ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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31.7.13
Os briefings do governo "abertos" revelam a sua natureza de aumento do tempo de antena do governo. O objectivo é criar uma segunda "primeira impressão", favorável ao governo. A transmissão em directo desses briefings, sem edição, elimina o papel do jornalismo. Tem sentido transmitir em directo comunicações governamentais de relevo, mas este tipo de briefings, destinados formalmente apenas à comunicação social, não podem ser conhecidos sem o trabalho de edição. O discurso, como se vê, é de carácter puramente propagandístico, não tendo aliás nenhuma sofisticação especial. Destina-se a repetir, repetir, repetir e recolher os efeitos da repetição. Que existem. (url) 30.7.13
(url) 29.7.13
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FORÇA E FRAQUEZA
Passos Coelho sai da crise mais forte (no governo e no establishment que conta), Portas sai da crise muito fragilizado, de rastos. Aparentemente o mais fraco vai ter um incremento significativo de poderes, em detrimento do mais forte, e é por essa contradição que vai continuar a crise. Admito que o instinto de sobrevivência torne ambos muito cautelosos, ou seja, capazes de engolir tudo e fazer um ar hirto, mas isso não chega.
Embora esta crise tenha sido muito mais grave, – bastava a saída de Gaspar para lhe dar outro carácter, – ela é um remake da anterior que levou a uma cena surrealista de reuniões entre os dois partidos num hotel e a comunicados conjuntos. Ah! E a uma comissão destinada a coordenar a coligação, que, nunca existiu nem funcionou. Mas a linguagem, as juras, as promessas, a propaganda de como “saímos disto mais fortes”, nada disto é novo. Já se ouviu exactamente o mesmo que se está a ouvir agora.
No entanto, esta crise foi muito pior: o medo pânico de eleições penetrou no âmago dos dois partidos, e o desequilíbrio entre Passos e Portas é agora abissal. Se a linguagem gestual diz muito, é só ver Portas a fazer de conta que tira notas, quando já tem o discurso todo escrito, a limpar a fronte, a olhar para baixo, reduzido a uma sombra do que foi e à mãe de todas as sombras daquilo que queria ser. Só que as coisas são o que são e Portas é o elo fragilíssimo do poder, cheio de títulos e responsabilidades, que tentará usar em primeiro lugar para se salvar e escapar da imagem “irrevogável”.
Só que cada sucesso de Portas, e Portas vai tentar desesperadamente ter algum a curto prazo, seja real, seja virtual, será muito perturbador para o resto do governo, e cada fracasso uma colecção de sorrisos, e afiar de fracas. Por isso, passadas as juras de fidelidade e afirmação de força da coligação, a sua doença interior, a praga que a rói por dentro, vai ser pior. Portas pode ter ido a Vice-Primeiro Ministro, mas nem Secretário de Estado é. Se quiser ser mais do que isso, todos o vão impedir. E ele não pode fazer nada.
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O NAVIO FANTASMA (23):
PENSAMENTO DE ESTADO: "IR FAZER ALGUMA COISA PARA OUTRO LADO" Passos Coelho hoje em campanha eleitoral:
“Para que isso não volte a acontecer [resgate], temos de fazer uma hierarquia
do que é realmente importante e o que não for tem de deixar de ser
feito. As pessoas que faziam aquilo que era menos importante têm que ser
afectas a fazer outras coisas que são mais importantes e, se não for
preciso tanta gente para fazer isso, essas pessoas têm de ir fazer
alguma coisa para outro lado”, salientou. Não pode,
acrescentou, “o Estado ficar-lhes a pagar eternamente para fazer o que
não é preciso - isto é assim em qualquer país desenvolvido do mundo”.(do Público)
(url) 28.7.13
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O NAVIO FANTASMA (22)
Estão em pleno vapor as grandes manobras de propaganda. Propaganda, desinformação, manipulação. Por exemplo, alguém tem mesmo a certeza de que é a troika que está completamente inflexível com os cortes dos 4.700 milhões, ou é o governo que anda a dizer isso? Percebe-se muito bem que faz toda a diferença, ou porque pode abrir caminho a uma "vitória" negocial se outro valor mais baixo ficar acordado, e a troika não estava assim tão "inflexível" como se diz; ou porque é o governo que deseja esses cortes (ou se comprometeu indevidamente com eles, ou vai usá-los como moeda de troca para outras benesses) e não quer prejudicar a sua nova "imagem", com uma medida tão Gaspar e "velho ciclo" e tão pouco Portas e "novo ciclo". Como a comunicação social se farta de transmitir recados do governo, destinados a manipular a opinião pública (aqui no Abrupto há vários exemplos), a "notícia" só tem sentido se vier da troika e não daqueles que "sopram" aos jornais "as posições da troika".
Infelizmente, a partir de agora, estas manobras estarão no centro da acção do governo. Como se irá ver, muito mais do que a "economia" será a propaganda que vai sair reforçada da remodelação, aquilo que alguns chamam a "comunicação política".
(url) 27.7.13
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O DESASTRE DO PS
Eu gosto de ter a certeza do terreno que piso, embora esteja especializado em terrenos escorregadios, até porque não há outros nestes dias. Por isso, tenho evitado falar destes últimos quinze dias, para além do mínimo necessário, de um processo que permanece demasiado obscuro. Não é que eu pense que haja grandes conspiratividades, - em Portugal não há segredos a sério que aguentem quinze dias, - mas há uma força que consegue ocultar muita coisa: o receio de revelar, o interesse próprio, os interesses comuns.
O que se passa com este acordo ou não-acordo é que, quando mais se vai sabendo, menos se sabe. Antes das conversações, junto do Presidente, durante as conversações e depois das conversações, o que se conhece tem um pequeno problema, infelizmente demasiado presente na vida política portuguesa: as coisas não encaixam.
Começa por não se saber que tipo de compromissos existiram nas conversas com o Presidente. O Presidente fez questão de lembra-lo para não haver esquecimentos: para quê tanta “surpresa” com a sua intervenção de adiamento da crise, se os partidos não podiam alegar surpresa? Isso significa, como é normal, que o Presidente fez nos seus encontros com os partidos, algum do trabalho prévio de negociação. Não custa perceber que o PS recebeu, ou sugeriu, como contrapartida inicial para aceitar negociações, a antecipação de eleições para Julho de 2014. O Presidente só o propôs publicamente porque sabia que isso dava ao PS o domínio do tempo político que a direcção de Segura precisa, mas que mais foi combinado?
Como é possível, por exemplo, que Seguro admita ter estado por um fio a sua assinatura a meio da semana, para depois os papéis escritos revelarem sem hesitações a sua incompatibilidade? Isto significa, como é óbvio, que o essencial do que aconteceu, aconteceu oralmente, os papéis foram escritos para o pós-desacordo, para cada um ficar na sua e marcar uns pontinhos. De qualquer modo, reconheça-se que o papel do PSD é muito mais sério do que a versão copy-paste do PS, a partir de uma moção de um Congresso. Isto não só é o amadorismo mais completo, é deitar-nos poeira para os olhos, dando a entender que o papel significou alguma coisa nas conversações.
Apesar de tudo, inclino-me para considerar que quem mais está a ocultar o que aconteceu foi o PS. Será também do PS e pelos actos do PS que vamos saber, da pior maneira, quais foram as convergências admitidas ou pactuadas mesmo sem acordo, que não vieram a público, porque, ou me engano muito, ou o PSD e o CDS vão exigir o voto do PS em tudo aquilo para que no desacordo houve acordo. E temo que seja considerável.
Também aqui o PS sai mal. As cedências do PS vão aparecer à luz do dia como obrigações e as do PSD e CDS, que bem vistas as coisas não são cedências, vão ser apresentadas como uma "nova política", que já era desejada antes do acordo e cujos méritos eleitoralistas vão passar a estar na ordem do dia da propaganda. O PS vai ter que cumprir, aquilo onde se “aproximou”, o governo nem tanto.
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EARLY MORNING BLOGS
2340
"Muito tempo há que a
mentira se tem posto em pés de verdade, ficando a verdade sem pés e com
dobradas forças a mentira; e é força que, sustentando-se em pés alheios,
ande no mundo a mentira muito de cavalo; e se houve filósofo que com
uma tocha numa mão buscava na luz do meio-dia um sábio, hoje, por mais
que se multipliquem luzes às do Sol, não se descobrirá um afecto
verdadeiro. Buscava-se então a ciência com uma vela, hoje pode-se buscar
a verdade com a candeia na mão, que apenas se acha nos últimos
paroxismos da vida.
"
(Padre António Vieira) (url) 26.7.13
O NAVIO FANTASMA (21)
Admito que alguns nomes mais obscuros nas secretarias de estado não digam muito à maioria dos portugueses. Os mecanismos de poder partidário são hoje muito diferentes do que eram há vinte anos, mas a análise dos jornalistas continua presa a uma época que passou de vez, como se vê quando andam atrás de “baronatos” inexistentes. Mas a remodelação é particularmente significativa do take over partidário mais rudimentar e brutal. Os principais controleiros do aparelho, os que distribuem empregos, benesses, subsídios, pelos “seus”, estão no governo, junto com alguns outros de uma incompetência e ignorância abissal. E quando digo abissal é mesmo abissal. Seria bom começar a dar umas aulas a explicar que Tonga não é na África do Sul, que a Turquia não é um país asiático e que Putin não é o presidente de Bielorrússia.
(url) 24.7.13
Aos custos das asneiras de Sócrates, juntam-se os custos das asneiras de Passos Coelho. Os "superministérios" custaram imenso ao país, numa parte invisível que não é fácil de contabilizar mas que é certamente a maior. Foram custos de mau governo, ineficiência, abandono de áreas inteiras de actuação, negligência, impreparação. No Ministério de Assunção Cristas, um dos mais incompetentes deste governo na opinião generalizada de quem com ele tem que lidar, um exemplo chega: a lei das rendas. Uma lei mal feita, confusa, em que os instrumentos sociais previstos permanecem por efectivar, um maná para os litígios e os advogados, com enormes custos sociais nas empresas e nas pessoas mais frágeis. Basta ir a uma repartição de Finanças para perceber o caos que gerou a lei e quem são as suas vítimas, os mais pobres e os mais velhos. Não é caso único, é mais a regra do que a excepção, mas basta.
Depois há toda uma outra série de custos associados com mudanças de nome, edifícios, leis orgânicas, chefias, pessoal, papel, burocracia. Alguém se responsabiliza? Ninguém. Mas, em Junho de 2011, ou seja mal foi conhecida a orgânica do "governo mais pequeno de sempre", escrevi aqui aquilo que era óbvio:
É por isso que estes erros são imperdoáveis, por que não foi por falta de aviso de muita gente. Agora, faz-se de conta que não aconteceu nada e passa-se à frente. E presumo que a razão até nem seja muito virtuosa: havia que acomodar mais membros do governo (para dar a ideia de renovação), e minimizar as saídas (para dar a ideia de continuidade.) O governo continua disforme.
(url) (url) 22.7.13
(url) A CRISE POR DETRÁS DA "CRISE"
Andamos tempo de mais a esquecer-nos de que Portugal
ainda é uma democracia. Esquecemo-nos também de que Portugal ainda é um
país soberano e independente. Há demasiadas pessoas a dizerem-nos que
tudo isto é só nominal, porque não podemos viver em democracia sob o
jugo da “economia” e não há soberania, enquanto houver Memorando.
Aceitem e calem-se, porque o país deve ser governado sem lei, nem
Constituição, e submetam-se a tudo que a troika nos diz, porque os
nossos soberanos são os “credores”. Isto, dizem-nos, é indiscutível, é a
“realidade”, no dizer do primeiro-ministro, e a “realidade” não se
discute.
Daqui resulta uma enorme
perturbação, como se vê nos filmes de ficção científica quando o Sol
resolve destruir-nos, ou surge do fundo do Pacífico o grande lagarto
Godzilla, ou as plantas resolvem matar-nos. O ministro dos Negócios
Estrangeiros acha normal descrever o seu país como um protectorado. Como
eram Marrocos, a Manchúria, a Boémia e Morávia, a Basotulândia, ou as
ilhas Tonga. Repito: eu posso dizê-lo, ele não. O facto de o ministro
usar essa classificação (ele não é analista, é ministro, pelo que a sua
voz é aceite pelas diplomacias estrangeiras como sendo a descrição
legítima, não só de facto mas de jure, da situação portuguesa) não tem
origem em nenhum acto do Parlamento, nenhuma rendição de tropas, nenhum
Pétain a assinar a submissão a Hitler, em nome da “salvação nacional”.
Se somos um protectorado, devemos organizar a resistência ou ser
“colaboracionistas”?
O que é significativo é que a existência de um Memorando, do teor do que foi assinado há dois anos, é considerado pela nossa elite do poder como uma cedência total da soberania, e uma suspensão da democracia, comportando-se em consequência com a maior das naturalidades. Não é apenas uma medida de emergência financeira, pactuada com entidades de que Portugal faz parte (Portugal é membro do FMI, do BCE e da UE), mas uma rendição que põe em causa tudo, a começar pela independência e a acabar na democracia. Na verdade, a questão mais de fundo é que a política definida no Memorando era para uma elite económica-financeira-política muito mais do que um plano de emergência financeira, era o programa salvífico para “nos comportarmos bem”, e para que “o país nunca mais seja o mesmo”. Era uma oportunidade única e foi defendida com tropas em batalha, como se fosse uma guerra. E era, era e é, uma guerra social. Ou seja, o Memorando foi não só uma emergência, mas também uma salvação divina. Deu aos seus colaboracionistas um bordão político que ia muito para além do seu cumprimento, tornando-se o programa de regeneração nacional que poria em ordem os preguiçosos gastadores dos portugueses que “viviam acima das suas posses”, reduzindo-os punitivamente à sua condição de pobres de que nunca deveriam ter saído, ainda por cima com dinheiro emprestado e encostados ao Estado. Quem eram esses portugueses? Os trabalhadores, os funcionários, os pequenos empresários, os reformados, os pensionistas, os “de baixo”. Os de cima pagavam uma taxa, uma portagem, mas reforçavam o seu mando e ficavam com um país de mão-de-obra barata, assente no “estabilizador” do desemprego e na perda quase total de direitos laborais. Asseguravam que Portugal continuaria a pagar as suas reparações de guerra aos “credores”, na guerra em que o país tinha ficado um protectorado e, colaborando no presente, apostavam no futuro. No seu futuro. Para eles, a “salvação nacional” é a manutenção da hierarquia social e o reforço da sua desigualdade. Sabem os de cima e sabem os de baixo. Não foi a idiossincrasia histérica de Portas, nem a autocrítica de Gaspar que abriram esta crise, foram os efeitos da “fadiga fiscal”, da “usura social”, do “cansaço social”, da “erosão significativa no apoio da opinião pública”, da “profunda crise (…) social e política”, ou seja, de tudo o que se passa fora dos gabinetes, e que foi considerado sempre irrelevante, menor, dano colateral. Os jornalistas e comentadores preferem valorizar as tricas políticas, dizendo que o Governo só caiu ou só podia cair por dentro. Na verdade, não podem admitir que aquilo que estão sempre a desvalorizar possa ter este papel. Mas, se não fosse a agitação social, essas coisas como greves, manifestações, protestos, Grândolas, insultos e quadra-costas, etc., como é que se sabia que havia “erosão significativa no apoio da opinião pública”? É, as causas exógenas actuam pelas causas endógenas. Gaspar percebeu bem que a inflexão que o Governo estava a conhecer, e que se manifestou nas suas dificuldades para encerrar a sétima avaliação, se devia à entrada em cena, com toda a sua glória, do eleitoralismo. Passos e Portas são homens de partido, vieram de todas as jotas para o poder, Passos da JCP, via JSD, Portas da JSD. São muito diferentes, mas em muita coisa são iguais como políticos profissionais no actual sistema partidário. Sabem melhor do que ninguém que nos partidos que lideram, há, principalmente no PSD, milhares de pessoas cujo emprego depende do partido, nas autarquias, nas administrações regionais, no Parlamento, nas zonas empresariais ligadas ao poder político, na administração central e no Governo. De motoristas a funcionários dos grupos parlamentares, deputados, administradores hospitalares, membros dos conselhos de supervisão das grandes empresas, escritórios de advogados e consultoras financeiras onde o conúbio com o poder político é altamente lucrativo. E essas pessoas percebem bem de mais que podem ver o seu pool de empregabilidade e de acesso ao poder reduzido para metade num desastre eleitoral. Também aqui a aceleração da crise no interior do Governo vem de fora, da mesma “usura social” que ninguém quer admitir, aqui pelos seus efeitos eleitorais no poder dos partidos. É por isso que a crise política em que estamos mergulhados tem tudo a ver com a democracia, no bom e no mau sentido. Só pode ser resolvida pelo desbloqueamento da situação política e isso só se consegue com eleições e, por outro lado, essas eleições são vistas com pânico pelos partidos da coligação, o PSD e o CDS. O Presidente queria esse desbloqueamento, a troika quer esse desbloqueamento, ambos sabem que sem o PS não há solidez nem continuidade nas medidas que desejam. O PS, por seu lado, podia ter assinado de cruz, e assinaria de cruz, se o tempo andasse para trás. Ora o tempo nunca pode andar para trás, porque a razão que levou à exclusão do PS da governabilidade foi a arrogância utópica do “troikismo” radical, que queria fazer uma revolução e não queria “consensos”. Ir agora buscar o PS quando tudo está a ruir viola o princípio de autoperservação que em Seguro é da mesma natureza de Passos Coelho. Tempo errado, senhor Presidente, se querem que Seguro assine o que for preciso coloquem-no no poder por eleições, inseguro e frágil, e nessa altura ele entende-se bem com um PSD humilhado pelas urnas. É tudo muito mau, mas é assim. Mas a crise não vai passar e irá piorar se não houver eleições. Queira o Presidente ou não, se dá ao Governo a remodelação que ele deseja — ela própria a melhor garantia de que vai continuar a haver instabilidade governativa —, e os dois anos até 2015, reforça a arrogância que Passos Coelho já mostrou na crise ao afrontá-lo na Assembleia. O Presidente volta ao contexto do seu discurso de 25 de Abril, mas numa situação muito mais frágil. É só uma questão de tempo até toda a gente perguntar se era para isto, por que perdeu todos estes dias? É que o argumento dos mercados não serve só para aterrorizar os indígenas com as eleições, serve também para Portas, Passos e Cavaco. Mas há uma razão ainda mais funda, estrutural, para que a crise não se vá embora e ela traduziu-se na grande omissão destes dias, no enorme silêncio absurdo e cego com que se discute tudo e três tostões como se as pessoas comuns fossem mera paisagem, os portugueses súbditos sem voz — as eleições não servem para nada, dizem-lhes — e colonizados pelos colaboradores dos “credores” de um protectorado consentido sem revolta. Se nada disto mudar, é só esperar pelos próximos episódios. (url) (url) 21.7.13
O NAVIO FANTASMA (18)
De um artigo que publiquei hoje no Público e que transcreverei amanhã na íntegra:
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A SOBERANIA PARA ALÉM DAS SELVAGENS
Os Presidentes portugueses periodicamente visitam as Ilhas Selvagens “em missão de soberania”, ou seja para dizerem que estas ilhas, mesmo junto das Canárias, são portuguesas e o mar à sua volta é também português. A intenção é clara, visto que os espanhóis são ambíguos quanto à soberania portuguesa do arquipélago.
Porém, a afirmação de soberania como valor nacional está longe de se reduzir a estas visitas presidenciais. Bem pelo contrário, a crise da soberania nacional está em actos muito mais graves, como seja a redução continuada da capacidade da marinha portuguesa para controlar mesmo que nominalmente as nossas águas atlânticas, pondo em risco que Portugal possa exercer as responsabilidades internacionais de controlo marítimo que sempre exigiu como suas. A propriedade sem a presença do dono, é meio caminho andado para se perder.
Ou pior ainda, quando vemos um Ministro dos Negócios Estrangeiros dizer na Assembleia da República que Portugal é um protectorado, sem que imediatamente se levante um gravíssimo problema. Eu posso dizê-lo, Adriano Moreira pode dizê-lo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros não pode dizê-lo, nem admiti-lo. Que instituição política democrática admitiu ou permitiu que Portugal passasse a um protectorado? Fomos invadidos pelo estrangeiro? Rendemo-nos em batalha?
A afirmação de Portas, na sua qualidade institucional de Ministro, mostrou, mais que cem mil ausências às Selvagens, como os nossos governantes tão patrióticos de boca, consideram que assinatura do memorando significou institucionalmente abdicar da soberania nacional, muito para além de pagar ou não pagar aos nossos credores. Se é assim, são culpados de traição. Mas ninguém quer saber de nada, ser livre, ou ser súbdito, é o mesmo.
(url) (url) 20.7.13
REPUTAÇÃO
Arlecchino Servitore de Due Padroni
Paulo Portas referiu-se, usando a sempre invocada frase de Sá Carneiro, a que eram pouco importantes os “danos à sua reputação pessoal” face aos problemas do país. Mas não se referiu genericamente aos “danos à sua reputação”, mas “aos danos à sua reputação nas vossas intervenções”, ou seja, nas intervenções dos deputados da oposição no parlamento e não junto dos portugueses. Portas recusa-se a admitir que os “danos” estão muito para além das picardias parlamentares, estão junto de cada um dos portugueses, do CDS ao PCP, no homem comum.
Ele acha, como demiurgo, que pode remediar tudo, e conta com a máquina do esquecimento, e com a cumplicidade de muitos jornalistas. Mas este passo irrevogável e a sua responsabilidade directa no facto de o país ter perdido milhões não será esquecido. Mesmo que, na língua ligeira do CDS e da direita dos blogues, se lhes dobre a língua para culpar Portas e Passos pelos milhões perdidos, que seriam imediatamente assacados, se fossem outros o alvos, ao PS, a Sócrates, à CGTP, aos estivadores, aos professores, seja lá quem for. Não, o passo de Portas foi mesmo irrevogável. Sem aspas.
(url) (url) 19.7.13
CAOS IRREVOGÁVEL OU ORDEM REVOGÁVEL?
A proposta do Presidente transporta uma forma, um instrumento, um desejo, um objectivo e alguns (poucos) meios. É das propostas políticas mais abertas, ou seja, pode dar resultados muito diferentes, e é uma excepção no extremo controlismo em que vive a vida política portuguesa. É arriscada demais para não ter tido algum suporte em compromissos prévios, que o presidente fez questão de lembrar quando se “surpreendeu” com a “surpresa” dos partidos face à sua intervenção.
Como de costume, tudo o que é importante, os portugueses não tem direito de saber. Mas, mesmo assim, é uma proposta excepcional, vinda de quem menos parecia ser capaz de sair do terreno sólido da previsibilidade. No entanto, volto atrás, podemos não saber o que se está a passar.
A proposta presidencial, porém, assenta numa contradição de fundo: pretende ter como objectivo um acordo tripartidário a médio prazo, ou seja desbloquear a actual situação política e, ao mesmo tempo, recusa o único meio possível de conseguir com eficácia esse desbloqueamento, ou seja, fazer eleições antecipadas.
Vamos ver no que dá.
(url) (url) 18.7.13
O NAVIO FANTASMA (17)
Quer haja, quer não haja acordo, o verdadeiro perdedor será sempre o PS. Se houver acordo, quem sai sempre reforçado é o governo, que verá as suas políticas caucionadas pelo PS, seja o acordo concreto, seja vago e genérico. Se o PS pensa que vai obter ganho de causa por poder acenar com uma ou outra concessão (IVA da restauração, moderação da "reforma do estado", etc.) como sendo resultado da sua negociação, tire daí o sentido. Essas medidas serão implementadas pelo governo Passos-Portas que não terá dificuldade em dizer que já estavam previstas, ou que foi a sua gestão nos dois primeiros anos que o permitiu, ou que foram os "sinais" de uma "inversão" da situação económica, que abriram esse caminho. A linguagem do poder será sempre mais forte, e depois o tempo apagará as circunstâncias.
Se não houver acordo, o culpado desta crise passa a ser o PS. Na percepção dos portugueses, até este momento, são Portas e depois Passos Coelho e as suas guerras que deram origem à crise. Ao falhar a "salvação nacional", será sempre mais fácil culpar o PS desse falhanço e passará a ser o PS o mau da fita. O governo terá um novo fôlego.
Claro que a retórica de que quem "ganha" ou quem "perde" "são os portugueses" é apenas pura retórica. Na verdade, quem ganha ou quem perde são os portugueses, mas por outras razões. A começar por se ter adiado a única solução capaz de desbloquear o impasse político actual: novas eleições.
(url) (url) 17.7.13
O NAVIO FANTASMA (16)
É surpreendente a facilidade com que uma classificação, que não é mais do que uma classificação, traduzindo interpretações de quem a usou originalmente, implicando intenções políticas que são, como todas em democracia, de uma "parte", logo longe de serem ou deverem ser incontestáveis, se torna a coisa em si. É o caso da classificação das actuais conversações, pactos, entendimentos acordos, seja lá o que for e o que der, como sendo de "salvação nacional".
Este tipo de classificações são meta-políticas em democracia, prendem mais do que libertam, impedem a discussão, impõem caminhos únicos e estiolam o espaço público. O país pode de facto precisar de um acto de emergência, de uma aliança excepcional, de entendimentos sem precedentes, de uma diferente exigência temporal nos acordos entre partidos, mas não pode ser encerrado num acto de "salvação nacional" que, por assim se classificar, se coloca à margem do debate e do escrutínio democrático. Na realidade, o verdadeiro objectivo deste processo é minimizar o papel das eleições no processo democrático, colocando os portugueses e a soberania do voto popular sob a tutela de acordos que, ao usarem a grandiloquente expressão de "salvação nacional", diminuem a democracia. Na verdade, quem é que pode estar contra a "salvação nacional"?
(url) 13.7.13
A PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DO SINDICATO DO GOVERNO
Deu-se há dias a primeira manifestação organizado pelo sindicato do governo. Não foi na rua, nem na Assembleia (nas galerias), nem às portas duma fábrica ou empresa, nem a cantar a Grândola, foi numa igreja durante uma missa. Não sei o que pensa o novo Patriarca, ou a Igreja, mas assistir à primeira manifestação pública do sindicato do governo durante uma missa coloca-lhe o dilema da lembrança de Cerejeira, presumo que lembrança muito mal vinda. Ele há cada uma, ir manifestar-se para uma Igreja durante uma missa, com dezenas de guarda-costas cá fora, é um penoso retrato do nosso sindicalismo governamental. No entanto, tem uma enorme vantagem sobre os grevistas da CGTP e da UGT, não perdem o salário de um dia de trabalho.
A manifestação traduz um enorme suspiro de alívio com o retorno da “estabilidade” por parte dos de cima. Não é que António José Seguro seja visto como uma particular ameaça, mas os tempos não dão muita folga a brincadeiras e o recreio já está suficientemente preenchido. O susto foi grande e em tempos de guerra não se limpam armas. Acresce que nunca se sabe o que pode sair de eleições numa altura destas. Não é o PS ganhar que preocupa, bem pelo contrário, enquanto Seguro lá estiver as “crises” resolvem-se. É que uma derrota espectacular do PSD e do CDS, traria efeitos em todo o sistema político e enfraqueceria… o sindicato.
(url) (url) 12.7.13
O NAVIO FANTASMA (15)
Portas, como Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, classifica a situação portuguesa de "protectorado". Presumo ter sido o primeiro a utilizar essa expressão em Outubro de 2010 (UM PROTECTORADO DA UNIÃO EUROPEIA no Público de 9 de Outubro de 2010 e aqui no Abrupto.), mas daí não advem nenhum problema: é uma classificação analítica, que presumo ser certa, feita num artigo de opinião. Mas se eu o posso fazer, o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal não o pode fazer de nenhum modo. Ele é um membro do governo de um país, independente e soberano, que não se encontra formalmente em nenhum estado de excepção, em que o Presidente da República, o Parlamento, o Conselho de Estado o Conselho Superior de Defesa Nacional, todos os orgãos institucionais da nossa democracia, as nossas Forças Armadas, nunca, que se saiba, aceitaram pôr em causa a independência e a soberania nacional, classificando a situação nacional nesses termos e tirando daí as ilações correspondentes. Que são gravíssimas, até porque não entramos em nenhuma guerra e não fomos invadidos por países estrangeiros.
Eu bem sei que o uso de palavras pelo Ministro Portas é particularmente elástico, mas ele é uma das últimas pessoas que pode falar com este à vontade de Portugal como protectorado. Uma coisa é a situação de facto de perda de soberania face aos nossos credores, traduzida no "programa" do Memorando, que não ignoro, outra é a aceitação por parte do topo do estado que isso significa a perda da soberania nacional sem que nenhuma instituição, pelo menos o Presidente e a Assembleia, o defina e caracterize como tal. Isso significa uma perversão total da nossa independência e soberania, significa consentimento pela voz do Ministro dos Negócios Estrangeiros e constitui uma traição mesmo à face da lei.
(url) 8.7.13
O NAVIO FANTASMA (14)
Conhecendo o modus operandi das pessoas que estão no governo, a seguir deve vir uma qualquer operação de propaganda que dê uma "vitória" ou a Passos ou a Portas, com a colaboração da troika. Manter este governo contra tudo e contra todos, e impedir a realização de eleições antecipadas a todo o custo, é tão decisivo que podemos ver de novo uma linha desenvolvimentista qualquer, mesmo com prejuízo do défice. Para algumas empresas e não para os alvos dos 4 mil e setecentos milhões de cortes, entenda-se, porque esses são a "a manutenção dos compromissos do estado português".
O que sustenta este governo é do domínio da pura política, a vital sobrevivência a nível nacional e europeu do "bom aluno", mesmo com sacrifício do "rigor orçamental". Foi isso que Gaspar suspeitou. (url) (url) 7.7.13
O NAVIO FANTASMA (13)
Nunca em toda a minha vida, antes ou depois do 25 de Abril, senti um tão agudo ambiente de "luta de classes". Os de baixo contra os de cima. os de cima contra os de baixo. Os de cima que fazem de conta que não há os de baixo, não existem, ponto. Os de baixo que se pudessem apanhar os de cima, sem a corte de guarda-costas, os fariam passar um mau bocado. Sem organização, sem instigação, como quem respira.
Em 1974-5, o conflito era de outra natureza, era dominantemente político, e não tinha essa fractura social evidente e agressiva como base. Era sobre liberdade e ditadura, sobre o Portugal do passado mais do que sobre o Portugal do futuro. Com excepção dos retornados, pouca gente sofreu nesses anos, nem mesmo os presos pelos mandatos de captura em branco do Otelo, ou as centenas de MRPP presos. Dez anos bastaram para normalizar a democracia, acabar com os restos do PREC, absorver os retornados, sem feridas permanentes.
Agora as feridas vão ser profundas e vão durar muito tempo. A identidade do país soçobrou dentro da Europa a favor da burocracia de Bruxelas e do directório alemão. Antes era por inconsciência, agora é pela necessidade. Mas, antes e agora, porque a nossa elite dirigente tem em pequena conta o país, não gosta dos portugueses, desconhece a nossa história e tradições, e está dominada por interesses. Não lhes passa pela cabeça que, agora que as pessoas têm que comer terra, talvez escolhesssem comer a mesma terra que comem e vão comer no futuro, sem ter que suportar a tutela arrogante de quem, nos desprezando, nos dá lições de moral e disciplina.
O tecido social está rasgado, o país deslaçado, onde um discurso de guerra civil penetra, fazendo o vizinho dono de um pequeno café, vergado de impostos, voltar-se contra o vizinho professor em vésperas de ser "requalificado", em vez de olhar para cima, para quem de forma leviana e muitas vezes incompetente, balizado apenas pelo círculo de ferro do nossso establishment, no qual a banca define a pertença e a exclusão, está a conduzir uma operação de empobrecimento colectivo de muitos para salvar a "economia" de poucos. E esses poucos, são os que nos colocaram na situação em que estamos.
Hoje há reacção, reacção de reaccionarismo. Há um acantonamento de emergência com armas e bagagens do lado do governo, preparado para tudo, para ser agressivo, para fazer todas as chantagens (a chantagem teve um papel nesta crise) , a cilindrar tudo e todos à frente. Do outro lado, tem um enorme vazio, Antònio José Seguro, o homem que não existiu nesta crise, porque eleições antecipadas era a última coisa que queria, em razão inversa das vezes de que falou nelas. À direita aconselham-no a "fazer de morto", para castrar todas as veleidades de ele fazer qualquer oposição que se veja. É um conselho errado, porque ele está já de há muito morto, não precisa de se "fazer". E está morto do lado deste Navio Fantasma que é o governo.
E depois tem um BE encurralado e sem estratégia, e um PCP, há muito tempo numa posição defensiva, que tem um papel fundamental nos sindicatos (sem a acção sindical de resistência, real ou potencial, ninguém falaria de "cansaço da austeridade" e o governo e a troika teriam ido muito mais longe na criação do país de mão de obra barata e disciplinada que pretendem) , mas é inútil no plano político. Os "indignados" e companhia tem folclore a mais e a actuação pelas redes sociais é no essencial preguiçosa e atentista.
Ou seja, a maioria dos de baixo está entregue à fúria populista e ao desespero.
(Continua.)
(url) (url) 6.7.13
O NAVIO FANTASMA (12)
Já repararam que em todas as discussões sobre o novo governo, não tem nenhum papel a condição social dos portugueses, as suas dificuldade, o empobrecimento, o desemprego, tudo que diz respeito ao sofrimento dos homens comuns? Fala-se em economia, mas é das empresas que se fala, fala-se de política, mas é do jogo partidário que se fala, fala-se de quem ganha e quem perde, mas é como se fosse futebol. Este vazio é o mais dramático sinal da captura da política portuguesa por interesses e por um discurso público superficial e dominado pela gramática do poder.
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O NAVIO FANTASMA (11)
Agora virá o spin e os briefings podem recomeçar. Os nossos intelectuais no governo vão-nos explicar que tudo isto mostra a "liderança do Primeiro-ministro" (se quem mandar neles for Passos Coelho), e como um governo "renovado" voltado para o "crescimento" vai fazer "arrancar a economia (se quem mandar neles for Portas)". No mundo real virá o novo plano de austeridade conhecido como "reforma do estado", o mais grave de todos.
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O NAVIO FANTASMA (9)
Se Portas voltar ao governo, para além das evidentes questões de carácter, notar-se-á que saiu como ministro e entrará como subsecretário de estado, qualquer que seja o título que se atribua. Se alguma vez pretender exercer mais do que o seu poder nominal, teremos mais uma crise política. Se ficar calado e quieto, apenas a vender a sua imagem, coisa que todos lhe permitirão fazer com cada vez menor preocupação devido ao estado calamitosa da dita, então a "solução" governativa será mais "estável". (url) (url) Vejo com alguma ironia o esforço de Poiares Maduro e Lomba de darem uma “política de comunicação” a este governo. Reconheço no seu esforço alguma coisa que já há muitos anos ingenuamente tentei, com as mesmas ilusões que eles têm, tendo como resultado um desastre completo. Nos meus primeiros anos do Parlamento, pensava que faltava ao Governo de Cavaco Silva uma “política de comunicação”, coisa aliás entendida como bizarra pelo PSD da altura, que considerava que mais importante do que aquilo que aparecia nos jornais era a relação “orgânica” com o povo português. Barbosa de Melo tinha teorizado essa dicotomia numa reunião do partido, desprezando qualquer tentativa de “esclarecer” a imprensa. Não tinha toda a razão, mas tinha alguma: a política é mais importante do que a “comunicação política”, e mesmo que nessa altura ainda existisse essa ligação “orgânica”, o papel crescente dos media, em particular a televisão, então muito incipiente, iria colocar problemas novos.
ILUSÕES
Pensava que era importante um meio para falar com os jornalistas que não fosse a combinação de pequenos-almoços reservados com directores dos órgãos de comunicação, que eram mantidos fora do conhecimento do público em grande parte porque eram um privilégio que vinha com o posto, com as fugas sistemáticas, que eram “propriedade” privadas dos jornalistas num ambiente então muito competitivo de carreiras pessoais. Pensei, com muita ingenuidade, repito, que seria possível fornecer aos jornalistas aquilo que era informação de background que não podia ser citada, mas cujo conhecimento era importante para se escrever sobre determinadas matérias.
Havia muitas razões para isto não funcionar. Os jornalistas estavam numa fase muito competitiva da imprensa escrita, queriam acesso individualizado e não colectivo, queriam “fontes” com pernas, na péssima tradição da nossa imprensa de viver de informação política anónima, ou seja, opiniões, intrigas, recados, que nenhum manual deontológico de bom jornalismo entende como sendo justificado, mas que, mesmo assim, continua a ser o cerne da informação política. Na época os jornalistas recusaram esses briefings, nas “catacumbas da assembleia” como diziam, e retrospectivamente dou-lhes alguma razão. Não toda, porque muitas vezes aquilo que não se aceitava com regras do jogo, aceitava-se com mais facilidade em fontes inquinadas e em recados. Seja como for, estávamos em tempos muito primitivos destas coisas, longe da promiscuidade actual, mas também da enorme fragilidade profissional e das redacções precárias dos dias de hoje. Hoje, esta ecologia, que era essencialmente a da imprensa escrita, já não é a mesma e o governo tem um batalhão de assessores e agências de comunicação, que tornam a relação com os jornalistas muito menos transparente.
PERIGOS
Mas o que me surpreende, é a facilidade com que hoje os jornalistas aceitam a fórmula, eles que estão sempre de boca cheia contra as “restrições” à liberdade de informação. O que acontece a um jornalista que consegue obter de outras fontes a mesma informação que lhe foi dada em off no briefing diário? Passa a ser impedido de lá ir? Como é que se mede a “autoridade” e a veracidade do que é lá dito? Como é que matérias conhecidas sob reserva podem depois surgir em perguntas em on?
Os briefings irão correr mal, por múltiplas razões facilmente compreensíveis, algumas vindas do “outro” lado, onde a experiência destas coisas não é substituída apenas pelo intelecto.
Haverá uma “linha”, “mensagens”, “recados”? Mas isso não é matéria jornalística a não ser com distanciação. O resto, as informações, é um terreno perigoso e pantanoso. Por exemplo, será dada informação sobre os conselhos de ministros, sobre posições do ministro A ou B, informações danosas obtidas por via do estado sobre a governação PS, dados sobre as posições do governo e da troika? Serão informações “positivas”, porque o governo presume-se que não será masoquista E como confirmar? E acima de tudo: como é que se pode evitar a manipulação e a endoutrinação? Os jornalistas dirão que a partir daí fazem o seu trabalho com as regras da sua profissão, mas, mesmo quando não há briefings, a tendência para aceitar a linguagem do poder é uma das maiores fraquezas da nossa comunicação social, mesmo quando parece muito de contra-poder. Por exemplo, veja-se o relato governamentalizado da primeira privatização, a da EDP, “exemplar”, “transparente”, libertando o estado de quaisquer ónus, etc, e cujos contornos só mais tarde vieram a ser conhecidos. Veja-se a tendência para designar, como o poder deseja, os cortes e despedimentos na função pública como “reforma do estado”. E muito mais. ANEXO: OS RESULTADOS DO PRIMEIRO BRIEFING EM OFF Relato típico de um jornal do briefing em off (comentarei isto no próximo Ponto Contraponto)
Isto é apenas pura propaganda.
RESULTADOS
O que vai ficar desta experiência é mais um terreno pantanoso entre o poder e os jornalistas, mas também uma potencial factor de conflito dentro do governo. Alguém acredita que Maduro e Lomba tem a autoridade e a experiência para saberem que há certas coisas que um ministro A ou B querem ou não querem que sejam ditas, em on, em off, ou em informal on-off? Muitos ministros não são meninos de coro, andam neste negócio das fugas e “recados” há demasiado tempo, nos partidos e nos governos, para não desconfiarem do voluntarismo comunicacional dos jovens propagandistas. E acima de tudo: nestes momentos de crise, nenhuma nuvem de palavras esconde o que é mau, má governação, má política, incompetência.
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© José Pacheco Pereira
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