ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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31.8.13
O NAVIO FANTASMA (35): O PENSAMENTO DÉBIL DOS QUE MANDAM, TORNADO VULGATA PELA IMPRENSA
e
A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração. E, nalguns casos, de respiração assistida.
"Sobe e Desce" do Diário Económico:
Deve ler-se assim:
1. Constitucional
bloqueia [não é a lei, nem a Constituição, é o Tribunal, e o uso do verbo "bloquear" também não é neutro, é valorativo]
2. a reforma do Estado [rótulo governamental para despedimentos na função pública reproduzido acriticamente pelos jornalistas pelo seu valor facial, ou seja, manipulatório]:
3. O Tribunal Constitucional, liderado por
Joaquim Sousa Ribeiro, [convém apontar o nome à turba, para a coisa ser bem pessoalizada]
4. chumbou a possibilidade de despedimentos na Função Pública para quem
entrou para o Estado antes de 2008.
5. Mais do que um problema para o
Governo, o Tribunal criou um problema para o País, uma vez que bloqueou a
reforma do Estado. [ideologia pura e repetição de propaganda governamental]
In a nutshell, (eles gostam de inglês), está cá tudo. Como de costume, uma das forças do poder em Portugal é impor as ideias, a linguagem, "mensagens" e manipulações, usando a debilidade do pensar da comunicação social.
(url) (url) 30.8.13
O NAVIO FANTASMA (34): O NADA (GOVERNAÇÃO) E O TUDO (INTERESSES)
O governo que está em férias,- coisa que toda a gente acha normal mesmo em plena crise,- usa as férias do Tribunal Constitucional para acicatar o revanchismo social e vingar-se da decisão sobre os despedimentos da função pública. (Sim eu recuso chamar "requalificação" ou "reforma do estado" a um programa de despedimentos, que colocaria os trabalhadores da função pública numa situação sem quaisquer direitos, nem sequer os que têm qualquer trabalhador privado.)
As férias do governo estão bem patentes nos comunicados do Conselho de Ministros, onde o nada convive com coisa nenhuma ( no último aprovou-se o "regime jurídico das medidas
necessárias para garantir o bom estado ambiental do meio marinho até
2020, transpondo uma diretiva comunitária
(a diretiva-quadro«Estratégia marinha»), que estabelece o quadro de
ação no domínio da política para o meio marinho"; delegou-se ." no Ministro do Ambiente, Ordenamento do
Território e Energia a competência para executar os atos necessários a
realização da despesa, já
autorizada, com a aquisição de serviços de remoção de resíduos
perigosos depositados nas escombreiras das antigas minas de carvão de
São Pedro da Cova, em Gondomar" e "aprovou as nomeações do diretor clínico na área
hospitalar, do diretor clínico na área dos cuidados de saúde primários e
de um vogal executivo
para o conselho de administração da Unidade Local de Saúde de Castelo
Branco, E.P.E." Há depois uma medida de conjuntura, que tem a ver com os bombeiros, e que nunca esteve pensada e preparada como se percebe se não fossem os fogos e as mortes. E a abertura de "um procedimento extraordinário de realização do estágio e do exame para o acesso à atividade de administrador judicial", o que tem a ver com o número de falências em curso.
E quando não é assim, é pior. Nos processos de privatização cuidadosamente entregues à partida às mãos seguras dos "amigos", consultoras financeiras, escritórios de advogados, "comissões de acompanhamento", num terreno fechado em que ninguém de fora entra, Onde há dinheiro para ganhar, todo o terreno está marcado com antecedência, para "sempre os mesmos", alguns dos quais são dos mais activos defensores do governo na televisão. Pode haver concursos, pode haver consultas, pode haver tudo. Nos "meios", todos sabem com antecedência para onde vão as coisas. A isso se chama, em doubletalk, "transparência".
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SÍRIA
A Síria é hoje o terreno mais minado para a manipulação dos factos. Regime e oposição (oposições), aliados e inimigos, participam interesseiramente numa campanha de desinformação destinada a justificar e permitir acções favoráveis a um ou outro lado.
Bashar al-Assad é um ditador cruel e assassino. Se precisar de utilizar, em desespero de causa, armas químicas, utiliza sem hesitações. Os grupos de oposição a Assad são cruéis e assassinos. Se precisarem de provocar um ataque químico (eles têm armas químicas) para instigar uma intervenção internacional, num momento em que militarmente estão quase derrotados, utilizarão as armas sem qualquer hesitação. Se tivessem armas nucleares também as usariam.
A França, os EUA, o Reino Unido sabem disso muito bem. Tem os seus serviços no terreno e “conselheiros” especiais junto de alguns grupos da oposição síria. Se Assad usou as armas químicas, iranianos e russos, sabem muito bem se tal é verdade ou não, porque também estão presentes no terreno. E não é num escritório com ar condicionado numa zona segura de Damasco. Ou seja, todos sabem, menos nós. Nós somos a carne de canhão da “opinião pública” destinada a legitimar o apoio a um ou a outros. Para nós, sobra o outro lado da guerra, o da desinformação, hoje tão fácil de fazer usando as redes sociais, filmes de telemóvel que não se sabe se são verdadeiros ou não, mas circulam. Imagens fortes destinadas a obter ganhos nas opiniões públicas são distribuídas com a menção em letras pequenas de que “não houve verificação independente”. Os jornalistas e os militantes de todas as causas simplificam e arranjam bons e maus, para ajudar á mobilização. Veja-se a Líbia, ou, para outros gostos, o Iraque. A França, que ainda acha que a Síria está na sua área de influência depois de a ter reivindicado na partilha do império otomano com o argumento dos reinos normandos das cruzadas, quer intervir, mas não tem meios. Precisa do Reino Unido e dos EUA, em que há também vontade de intervir para limitar geopoliticamente uma Rússia que, cada vez mais, assume a política soviética e pôr na ordem o Irão.
Podemos tentar aplicar a racionalidade. Assad sabe que as armas químicas são a “linha vermelha”, alguém tem que fazer alguma coisa para que essa “linha” seja ultrapassada. Assad na actual situação militar, que lhe é favorável, não precisa de usar armas químicas. Pelos vistos dizem que ele as usou, certamente para provocar sem necessidade uma resposta militar, nem que seja apenas punitiva. Racionalmente seria uma imbecilidade, mas é possível.
Do lado dos grupos da oposição, também se sabe que a “linha vermelha” são as armas químicas, logo a racionalidade é fazer uma provocação qualquer para comprometer o regime e forçar a mão de americanos, franceses e ingleses. Os civis não contam para nada. Racionalmente seria assim, mas neste lado do mundo a crueldade absoluta anda à solta.
Vamos continuar a ver na televisão.
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PREÇOS DA COBARDIA (3): NÃO HÁ RESPOSTAS TECNOCRÁTICAS
Estes conflitos não têm resposta tecnocrática, aquela para que o poder central se pode inclinar, encontrando critérios vagos e genéricos para decidir da localização da nova junta comum. A realidade local inclui factores que não são facilmente redutíveis a critérios objectivos. O mais importante é a história, essa coisa intangível para os tecnocratas, mas que pesa muito. Para além disso, a proximidade geográfica, ou a demografia, pode não reflectir os “locais centrais” da actividade económica e as deslocações das populações, assim como os equipamentos sociais e culturais são vistos como pertencendo a uma localidade e não a outra, tanto mais que muitos, dos mais antigos, resultam da contribuição das pessoas e de mecenas locais.
Se os tempos fossem de abundância, estes problemas seriam minimizados pela consciência de que uma localidade não iria perder muito, perdendo a sede da freguesia. Na actual situação, em muitos casos com populações idosas e sem transportes, é uma verdadeira quebra imediata da qualidade de vida. Ao adiar-se esta decisão que deveria ser coincidente com a fusão das freguesias, transportou-se o problema para o terreno eleitoral, o que é dador de legitimidade e factor de mobilização, para os grupos que participarão na competição. Semeou-se assim, pela cobardia, um fogo pelas searas secas.
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PREÇOS DA COBARDIA (2): DECISÕES ADIADAS E CONFLITOS
Ambas as decisões são aquelas que vão de facto materializar a fusão e, quer uma quer, outra mexem com poder de facto. No nome, o poder é simbólico, mas já houve cenas de pancadaria para decidir se uma barragem se chamava Crestuma ou Lever, e há mortos na história recente dos conflitos locais. Ora não é de prever que a solução provisória, a medo também, que deu origem a nomes como União das Freguesias de Santa Iria da Azóia, São João da Talha e Bobadela, possa subsistir muito tempo. Apenas em Lisboa, que fez o processo a tempo e sem a pressão de dar alguma coisa à troika, esse problema foi resolvido.
Depois, há a mais complicada das decisões, a relativa à sede da freguesia. Esta é uma questão muito delicada visto que, com a desertificação do país de correios, serviços administrativos, tribunais, postos de saúde, a localização da sede da freguesia numa área que era antes ocupada por duas ou várias freguesias significa uma perda de qualidade de vida nas freguesias que ficam sem junta aí localizada. As juntas de freguesia ainda são uma das raras fontes de serviços, efectivamente próximos das pessoas, e que as ajudam a preencher os papéis dos impostos, a guardar o correio, a executar algumas tarefas burocráticas e a cuidar da “terra”.
O resultado destes adiamentos cobardes é que, em muitas freguesias fundidas, as listas, em particular as listas de independentes, são expressão encapotada de grupos de uma junta extinta contra outra, esperando os seus proponentes que a vitória eleitoral lhes dê vantagem na decisão a posteriori quanto à localização da sede da freguesia. Isso transporta um intenso e muitas vezes agressivo localismo para a decisão eleitoral, ultrapassando as divisões ideológicas e partidárias, fazendo votar aldeias e vilas umas contra as outras e tornando o resultado eleitoral numa “vitória” não de pessoas, partidos ou sensibilidades locais mas num conflito local. Os efeitos no dia seguinte aos resultados eleitorais são imprevisíveis, mas há pessoas tratadas de “traidores” quando participam em listas entendidas como sendo da “outra” antiga freguesia, agora vista como inimiga.
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PREÇOS DA COBARDIA (1)
Um exemplo típico da cobardia política dos governantes é o que se está a
passar nas freguesias. As freguesias têm menos interesse para os media
sediados em Lisboa porque não estão, na sua esmagadora maioria, no Portugal
que vem na comunicação social. As excepções são os incêndios e as festas
com o Quim Barreiros no Verão, e as feiras gastronómicas de “petiscos”
locais, para preencher a silly season. A vida política, social,
cultural, religiosa, a nível da divisão administrativa mais próxima das
pessoas e que conheceu uma profunda transformação no último ano com a
fusão de freguesias, faz parte daquele Portugal ignorado a não ser
quando um qualquer conflito maior ai nasce. Uma das razões da crise dos
media é também essa, em particular da imprensa, a ignorância, quando não
o desprezo, pelo Portugal onde vivem milhões, fora das cidades e que
são tratados como paisagem.
Ora, esse Portugal vai dar mais que falar do que se imagina, devido ao facto das fusões de freguesias serem apenas uma realidade de papel que ainda não teve reflexos na realidade local. Mas, com as eleições autárquicas, isso vai-se alterar e o enorme potencial do conflito dessas fusões em muitas freguesias já se está a manifestar no processo eleitoral. Os decisores da fusão das freguesias, – uma medida destinada a enganar a troika para ocultar a não execução da fusão de concelhos, essa sim que vem no memorando – sabiam que se tomassem duas decisões lógicas, mas perigosas, antes das eleições isso iria causar certamente muitas perturbações no processo eleitoral. Essas decisões são duas: o nome e a sede da nova freguesia. E adiaram-nas por cobardia. (url)
EARLY MORNING BLOGS
2348 - ...misery
acquaints a man with strange bedfellows.
Trinculo:
Legg'd like a man! and his fins like arms! Warm, o' my
troth! I do now let loose my opinion, hold it no longer: this is no
fish, but an islander, that hath lately suffer'd by a thunder-bolt.
[Thunder.]
Alas, the storm is come again! My best way is to creep
under his gaberdine; there is no other shelter hereabout: misery
acquaints a man with strange bedfellows. I will here shroud till the
dregs of the storm be past.
(Shakespeare)
(url) 16.8.13
“TIREM AS MÃOS DO NOSSO ROCHEDO”
Uma das razões pelas quais a União Europeia não pode ter o upgrade político que os engenheiros utópicos do europeísmo desejam é porque, como velho continente, - muita guerra geopolítica, nacional, e civil durante muitos séculos, muitas raças, culturas, tradições “história” hard, - só com muita prudência se pode avançar sem retirar debaixo do tapete um dos múltiplos conflitos nacionais que lá estão escondidos. Um desses, o “rochedo” inglês em território espanhol, está de novo a aquecer os ânimos entre o Reino Unido e a Espanha, motivando uma florida retórica bélica do Presidente da Câmara de Londres. Espanha que, por sua vez, têm umas possessões em Marrocos, de que também não quer ouvir falar que não são “espanholas”. Se começarmos por Portugal, estamos em perfeita felicidade, porque Olivença se bem que não inteiramente “resolvida”, não excita ninguém a não ser o seu Grupo de Amigos. Mas, caminhando para dentro da Europa, temos as “nacionalidades” espanholas, em particular o País Basco e Catalunha, depois a Córsega, o Reino Unido às voltas com a independência da Escócia e com a ferida do Ulster, a Itália com o pequeno problema do Trentino- Alto-Ádige e o grande problema da Lega Nord. Quanto mais para o centro leste da Europa, pior. Temos a pilha explosiva das Balcãs, de que nem vale a pena falar, a fronteira greco-turca no Mar Egeu, o Epiro entre a Grécia e a Albânia e a Macedónia (perdão FYROM, “antiga república jugoslava da Macedónia”, nome oficial), a Moldávia dividida, as múltiplas leis que após a II Guerra limitaram os direitos de propriedade alemães na República Checa, na Dinamarca, na Polónia, toda a complicada fronteira da Federação Russa, não sustentada em acordos internacionais mas apenas acordos temporários, de Spitzberg no Ártico, passando pelo enclave de Kaliningrado, à Ossétia na Geórgia.
Com excepção habitual dos Balcãs e do Cáucaso, a maioria dos conflitos estão naquilo que se chama “baixa intensidade”, mas estão lá. Nenhum desapareceu, alguns estão em crescendo, como se vê com o “rochedo”, ou com a rejeição da Alemanha na Grécia, que vai buscar as memórias da guerra e da ocupação. A União Europeia e a OSCE têm tido um papel positivo em evitar muita conflitualidade, mas esta situação devia ser sempre um sinal de prudência para as aventuras da criação utópica de uns “Estados Unidos da Europa”, que meia dúzia de burocratas e governantes, mais bruxelenses do que nacionais, pensam que se pode fazer escrevendo bonitas palavras num papel.
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PRESIDENCIAIS NA SILLY SEASON
As Presidenciais têm uma especial tendência para voltar na silly season. Como as coisas que se passam a sério, como os cortes nas reformas, são demasiados sérios para serem silly, as grandes manobras de longo prazo podem desenvolver-se debaixo do calor estival, propenso a inflamar as meninges. E parece que o lugar está a saldo, tantos candidatos aparecem: Marcelo Rebelo de Sousa (candidatura patrocinada por si próprio e pelas sondagens), Durão Barroso (candidatura patrocinada por si próprio e pelo seu grupo no PSD), Santana Lopes (candidatura patrocinada por si próprio e pelo seu grupo no PSD), Assunção Esteves (candidatura sugerida por cenários), António Guterres (candidatura proposta por Marcelo Rebelo de Sousa), António Costa (candidatura sugerida pelas sondagens, pelos amigos de Seguro, por Marcelo Rebelo de Sousa e por cenários), José Sócrates (candidatura sugerida pelos seus inimigos e pelos seus fãs, ambos com a mesma intensidade), Sampaio da Nóvoa (candidatura sugerida pela esquerda entre o PS e o BE), etc., etc.
O trio do PSD, Marcelo, Barroso e Santana, é o mais activo nos preliminares, essencialmente marcando o terreno uns aos outros, e, se estivermos atentos às suas falas, mas acima de tudo aos seus silêncios, as manobras de posicionamento são evidentes. Dada a natureza das personagens e ao facto de todos terem eleitorados potenciais muito próximos, será uma luta feia, demasiado corpo a corpo para não fazer estragos. Todos se conhecem bem demais e todos têm uma história comum. Não vai ser bonito de ver.
Estas são as candidaturas que nascem nos partidos ou estão no meio político-comunicacional. Depois há que esperar um surto de independentes, alguns dos quais podem fazer estragos porque o populismo aguça demasiados apetites. E o populismo não é difícil nestes tempos de fácil demagogia. Também não vai ser bonito de se ver. (url) (url) 15.8.13
(url) 13.8.13
APRENDER COM GUERRA JUNQUEIRO
Um povo imbecilizado e
resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga,
besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de
misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em
catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem
para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e
guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo
misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de
lagoa morta. (...)
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas. Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar. (url) 10.8.13
O NAVIO FANTASMA (32): NÃO HÁ FOME QUE NÃO DÊ EM FARTURA
Antes, dizia-se, o problema do governo é que não "comunicava". Agora, diz-se, o problema do governo é que "comunica" demais. Como se sabe nunca fui dessa escola da "comunicação", que tem muitos mentores em comentadores e jornalistas que repetem este argumento, poupando assim a substância das políticas a favor da coreografia.
Na verdade, nem é uma coisa nem outra. O problema nunca foi o de "comunicar", mas da qualidade da política. Se a política é má não há "comunicação" que a salve. Mesmo o que "comunica" a seu favor segue pelos piores caminhos, os da demagogia, do fascínio do poder, da ignorância mútua e do acantonamento social de jornalistas e políticos nas mesmas experiências, vida, "cultura". E já "comunica" demais, usando as fragilidades da comunicação, o mimetismo dos defeitos dos políticos nos defeitos dos jornalistas. Que são muitos, até porque com o downgrade da governação ficam cada vez mais parecidos, "jotas" e jornalistas, deputados e jornalistas, "fontes" e jornalistas, assessores e jornalistas, agências de comunicação e jornalistas.
O que é que significa dizer que a política é má? No caso actual, é uma combinação de ideologia colada a cuspo; incompetência e ignorância; ideias superfíciais atiradas de forma experimental; indiferença perante o sofrimento alheio; hostilidade à maioria dos portugueses que são pecaminosos do lado do "estado", dos subsídios, do "viver acima das suas posses"; más pessoas e mal escolhidas; falta de ética; propensão para a manipulação e a mentira; muitos aprendizes de feiticeiro e muitos sapateiros a ultrapassarem a sua sandália. Tudo junto, explica tudo.
Há gente séria e capaz no governo? Há, há gente que se esforça por fazer o melhor pelo seu país, que sabe da sua área de governação, que mostra moderação e senso e que não precisa das piruetas da "comunicação" para ser reconhecidos como são. Só que não mandam e tem estado calados demais. Ora, o silêncio, a acedia, é um pecado mortal. (url)
EARLY MORNING BLOGS
2345
Tempus edax rerum.
(Ovídio)
HOJE NO
ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE
(url) 9.8.13
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O NAVIO FANTASMA (31):ESPECTÁCULO DEPRIMENTE
A pretexto dos swaps, Governo, PSD e PS tem dado um espectáculo deprimente e que seria apenas ridículo se não revelasse a completa falta de sentido de estado no tratamento da coisa pública. Não há palavras, é uma pura mesquinhice e mais um acto na desagregação da coisa pública: governantes sem vergonha, que são corridos em circunstâncias que, como de costume, desconhecemos na sua verdadeira dimensão; uma coligação a disparar cada qual para o seu lado após as juras de fidelidade da semana passada; papéis eventualmente "construídos", mesmo que a partir de documentos verdadeiros; revelação de documentos confidenciais do estado para marcar pontos num futebol político de quinta categoria. Vale tudo.
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A questão dos swaps e o modo como são constituídos os governos e os altos cargos de nomeação ministerial na área económica e financeira, assim como o recurso sistemático à consultadoria externa, revelam um aspecto não discutido daquilo que deveria ser uma verdadeira “reforma do estado”. E os efeitos fáceis e custosos para todos nós da demagogia com o estado e com a função pública.
O que seria natural numa administração pública moderna é que ela pudesse fornecer à decisão política todos os elementos necessários, quer técnicos, quer de informação, quer de cenários para as decisões, ao mais alto nível sem recursos exteriores por regra. Isso significava exactamente aquilo que se está hoje a destruir: uma função pública independente do poder político, na tradição do civil service inglês, o que significa uma garantia mais sólida do emprego do que no privado, e uma remuneração competitiva com o sector privado ao mais alto nível. Isto, em conjunto com o reforço de escolas especializadas em administração pública, e com carreiras definidas e estabilizadas, em que haveria lugar no estado para bons engenheiros, arquitectos, administradores, economistas, gestores, que pudessem ter como vocação o serviço público. Todos os países que se desenvolveram na Europa deram um particular atenção á criação desta “alta” administração e por isso estão menos dependentes quer dos boys incompetentes, quer dos interesses representados pela transumância entre consultoras, escritórios de advogados, bancos e lóbis nacionais e internacionais. Na prática, o que aconteceu foi a partidarização e a privatização da "alta" administração pública, as duas coisas ao mesmo tempo.
Não é perfeito, como nada é perfeito, e é verdade que existe nas burocracias uma tendência natural para a Lei de Parkinson, mas, pelo menos, evitava esta promiscuidade que os swaps, as PPPs, os contratos de contrapartidas na área da defesa, etc., revelam.
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O problema dos swaps ajuda a revelar uma questão muito mais importante e decisiva para o nosso futuro democrático: a da captura do estado pelo sistema de interesses económico-financeiros. Este sistema ultrapassa as separações partidárias e desloca-se de governo em governo, de partido em partido, desde que estes tenham acesso ao poder. As PPPs e os contratos swap são uma manifestação dessa captura.
E, claro, que também é um problema de pessoas. Há um pequeno grupo de pessoas que circula dos bancos e das consultoras financeiras, dos escritórios de advogados e dos think tanks das universidades mais conservadoras, de instituições europeias congéneres, para os governos, ocupando, em particular, os lugares chave das secretarias de estado, das assessorias, das comissões ad hoc e grupos de estudo, dos lugares de consultores nos ministérios. Algumas vezes assumem funções não remuneradas e “patrióticas”, mas a remuneração que recebem reflete-se em prestígio, currículo e na ascensão dentro desta elite, no próximo lugar, esse sim bem remunerado. Garantem sempre os melhores contratos estatais para as suas consultoras, escritórios, bancos, empresas, muitas vezes sem qualquer concurso público, por ajuste directo ou convite privilegiado, são quadros indispensáveis pelos seus “conhecimentos” e pela circulação nos meios políticos.
Circulam também por dezenas de Conselhos de Administração, Conselhos Fiscais, Comissões de Remuneração, Comissões de Supervisão, nalguns casos concentrando literalmente dezenas e dezenas de lugares numa só pessoa. Deve-se isso á sua particular competência? Nalguns casos, sim. Mas, como se vê quando as suas carreiras ficam menos protegidas e são mais escrutinadas, em muitos casos não se trata de competência. Há apenas um traço comum do seu papel, esse sim sólido e consistente, - são “confiáveis”.
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A espantosa capacidade e total indiferença em poluir o ar, tomando-nos por parvos, vindas da comunicação governamental. O argumentário governamental é uma mistura de Mefistófeles muito caseiro e grande infantilidade. Mas, pelos vistos, há quem coma desta comida. Presumo que há quem goste de ser tomado por parvo. Eu não gosto de todo. (url) (url) 6.8.13
Do briefing de propaganda de hoje (segundo a Renascença):,em que se explica que Maria Luís Albuquerque é que era o verdadeiro Vitor Gaspar. O outro Gaspar era apenas um simulacro, uma fachada, uma sombra enganadora:
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2344 - O Leão e o Porco
O rei dos animais, o rugidor leão, Com o porco engraçou, não sei por que razão. Quis empregá-lo bem para tirar-lhe a sorna (A quem torpe nasceu nenhum enfeite adorna): Deu-lhe alta dignidade, e rendas competentes, Poder de despachar os brutos pretendentes, De reprimir os maus, fazer aos bons justiça, E assim cuidou vencer-lhe a natural preguiça; Mas em vão, porque o porco é bom só para assar, E a sua ocupação dormir, comer, fossar. Notando-lhe a ignorância, o desmazelo, a incúria, Soltavam contra ele injúria sobre injúria Os outros animais, dizendo-lhe com ira: «Ora o que o berço dá, somente a cova o tira!» E ele, apenas grunhindo a vilipêndios tais, Ficava muito enxuto. Atenção nisto, ó pais! Dos filhos para o génio olhai com madureza; Não há poder algum que mude a natureza: Um porco há-de ser porco, inda que o rei dos bichos O faça cortesão pelos seus vãos caprichos. (Bocage) (url) 3.8.13
De uma carta recebida de A. C. S. :
Tenho 72 anos e vivo numa casa arrendada há mais de 40 anos. Com a saída da nova lei das rendas, o senhorio informou-me da sua intenção de aumentar a renda.
Uma vez que não tenho
rendimentos que me permitam pagar a renda, e para fazer prova desse
facto, desloquei-me à repartição de finanças onde pedi a emissão do
comprovativo do valor do rendimento anual bruto
corrigido (RABC), tendo apresentado o requerimento em impresso provisório disponibilizado pelas finanças para o efeito. Duas semanas depois
recebi das finanças uma declaração comprovativa de que eu havia pedido o
documento comprovativo do meu rendimento RABC. Esse documento, referia
ainda que a sua validade era de 90 dias após os quais devia eu requerer a
emissão de novo documento comprovativo do valor do RABC.
Foi entretanto disponibilizado o formulário de pedido comprovativo do RABC. Hoje, voltei ás finanças para obter esse documento comprovativo de RABC tendo-me sido cobrados 6,50€ pela sua emissão.
Não imagina o tempo que perdi nas bichas nas finanças, onde estão outras pessoas como eu, doentes e com dificuldades. Quem me paga os transportes e o tempo perdido?
Não há respeito.
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Na guerra dos swaps, os responsáveis do PS do governo Sócrates divulgam informações sobre os compromissos de governantes do PSD na venda dos swaps, os governantes do PSD usam o acesso ao Estado para divulgar documentos prejudciciais aos ex-governantes do PS. Todos a usarem documentos e informações reservadas, todos a usarem a comunicação social para "fugas" tendo como alvo os adversários e a desresponsabilização própria, todos com culpas e muitas culpas. Um exemplo típico da promiscuidade entre bancos nacionais e estrangeiros, gabinetes ministeriais, governantes, consultoras financeiras, assessores, todos dentro do círculo de ferro dos membros do establishment que mandam em Portugal e definem as políticas no PS e no PSD.
(url) OS AMANHÃS QUE CANTAM
Há uma obscena falta de
vergonha incrustada no texto da moção de confiança que o Governo vai
apresentar e que, por si só, é um retrato de uma política que, após as
ingenuidades e ignorâncias iniciais, tem sido feita pelo dolo, para a
manipulação e para o engano. Que haja intelectuais por detrás desta
mistificação, faz-me confirmar uma velha desconfiança quanto à corrupção
que a ambição traz ao pensamento. E mais: com esta moção, todos os
membros do Governo passam a ser versões de Paulo Portas e a reverem-se
no modelo de duplicidade sobrevivente do "irrevogável".
O que esta moção nos diz é uma completa mistificação desde a primeira letra. Diz-nos que havia um ciclo político pensado em duas fases: uma, o cumprimento do "programa", outra, o desenvolvimento e o crescimento. A crise governativa das últimas semanas foi o rito de passagem, a perda da pele da serpente, que permitiu abandonar a velha pele, para fazer reluzir a segunda. Ou seja, ainda bem que houve esta crise, catártica na sua bondade, para podermos, limpos e lustrais, apresentar um "novo ciclo" aos portugueses. Nada disto é verdade, nem o "programa" foi cumprido, bem longe disso, nem este "novo ciclo" estava previsto nestes termos na programação governativa, nem as vítimas da "austeridade" podem esperar qualquer alívio, nem as vítimas que se seguem, as da "reforma do Estado", podem escapar à desvalorização do seu trabalho e ao desemprego. O programa real continua, o virtual vem aí. Só que não é para os mesmos.
Cumpriu-se o "programa", apesar de nenhum dos
números do défice e da dívida ter sido atingido? Podemos "regressar aos
mercados"? Obtiveram-se os resultados miraculosos do "ajustamento"? Bem
pelo contrário, o que Passos, Gaspar, Moedas e outros pensavam, em
completa consonância com a troika, é que após uma varredela para o
lixo da economia "ultrapassada", após o desmantelamento do Estado
social, após a inversão das relações de poder na legislação laboral,
após o fim dos "direitos adquiridos", depois da "libertação" da
sociedade do Estado, após o "ajustamento" dos portugueses a viverem "de
acordo com as suas posses", muito poucas, aliás, a economia exportadora,
a economia desenvolvida tecnologicamente, a sociedade dinâmica dos
"empreendedores" esmagasse os "piegas", sem que o Estado tivesse
qualquer outro papel do que garantir a ordem pública e a hierarquia
social estabelecida. O "arranque" viria da sociedade "libertada", e
nunca jamais, em tempo algum, o Estado voltaria a ser
"desenvolvimentista".
Ora isto não aconteceu, nem podia
acontecer, houve demasiadas "surpresas" e estes homens ficaram presos
nas ruínas do seu discurso, arrastando-o, já não para construir o seu
modelo utópico, mas para encobrir e remediar os estragos do que tinham
feito. Já há algum tempo que as medidas sucessivas de austeridade se
destinam não a qualquer "ajustamento", mas a tapar a ineficácia das
anteriores. Gaspar percebeu isto e percebeu que o primeiro-ministro já
estava a hesitar com o partido e eleições, e como precisava de uma
determinação absoluta, foi-se embora.
Passos ficou no ar, entre
um discurso cuja simplicidade e "economês", feito de algumas leituras
sobre Singapura, lhe era atractivo e as pressões partidárias e
atribulações governativas. Continua no ar, lançando mais confusão do que
clareza -, o discurso partidário de ruptura das conversações é o oposto
do texto da moção de confiança e só passou uma semana - mas, como
sempre disse, nunca me convenceram pessoas que se tornam ideólogos de
uma coisa, quando essa coisa está na moda. E por isso, o Passos
desenvolvimentista e socrático contra Manuela Ferreira Leite pode
regressar a qualquer momento, até porque não foi assim há muito tempo.
Não
é hoje tão fácil fazer estas inflexões quando se tem o lastro dos
desastres cometidos, mas não é impossível. No fundo, todos eles são
Paulo Portas. A verdade é que Passos aprovou uma moção de confiança que,
se tomada a sério, é uma crítica dura aos seus desvarios de engenharia
utópica. Substituir Gaspar por Maduro, ambos tendo influência por via da
insegurança académica de Passos, a mesma que o faz entrar mudo e sair
calado dos Conselhos Europeus, pode ser reconfortante como mentor, mas
não chega. E, por isso, o discurso governamental vai-nos dizer à
saciedade que saímos de uma encruzilhada "má" para uma estrada "boa".
Com a capacidade que tem a comunicação social para reproduzir a
linguagem do poder, esta propaganda vai ser repetida sem prudência. Até
ao dia em que tombará e o contrário será a norma. Tem sido sempre assim,
com Sócrates e Passos, não vai ser diferente.
Claro que haverá
algumas "medidas", nos impostos para as empresas, no IVA da restauração,
na concertação social, com uma UGT desejosa de voltar ao "consenso",
com um PS cujo compromisso real com este "novo ciclo" desconhecemos. E
vamos admitir que há mesmo "sinais" de alguma recuperação da economia,
como nos diz a propaganda governamental, seleccionando para o efeito os
indicadores positivos e não falando dos negativos. Vamos admitir que
estamos na véspera de uma "mudança", de "uma segunda oportunidade", de
"uma nova fase". Vamos admitir isso tudo, mas não vamos admitir que nos
digam que isso significa o que nos querem dizer que significa.
Vamos
admitir que o "pior já passou", mesmo que se trate apenas de bater no
fundo. Claro que há-de haver uma altura - não sei se ainda esta -, em
que, estando tudo mal, já não se pode piorar. Na verdade, não é bem
assim, pode-se sempre piorar, basta a passagem do tempo para o fazer. Um
ano de empobrecimento não é a mesma coisa que três e quatro, e estar
desempregado a única dinâmica que conhece é o passar do tempo, para
pior.
Olhando estes "sinais", as perguntas que temos que fazer são
duas. Uma, o que é que ficou para trás destruído sem recuperação, cujos
restos estão por todo o lado, e como é que eles vão envenenar o
presente e o futuro? Outra, bem mais importante e "subversiva", é que,
se houver "recuperação", quem é que dela beneficia? A resposta
politicamente correcta é que beneficia a todos. A resposta verdadeira é
que a poucos, muito poucos, e aos mesmos de sempre. Talvez umas migalhas
cheguem aos de baixo, ou nem isso, porque eles podiam lembrar-se de
comprar electrodomésticos e lá se vão os números das importações.
Numa
sociedade em que se agravaram os factores de exclusão e em que uma
parte importante - classe média, desempregados, "novos pobres", mundo do
trabalho desprotegido - perdeu todo o poder, os frutos de qualquer
tímida "recuperação" seguirão as linhas de água profunda cavadas pela
ruptura social na sociedade portuguesa e correrão para onde sempre
correram.
Este óbvio facto, de que ninguém que levou com a
"crise" em cima vai beneficiar dos "sinais" em tempo da sua vida, é
ocultado por um discurso político que foi reduzido nestes últimos anos
ao "economês". Esse discurso não se vai embora apenas porque passamos a
ter uma retórica política que fala do "crescimento" em vez do "rigor
orçamental". Bem pelo contrário, pode até reforçar-se, moldando o modo
como se vai ver a "recuperação" e os seus frutos, legitimando a
continuação da austeridade para os mesmos e "libertando" alguns de
impostos, regulações, limitações, leis. Leis, no limite da Constituição,
um dos programas escondidos das "negociações" com o PS.
O "novo
ciclo" do Governo, naquilo que não é pura sobrevivência eleitoral, mas
discurso de feiticeiro, serve para reciclar a linguagem do poder aos
mesmos interesses de sempre. Mas a sua fragilidade é a mesma do discurso
do "rigor orçamental". É mais agradável de ouvir, mais enleante, leva o
PS à ilharga, foge da agressividade militante da engenharia utópica
Passos-Gaspar, mas destina-se a manter o mesmo círculo de ferro que
captura a democracia portuguesa por um establishment financeiro e
de grandes empresas nacionais (cada vez menos) e estrangeiras, e de uma
elite que aceita servi-las e aceita os seus limites de fogo daquilo que
se pode ou não fazer.
Visto de longe, sanitariamente de longe,
este Governo, para se manter, fez todos os tratos com Cassandra e abriu
todas as caixas de Pandora. É só esperar pelos resultados do "novo
ciclo".
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© José Pacheco Pereira
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