ABRUPTO

30.9.10


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE

 
Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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 EARLY MORNING BLOGS

1878 - Uma névoa de Outono o ar raro vela

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.


Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.


Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

 (Fernando Pessoa)

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29.9.10

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 EARLY MORNING BLOGS

1878 - O Outono

Coro das quatro estações:

Há tantos frutos nos ramos,
De tantas formas e cores!
Irmãs! Enquanto dançamos,
Saíram frutos das flores!

O outono:

Sou a sazão mais rica:
A árvore frutifica
Durante esta estação;
No tempo da colheita,
A gente satisfeita
Saúda a Criação.


Concede a Natureza
O premio da riqueza
Ao bom trabalhador,
E enche, contente e ufana,
De júbilo a choupana
De cada lavrador.

Vede como do galho,
Molhado inda de orvalho,
Maduro o fruto cai…
Interrompendo as danças,
Aproveitai, crianças!
Os frutos apanhai!

Coro das quatro estações:

Há tantos frutos nos ramos,
De tantas formas e cores!
Irmãs! Enquanto dançamos,
Saíram frutos das flores!

(Olavo Bilac)

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27.9.10


 EARLY MORNING BLOGS

1877 - Rêves d'Automne

Salut ! bois couronnés d'un reste de verdure !
Feuillages jaunissants sur les gazons épars !
Salut, derniers beaux jours ! le deuil de la nature
Convient à la douleur et plaît à mes regards !

Je suis d'un pas rêveur le sentier solitaire,
J'aime à revoir encore, pour la dernière fois,
Ce soleil pâlissant, dont la faible lumière
Perce à peine à mes pieds l'obscurité des bois !

Oui, dans ces jours d'automne où la nature expire,
A ses regards voilés, je trouve plus d'attraits,
C'est l'adieu d'un ami, c'est le dernier sourire
Des lèvres que la mort va fermer pour jamais !

Ainsi, prêt à quitter l'horizon de la vie,
Pleurant de mes longs jours l'espoir évanoui
Je me retourne encore et d'un regard d'envie
Je contemple ses biens dont je n'ai pas joui !

Peut-être l'avenir me gardait-il encore
Un retour de bonheur dont l'espoir est perdu ?
Peut-être dans la foule, une âme que j'ignore
Aurait compris mon âme et m'aurait répondu ? ...

La fleur tombe en livrant ses parfums au zéphyr ;
A la vie, au soleil, ce sont là mes adieux ;
Moi, je meurs et mon âme au moment qu'elle expire,
S'exhale comme un son triste et mélodieux.

(Alphonse de Lamartine)

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DIAS DE LIXO (10)


Dias de lixo? Infelizmente, não. Anos de lixo, décadas de lixo, é o que está à nossa frente. Registem o ano, 2010. Na verdade, registem já vários anos, 2008, 2009, só para ficar pelo marco da crise. Daqui a uns anos, se o Destino for benévolo e as Parcas estiverem distraídas, falamos.

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DIAS DE LIXO (9)


Teixeira dos Santos faz o papel de Sísifo: leva a pedra pela encosta e ela, antes de chegar ao cimo do monte, cai sempre. Todos os seus últimos documentos de carácter orçamental ficam aquém do que é preciso, ou são irrealistas, e, quando criticado de forma fundamentada por isso mesmo, nega e nega e nega. Também aqui há dolo, uma prática tão enraizada neste Governo, tão dependente da "cabeça", como no ditado "o peixe apodrece pela cabeça", que depois alastra como uma gangrena pelo corpo todo. Depois há a sistemática tentativa de iludir: é o "orçamento suplementar" em vez de "rectificativo", um dos muitos exemplos da contínua manipulação das palavras para iludir os portugueses.

(Continua.)

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26.9.10


DIAS DE LIXO (8)


Teixeira dos Santos é o único governante português que parece ter consciência da situação em que o país está mergulhado, mas o excessivo compromisso com as promessas eleitorais do PS em 2009 minou-lhe a credibilidade e a capacidade. É a essas promessas, já apresentadas em plena crise mundial e nacional, a que devemos voltar sempre que queiramos perceber até que ponto José Sócrates e o PS são capazes de tudo. O ministro das Finanças co-assinou todo o programa eleitoral de 2009, um retrato quase obsceno da irresponsabilidade e do dolo político, e por isso inquinou a sua credibilidade como profissional e como político, o que o leva hoje a exercícios de agressividade política que têm nele o pior dos executantes. Foi o que aconteceu na sua intervenção na Assembleia da República, metade feita de raiva política, metade feita de desespero. Quer a raiva, quer o desespero são retratos de impotência.

(Continua.)

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DIAS DE LIXO (7)


José Sócrates e o bad english - A mediocridade de Sócrates quando tem que defrontar o exterior sem guião, é visível com todo o seu esplendor na conferência universitária em Columbia. É verdade que Mário Soares também falava com desenvoltura várias versões de espanhol e francês, sem ter qualquer vergonha da sua pronúncia e criatividade com as palavras. Mas era quem era, era senhor de um à-vontade que lhe vinha da autoridade da sua biografia (verdade seja que muitas vezes também de uma certa irresponsabilidade consentida), e a sua enorme capacidade de comunicação e empatia apagava o mau castelhano. Mas, nesses exercícios de comunicação, Soares nunca actuava por esperteza, por exibição, e tinha alguma coisa para dizer. Sócrates, com o seu bad english, prova material dos seus estudos de "inglês técnico", pouco mais tem que dizer do que algumas banalidades sobre as energias renováveis, que, para um público de jovens universitários americanos, não acrescentam nada. É pela vacuidade do exercício que o bad english depois brilha em toda a sua mediocridade.

(Continua.)

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DIAS DE LIXO (6)


José Sócrates e a fuga das responsabilidades - Eu não sei se Sócrates faz de conta que não conhece a crise em que o país está envolvido, ou acha que é bom marketing não falar dela, mas, seja por uma razão ou por outra, é absurdo que um primeiro-ministro permaneça esfíngico a fazer todos os dias uma campanha eleitoral feita de inaugurações cada vez mais pífias ou de coisas que outros fizeram e a que ele vai como o cuco ao ninho alheio. Mas, se lhe fizermos a agenda quotidiana, e este não é um problema de agora, fica a pergunta: quando é que ele está a governar, quando é que ele tem tempo para ler documentos, para estudar matérias, para discutir a sério? Suspeito que a resposta seja "quase nunca". O que Sócrates faz é propaganda eleitoral, discutir o que vem nos jornais e na televisão e conduzir um gabinete de fiéis que controlam o Governo como uma estrutura paralela e que, entre outras coisa fazem operações de desinformação, no limite da legalidade, senão para lá da legalidade.

(Continua.)

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DIAS DE LIXO (5)


Manuela Ferreira Leite - Até dói ver como tinha razão. Não antes do tempo, como se diz agora para justificar a cegueira dos que não a quiseram ouvir, mas no tempo certo. No tempo em que o que ela dizia podia ter poupado os portugueses não à crise, que já estava inscrita nas asneiras e no despesismo, mas ao agudizar da crise pelas sucessivas medidas erradas que o Governo Sócrates tomou e por aquelas que, ao adiar, se tornam cada vez mais gravosas.

(Continua.)

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DIAS DE LIXO (4)


Passos Coelho e as contínuas explicações - Um dos sinais de como a política da actual direcção do PSD é muitas vezes pouco pensada, mal elaborada e errática, é a necessidade que Passos Coelho tem de estar permanentemente a explicá-la, quando não a corrigi-la. O excesso de exposição mediática e a sucessão de entrevistas e conferências de imprensa, várias por semana, desgastam a autoridade da palavra e criam desinteresse nos portugueses. É verdade que uma parte das sondagens e barómetros é mais "apareçómetros" do que outra coisa, e por isso a sobreexposição dá resultados positivos numa fase inicial. Mas também isso se gasta.

(Continua.)

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE

 
Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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DIAS DE LIXO (3)


O melhor de Passos Coelho é quando ele faz aquilo que criticou com dureza a Manuela Ferreira Leite. Há sempre uma enorme ironia inscrita na História.

(Continua.)

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DIAS DE LIXO (2)


A estratégia de Passos Coelho é-me pouco compreensível, para usar um eufemismo. Devo ser eu que não entendo, mas ainda estou para perceber em que é que aproveita uma crise política em Outubro de 2010, a oito meses da possibilidade de haver novas eleições e a, pelo menos, treze meses da possibilidade de haver um novo Orçamento, com os enormes factores de usura política que esse período longo de impasse traria para a política portuguesa. Já não falo sequer dos argumentos patrióticos, porque imagino que, para muita gente à volta de Passos Coelho, - e faço-lhe justiça de pensar que não para ele - , só contam os seus interesses e os da parte do aparelho do partido que representam. É por isso que querem colocar na agenda de um país em crise a regionalização, ou a pressa de poderem escolher uma nova leva de deputados "amigos", ir a secretários de Estado e nomear gente para os lugares que tradicionalmente pertencem aos partidos e o PS ocupa hoje.

(Continua.)

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DIAS DE LIXO (1)


Dias de lixo, para não usar uma expressão mais forte, porque é o que eles são. Dias em que todos sabemos o que é preciso fazer, dias em que o que é preciso fazer ganha uma urgência enorme, dias em que todos os que podiam fazer alguma coisa se obstinam em fazer exactamente o contrário do que deviam, perante a indignação, a impotência, o desespero dos cidadãos. Dias em que já nem sequer se pode falar de irresponsabilidade, mas de perversidade, de perversidade de meia dúzia de pessoas que obedece aos piores instintos da sua vaidade, aos piores interesses do seu grupo.

(Continua.)

(Versão do Público de 26 de Setembro de 2010.)

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COISAS DA SÁBADO:  O PORTUGAL DO SÉCULO XX NÃO VAI SÓ DE 1910 A 1926


Não me lembro de ver tanta concentração de esforços comemorativos numa única data, a do centenário da República. Eu sei que é uma data redonda e já venerável, mas vista à distância não é o 5 de Outubro que fecha um ciclo político, mas sim o 28 de Maio. Não estou a dizer que se comemore o 28 de Maio, mas tanto ênfase no 5 de Outubro dá a entender que houve mais “revolução” no 5 de Outubro do que a que efectivamente houve. Afastar os Braganças não foi uma revolução, embora a deslocação do poder social para a pequena burguesia republicana tenha sido uma importante transformação política. Mas sob muitos aspectos a república acentuou a decadência do liberalismo político, não reforçou. Havia mais liberdade no tempo das caricaturas de Bordalo no que no tempo das caricaturas de Stuart, Valença ou Botelho, mais liberdade nos Pontos nos Iis do que nos suplementos do Século, do Mundo ou da Batalha. Como já escrevi, o que estamos a comemorar é a visão da República que a oposição republicana e maçónica do Estado Novo tinha. Por isso convém não exagerar.

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 EARLY MORNING BLOGS

1876

"Delicious autumn! My very soul is wedded to it, and if I were a bird I would fly about the earth
seeking the successive autumns."

(George Eliot)

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NUNCA É TARDE PARA APRENDER: A SURPRESA

Amy Knight, How the Cold War Began: The Igor Gouzenko Affair and the Hunt for Soviet Spies, Nova Iorque, Carroll & Graf Publishers, 2006

Quando Igor Gouzenko, um funcionário secundário do NKVD da Embaixada da URSS no Canadá, que trabalhava num sector crucial, a cifra, se apresentou em 1945 à Royal Canadian Mounted Police (RCMP),  abriu uma caixa de Pandora que nunca mais se fechou até hoje. Gouzenko contou a uma surpreendida RCMP que havia uma rede de espionagem que se estendia do Canadá aos EUA e ao Reino Unido, e que envolvia segredos atómicos. Os canadianos estavam particularmente pouco preparados e pouco dispostos a entrarem em conflito com o seu  aliado soviético, pelo que protelaram, hesitaram e só actuaram quando já não podiam de todo ignorar o que se passava. As informações de Gouzenko chegaram ao FBI e estiveram na origem da "caça às bruxas" americana na primeira metade da década de cinquenta.
 
A história é interessante, mas o livro de Amy Knight não é. Knight preocupa-se mais em minimizar a relevância das revelações de Gouzenko, a questionar os seus motivos e a criticar os excessos do macarthismo, numa linha da historiografia americana centrada no polémica sobre a culpabilidade de Alger Hiss (negando-a).  Essa intenção transparece demasiado no relato muito preconceituoso sobre Gouzenko. Gouzenko, como aconteceu com muitos espiões soviéticos, acabou por se tornar num desertor profissional, vivendo das suas entrevistas e da contínua promessa de novas revelações. Mas o núcleo de informações iniciais, assim como as notas e os documentos que trouxe, foram particularmente relevantes numa altura em que a dimensão e a penetração das redes soviéticas eram desconhecidas

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25.9.10

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PONTO / CONTRAPONTO



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COISAS DA SÁBADO
A REGIONALIZAÇÃO A ENTRAR POR TODAS AS PORTAS TRAVESSAS

Embora a discussão do projecto de revisão constitucional do PSD se tenha concentrado na parte mais ideológica dos artigos sobre saúde, educação e emprego, (o que ao principio era desejado pelo PSD, mas que depois correu mal e levou a um recuo de focagem), há muitos outros que merecem atenção. A começar pela parte relativa à regionalização, até porque aqui pode haver de facto um entendimento com o PS. Aliás, o PS não só mostra vontade de se entender quanto à introdução da região-piloto, feita de encomenda para o Algarve, uma das portas travessas abertas à regionalização para tornear os desacordos quanto ao mapa das regiões, como também quer evitar a obrigatoriedade do referendo, a porta travessa para tornear a vontade dos portugueses que votaram maioritariamente contra a regionalização.

Lembram-se? É que não é matéria virgem, abstracta e meramente da vontade de uma elite política regionalizadora. É matéria sobre a qual os portugueses já emitiram uma opinião. O mínimo de decência é que se lhes pergunte de novo, com o conveniente debate, para não fazermos o mesmo que se fez com o referendo sobre a Europa. E aí as coisas são mais complicadas, até porque pela porta que não é travessa mas principal já entrou um sonoro “Não”.

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE


Golegã.



Abrantes, Almourol, Barragem de Belver, Castelo de Belver .


Central do Pego (Paulo Peres).


Amolador (Luiz Boavida) 

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: 
CONTRA A MOÇÃO DE CENSURA CONSTRUTIVA


Antes de tudo, devo apresentar-me : o meu nome é Paulo José Canelas Rapaz. Vivo actualmente em Paris, onde estou a doutorar-me em Ciências Politicas pela Universidade Panthéon-Assas (Paris II), na qual já fui assistente. O tema da tese é : “o poder neutro do Presidente da República Portuguesa”. (...)

Quis enviar o presente email para partilhar algumas considerações sobre a eventual introdução da moção de censura construtiva na CRP. Proposta abandonada no projecto de revisão do PSD, primeiro apresentado à chamada comunicação social e só depois aos Srs. e Sras. Deputados… Mas que foi retomada pelo PS segundo as palavras do ministro da presidência. Portanto as minhas seguintes considerações poderão revelarem-se inúteis devido à forte tendência do partido no poder a publicitar realidades sucessivas.

No entanto, mesmo se duvido que já não o tenha feito, espero que tome em conta as seguintes considerações para sua reflexão sobre o tema, não só como pessoa interessada pelo Político, mas também como “opinion provider” senão “maker”, e sobretudo como deputado com poderes constituintes.(...)

Como sabe a moção de censura construtiva é de origem alemã. Foi criada em 1949 para evitar o que se passou durante a República de Weimar, isto é : o partido nazi e o partido comunista coligavam-se para abater sucessivos governos constituídos por forças moderadas, instabilidade que se agudizava com as consecutivas dissoluções do Reichstag. Avançando com os habituais argumentos antiparlamentares, os partidos extremos progrediam assim nas eleições subsequentes. Como é de conhecimento geral, este movimento terminou com a ascensão de Hitler à chancelaria. Tais condições, um Parlamento com extremos fortes, nunca existiram na Alemanha do pós-guerra, e mais importante, não existem em Portugal. A moção de censura construtiva é um bom exemplo de que as novas constituições são escritas para resolver problemas de regimes passados e portanto não existentes no presente.

Na história política alemã, o mecanismo só foi utilizado uma vez com sucesso, em 1982. O governo SPD+FDP do chanceler social democrata, Helmut Schmidt, foi derrubado por causa de uma moção de censura construtiva que recebeu o apoio da CDU e, do FDP que denunciou o acordo prévio com o SPD. Helmut Kohl tornou-se então chanceler. Primeiro comentário : o sucesso duma tal moção implica necessariamente uma traição do voto popular dado que o SPD era o partido que tinha obtido mais deputados e votos nas eleições anteriores. Este mecanismo é antidemocrático, favoriza os pequenos acordos entre partidos, reforçando ainda mais a “partitocrazia”.

Sem esquecer o deslumbramento tecnológico pela engenharia constitucional, bem presente nas antepropostas do PSD que vieram a público, o maior argumento em favor da introdução deste mecanismo em Portugal é o aumento da estabilidade política. Argumento que aliás amálgama estabilidade governamental e estabilidade parlamentar : é possível conceber uma legislatura com n governos onde n tende para o infinito com o Parlamento a durar quatro anos (ou cinco anos, caso a duração da legislatura seja modificada), tal possibilidade não é certamente mais estável que uma dissolução eventual após uma moção simples.

Mais quanto à estabilidade política, o exemplo alemão é o contra-exemplo : consciente da sua falta de legitimidade e da falta de democraticidade da sua chegada ao poder, Helmut Kohl fez o necessário – intrujando aliás o espírito senão a letra da lei fundamental alemã – para que houvesse novas eleições legislativas, que ganhou. Consequentemente o argumento da maior estabilidade política é pouco ou nada valido do ponto de vista comparativo.

Acrescenta-se que, em Portugal, desde a civilização do poder político, só uma legislatura e um governo não chegaram ao fim natural por causa de uma moção de censura. Até agora, a moção de censura construtiva teria sido pouco útil. Melhor, se tal mecanismo tivesse existido em 1987, pode-se imaginar que o PSD e Aníbal Cavaco Silva nunca teriam obtido a maioria absoluta : se o PRD tivesse apresentado uma moção, significaria ter tido um entendimento prévio com o PS ; entendimento impedido por Mário Soares pela sua decisão de dissolução.

Do ponto vista técnico : na Alemanha, a moção de censura enquadra-se num ordenamento constitucional complexo. Ela não pode ser lida sem ter em conta outras disposições, tais como : a eleição do chanceler pelo Bundestag, a impossibilidade de dissolução discricionária e mesmo o sistema eleitoral misto (aliás outra serpente de mar político-constitucional em terras lusas). Nenhuma destas disposições existem ou estão programadas em Portugal. Em consequência a adopção da moção de censura construtiva “em seco” introduziria inconsequências na CRP. A mais importante seria o mecanismo diferenciado de formação governamental entre depois de eleições parlamentares e após uma moção de censura construtiva.

Se como no anteprojecto do PSD, ela for introduzida sem apagar o actual dispositivo de moção de censura, será ainda mais inútil : tendo um custo político mais elevado que a moção simples, isto é a necessidade de um acordo para formar um novo governo, ela nunca será utilizada.

Se como já constou em anteriores propostas, ela for introduzida com a possibilidade do PR recusar a nomeação do novo governo, possibilidade que não existe na Alemanha, a moção de censura seria ou inútil ou factor de maior instabilidade política. Inútil, porque o actual ordenamento constitucional português permite ao PR de não dissolver após uma moção e favorecer a emergência de um novo governo. Factor de maior instabilidade política, porque a recusa presidencial significaria necessariamente uma dissolução contra-maioritária. Quer num caso quer noutro, uma tal introdução seria contraproducente nomeadamente em relação ao argumento da “maior estabilidade política”.

Historicamente, a moção de censura construtiva foi sempre, em Portugal, uma proposta para indirectamente enfraquecer o PR. Nesse sentido, podemo-nos relembrar das propostas de Sá Carneiro e do PS contra a presidência Eanes em 1982. Devido ao que já foi dito, a actual proposta “em seco” não foge a esta finalidade indirecta, ainda mais se a introdução acabar por ser tecnicamente coerente.

Do ponto vista político-partidário, mas além das inclinações pessoais, só me falta partilhar a minha surpresa quando a proposta de moção de censura construtiva tem origem no PSD. A moção de censura construtiva só pode ser utilizada com sucesso no caso de um governo de coligação ou de um governo minoritário. Ora o PS tem mais possibilidades de coligação de que o PSD. A moção de censura construtiva terá como consequência um favorecimento do PS no acesso ao poder governamental : contrariamente ao nosso partido, salvo hipótese de “bloco central”, o PS pode-se aliar à esquerda mas também com o CDS/PP. Aliás na eventualidade da introdução da moção de censura construtiva em Portugal, ela poderá constituir um forte incentivo para o PP voltar às suas origens de CDS : um queijo Limiano institucionalizado. Mesmo sem esta evolução do CDS/PP, é também possível imaginar a emergência de um novo partido ao centro do espectro político com função de charneira, que, se enfraquecerá os dois maiores partidos dos quais o PS, aumentará a fragmentação parlamentar e em consequência a instabilidade política.

Como facilmente percebeu, sou extremamente crítico quanto à eventual inscrição da moção de censura construtiva na nossa lei fundamental. Espero que a argumentação apresentada neste email não usurpe as palavras com que intitula um dos livros da sua autoria : Quod Erat Demonstrandum.

(Paulo José Canelas Rapaz)

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1875 - Autumn Fires


In the other gardens
And all up the vale,
From the autumn bonfires
See the smoke trail!

Pleasant summer over
And all the summer flowers,
The red fire blazes,
The gray smoke towers.

Sing a song of seasons!
Something bright in all!
Flowers in the summer,
Fires in the fall!

(Robert Louis Stevenson)

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24.9.10


COISAS DA SÁBADO: ESTAMOS CADA VEZ PIOR, MAS ISSO É MUITO SATISFATÓRIO



Se não fosse estarmos todos um pouco aturdidos com a realidade, quer a realidade-realidade, quer a realidade pressuposta, imaginada, suspeitada, indesejada, por aí adiante, dávamos um salto de revolta quando ouvimos um governante dizer-nos que numa altura em que é imperativo poupar e muito, cortar despesas e muito, apertar o cinto e muito, o aumento das despesas e do défice nas contas do estado é “satisfatório”. É como se tivéssemos que ir de Lisboa para o Porto e ficarmos muito contentes por estarmos em Casablanca, a caminho de Nouakchott. Se isto não é, perdoe-se o plebeísmo, gozar connosco, não sei o que é gozar.

Mas o exemplo vem de cima, todos os dias o Primeiro-ministro manipula uma qualquer estatística para mentir. Umas vezes as comparações são feitas a dois anos, outras a sete, outras a vinte, outras com a Alemanha outras com o Burkina Fasso, é conforme convém. Destes anos de lixo que atravessamos, vai ficar um dos melhores exemplos de uma “novilíngua” governamental, em que nada significa o que significa, em que a duplicidade se tornou o coração da palavra, e em que o significado é varrido pela manipulação. A crise, na verdade, está muito para além das finanças, está no cerne de uma geração obcecada pelo poder, sem valores nem saber, que é capaz de tudo para nos enganar contra todas as evidências. Quem não engana é quem nos tem que emprestar dinheiro e não vai nestes “satisfatórios”

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE

 
Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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 EARLY MORNING BLOGS

1874 - Leaves (3)

3


You'll be driving along depressed when suddenly
a cloud will move and the sun will muscle through
and ignite the hills. It may not last. Probably
won't last. But for a moment the whole world
comes to. Wakes up. Proves it lives. It lives—
red, yellow, orange, brown, russet, ocher, vermilion,
gold. Flame and rust. Flame and rust, the permutations
of burning. You're on fire. Your eyes are on fire.
It won't last, you don't want it to last. You
can't stand any more. But you don't want it to stop.
It's what you've come for. It's what you'll
come back for. It won't stay with you, but you'll
remember that it felt like nothing else you've felt
or something you've felt that also didn't last.


(Lloyd Schwartz)

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23.9.10


 EARLY MORNING BLOGS

1873 - Leaves (2)

2

Is it deliberate how far they make you go
especially if you live in the city to get far
enough away from home to see not just trees
but only trees? The boring highways, roadsigns, high
speeds, 10-axle trucks passing you as if they were
in an even greater hurry than you to look at leaves:
so you drive in terror for literal hours and it looks
like rain, or snow, but it's probably just clouds
(too cloudy to see any color?) and you wonder,
given the poverty of your memory, which road had the
most color last year, but it doesn't matter since
you're probably too late anyway, or too early—
whichever road you take will be the wrong one
and you've probably come all this way for nothing.

(Continua)

(Lloyd Schwartz)

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22.9.10


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE

 
Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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 EARLY MORNING BLOGS

1872 - Leaves

1

Every October it becomes important, no, necessary
to see the leaves turning, to be surrounded
by leaves turning; it's not just the symbolism,
to confront in the death of the year your death,
one blazing farewell appearance, though the irony
isn't lost on you that nature is most seductive
when it's about to die, flaunting the dazzle of its
incipient exit, an ending that at least so far
the effects of human progress (pollution, acid rain)
have not yet frightened you enough to make you believe
is real; that is, you know this ending is a deception
because of course nature is always renewing itself—
the trees don't die, they just pretend,
go out in style, and return in style: a new style.

(Continua)

(Lloyd Schwartz)

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21.9.10

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 EARLY MORNING BLOGS

1871

Quando o lavrador quer plantar de novo em mata brava, mete primeiro o machado, corta, derriba, queima, arranca, alimpa, cava, e depois planta e semeia. Quando o arquitecto quer fabricar de novo sobre edifício velho e arruinado, também começa derribando, desfazendo, arrasando e arrancando até os fundamentos, e depois sobre o novo alicerce levanta nova traça e novo edifício. Assim o faz e fez sempre o supremo Criador e Artífice do Mundo, quando quis plantar e edificar de novo. Assim o disse e mandou notificar a todo o Mundo pelo profeta Jeremias: Ecce constitui te hodie super gentes et super regna, ut evellas, et destruas, et disperdas, et dissites, et aedifices, et plantes.

Ó gentes, ó reis, ó reinos! Quanto arrancar, quanto destruir, quanto perder, quanto dissipar se verá em vossas terras, campos e cidades, antes que Deus vos replante e reedifique, e se veja restaurado o Universo!

(Padre António Vieira)

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20.9.10


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE


 
Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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TUDO SE GASTA


Uma parte considerável do meu tempo é ocupada a salvar, ordenar, organizar, limpar, proteger, digitalizar papéis velhos, panos velhos, objectos velhos, de latão, plástico, madeira, bronze, etc., etc., com relação próxima ou longínqua com a actividade política, seja especificamente partidária, seja sindical, cooperativa ou de instituições com intervenção social, organizações mutualistas, Maçonaria, etc. Deixemos os livros de parte, que são outro mundo, e passemos ao mundo dos panfletos, folhetos, brochuras, postais, cartazes, prospectos, bilhetes, reclames, aquilo a que se chama "efémera". A esses "efémera" de papel somam-se outros "efémera", objectos, aquilo a que os brasileiros chamam "brindes" (e que foram recentemente proibidos em campanha no Brasil). No seu conjunto cabem quase todos, menos os manuscritos e cartas, na categoria a que os comunistas chamavam agit-prop, agitação e propaganda.



(Da esquerda para a direita: medalha do PCP; postal nacionalista revolucionário; pin e noz de Ross Perot, candidato independente às eleições presidenciais americanas; nota falsa contra Sá Carneiro "o sacador-mor"; pin de Obama; autocolante anarquista.)

A variedade de objectos é imensa e vai desde uma lata de bolachas com a República de barrete frígio, passando por um pin dum candidato ao Congresso americano, até ao chapéu de palha que Paulo Portas usou com uma faixa verde que dizia "nós semeamos". Inclui porta-chaves, isqueiros, caixas de costura, caixas para medicamentos, emblemas, pins, autocolantes, bustos, faixas de propaganda, cartazes, tarjetas, dedais, bandeiras, flâmulas, vinhetas, pisa-papéis, botões de punho, T-shirts, fitas, óculos de sol, caixas de fósforos, medalhas, cinzeiros, gravatas, etc. O seu tamanho varia entre o de um quase invisível alfinete de lapela, até à faixa de rua com vários metros de cumprimento. Na minha colecção, talvez os maiores objectos sejam exactamente uma enorme faixa de lona da campanha eleitoral de George Wallace de 1964 e outro de um outdoor do PSD da década de noventa. Não é fácil conservar estas coisas, mas a verdade é que quase ninguém as conserva.

Quando se observa esta enorme massa de material, principalmente do século XX, podem tirar-se algumas conclusões sobre o modo como estes objectos reflectem importantes mudanças sociais e políticas, que são o retrato da história do século. E se quisermos perceber o processo a que se chama ligeiramente o "fim das ideologias", encontramos aqui também abundantes elementos.

 

(Da esquerda para a direita: fotografia autografada de Dick Cheney; faixa de pano da CGTP; autocolante primitivo usado no "luto académico" de Coimbra; cinzeiro com página do Avante!; setas do PSD moldadas em cera; pin de uma candidatura a xerife nos EUA; pin de Mao Zedong do período da Revolução Cultural; saco de alfazema da candidatura de Ferreira do Amaral a Lisboa..)

Nos anos vinte e trinta, os grandes movimentos totalitários deixaram-nos uma enorme quantidade de símbolos, com uma forte presença iconográfica. Os nazis foram sem dúvida os mais eficazes na utilização de uma simbologia fortemente ancorada em velhos "sinais" com origem religiosa, com uma poderosa atracção psicológica, nem sempre consciente. Jung explorou esta relação inconsciente e o seu poder. A cruz gamada é o melhor exemplo, mas associa-se, nos movimentos com influência nazi, a outros símbolos como a cruz céltica ou as runas nórdicas, e ao fascínio ritual pela morte representado na caveira das SS. Comparados com a simbologia nazi, a de influência fascista, o fascio italiano, a Francisca gaulesa ou as setas da Falange espanhola têm menos impacto visual.

 
 (Emblema do NSADP).

Todos estes símbolos estão associados a uma encenação no espaço público igualmente poderosa no seu fascínio visual. A capacidade dos nazis em encenarem exibições de poder com forte impacto visual, como são as imagens das grandes paradas em Nuremberga, integrando os símbolos nas bandeiras, com a música marcial e com as marchas de milhares de homens e mulheres com uma ordem perfeita e monolítica, tornaram essas imagens ainda hoje em momentos de garantida audiência seja na televisão seja no YouTube.

Os comunistas, por sua vez, foram igualmente capazes de encontrar um símbolo forte para o seu movimento, a foice e o martelo, mas mais débil na sua atracção visual inconsciente do que a cruz gamada. Na verdade, a foice e o martelo estão mais próximos da simbologia fascista, traduzindo uma imagem mais "laica" e política e menos intensa do que o símbolo solar da cruz gamada. Em ambos os casos, trata-se aqui de representar um conceito político. O fascio italiano traduzia uma ideia de força na unidade total, as varas presas por uma corda que eram impossíveis de quebrar juntas, a que se acrescentava a referência ao império romano, fonte de legitimação histórica do fascismo. No caso do comunismo, a foice e o martelo representavam a ideia da "aliança operária camponesa", um puro conceito político associado à teoria leninista do poder soviético. Transformados na bandeira soviética, vieram depois a ser usados por quase todos os partidos comunistas e ainda hoje estão presentes em bandeiras de África fora da área do "socialismo real": Angola (onde a roda dentada e a machete fazem o papel da foice e do martelo) e Moçambique (onde uma arma e uma enxada, colocados da mesma forma da foice e do martelo, se sobrepõem a um livro e ao outro símbolo comunista, a estrela de cinco pontas).

Os partidos e forças políticas não-totalitárias nunca desenvolveram uma simbologia tão intensa como a do nazismo, do fascismo e do comunismo, embora nos anos trinta houvesse tentativas nesse sentido. Isso tem obviamente a ver com a menor dependência de uma noção de todo, centralizada num "comando" e numa "unidade" total, a ausência de uma hierarquia de poder interno e uma menor dependência da agitação e propaganda. Quando tiveram símbolos mais fortes isso deveu-se quase sempre a uma situação de resistência, de que o caso mais interessante é o símbolo das três setas que eram sobrepostas à cruz gamada ou apontadas aos inimigos, como num cartaz alemão dos anos trinta, contra os monárquicos conservadores de Papen, os nazis de Hitler e os comunistas de Thaelmann.

(Emblema da SFIO dos anos trinta.)

No caso português apenas dois partidos têm simbologia histórica: os comunistas, que usam a foice o o martelo (e que têm vindo a reforçar o papel identitário do símbolo), e os sociais-democratas, que usam as três setas da social-democracia dos anos trinta. Os socialistas tiveram o seu símbolo desenhado em Itália em vésperas do 25 de Abril, um punho com uma espada estilizada, uma irónica, e presumo inconsciente, aproximação aos pulsos de Cristo na cruz atravessados pelos cravos. Depois evoluiu para uma estilização menos traumática do punho, até o substituir pela rosa que muitos partidos socialistas europeus hoje usam. O símbolo original tinha uma mensagem política, o actual é um desenho de marketing. O mesmo acontece com o símbolo do PSD, cujas origens são ignoradas ou nada dizem às novas gerações de dirigentes políticos do partido e que se vêem aflitos para encontrar forma de adaptar as setas a um design mais "moderno".

O símbolo do CDS é aquilo que pretende ser: um partido rigorosamente ao centro, cujas setas prendem a bola (o "centro") sem possibilidade de libertação. Compreende-se a razão, porque também aqui, no período áureo do PP, o símbolo sofreu alguns tratos de polé por ser demasiado "centrista". O símbolo do Bloco de Esquerda, uma personalização da estrela comunista de cinco pontas numa figura humana, não é original e existe com pequenas variações em vários movimentos do mesmo tipo, uns próximos do esquerdismo, outros do comunismo, como por exemplo a "Galiza Nova".

Mas, em todos os partidos, com excepção do PCP, o valor identitário do símbolo tem vindo a diminuir. Quando se observam os "brindes", e a propaganda em geral, é evidente o desgaste do seu valor, que desaparece em muitos objectos e mesmo em cartazes e panfletos, ou é tão adulterado que se perde o seu sentido original. Quem usa hoje na lapela emblemas partidários, que tinham forte presença nas bancas de propaganda nos anos setenta e início dos anos oitenta? As T-shirts ainda mantêm alguma simbologia, mas esta já compete com muitos elementos visuais de escasso poder simbólico.

Também aqui se sente o "fim das ideologias", também aqui se vê que tudo se gasta.

(Versão do Público de  18 de Setembro de 2010.)

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© José Pacheco Pereira
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