Vejo com alguma ironia o esforço de Poiares Maduro e Lomba de darem uma “política de comunicação” a este governo. Reconheço no seu esforço alguma coisa que já há muitos anos ingenuamente tentei, com as mesmas ilusões que eles têm, tendo como resultado um desastre completo.
Nos meus primeiros anos do Parlamento, pensava que faltava ao Governo de Cavaco Silva uma “política de comunicação”, coisa aliás entendida como bizarra pelo PSD da altura, que considerava que mais importante do que aquilo que aparecia nos jornais era a relação “orgânica” com o povo português. Barbosa de Melo tinha teorizado essa dicotomia numa reunião do partido, desprezando qualquer tentativa de “esclarecer” a imprensa. Não tinha toda a razão, mas tinha alguma: a política é mais importante do que a “comunicação política”, e mesmo que nessa altura ainda existisse essa ligação “orgânica”, o papel crescente dos media, em particular a televisão, então muito incipiente, iria colocar problemas novos.
ILUSÕES
Pensava que era importante um meio para falar com os jornalistas que não fosse a combinação de pequenos-almoços reservados com directores dos órgãos de comunicação, que eram mantidos fora do conhecimento do público em grande parte porque eram um privilégio que vinha com o posto, com as fugas sistemáticas, que eram “propriedade” privadas dos jornalistas num ambiente então muito competitivo de carreiras pessoais. Pensei, com muita ingenuidade, repito, que seria possível fornecer aos jornalistas aquilo que era informação de background que não podia ser citada, mas cujo conhecimento era importante para se escrever sobre determinadas matérias.
Havia muitas razões para isto não funcionar. Os jornalistas estavam numa fase muito competitiva da imprensa escrita, queriam acesso individualizado e não colectivo, queriam “fontes” com pernas, na péssima tradição da nossa imprensa de viver de informação política anónima, ou seja, opiniões, intrigas, recados, que nenhum manual deontológico de bom jornalismo entende como sendo justificado, mas que, mesmo assim, continua a ser o cerne da informação política.
Na época os jornalistas recusaram esses briefings, nas “catacumbas da assembleia” como diziam, e retrospectivamente dou-lhes alguma razão. Não toda, porque muitas vezes aquilo que não se aceitava com regras do jogo, aceitava-se com mais facilidade em fontes inquinadas e em recados. Seja como for, estávamos em tempos muito primitivos destas coisas, longe da promiscuidade actual, mas também da enorme fragilidade profissional e das redacções precárias dos dias de hoje. Hoje, esta ecologia, que era essencialmente a da imprensa escrita, já não é a mesma e o governo tem um batalhão de assessores e agências de comunicação, que tornam a relação com os jornalistas muito menos transparente.
PERIGOS
Mas o que me surpreende, é a facilidade com que hoje os jornalistas aceitam a fórmula, eles que estão sempre de boca cheia contra as “restrições” à liberdade de informação. O que acontece a um jornalista que consegue obter de outras fontes a mesma informação que lhe foi dada em off no briefing diário? Passa a ser impedido de lá ir? Como é que se mede a “autoridade” e a veracidade do que é lá dito? Como é que matérias conhecidas sob reserva podem depois surgir em perguntas em on?
Os briefings irão correr mal, por múltiplas razões facilmente compreensíveis, algumas vindas do “outro” lado, onde a experiência destas coisas não é substituída apenas pelo intelecto.
Haverá uma “linha”, “mensagens”, “recados”? Mas isso não é matéria jornalística a não ser com distanciação. O resto, as informações, é um terreno perigoso e pantanoso. Por exemplo, será dada informação sobre os conselhos de ministros, sobre posições do ministro A ou B, informações danosas obtidas por via do estado sobre a governação PS, dados sobre as posições do governo e da troika? Serão informações “positivas”, porque o governo presume-se que não será masoquista E como confirmar?
E acima de tudo: como é que se pode evitar a manipulação e a endoutrinação? Os jornalistas dirão que a partir daí fazem o seu trabalho com as regras da sua profissão, mas, mesmo quando não há briefings, a tendência para aceitar a linguagem do poder é uma das maiores fraquezas da nossa comunicação social, mesmo quando parece muito de contra-poder. Por exemplo, veja-se o relato governamentalizado da primeira privatização, a da EDP, “exemplar”, “transparente”, libertando o estado de quaisquer ónus, etc, e cujos contornos só mais tarde vieram a ser conhecidos. Veja-se a tendência para designar, como o poder deseja, os cortes e despedimentos na função pública como “reforma do estado”. E muito mais.
ANEXO: OS RESULTADOS DO PRIMEIRO BRIEFING EM OFF
Relato típico de um jornal do briefing em off (comentarei isto no próximo Ponto Contraponto)
Fonte oficial
do governo diz que o executivo vai entrar agora numa segunda
fase, a do crescimento, mas que isso não significa uma “mudança”, mas uma
evolução (,,,) E é na escolha de Maria Luís
Albuquerque que, segundo a mesma fonte, assenta a força da “liderança” do
primeiro-ministro. Isto porque, na carta de demissão do ministro das
Finanças, Gaspar escreve que a sua saída pode contribuir para o reforço da
liderança do chefe do governo. Perante estas palavras, a fonte oficial do governo diz que “um sinal muito
forte da capacidade de liderança do primeiro-ministro” foi a escolha
de Maria Luís Albuquerque .
Isto é apenas pura propaganda.
RESULTADOS
O que vai ficar desta experiência é mais um terreno pantanoso entre o poder e os jornalistas, mas também uma potencial factor de conflito dentro do governo. Alguém acredita que Maduro e Lomba tem a autoridade e a experiência para saberem que há certas coisas que um ministro A ou B querem ou não querem que sejam ditas, em on, em off, ou em informal on-off? Muitos ministros não são meninos de coro, andam neste negócio das fugas e “recados” há demasiado tempo, nos partidos e nos governos, para não desconfiarem do voluntarismo comunicacional dos jovens propagandistas. E acima de tudo: nestes momentos de crise, nenhuma nuvem de palavras esconde o que é mau, má governação, má política, incompetência.