ABRUPTO

26.2.07


COISAS DA SÁBADO: LINHA DO TUA

http://aptus.gotdns.org/nml/admin/conteudos/screenshots/687.jpgPoucos sítios mantêm a paisagem natural rude e agreste, bela ao modo do “terrível”, do que os vales dos afluentes do Douro, rio de montanha rodeado por rios de montanha, que fizeram o seu leito cavando rochas e não espraiando-se por terras baixas irrigadas. O vale do Tua é um desses casos de beleza, ignorado, perdido, numa parte de Portugal que a maioria dos portugueses nem sabe que existe.

Mas, não tenhamos ilusões, a sua beleza selvagem só tem uma explicação, a de não ter havido até agora nenhum negócio rapace que tornasse o vale numa selva de empreendimentos e as cumedas em enxames de eólicas. É natural que este seja o desejo dos locais, que precisam de emprego, negócio, comércio e riqueza e que, como, uma vez, me disse um velho de um desses locais pristinos, “não percebo porque gosta disto, são só montes, estamos fartos de só ver montes, que interesse têm?”. A verdade é que se for assim, nem o pouco que têm em potência vai sobrar em acto. Gastar-se-á em meia dúzia de anos. .Porque o nosso problema é que passamos sempre do oito para o oitenta, do nada miserável do atraso, para o novo riquismo da combinação construção-turismo barato subsidiado-obras públicas.

E no meio do caminho da sua vida, como Dante à entrada do Inferno, lá continuará o vale do Tua, com a sua linha de “metro” que transporta meia dúzia de pessoas ao dia, de lado nenhum para lado nenhum, num sítio tão remoto e deserdado de tudo menos da beleza, que nem um responsável dos comboios achou necessário ir lá para honrar os seus mortos, os mortos da empresa que “gere”. Retirado o último morto das águas, o silêncio voltará, se calhar também já sem o “metro” de Mirandela.

*
O seu post s/ o Tua e o Douro fez-me lembrar a velha anedota s/ a diferença entre o inferno p/ turistas e o inferno p/ residentes. O campo, a montanha, os vales, etc. são muito bonitos p/ quem não tem que tirar deles o seu sustento e está farto da correria (para ganhar o pão) da cidade. Para quem lá vive todos os dias (“viver todos os dias cansa”), tem que de lá tirar o seu sustento (muitas vezes c/ trabalhos fisicamente duros e de resultados muito dependentes das condições climatéricas), tem muito pouco p/ ver ou fazer ao nível do lazer / cultura / consumo (onde estão cinemas, teatros, livrarias, cafés- concerto, etc, etc.? e até os centros comerciais? Não sei se ainda há mas nos idos de 80/90 havia excursões da província p/ visitar os grandes centros comerciais) e difícil acesso a alguns serviços básicos (saúde, educação,
outros) o campo é muito pouco bucólico. Naturalmente a solução não passa por “algarvizar” o país que ainda não está “algarvizado”. Por exemplo o “turismo rural” tem permitido manter a paisagem, complementar actividades agrícolas, criar condições p/ um turismo de qualidade e oportunidades de emprego quer directamente nas unidades de turismo rural quer ao nível de alguns produtos regionais (gastronomia, doçaria, tapeçaria, cerâmica, etc).

Termino relembrando um comentário que li há uns anos quando em Berlim um antigo hotel da Ex-Alemanha de Leste re-abriu reproduzindo as características “originais” (decoração de propaganda comunista, controlo documental por funcionários fardados a rigor, etc) “uma coisa do velhos tempos não pode ser mantida, as condições higiénicas, porque nesse caso as autoridades sanitárias não permitiriam a abertura”. Felizmente há certas coisas “tradicionais” que a evolução faz desaparecer para sempre.

(Miguel Sebastião)

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]