ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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25.2.07
PENSAR OS JORNAIS - 2 (Devido à sua extensão o artigo não pode ser publicado integralmente no jornal. As partes em vermelho foram cortadas e são aqui repostas.)1. O exercício que se fará a seguir é o de pensar num jornal ideal a partir do que é um jornal de hoje e das possibilidades tecnológicas que o podem moldar num período de cerca de uma década. Esse jornal do próximo futuro será reconhecível como um jornal, da mesma maneira que a Gazeta de Lisboa pode ser reconhecida ainda nos dias de hoje como um jornal. Não estou a falar de qualquer coisa exótica, nem sequer revolucionária, mas de um jornal, mantendo o núcleo de identidade de um órgão diário (ou semanário) assente no acto de ler, pelo qual se obtém informações, notícias, análises, comentários, críticas sobre a realidade do mundo à nossa volta. Dentro desta definição, muita coisa pode mudar, a ênfase pode ser colocada no político, no cultural, no social, o texto pode ser factual ou de creative non-fiction, privilegiar histórias ou estórias, ter mais ou menos opinião, dirigir-se a públicos eruditos ou populares, ter causas ou não ter, etc., etc., mas todas estas modalidades cabem numa concepção comum de jornalismo. 2. Não custa muito pensar no jornal ideal, nem são necessários exercícios de futurologia ou de ficção científica. O jornal ideal que refiro será possível em meia dúzia de anos, incorporando tecnologias já existentes, mas ainda experimentais e caras. Será apenas uma questão de tempo, e pouco tempo, até este jornal existir e não será em papel, mas em "papel" electrónico. O jornal do próximo futuro poderá ter apenas uma folha dupla aberta, de plástico, do tipo dos que hoje a Plastic Logic produz, pesará cerca de 100 gramas e o texto que terá será um texto electrónico, transmitido em wireless e mudando durante o dia. O jornal poderá ter uma estrutura diária e partes que não são diárias, mas o fluxo noticioso será isso mesmo, um fluxo contínuo. Uma experiência deste tipo, ainda muito rudimentar, é a do jornal de negócios belga De Tijd usando um leitor chamado iLiad, tecnologia da Philips. Sobre e-paper ver E-paper et encre électronique : les habitudes de lecture commencent à changer.3. Um jornal deste tipo não é apenas um ecrã portátil, mas uma folha de papel electrónico com a qual se poderá fazer o mesmo que se faz hoje com o papel, menos deitá-lo fora no fim, ou usá-lo para embrulhar peixe, porque fica caro. Há apenas uma razão, para além do custo actual, para o papel electrónico não ter ainda substituído o papel: ainda há limitações técnicas na sua funcionalidade para se adaptar em pleno ao principal factor limitador das tecnologias, o corpo humano e os seus hábitos. Há certas coisas que não fazemos, ou que não é confortável fazer com os ecrãs actuais de computador e, enquanto não existir papel electrónico capaz e barato, a mutação do papel para o ecrã plástico não se fará. Quando houver, a mutação será muito rápida e o papel de impressão ficará um nicho de mercado de luxo como os relógios analógicos. 4. O jornal estará obviamente numa forma de ecrã, mas não estará preso ao computador, não será laptop, nem desktop, embora consigo vá um computador especializado e uma ligação permanente à rede. Será mais um dos múltiplos objectos que passarão a ser inteligentes porque tem um processador, software e a comunicar em rede: casas, frigoríficos, lâmpadas, roupas, automóveis, etc. Transportar-se-á como um jornal, ler-se-á como um jornal, terá a mesma resolução, ou ainda mais do que um jornal. O suporte tem de permitir o espaço que necessita um jornal, precisa de páginas e de paginação, e também aqui há considerações ergonómicas que dependem do nosso corpo, do nosso olhar. A razão pela qual o jornal ideal depende mais do papel electrónico do que de um grande ecrã, mesmo que ultrafino, é que tem de ter espaço para se espraiar e ler e portabilidade. Não cabe num telemóvel, e não cabe num ecrã de computador que não necessita na maioria das suas funções de tanto espaço como a página dupla aberta de um jornal. O seu grafismo mudará, a partir do modelo clássico do jornal, mas incorporará o grafismo dos sítios em rede, como aliás já acontece com o grafismo da rede a influenciar o grafismo dos livros, jornais e revistas e publicidade. Posso partir do princípio de que esse jornal terá o mesmo tamanho do Público e do Diário de Notícias, cujas qualidades ergonómicas permitem que se possa ler nos mesmos sítios onde hoje se lê um jornal, no carro, na cama, numa cadeira, num autocarro. E que se possa levar debaixo do braço ou numa pasta. 5. Até aqui, o papel electrónico foi mais papel de plástico do que electrónico, mas a verdadeira revolução dos jornais virá do electrónico, ou seja, do conteúdo em linha e do hipertexto. Começa logo no facto de todas as vantagens do ecrã e da ligação em linha estarem presentes, tornando o papel vivo: os que lêem mal podem alterar o tipo de letra, os cegos podem ouvir o jornal, e nesse jornal não se lerá apenas, pode-se ouvir sons e ver filmes, pode-se procurar palavras-chave, ler artigos para que remete uma bibliografia, seguir ligações em linha na rede. O hipertexto acelera a integração de todos os fluxos digitais, numa só estrutura de "leitura". O papel vivo pode ser lido por contacto na página, como no iPhone, ou nos ecrãs sensíveis e por isso, desde a simples função de folhear as páginas, até ao acesso aos arquivos, à sequência de notícias, a canais em directo de televisão, tudo se poderá fazer a partir de uma estrutura que será essencialmente voltada para informar, analisar, debater, como é suposto serem os jornais. Todos os actos simples que se fazem com um jornal, preencher as palavras cruzadas, responder a um anúncio, escrever uma carta à redacção, marcar um artigo e recortá-lo, deitar fora um suplemento que não se deseja, estão presentes. 6. Este jornal ideal acabará com a distinção entre o jornal em papel e o jornal em linha, mas essa mudança não se fará apenas pela hegemonia do jornal em linha, mas pela valorização de um contínuo que incorpora o mecanismo fundamental que os distingue: o hipertexto. O que está a gerar a crise do jornal de papel é a sua impossibilidade de incorporar hipertexto, ou seja, de comunicar com todos os outros fluxos de informação que um jornal em linha pode utilizar: som, vídeo, arquivo, leitura em volume típica do hipertexto propriamente dito, tempo real. Um exemplo: um artigo sobre a actual campanha do aborto nesse jornal do futuro conterá a notícia da novidade que foi a utilização utilização dos vídeos no YouTube e conterá os vídeos de Marcelo Rebelo de Sousa e do Gato Fedorento. O leitor poderá ler sobre eles e ter de imediato disponível toda a informação em que se baseia o jornalista. Quando, ao lado, estiver um artigo de crítica ou um comentário, quem o escreve terá que o fazer com muito mais rigor e precisão, com valor acrescentado, porque o leitor que o lê dispõe da mesma informação em bruto que tem o jornalista ou o crítico. No final, os textos, as análises, as fontes, os números, as opiniões, fornecem o tipo-ideal da informação: matéria prima noticiosa, mediação e opinião plural. Isto hoje só é possível num orgão de informação com o hipertexto.
8. Há também algo que tem que mudar, mas também já se percebe de modo grosseiro como tal possa acontecer: o modelo económico dos jornais, quem paga os jornais e como, para estes sobreviverem como empresas que são. Deixo de lado o facto de a edição em papel ser por si só muito cara e para, uma outra ocasião, as mudanças na produção jornalística que a “vida” do papel electrónico trará a redacções e aos jornais como organização. A aparição de produtoras de textos, reportagens, análises, de material para os jornais, será uma consequência da desadaptação de redacções muito grandes, pouco flexíveis e muito caras ao modelo do jornal do futuro. Como já existe para o audiovisual, haverá um novo mercado de “textos” (e de imagens, vídeos, sons, etc.) dando uma outra dimensão ao jornalismo freelancer e será um caminho que pode mudar o tamanho gigantesco que atingiram as redacções, com os enormes custos associados. Um artigo do New York Times sobre o problema do "pay-per-view" a partir da situação do próprio jornal em que "the number of people who read the paper online now surpasses the number who buy the print edition." Esta mudança nos pagamentos, reflectir-se-á a prazo na publicidade e dependerá, como nas bancas, em última razão, das “vendas”, das “audiências” e dos públicos especializados. Na rede é possível fazer uma diferenciação de públicos muito mais certeira do que no jornal em papel e as formas de publicidade, que muito embrionariamente estão a surgir à volta do Google, mostram caminhos novos. 9. Será por aqui que os jornais irão e, se quiserem sobreviver, deverão pensar-se desde já no modelo do futuro mais próximo, para onde já estão, sem se aperceberem, a migrar. É por aqui que eu parto para analisar o presente, porque, utilizando-se este método de aproximação, verifica-se que muita coisa que se pode fazer desde já não está a ser feita. Ou seja, se eu tivesse de analisar como se devem mudar os jornais actuais, em particular os que pretendem manter o estatuto "de referência", eu pensava-os essencialmente a partir da pergunta: o que é que eu posso fazer desde já na combinação jornal de papel com versão em linha, para os fundir cada vez mais, aproveitando as vantagens de cada um dos meios e tentando minimizar as desvantagens que existem em cada um deles. Uma coisa eu não faria de certeza: era pensar os jornais em papel para "competir" com os meios electrónicos, jornais em linha, sítios e blogues, pela simples razão de que essa competição está perdida a prazo. Eles têm hipertexto, o papel não tem. Ponto final, por aí não há competição.(No artigo seguinte farei a aplicação deste modelo: como é que desde já os jornais em papel - em complemento com a versão em linha, que quase todos têm - podem evoluir para maximizar tudo o que os aproxima deste jornal do futuro. É muito mais do que se pensa, e mudará profundamente a organização, métodos de trabalho, preparação, o "tempo e o modo" dos jornalistas. Mas continuará a ser jornalismo.) (A partir da versão do Público de 24 de Fevereiro de 2007) * 1. Parece evidente que o futuro da imprensa escrita passará, inevitavelmente, pelas soluções electrónicas emergentes; Etiquetas: comunicação social, jornalismo (url)
© José Pacheco Pereira
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