ABRUPTO

1.3.07


JUDEU ERRANTE



Mais uma corrida, mais uma viagem.
Sem acentos.

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ESTAÇÕES: PARTIDAS E CHEGADAS






Campanhã, Porto.

(José Carlos Nunes)

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NOBRE INTENDÊNCIA

Por aí abaixo várias notas foram actualizadas, com comentários dos leitores.

Só no mês de Fevereiro, mais de 100 leitores diferentes "escreveram" o Abrupto com comentários, fotografias e outras contribuições. Muitos mais enviaram materiais que, com tempo e espaço, terão aqui lugar.

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ESPAÇOS ONDE SE PODE RESPIRAR

Terceira, Açores, Fev. 2007

(António Ferreira de Sousa)

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ESPAÇOS ONDE SE PODE RESPIRAR

Weimar

(Heloísa Preto)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: MÚSICA DEFUNTA

Será que me faço entender, se disser que me sinto conspurcado de cada vez que entro num espaço público ou afim (metro, supermercado, bomba de gasolina, etc) e sou positivamente bombardeado com um "lá vai água" daquilo a que alguns (se calhar a maioria) supõem tratar-se de música? Ser bombardeado com lixo visual tem (?) simples solução, desvia-se o olhar. Mas desviar a audição parece substancialmente mais difícil. Pergunto-me se haverá legitimidade para se bombardear tudo e todos com aquilo a que Pedro Caldeira Cabral chama, quanto a mim acertadamente, "música defunta"?

(Henrique Martins)

*
O problema que o leitor Henrique Martins refere foi, recentemente, abordado no «Público» por António Barreto - que, num texto tão lúcido quanto divertido, foi um pouco mais longe do que o simples protesto.

Dizia ele que a inundação dos espaços por sons indesejados (nomeadamente música, com qualidade e volume que não podemos controlar) pode vir a dar lugar a um novo nicho de mercado: «Venha para o nosso hotel (ou restaurante, etc), que NÃO temos música ambiente!».

Se a moda pegar, poderemos vir a ser confrontados com «zonas livres de música ambiente», em tudo semelhantes às «zonas livres de fumo» e, até, com legislação a regulamentar o assunto. E, numa fase seguinte, é previsível que apareçam movimentos a reclamar o «direito à música ambiente», passando a haver, em todo o lado, zonas demarcadas...

NOTA: A farmácia onde costumo ir também aderiu a essa praga, com um gigantesco écrã de plama de onde jorra abundante publicidade sonora e visual. Mas, aí, até se compreende: trata-se de, provocando enjoo e dores de cabeça aos clientes, aumentar o negócio do estabelecimento.

(C. Medina Ribeiro)

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ESPAÇOS ONDE SE PODE RESPIRAR

Rio Tinhela no actual Inverno (Martim - Trás-os-Montes)

(José Vaz)

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EARLY MORNING BLOGS

978 - California Plush

The only thing I miss about Los Angeles
is the Hollywood Freeway at midnight, windows down and
radio blaring
bearing right into the center of the city, the Capitol Tower
on the right, and beyond it, Hollywood Boulevard
blazing

-pimps, surplus stores, footprints of the stars

-descending through the city
fast as the law would allow

through the lights, then rising to the stack
out of the city
to the stack where lanes are stacked six deep

and you on top; the air
now clean, for a moment weightless

without memories, or
need for a past.

(Frank Bidart)

*

Bom dia!

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ESPAÇOS ONDE SE PODE RESPIRAR

Costa do Labrador, Canadá, 2005

(João Paulo Baltazar)

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28.2.07


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: MONTAIGNE E OS JORNAIS DO FUTURO

http://www.bibliotecasvirtuales.com/biblioteca/LiteraturaFrancesa/Montaigne/Montaigne.jpgA propósito das suas reflexões sobre os jornais do futuro, gostava de lhe dar notícia de um exercício um pouco semelhante feito por Montaigne nos Essais (Cap. 35, excerto transcrito abaixo). Montaigne cita o pai e o seu desejo de que houvesse locais acessíveis onde se pudessem registar os pequenos "negócios" (affaires) de cada um. A ideia prenuncia os anúncios classificados da imprensa periódica, mas toma como ponto assente que a intervenção de um notário é indispensável. O pequeno anúncio teria portanto a forma de um registo notarial, consultável em estabelecimento público. A observação mais automática é a de que, em qualquer época, se dá uma importância gigantesca à estabilidade dos formatos e dos contextos de leitura dos suportes de escrita.

(Rita Marquilhas)

Feu mon pere, homme, pour n'estre aydé que de l'experience et du naturel, d'un jugement bien net, m'a dict autrefois qu'il avoit desiré mettre en train qu'il y eust és villes certain lieu designé, auquel ceux qui auroient besoin de quelque chose, se peussent rendre et faire enregistrer leur affaire à un officier estably pour cet effect, comme: Je cherche à vendre des perles, je cherche des perles à vendre. Tel veut compagnie pour aller à Paris; tel s'enquiert d'un serviteur de telle qualité; tel d'un maistre: tel demande un ouvrier; qui cecy, [Image 0094v ] qui cela, chacun selon son besoing. Et semble que ce moyen de nous entr'advertir apporteroit non legiere commodité au commerce publique: car à tous coups il y a des conditions qui s'entrecherchent, et, pour ne s'entr'entendre, laissent les hommes en extreme necessité.

Fonte:
Michel de Montaigne, Les Essais, 1580-1588 (Chapitre 35 - D'un Defaut de nos Polices)

*
Para mim Montaigne, (a avenida de seu nome em Paris é uma das minhas favoritas: hotel, teatro, bar e moda que mais pode pedir um homem!?) tanto pede umas páginas amarelas como pede um mercado onde se pode comprar e vender: uma bolsa de produtos e serviços - uma bolsa de produtos agricolas é algo que faz muita falta cá em Portugal! O que Montaigne não diz é como tal coisa deve ser feita, eu arrisco a dizer que ele se estava nas tintas para isso, mas calculo que ele também desejaria a melhor tecnologia disponivel.

(DG)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
"BOKREA", SALDOS DOS LIVROS NA SUÉCIA




Bokr
ea numa livraria Wettergrens, há uma hora. A fila para pagar era comprida, terei de lá voltar.

(Madalena Ferreira Åhman)

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SOFTWARE QUE SE PORTA MAL

http://blog.garethjmsaunders.co.uk/wp-content/office2007.gifA um mês da sua instalação. Se o Vista se porta muito bem, já o mesmo não se pode dizer do Office 2007, ainda por cima na versão Ultimate. Já usava o Beta há vários meses por isso já estava habituado às inovações dos programas, em particular da sua "face". O Outlook sempre se portou mal, no Beta, e continua na mesma. Avaria várias vezes, é excessivamente lento. É verdade que eu nem sempre "arquivava" quando devia, tinha muitas "regras" para organizar a correspondência e trabalhava com pastas com muito correio, mas mesmo assim parece-me pouco "profissional" para um programa profissional. Mas a minha desilusão, pior ainda, o meu problema, que me surgiu pela primeira vez desde que trabalho com o Access foi o aparecimento de tabelas com campos corrompidos, apagando conteúdos de umas entradas e colocando-os em campos de outras entradas. Nunca me aconteceu isto com nenhuma base de dados até agora (nem sequer no Beta) e por isso interrompi de imediato o uso das bases de dados em Access 2007 até mais ver. É uma enorme complicação para o meu trabalho, mas a integridade das bases de dados é essencial.

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EARLY MORNING BLOGS

978 - Air has no Residence, no Neighbor

Air has no Residence, no Neighbor,
No Ear, no Door,
No Apprehension of Another
Oh, Happy Air!

Ethereal Guest at e’en an Outcast’s Pillow—
Essential Host, in Life’s faint, wailing Inn,
Later than Light thy Consciousness accost me
Till it depart, persuading Mine—

(Emily Dickinson)

*

Bom dia!

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26.2.07


RESTOS: LINHA DO TUA








(Ana da Palma)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: "BOKREA"

http://www.alingsas.se/bibliotek/bilder/bokrea.jpgUma “tradição” sueca, que começou nos anos 20, é a “bokrea”, ou seja, os saldos dos livros. No fim de Fevereiro (por razões de fácil compreensão, depois do pagamento dos ordenados de Fevereiro...) as livrarias, pequenas e grandes, os alfarrabistas, as livrarias dos museus, as secções de livros dos supermercados e, nestes tempos modernos, até as livrarias on-line, saldam entre 3 e 5 mil títulos.

Encontra-se de tudo: ficção e não-ficção, literatura infantil e juvenil, livros de bolso e “coffee table books”, enciclopédias, guias de viagem e mapas. A maior parte é, evidentemente, em sueco, mas há também bastantes livros em inglês (e em menor escala noutras línguas). Há edições especiais para os saldos de alguns autores mais antigos (obras que já estão no domínio público e não estão assim sujeitas a pagamento de direitos).

O interesse costuma ser enorme. Com umas semanas de antecedência, as grandes livrarias publicam e distribuem catálogos dos livros que vão saldar, para que os leitores possam comparar os preços e fazer as suas listas. Os jornais e os blogues publicam críticas dos livros apresentados nos catálogos e sugerem as “boas compras”.

Embora os saldos comecem “oficialmente” amanhã, muitas livrarias abrem as portas já esta noite, à meia-noite, aos bibliófilos mais entusiastas (ou mais noctívagos) que se vão acotovelar entre toneladas de "papéis pintados com tinta". Vou esperar pela relativa acalmia de quinta ou sexta-feira, e este ano vou levar um daqueles sacos de compras com rodas, porque já sei que vou acabar por comprar mais do que pensava...

(Madalena Ferreira Åhman)

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COISAS DA SÁBADO: LINHA DO TUA

http://aptus.gotdns.org/nml/admin/conteudos/screenshots/687.jpgPoucos sítios mantêm a paisagem natural rude e agreste, bela ao modo do “terrível”, do que os vales dos afluentes do Douro, rio de montanha rodeado por rios de montanha, que fizeram o seu leito cavando rochas e não espraiando-se por terras baixas irrigadas. O vale do Tua é um desses casos de beleza, ignorado, perdido, numa parte de Portugal que a maioria dos portugueses nem sabe que existe.

Mas, não tenhamos ilusões, a sua beleza selvagem só tem uma explicação, a de não ter havido até agora nenhum negócio rapace que tornasse o vale numa selva de empreendimentos e as cumedas em enxames de eólicas. É natural que este seja o desejo dos locais, que precisam de emprego, negócio, comércio e riqueza e que, como, uma vez, me disse um velho de um desses locais pristinos, “não percebo porque gosta disto, são só montes, estamos fartos de só ver montes, que interesse têm?”. A verdade é que se for assim, nem o pouco que têm em potência vai sobrar em acto. Gastar-se-á em meia dúzia de anos. .Porque o nosso problema é que passamos sempre do oito para o oitenta, do nada miserável do atraso, para o novo riquismo da combinação construção-turismo barato subsidiado-obras públicas.

E no meio do caminho da sua vida, como Dante à entrada do Inferno, lá continuará o vale do Tua, com a sua linha de “metro” que transporta meia dúzia de pessoas ao dia, de lado nenhum para lado nenhum, num sítio tão remoto e deserdado de tudo menos da beleza, que nem um responsável dos comboios achou necessário ir lá para honrar os seus mortos, os mortos da empresa que “gere”. Retirado o último morto das águas, o silêncio voltará, se calhar também já sem o “metro” de Mirandela.

*
O seu post s/ o Tua e o Douro fez-me lembrar a velha anedota s/ a diferença entre o inferno p/ turistas e o inferno p/ residentes. O campo, a montanha, os vales, etc. são muito bonitos p/ quem não tem que tirar deles o seu sustento e está farto da correria (para ganhar o pão) da cidade. Para quem lá vive todos os dias (“viver todos os dias cansa”), tem que de lá tirar o seu sustento (muitas vezes c/ trabalhos fisicamente duros e de resultados muito dependentes das condições climatéricas), tem muito pouco p/ ver ou fazer ao nível do lazer / cultura / consumo (onde estão cinemas, teatros, livrarias, cafés- concerto, etc, etc.? e até os centros comerciais? Não sei se ainda há mas nos idos de 80/90 havia excursões da província p/ visitar os grandes centros comerciais) e difícil acesso a alguns serviços básicos (saúde, educação,
outros) o campo é muito pouco bucólico. Naturalmente a solução não passa por “algarvizar” o país que ainda não está “algarvizado”. Por exemplo o “turismo rural” tem permitido manter a paisagem, complementar actividades agrícolas, criar condições p/ um turismo de qualidade e oportunidades de emprego quer directamente nas unidades de turismo rural quer ao nível de alguns produtos regionais (gastronomia, doçaria, tapeçaria, cerâmica, etc).

Termino relembrando um comentário que li há uns anos quando em Berlim um antigo hotel da Ex-Alemanha de Leste re-abriu reproduzindo as características “originais” (decoração de propaganda comunista, controlo documental por funcionários fardados a rigor, etc) “uma coisa do velhos tempos não pode ser mantida, as condições higiénicas, porque nesse caso as autoridades sanitárias não permitiriam a abertura”. Felizmente há certas coisas “tradicionais” que a evolução faz desaparecer para sempre.

(Miguel Sebastião)

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RETRATOS DO TRABALHO EM ISTAMBUL, TURQUIA

Local onde se esteve a trabalhar - Hagia Sophia - Istambul

(Raul César de Sá)

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EARLY MORNING BLOGS

977 - Driving to Town Late to Mail a Letter


It is a cold and snowy night. The main street is deserted.
The only things moving are swirls of snow.
As I lift the mailbox door, I feel its cold iron.
There is a privacy I love in this snowy night.
Driving around, I will waste more time.

(Robert Bly)

*

Bom dia!

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25.2.07


ESPAÇOS ONDE SE PODE RESPIRAR

Serra de Arga.

(AM)

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EARLY MORNING BLOGS

976 - L' Homme et la Mer

Homme libre, toujours tu chériras la mer !
La mer est ton miroir, tu contemples ton âme
Dans le déroulement infini de sa lame,
Et ton esprit n'est pas un gouffre moins amer.

Tu te plais à plonger au sein de ton image ;
Tu l'embrasses des yeux et des bras, et ton coeur
Se distrait quelquefois de sa propre rumeur,
Au bruit de cette plainte indomptable et sauvage.

Vous êtes tous les deux ténébreux et discrets :
Homme, nul n'a sondé le fond de tes abîmes ;
O mer, nul ne connaît tes richesses intimes,
Tant vous êtes jaloux de garder vos secrets !

Et cependant voilà des siècles innombrables
Que vous vous combattez sans pitié, ni remords,
Tellement vous aimez le carnage et la mort,
O lutteurs éternels, ô frères implacables !

(Charles Baudelaire)


*

Bom dia!

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PENSAR OS JORNAIS - 2
(Devido à sua extensão o artigo não pode ser publicado integralmente no jornal. As partes em vermelho foram cortadas e são aqui repostas.)
1. O exercício que se fará a seguir é o de pensar num jornal ideal a partir do que é um jornal de hoje e das possibilidades tecnológicas que o podem moldar num período de cerca de uma década. Esse jornal do próximo futuro será reconhecível como um jornal, da mesma maneira que a Gazeta de Lisboa pode ser reconhecida ainda nos dias de hoje como um jornal. Não estou a falar de qualquer coisa exótica, nem sequer revolucionária, mas de um jornal, mantendo o núcleo de identidade de um órgão diário (ou semanário) assente no acto de ler, pelo qual se obtém informações, notícias, análises, comentários, críticas sobre a realidade do mundo à nossa volta. Dentro desta definição, muita coisa pode mudar, a ênfase pode ser colocada no político, no cultural, no social, o texto pode ser factual ou de creative non-fiction, privilegiar histórias ou estórias, ter mais ou menos opinião, dirigir-se a públicos eruditos ou populares, ter causas ou não ter, etc., etc., mas todas estas modalidades cabem numa concepção comum de jornalismo.


2. Não custa muito pensar no jornal ideal, nem são necessários exercícios de futurologia ou de ficção científica. O jornal ideal que refiro será possível em meia dúzia de anos, incorporando tecnologias já existentes, mas ainda experimentais e caras. Será apenas uma questão de tempo, e pouco tempo, até este jornal existir e não será em papel, mas em "papel" electrónico. O jornal do próximo futuro poderá ter apenas uma folha dupla aberta, de plástico, do tipo dos que hoje a Plastic Logic produz, pesará cerca de 100 gramas e o texto que terá será um texto electrónico, transmitido em wireless e mudando durante o dia. O jornal poderá ter uma estrutura diária e partes que não são diárias, mas o fluxo noticioso será isso mesmo, um fluxo contínuo.
Uma experiência deste tipo, ainda muito rudimentar, é a do jornal de negócios belga De Tijd usando um leitor chamado iLiad, tecnologia da Philips. Sobre e-paper ver E-paper et encre électronique : les habitudes de lecture commencent à changer.
3. Um jornal deste tipo não é apenas um ecrã portátil, mas uma folha de papel electrónico com a qual se poderá fazer o mesmo que se faz hoje com o papel, menos deitá-lo fora no fim, ou usá-lo para embrulhar peixe, porque fica caro. Há apenas uma razão, para além do custo actual, para o papel electrónico não ter ainda substituído o papel: ainda há limitações técnicas na sua funcionalidade para se adaptar em pleno ao principal factor limitador das tecnologias, o corpo humano e os seus hábitos. Há certas coisas que não fazemos, ou que não é confortável fazer com os ecrãs actuais de computador e, enquanto não existir papel electrónico capaz e barato, a mutação do papel para o ecrã plástico não se fará. Quando houver, a mutação será muito rápida e o papel de impressão ficará um nicho de mercado de luxo como os relógios analógicos.


4. O jornal estará obviamente numa forma de ecrã, mas não estará preso ao computador, não será laptop, nem desktop, embora consigo vá um computador especializado e uma ligação permanente à rede. Será mais um dos múltiplos objectos que passarão a ser inteligentes porque tem um processador, software e a comunicar em rede: casas, frigoríficos, lâmpadas, roupas, automóveis, etc. Transportar-se-á como um jornal, ler-se-á como um jornal, terá a mesma resolução, ou ainda mais do que um jornal. O suporte tem de permitir o espaço que necessita um jornal, precisa de páginas e de paginação, e também aqui há considerações ergonómicas que dependem do nosso corpo, do nosso olhar. A razão pela qual o jornal ideal depende mais do papel electrónico do que de um grande ecrã, mesmo que ultrafino, é que tem de ter espaço para se espraiar e ler e portabilidade. Não cabe num telemóvel, e não cabe num ecrã de computador que não necessita na maioria das suas funções de tanto espaço como a página dupla aberta de um jornal.

O seu grafismo mudará, a partir do modelo clássico do jornal, mas incorporará o grafismo dos sítios em rede, como aliás já acontece com o grafismo da rede a influenciar o grafismo dos livros, jornais e revistas e publicidade. Posso partir do princípio de que esse jornal terá o mesmo tamanho do Público e do Diário de Notícias, cujas qualidades ergonómicas permitem que se possa ler nos mesmos sítios onde hoje se lê um jornal, no carro, na cama, numa cadeira, num autocarro. E que se possa levar debaixo do braço ou numa pasta.

5. Até aqui, o papel electrónico foi mais papel de plástico do que electrónico, mas a verdadeira revolução dos jornais virá do electrónico, ou seja, do conteúdo em linha e do hipertexto. Começa logo no facto de todas as vantagens do ecrã e da ligação em linha estarem presentes, tornando o papel vivo: os que lêem mal podem alterar o tipo de letra, os cegos podem ouvir o jornal, e nesse jornal não se lerá apenas, pode-se ouvir sons e ver filmes, pode-se procurar palavras-chave, ler artigos para que remete uma bibliografia, seguir ligações em linha na rede. O hipertexto acelera a integração de todos os fluxos digitais, numa só estrutura de "leitura". O papel vivo pode ser lido por contacto na página, como no iPhone, ou nos ecrãs sensíveis e por isso, desde a simples função de folhear as páginas, até ao acesso aos arquivos, à sequência de notícias, a canais em directo de televisão, tudo se poderá fazer a partir de uma estrutura que será essencialmente voltada para informar, analisar, debater, como é suposto serem os jornais. Todos os actos simples que se fazem com um jornal, preencher as palavras cruzadas, responder a um anúncio, escrever uma carta à redacção, marcar um artigo e recortá-lo, deitar fora um suplemento que não se deseja, estão presentes.

6. Este jornal ideal acabará com a distinção entre o jornal em papel e o jornal em linha, mas essa mudança não se fará apenas pela hegemonia do jornal em linha, mas pela valorização de um contínuo que incorpora o mecanismo fundamental que os distingue: o hipertexto. O que está a gerar a crise do jornal de papel é a sua impossibilidade de incorporar hipertexto, ou seja, de comunicar com todos os outros fluxos de informação que um jornal em linha pode utilizar: som, vídeo, arquivo, leitura em volume típica do hipertexto propriamente dito, tempo real.

Um exemplo: um artigo sobre a actual campanha do aborto nesse jornal do futuro conterá a notícia da novidade que foi a utilização utilização dos vídeos no YouTube e conterá os vídeos de Marcelo Rebelo de Sousa e do Gato Fedorento. O leitor poderá ler sobre eles e ter de imediato disponível toda a informação em que se baseia o jornalista. Quando, ao lado, estiver um artigo de crítica ou um comentário, quem o escreve terá que o fazer com muito mais rigor e precisão, com valor acrescentado, porque o leitor que o lê dispõe da mesma informação em bruto que tem o jornalista ou o crítico. No final, os textos, as análises, as fontes, os números, as opiniões, fornecem o tipo-ideal da informação: matéria prima noticiosa, mediação e opinião plural. Isto hoje só é possível num orgão de informação com o hipertexto.

O próprio conceito clássico do artigo mudará com o hipertexto. Embora este "texto" de Lawrence Lessig não seja um artigo no sentido clássico do termo, funciona como se fosse um artigo de opinião: expõe uma posição usando mecanismos que estão entre o texto, o filme, a conferência, a imagem como reforço da palavra, etc. O jornal do futuro terá artigos clássicos, e artigos deste tipo.

7. O primeiro objectivo de um jornal é informar, e um jornal em papel é um meio mais pobre para informar do que um jornal em linha. Esta é que é a chave da crise da imprensa escrita, a impossibilidade de incorporar o hipertexto. Eu próprio, ao escrever este artigo, já várias vezes tive de abandonar formas mais simples e explicativas de dizer o que quero dizer. Quando o colocar em linha, vou poder fazê-lo: incorporar imagens da Gazeta de Lisboa, do Diário de Notícias de 1945 e do papel electrónico da Plastic Logic, com ligações para os vídeos em que se percebe como se pode manipular o novo papel. Se eu colocar aqui [na edição em papel] um endereço electrónico, uma URL, ele mostrará de imediato a inadequação do meio actual: http://www.plasticlogic.com/index.php . Este “texto” não serve para ser lido como a frase anterior e não pode ser clicado. Terá que ser copiado à mão e reescrito, algo que muito poucos utilizadores intensivos da Rede farão. Eles verão o nome da companhia, Plastic Logic e colocarão o nome no Google e chegarão lá de forma que já tem muito pouco a ver com o jornal. Acima de tudo, terão que, pelo caminho, deixar o jornal de papel de lado, porque a partir daqui lhes é inútil.

8. Há também algo que tem que mudar, mas também já se percebe de modo grosseiro como tal possa acontecer: o modelo económico dos jornais, quem paga os jornais e como, para estes sobreviverem como empresas que são. Deixo de lado o facto de a edição em papel ser por si só muito cara e para, uma outra ocasião, as mudanças na produção jornalística que a “vida” do papel electrónico trará a redacções e aos jornais como organização. A aparição de produtoras de textos, reportagens, análises, de material para os jornais, será uma consequência da desadaptação de redacções muito grandes, pouco flexíveis e muito caras ao modelo do jornal do futuro. Como já existe para o audiovisual, haverá um novo mercado de “textos” (e de imagens, vídeos, sons, etc.) dando uma outra dimensão ao jornalismo freelancer e será um caminho que pode mudar o tamanho gigantesco que atingiram as redacções, com os enormes custos associados.
Mas o modelo económico do jornal do futuro estará na Rede. Na Rede, os grandes percursores dos pagamentos em linha não foram os bancos, nem as instituições financeiras, mas os sítios pornográficos. Eles precisavam de meios fáceis, simples, seguros e quase anónimos de pagamento e desenvolveram mecanismos que depois a Amazon, a Ebay e a Paypal utilizaram. Há investigações em curso para encontrar meios fáceis (que não exijam sequer um clic suplementar) e seguros para pagamentos muito diferenciados, incluindo sistemas de “pay-per-view” quase nominais, um cêntimo por exemplo, para o consumo de todas as partes do jornal em linha, que não incorporam muito valor acrescentado. Mesmo numa Rede que tem uma cultura da gratuitidade, estes pagamentos nominais podem obter aceitação generalizada no acesso a sítios profissionais e empresariais que “vendem” um produto único e de necessidade. Uma das formas de combater a pirataria nas músicas e nos filmes foi tornar os produtos digitais muito mais baratos do que o que eram, e, com a crescente centralidade da Rede em todas as actividades, o mercado de massas será aí.

Um artigo do New York Times sobre o problema do "pay-per-view" a partir da situação do próprio jornal em que "the number of people who read the paper online now surpasses the number who buy the print edition."

Esta mudança nos pagamentos, reflectir-se-á a prazo na publicidade e dependerá, como nas bancas, em última razão, das “vendas”, das “audiências” e dos públicos especializados. Na rede é possível fazer uma diferenciação de públicos muito mais certeira do que no jornal em papel e as formas de publicidade, que muito embrionariamente estão a surgir à volta do Google, mostram caminhos novos.

9. Será por aqui que os jornais irão e, se quiserem sobreviver, deverão pensar-se desde já no modelo do futuro mais próximo, para onde já estão, sem se aperceberem, a migrar. É por aqui que eu parto para analisar o presente, porque, utilizando-se este método de aproximação, verifica-se que muita coisa que se pode fazer desde já não está a ser feita. Ou seja, se eu tivesse de analisar como se devem mudar os jornais actuais, em particular os que pretendem manter o estatuto "de referência", eu pensava-os essencialmente a partir da pergunta: o que é que eu posso fazer desde já na combinação jornal de papel com versão em linha, para os fundir cada vez mais, aproveitando as vantagens de cada um dos meios e tentando minimizar as desvantagens que existem em cada um deles. Uma coisa eu não faria de certeza: era pensar os jornais em papel para "competir" com os meios electrónicos, jornais em linha, sítios e blogues, pela simples razão de que essa competição está perdida a prazo. Eles têm hipertexto, o papel não tem. Ponto final, por aí não há competição.

(No artigo seguinte farei a aplicação deste modelo: como é que desde já os jornais em papel - em complemento com a versão em linha, que quase todos têm - podem evoluir para maximizar tudo o que os aproxima deste jornal do futuro. É muito mais do que se pensa, e mudará profundamente a organização, métodos de trabalho, preparação, o "tempo e o modo" dos jornalistas. Mas continuará a ser jornalismo.)

(A partir da versão do Público de 24 de Fevereiro de 2007)

*
1. Parece evidente que o futuro da imprensa escrita passará, inevitavelmente, pelas soluções electrónicas emergentes;

2. O salto que (...) visiona, para uma solução do tipo da "Plastic Logic", pode ser uma entre muitas soluções, embora os timings que propôs me parecem muito apertados. De facto dentro de cinco anos não me parece que aquela tecnologia possa estar suficientemente testada, evoluída e disseminada pelo mercado, com capacidade para substituir os actuais suportes impressos. Além disso, a emergência dessas tecnologias fará com que o número de leitores ainda diminua mais, tendo em conta que a capacidade económica será um factor de selecção, aliada ao acesso e manuseamento da tecnologia. Nesse contexto, dificilmente teríamos o jornal no café, um dos locais onde, hoje em dia, é mais lido.

3. A própria filosofia do jornal teria que mudar muito. Depois do jornal que morre e nasce a cada dia que passa, teríamos o jornal que nunca morre mas que se transforma a cada minuto; o sistema de venda da informação também seria radicalmente alterado, eventualmente para o sistema de assinatura on-line.

4. Para um futuro próximo, crieio que a melhor solução para a imprensa escrita, que está a ser fortemente condicionada pelos media on-line, poderia ser uma maior articulação e complementaridade escrito/on-line, com jornais em papel mais leves e sintéticos, ao nível das necessidades e tempo de leitura actuais, complementado com a informação no digital, com desenvolvimentos, dossiers, disponibilização de links utilizados como fontes, multimedia (imagem, audio e filme), ou seja, tornar o impresso e o digital um pacote que contém um produto informativo. Á grande novidade poderia residir no modo de acesso ao on-line, que deveria ser codificado, apenas disponível durante 24 horas para os utilizadores que tenham adquirido a versão impressa, onde seria fornecido um código de duração limitada.

(João Carlos Gonçalves)

*

O seu artigo é bastante interessante, mas parece-me que peca por um vício de raciocínio - tenho para mim que uma boa parte das pessoas que compram um Jornal o fazem por uma questão sentimental, e não por um motivo meramente informativo.
O ritual, o cheiro, o dividir em várias partes com diferentes utilizadores e utilizações.
Claro está que, sendo uma questão sentimental, se pode mudar alterando os sentimentos - mas não me parece que tal aconteça em grande escala.
E, neste sentido, a versão papel e a versão "electrónica" serão concorrentes.

Eu continuarei a ler os jornais electrónicos no meu computador, e a comprar na minha tabacaria de bairro a versão papel. Que lerei num café ou esplanada; e que, terminado, oferecerei amavelmente ao anónimo vizinho da mesa ao lado, não sem antes ter rasgado uma indicação de um restaurante onde nunca irei, e que transportarei na minha carteira por várias semanas, até ir parar ao lixo na "limpeza" mensal da mesma.

A versão electrónica será mais funcional, mas felizmente já vivemos num estágio de desenvolvimento tal que, em muitas situações, podemos dar-nos ao luxo de por o emotivo à frente do racional! E haverá mercado para ambos - a não ser que o electrónico acabe por abafar o outro - o que não seria desejável.

(Pedro Pereira)

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