobre o exercício do poder.

A resposta é muito simples: porque não podia ir mesmo que quisesse. Esta rábula repete-se sempre que há congressos e é por parte de quem a faz ou má fé, ou ignorância. Os congressos do PSD não funcionam em assembleia de militantes, qualquer um chega lá pede a palavra e tem os minutos definidos. O PSD não é o BE ou o Livre ou qualquer outro partido em que os militantes cabem numa sala. Para se falar tem que se ser delegado ao Congresso ou ter uma qualidade que lhe permite o acesso. Marcelo pode falar, como Marques Mendes ou Santana Lopes, sem serem delegados, porque foram lideres do partido. Eu não, só podia fazer se fosse por favor da direcção, o que num partido fortemente igualitário era logo visto, e bem, como um privilégio que coloca quem fala acima do militante comum. Seria, no actual contexto, uma armadilha e estaria agora a ser criticado por qualquer inexistente "baronato". 

 Acresce que este não é um problema novo. Já num anterior congresso, colocado perante o mesmo dilema, ofereci-me para ir caso tivesse condições para falar sem ser para dizer "bom dia" e acabar o tempo. Foi recusado pela direcção. Vem nos jornais, basta ter memória, coisa que pelos vistos não abunda. Acresce que tudo isto é pouco mais do que espectáculo, e quem quer sangue, touradas com forcados e futebol deveria estar no ramo do desporto.

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 AS ESCOLHAS DE UM CONGRESSO 

Manuscrito de um discurso de Sá Carneiro sobre o exercício do poder.

Parece que alguns congressistas, puxados pelos animadores do costume, me tomaram como o inimigo público número um do governo, deixando Seguro para um papel secundário. A tomar à letra esta comparação, é verdade. Depois, nos aplausos e nas vaias, mostraram as suas escolhas. Consideram que eu faço mais "mal" à imagem do PSD no governo do que Miguel Relvas, que pelos vistos é um must para a imagem pública do PSD. Venha o Diabo com tal comparação, mas tem sentido. Se não fosse revelador, e trágico para um partido com a dimensão do PSD, seria ridículo de tão absurdo que é. Revela que o PSD privilegia as cumplicidades internas do aparelho, à sua relação com o país. Relvas é demasiado "deles", sabe demasiado "deles", para puder ser posto à margem sem efeitos perversos, em particular para Passos Coelho que ele ajudou a "fazer". Vai ser uma never ending story, até porque os negócios de Relvas voltam ao espaço público.

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© José Pacheco Pereira
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